606 HANSENÍASE: DETECÇÃO PRECOCE PELO ENFERMEIRO NA ATENÇÃO PRIMÁRIA LEPROSY: EARLY DETECTION BY NURSES IN PRIMARY CARE Rogério de Carvalho Filho Graduado em enfermagem pelo Centro Universitário do Leste de Minas Gerais – UnilesteMG. [email protected] Suellen Sathler dos Santos Graduada em enfermagem pelo Centro Universitário do Leste de Minas Gerais – UnilesteMG. [email protected] Neila Maria de Morais Pinto Enfermeira. Especialista em Saúde Pública. Especialista em Ativação de Processos de Ensino na Formação Superior de Profissionais da Saúde. Docente do Curso de Enfermagem do Centro Universitário do Leste de Minas Gerais – UnilesteMG. RESUMO A hanseníase ainda representa um grave problema de saúde pública. Para se evitar as seqüelas e as complicações é necessário que o enfermeiro realize a suspeição diagnóstica da doença, ressaltando também que tratamento precoce pode quebrar a cadeia de transmissão da hanseníase. O objetivo da pesquisa foi conhecer quais ações são desenvolvidas pelo profissional de saúde enfermeiro, atuante na atenção primária, especificamente na Estratégia de Saúde da Família (ESF) do município de Ipatinga – MG, para identificar previamente sinais e sintomas que levem a suspeitar da doença hanseníase. Tratase de um estudo do tipo descritivo com abordagem qualitativa. A coleta de dados foi realizada com os enfermeiros atuantes das ESF’s do município de Ipatinga. Como instrumento foi elaborado uma entrevista de auto-relato estruturado contendo perguntas que caracterizavam o conhecimento e as ações desempenhadas pelos enfermeiros quanto à detecção precoce. Os resultados obtidos no presente estudo permitiram evidenciar que grande parte dos enfermeiros estão sensibilizados com a doença hanseníase, mas que reconhecem não possuir capacitação, nem se sentem seguros para realizar suspeição diagnóstica ao portador de hanseníase, além de ressaltar que algumas consultas de enfermagem eram limitadas apenas ao encaminhamento do paciente à clínica médica e também sobre a problemática da contra-referência no município. Salienta-se então, que todos devem se sentir envolvidos e co-responsáveis, em todas as esferas, não somente por parte dos profissionais de saúde, mas também pela população geral. PALAVRAS-CHAVE: Hanseníase. Diagnóstico. Enfermeiro. ABSTRACT Leprosy remains a serious public health problem, to avoid the sequelae and complications is necessary for nurses to perform the diagnostic suspicion of the disease, stressing also that early treatment can break the chain of transmission of leprosy. The purpose of this research was to know what actions are developed by the health professional nurse, active in primary care, specifically in the Family Health Strategy (FHS) in the municipality of Ipatinga - MG to identify in advance signs and symptoms that lead to the suspicion of disease leprosy. This is a descriptive study with qualitative approach. Data collection was Revista Enfermagem Integrada – Ipatinga: Unileste-MG - V.3 - N.2 - Nov./Dez. 2010. 607 performed and the nurses of the FHT's the city of Ipatinga. Instrument was developed as a self-report interview containing structured questions that characterized the knowledge and the actions performed by nurses about early detection. The results of this study have highlighted that most nurses are aware of the disease leprosy, but recognize that you do not have training or feel safe to perform diagnostic suspicion for leprosy patients, and note that some nursing visits were limited only referring a patient to the medical clinic and also on the issue of cross-reference in the municipality. It is noted then, that everyone must feel involved and share responsibility in all spheres, not only by health professionals but also for the general population. KEY WORDS: Leprosy. Diagnosis. Nurse. INTRODUÇÃO Ainda nos tempos modernos não se sabe ao certo a origem da hanseníase, conhecida como doença de Hansen ou Lepra, morféia, mal morfético, mal de São Lázaro e peste negra. Por existir vários relatos históricos antigos ao redor do mundo, a possibilidade de uma origem multifocal não pode ser afastada, conforme Margarido e Rivitti (2007). “Considerada como castigo divino por muitas religiões, os “leprosos” eram isolados e condenados a viver fora das cidades, em isolamentos ou em leprosários (colônias)” (MARGARIDO; RIVITTI, 2007, p. 940). A hanseníase representa ainda hoje, um problema de saúde pública. Doença infecciosa de fácil tratamento e cura tem como fator agravante à repercussão sóciopsicológica gerada pelas incapacidades físicas que podem ocorrer na evolução da doença e que são a grande causa do estigma e isolamento do paciente na sociedade (MINAS GERAIS, 2006). Em comum acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS) o Brasil tem como meta à eliminação da hanseníase como problema de saúde pública até o final de 2010, onde se espera que todos os municípios atinjam uma taxa de prevalência de menos de um doente por 10.000 habitantes (BRASIL, 2006). Para Minas Gerais (2000), dentre os fatores identificados que impedem o alcance desta meta está a permanência de casos não diagnosticados, prevalência oculta, responsáveis pela manutenção de fontes de contágio na população. O aumento, urgente, da cobertura das ações de controle da doença para todas as unidades de saúde dos municípios endêmicos faz parte de uma política de descentralização que vem sendo desenvolvida pelo Ministério da Saúde (MS), tendo como estratégia o Programa de Saúde da Família (BRASIL, 2000). Atualmente, a melhor estratégia para a eliminação da doença, para o diagnóstico precoce e melhoria na qualidade do atendimento ao portador da hanseníase é a integração dos programas de controle da doença na rede básica de saúde, facilitando o acesso ao tratamento, à prevenção de incapacidades e a diminuição do estigma e da exclusão social (DIAS; PEDRAZZANI, 2008). Assim, segundo Brasil (2005) o diagnóstico da hanseníase deve ser realizado durante as atividades diárias dos serviços de saúde à população e o tratamento imediato com poliquimioterapia (PQT) são fundamentais para quebrar a cadeia de Revista Enfermagem Integrada – Ipatinga: Unileste-MG - V.3 - N.2 - Nov./Dez. 2010. 608 transmissão da doença. O diagnóstico clínico da hanseníase pode ser determinado através da anamnese e exame físico minucioso, posteriormente deve ser realizado também o diagnóstico laboratorial e diferencial. Segundo Margarido e Rivitti (2007, p.965) o diagnóstico clínico da hanseníase se baseia nos exames dermatológico e neurológico, pesquisa de nervos periféricos, à procura de espessamentos; seguido das provas de sensibilidade superficial; da histamina ou pilocarpina. É importante saber que o tratamento da hanseníase promove a cura, e que os cuidados profiláticos previnem a ocorrência de deformidades, que uma vez presente, tornam-se irreversíveis. É fundamental tratar o preconceito e estigma que ainda existem, para que o paciente não se sinta excluído (MARTINS et al., 2005, p. 244). Apesar da intensa divulgação da hanseníase, através de órgãos públicos, propagandas e meios de comunicação, a identificação dos sinais e sintomas dermatoneurológicos não está sendo feito com eficácia, evoluindo assim de forma crônica e com deformidades ao paciente (BRASIL, 2005). O diagnóstico precoce e o tratamento adequado permitem que se obtenha a cura da doença, sem deixar seqüelas (incapacidades físicas e sociais). É de suma importância, portanto, que o profissional de saúde tenha subsídios que facilitem identificar, diagnosticar e tratar a hanseníase (MINAS GERAIS, 2006). Na Estratégia Saúde da Família (ESF), a enfermagem faz parte de um processo coletivo de trabalho, atuando diretamente nas ações de controle da hanseníase seja individualmente com o portador, sua família ou comunidade; os profissionais atuam na prevenção da doença, busca e diagnóstico dos casos, tratamento e seguimento dos portadores, prevenção e tratamento das incapacidades, gerência das atividades de controle, sistema de registro e vigilância epidemiológica e pesquisas (PEDRAZZANI, 1995). Mediante o exposto, motivou-se a realização da pesquisa para identificar qual o conhecimento dos enfermeiros, que atuam na ESF, sobre a detecção precoce da hanseníase. Nesse sentido, o estudo torna-se relevante por buscar contribuir para o melhor desempenho do profissional enfermeiro na detecção precoce da doença proporcionando um tratamento mais rápido, prevenindo maiores seqüelas aos indivíduos por ela acometidos, mantendo-os no convívio social, sem incapacidades e deformidades, além de interromper a cadeia de transmissão da doença. Deste modo o trabalho objetiva conhecer quais ações são desenvolvidas pelo enfermeiro, atuante na atenção primária, especificamente na ESF do município de Ipatinga - MG, para identificar previamente sinais e sintomas que levem a suspeitar da doença hanseníase, verificando o conhecimento destes sobre a doença. METODOLOGIA Revista Enfermagem Integrada – Ipatinga: Unileste-MG - V.3 - N.2 - Nov./Dez. 2010. 609 Trata-se de um estudo do tipo descritivo com abordagem qualitativa. Foi considerado como critério de inclusão enfermeiros, que atuam na Estratégia da Saúde da Família, no município de Ipatinga-MG. A coleta de dados foi realizada no período de novembro de 2009 a janeiro de 2010, quando os pesquisadores se dirigiram às equipes de saúde da família, no local de trabalho dos pesquisados, para abordagem aos profissionais explicando o objetivo da pesquisa. A população total de enfermeiros atuantes nas ESF’s no município de Ipatinga no período definido para coleta de dados era de 36 profissionais, instalados em 14 unidades de ESF’s, sendo que a amostra por conveniência se constituiu de 33 destes profissionais que manifestaram desejo para participar, sendo que dois se encontravam de férias e um se recusou a participar da pesquisa. Como instrumento para a coleta de dados foi elaborada uma entrevista de autorelato estruturado contendo perguntas que caracterizavam o conhecimento e as ações desempenhadas pelos enfermeiros quanto à detecção precoce da hanseníase. De acordo com Polit, Beck e Hungler (2004) a técnica de auto-relato estruturado é coletada por meio de um instrumento conhecido como formulário ou roteiro de entrevista quando as questões são feitas oralmente, no formato face a face ou por telefone, ou seja, os pesquisadores estruturam questões apropriadas para obter informações necessárias a sua pesquisa. As entrevistas foram aplicadas em uma sala disponibilizada dentro do espaço físico da própria ESF, com horário agendado e adequado ao tempo do entrevistado, sendo gravadas em aparelhos digitais, “MP4 player”. Cada pessoa foi abordada uma única vez, com tempo aproximado de 15 minutos para duração do encontro. As entrevistas foram gravadas, e transcritas pelos pesquisadores após realização das mesmas. Para análise dos dados, inicialmente foi realizada leitura minuciosa e repetida das respostas obtidas, selecionadas as informações relevantes para o estudo, destacadas as idéias centrais. A partir da análise e interpretação dos dados, estabeleceu-se uma relação entre a visão dos pesquisados e o referencial teórico para a construção das discussões. Como garantia de preservação do anonimato dos participantes, os mesmos foram identificados através do nome “Enfermeiro” acrescido de um número seqüencial. Os resultados foram apresentados através de tabela e categorias. Para Minayo (2007), as categorias possuem conotação classificatória, são conhecidas como classes que reúnem um grupo de elementos sob um título genérico, pois esses possuem caracteres em comum. Esta pesquisa contemplou a Resolução 196/96 do Conselho Nacional em Saúde que regulamenta pesquisa com seres humanos (BRASIL, 1996). O projeto de pesquisa foi aprovado pela Secretaria Municipal de Saúde do município de Ipatinga–MG através da assinatura do Termo de Autorização para Realização da Pesquisa. O projeto foi encaminhado ao Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) do UnilesteMG e aprovado com o protocolo de pesquisa nº 29.170.09. Os profissionais que aceitaram participar assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Revista Enfermagem Integrada – Ipatinga: Unileste-MG - V.3 - N.2 - Nov./Dez. 2010. 610 RESULTADOS E DISCUSSÃO Na caracterização dos profissionais, foram abordados idade, sexo, o tempo de experiência profissional na Estratégia de Saúde da Família e se realizaram algum curso voltado à assistência ao portador de hanseníase como visto na TAB. 1. TABELA 1 Perfil dos enfermeiros entrevistados Categorias n % Sexo Masculino Feminino 10 23 30,3% 69,7% Idade (anos) 21 - 30 31 - 40 41 - 50 51 - 60 19 10 3 1 57,6% 30,3% 9,1% 3,0% Experiência na ESF Menos de um ano Entre 1 e 3 anos Mais de 3 anos 2 11 20 6,1% 33,3% 60,6% 15 18 33 45,5% 54,5% 100,0% Capacitação em Hanseníase Possui Não possui Total A TAB.1 mostra que os enfermeiros do estudo apresentam-se com uma faixa etária em média de 31 anos, do total de entrevistados 23 são do gênero feminino e 10 do gênero masculino, atuam em Unidades da Estratégia da Saúde da Família em média de três anos e nove meses. Quinze enfermeiros declararam possuir capacitação sobre hanseníase e 18 enfermeiros não possuem capacitação específica sobre o tema. O tempo de trabalho na Estratégia de Saúde da Família mostrou-se diferenciado, tal situação é importante, pois acredita-se que quanto maior for a experiência, melhor será a qualidade da assistência oferecida pelo profissional no que diz respeito ao processo de suspeição diagnostica e o cuidar dos pacientes de hanseníase e seus familiares. Também o número de profissionais que relataram não ter curso voltado à assistência ao portador de hanseníase é significativo, pois, suspeitar da doença, cuidar de maneira competente de portadores de hanseníase, implica ter amplos conhecimentos sobre a patologia (anatomia e fisiologia) e como lidar com aspectos psicossociais tão presentes na vida dos doentes. Os resultados foram divididos em quatro categorias de análise que são: conhecimento sobre a hanseníase, suspeitando da hanseníase, identificando a hanseníase e obstáculos e desafios para o diagnóstico precoce. Revista Enfermagem Integrada – Ipatinga: Unileste-MG - V.3 - N.2 - Nov./Dez. 2010. 611 Conhecimento sobre a hanseníase De acordo com Moreno, Enders e Simpson (2008) a hanseníase é considerada uma doença infectocontagiosa, crônica, causada pela Mycobacterium leprae, também conhecido como bacilo de Hansen. O descobridor deste bacilo foi Gerhard Armaeur Hansen, em 1868, na Noruega e só a partir dessa data que a Hanseníase foi considerada como infectocontagiosa, pois acreditava-se na hereditariedade e na punição divina. Este bacilo é um parasito intracelular obrigatório que tem afinidade por nervos periféricos e células cutâneas, causando assim uma maior possibilidade de incapacidades na pessoa infectada. Quando questionados sobre o entendimento referente à hanseníase, os participantes descreveram de forma simples, o que entendem sobre a doença, citando que a hanseníase é uma doença transmissível quando não tratada e é totalmente passível de cura. Como pode-se verificar nos relatos: Eu entendo que é uma doença, transmissível por via respiratória, provocada por um bacilo, que compromete pele e nervos, é uma doença tratável e curável (ENFERMEIRO 15). A hanseníase ela é uma doença infectocontagiosa, e transmite através do contato de vias respiratórias, paciente bacilífero passa para o paciente susceptível. É uma doença que tem tratamento e cura, se for precocemente detectado. (ENFERMEIRO 5). Percebeu-se que os entrevistados enfatizam a importância do tratamento da hanseníase para a cura o que condiz com o estudo de Souza (2000) que declara a importância do diagnóstico precoce da doença pelos profissionais da saúde e o início rápido do tratamento poliquimioterápico podendo interromper a cadeia de transmissão da doença, impedindo assim as suas possíveis complicações e incapacidades. O agente etiológico, formas de transmissão, condições socioeconômicas, principais áreas de acometimento, surgimento de manchas com alteração da sensibilidade também foram citados na definição do conceito de hanseníase: Olha a hanseníase, ela é uma doença, causada pelo bacilo de hansen, e geralmente ela acomete pessoas com nível socioeconômico mais baixo, geralmente principalmente pela questão socioeconômica mesmo, porque pessoas que vivem num ambiente mais fechado... (ENFERMEIRO 13). A hanseníase é uma doença crônica, que causa manchas na perna, na pele, altera a sensibilidade dos nervos, da sensação tanto dolorosa, quanto térmica do indivíduo, é uma doença que tem cura, ela está relacionada com questões precárias, as questões de habitação, de saúde, e que vem desde muitos anos na civilização, uma das doenças mais antigas que a gente tem (ENFERMEIRO 20). Notou-se referências às condições socioeconômicas ambientais precárias relacionadas à hanseníase, sendo que as áreas populosas tornam-se um meio de Revista Enfermagem Integrada – Ipatinga: Unileste-MG - V.3 - N.2 - Nov./Dez. 2010. 612 disseminação fácil da doença o que condiz com Brasil (2002) que afirma que está doença infectocontagiosa se apresenta em maior freqüência em áreas com muitas pessoas (superpopulação), favorecendo a disseminação da mesma, pessoas que vivem em precárias condições de vida, subalimentação e ainda apresentam moléstias debilitantes. Sendo que na maior parte do mundo a prevalência é maior em homens do que em mulheres, considerado uma relação de dois para um. Foi lembrado por alguns entrevistados também os estigmas, preconceitos e discriminações que esta doença ainda carrega por parte da sociedade e até por profissionais da área da saúde: A hanseníase é uma doença infectocontagiosa, que é transmitida por via respiratória, que causa lesões no nervo, lesões cutâneas, manchas na pele com diminuição ou perda total da sensibilidade, nós sabemos também que os portadores de hanseníase eles enfrentam muito preconceito, da população, dos familiares, tem até da própria equipe de saúde às vezes (ENFERMEIRO 10). A hanseníase ainda é uma doença muito cheia de estigma, onde as pessoas têm muito medo de falar, cercado de muito preconceito ainda na nossa sociedade, mesmo com a troca do nome da doença conhecida nos tempos antigos, até bem pouco tempo, ela era conhecida como lepra tentou se mudar o nome, e, com o intuito de reduzir esse estigma, provavelmente conseguiu muito pouco resultado ainda em relação a esse preconceito, com relação à doença. (ENFERMEIRO 17). Observou-se que o preconceito e o estigma da doença ainda são prevalentes no cotidiano, dificultando assim que os doentes se sintam confortáveis para buscar tratamento ou simplesmente manifestar-se sobre a patologia, que vai de encontro ao estudo de Silva Junior et al. (2008) que relatam que o estigma da doença e a não aceitação da sociedade principalmente pelo preconceito vem sendo destacado de forma milenar, sendo que ao longo da história da humanidade, principalmente nos tempos bíblicos a lepra foi relacionada a pecado, impureza e punição. Este estigma social da doença está relacionado também aos leprosários, onde as pessoas que estavam infectadas pelo bacilo de Hansen permaneciam nestes locais longe do convívio da sociedade, eram excluídos e sofriam muitas agressões. Até hoje o preconceito prevalece, devido às incapacidades e as deformidades, sendo que a sociedade apresenta padrões culturais, morais, modos de pensar e de agir que fazem com que o portador da doença seja considerado inferior de acordo com o modelo de condição humana criada pela mesma, causando o isolamento do doente e os problemas sociais, psicológicos e até mesmo o abandono da família. Suspeitando da hanseníase Quando questionados sobre como suspeitam de um caso de hanseníase os entrevistados foram unânimes em dizer que através da presença de manchas com perda de sensibilidade no local. Além disso, mencionaram o comprometimento dos nervos periféricos, como relatado nas falas: Revista Enfermagem Integrada – Ipatinga: Unileste-MG - V.3 - N.2 - Nov./Dez. 2010. 613 ... se há perda de sensibilidade na pele desse paciente, se tem aumento de nervos desse paciente, uma vez também que a bactéria tem afinidade pelo nervo, acometendo esse nervo, e conseqüentemente com perda de sensibilidade, nervo doloroso naquela região afetada (ENFERMEIRO 17). A primeira suspeita de hanseníase seriam algumas manchas que às vezes o paciente queixa, que tenha aparecido, essas manchas, normalmente apresentam alguma perda de sensibilidade, a gente faz o teste de sensibilidade com microfilamentos, e a gente consegue fazer um diagnóstico prévio da doença. (ENFERMEIRO 8). ...uma mancha esbranquiçada ou avermelhada, normalmente indolor, sem sensibilidade, eu vejo também que a gente tem que levar em consideração às vezes, o problema do nervo na ausência também da mancha... (ENFERMEIRO 15). A perda de sensibilidade em manchas foi o primeiro critério lembrado pelos entrevistados para suspeição da hanseníase, indo de encontro à literatura da área. De acordo com Brasil (2005) que mais caracteriza um caso de hanseníase é quando o portador apresenta uma ou mais manifestações como: área da pele com diminuição ou perda da sensibilidade, baciloscopia positiva de esfregaço dérmico e acometimento de nervo(s) periférico(s) com espessamento neural. Citam também, que as manchas possuem coloração “branca” ou “avermelhada” e que na maioria das vezes é o próprio paciente ou uma pessoa mais próxima do paciente que informa sobre a mancha. Olha, geralmente são manchas, podem ser manchas hipocrômicas, ou seja sem cor, ou manchas avermelhadas, [...] lesões na pele, geralmente que a pessoa não tem sensibilidade nessas áreas, quando a gente tem essas características, a gente já pode suspeitar da hanseníase (ENFERMEIRO 13). Olha a maioria das vezes, eles apresentam alguma manchinha, tem manchas que apresentam no corpo, aí a gente percebe ou alguém que convive com a família... (ENFERMEIRO 19). A hanseníase em seu estágio inicial apresenta-se através de lesões na pele, manchas avermelhadas ou esbranquiçadas que têm como característica a perda da sensibilidade. Estas manchas podem apresentar-se com maior prevalência na face, orelhas, nádegas, braços, pernas, costas e mucosa nasal. Se estas manchas não forem diagnosticadas precocemente e tratadas podem comprometer os nervos periféricos, apresentando-se espessados, com diminuição da sensibilidade, comprometimento motor e autonômico (alterações de glândulas sudoríparas e sebáceas) nas áreas por eles inervados, o que pode levar às incapacidades e deformidades (BRASIL, 2002). Identificando a hanseníase Sobre qual a conduta ao se deparar com um caso suspeito de hanseníase, os entrevistados relataram sobre o teste de sensibilidade na mancha utilizando o Revista Enfermagem Integrada – Ipatinga: Unileste-MG - V.3 - N.2 - Nov./Dez. 2010. 614 estesiômetro e solicitação de teste de BAAR: Eu tenho o estesiômetro na minha sala, é uma das poucas salas de PSF que tem estesiômetro e no meu estágio quando eu fiz estágio em Diamantina, eu aprendi com uma médica, que era especialista em saúde pública, a fazer a consulta de hanseníase, então quando eu vejo um caso, que eu acho que seja suspeito, eu faço, todo o procedimento de protocolo, teste de sensibilidade ocular, uso o estesiômetro na mancha, desenho, inclusive tem um aqui, se vocês quiserem ver (ENFERMEIRO 26). Pedir o exame BAAR, de hansen e fazer um teste, após o exame se realmente for detectado a doença a gente encaminha pra dermatologia no caso, pra fazer acompanhamento, isso em conjunto com o médico, tanto o médico quanto o enfermeiro fazem a avaliação do teste de sensibilidade das mãos, dos pés, e ver os locais que tá com menos, é reação (ENFERMEIRO 02). Sabe-se que alguns exames auxiliam no diagnóstico da hanseníase, dentre eles podem ser citados a pesquisa de BAAR, sendo obtido por raspagem da mucosa nasal, nos cotovelos, joelhos ou nos lóbulos auriculares. A pesquisa de sensibilidade térmica, dolorosa e tátil, sendo a última realizada com estesiômetro ou monofilamentos de “Semmes-Weinstein" e a baciloscopia (BAAR) são condutas estas confirmadas por Martins et al. (2005). Foi mencionado também por alguns entrevistados a palpação de nervos periféricos como um sinal para o diagnóstico precoce da hanseníase: Primeira coisa, eu procuro manchas, avalio dormências com os filetes, faço palpação pra ver se tem alguma área que tem mais dormência, mais característica. Geralmente dormências nos braços e pernas. São os que mais geralmente acomete. A palpação dos nervos, a visualização das lesões (ENFERMEIRO 22). Quando a gente suspeita de caso de hanseníase, a primeira coisa que a gente faz é fazer o exame físico para ver a questão do comprometimento dos nervos periféricos que a pessoa tem, geralmente no braço e na perna. Existe o “examizinho” chamado de BAAR de hanseníase, que é a raspagem, faz raspagem no cotovelo, faz raspagem no lóbulo da orelha, espera o resultado chegar, dando positivo, a gente encaminha para a UISA faz a notificação, tem que fazer, e encaminha para UISA, que é o centro de referência da gente. (ENFERMEIRO 31). ...vou palpar os nervos, se tem algum nervo espesso, mais grosso, que fica mais altinho, eu olho, apalpo, nas pernas eu olho tudo, ai depois eu faço um teste assim pra ver se ele consegue apertar mesmo algum objeto, questão de força mesmo, porque fica com alguma dificuldade de força muscular mesmo ... (ENFERMEIRO 04). Os entrevistados acima enfatizaram a palpação dos nervos periféricos nos membros superiores e inferiores, alegando como relevante no diagnóstico precoce, o que condiz com Margarido e Rivitti (2007) que afirmam que os nervos periféricos na Revista Enfermagem Integrada – Ipatinga: Unileste-MG - V.3 - N.2 - Nov./Dez. 2010. 615 hanseníase se encontram afetados, sendo os mais acometidos: nervos ulnar, mediano, radial, fibular e tibial, sendo uma manifestação importante na suspeita diagnóstica à necessidade de palpação dos nervos periféricos à procura de espessamentos. Alguns profissionais, entretanto, citaram como única conduta de enfermagem frente uma suspeita diagnóstica o encaminhamento para a consulta médica: Eu encaminho pra consulta médica, pra ele estabelecer o diagnóstico (ENFERMEIRO 10). Encaminho à consulta médica, pra diagnosticar (ENFERMEIRO 32). Geralmente quando a gente tem alguma suspeita, como nós como enfermeiros a gente não pode ter a conduta, então a gente geralmente passa pro médico, porque o médico pede a avaliação da lesão, faz a avaliação, e ai já é encaminhado direto pra UISA (ENFERMEIRO 23). Então, o que eu falei anteriormente, eu encaminharia esse paciente para a avaliação médica, ali faria o diagnóstico e depois, esse paciente é mandado lá pra um outro departamento, que é lá na UISA, onde tem essa atenção toda da hanseníase (ENFERMEIRO 27). A não realização de testes para suspeita diagnóstica sugere a existência de dificuldade para a realização da consulta de enfermagem dirigida aos doentes e seus comunicantes. Assim, é preconizado ao enfermeiro, dentre outras atribuições, realizar avaliação clínica dermato-neurológica simplificada, avaliar estado de saúde do indivíduo e preencher formulários do sistema de informação em hanseníase (MINAS GERAIS, 2006). De acordo com Brasil (2002) os profissionais que atuam na rede primária de saúde, devem realizar a anamnese e o exame físico do paciente, sendo coletada sua história clínica, identificando os sinais e sintomas dermatoneurológicos da doença, contradizendo a conduta dos enfermeiros que unicamente encaminham para consulta médica. Obstáculos e desafios para o diagnóstico precoce As dificuldades informadas pelos enfermeiros foram as mais diversas. As principais referem-se à falta de capacitação e treinamentos de profissionais por parte da prefeitura onde os mesmo demonstraram um sentimento de despreparo frente aos casos de suspeita de hanseníase. Tenho dificuldade; a gente não teve capacitação para fazer o diagnóstico precoce, acho que tem que ser feito uma campanha mesmo, pra alertar a população, sobre o que é a doença, pra que eles possam me procurar, porque é através da procura deles, que a gente, detecta os casos (ENFERMEIRO 05). Como eu não me sinto capacitada para o atendimento, eu realizo a consulta de enfermagem e aí eu faço o devido encaminhamento para a avaliação médica (ENFERMEIRO 12). Revista Enfermagem Integrada – Ipatinga: Unileste-MG - V.3 - N.2 - Nov./Dez. 2010. 616 Olha, a gente precisa de treinamentos de capacitação mesmo, pra identificar mais a doença, no seu estágio inicial, pra evitar seqüelas, evitar também problemas sociais, então o que está faltando mesmo na rede pública hoje é capacitação, todo mundo tem idéia, sabe lá um pouquinho assim, um pouco da hanseníase, mas a gente não sabe como lidar bem com ela, mas, com capacitação a gente sabe que vai melhorar bastante a assistência (ENFERMEIRO 14). A falta de capacitação proporciona um sentimento de impotência diante dos problemas enfrentados, refletindo negativamente na qualidade do atendimento prestado por estes profissionais ao portador de hanseníase. Faz-se necessário uma capacitação continua nos serviços de saúde. De acordo com Brasil (2007) os profissionais que atuam na rede primária de saúde devem estar atentos para realizar a suspeição diagnóstica da hanseníase. Todos devem estar capacitados a identificar os sinais e sintomas da doença, sendo na comunidade em geral ou em grupos. Alegaram também que por ter um serviço centralizado de atendimento dos portadores de hanseníase, localizado na Unidade Integrada de Saúde (UISA), não existe uma contra-referência eficiente nos casos diagnosticados de hanseníase, o que deixaria a unidade sem informações atualizadas a cerca do paciente. Sim, a gente encontra muita dificuldade, até mesmo pelo fato de ser, uma doença ainda com tratamento centralizado no município, a gente acaba perdendo um pouco o contato do dia-a-dia com esse paciente, conseqüentemente, a gente acaba ficando distante, a gente vai distanciando dessa doença, embora seja muito freqüente no nosso dia-a-dia, e muitas vezes passa desapercebido, por falta mesmo de uma dedicação maior nisso, eu acho que falta capacitação pra esses profissionais pra que no dia-a-dia ele possa conviver, é... com esses pacientes, tratar esses pacientes e prevenir mesmo essa doença. (ENFERMEIRO 17). ...Precisa de uma melhor referência e contra-referência aqui em nosso município, porque às vezes a gente encaminha esse paciente, pro centro de referências e ele se perde, e nós não temos o retorno dele na unidade... (ENFERMEIRO 10). De acordo com Brasil (2002) o paciente com diagnóstico de hanseníase deverá ser encaminhado para uma unidade de referência somente quando houver necessidade de cuidados especiais, como no caso de intercorrências graves ou para correção cirúrgica. Nestes casos, após a realização do procedimento indicado, o paciente deve retornar para o acompanhamento rotineiro em sua unidade básica. A contra-referência é de fundamental importância para a continuação dos serviços prestados na atenção à saúde do paciente, a não realização da mesma pode resultar em furos nos sistemas e no acompanhamento do mesmo. Indo de encontro ao estudo de Juliani e Ciampone (1999) que afirmam que o objetivo da referência e contrareferência seria garantir o acesso e a continuidade do atendimento prestado ao paciente, constituindo assim a articulação entre os níveis de complexidade do sistema de saúde e da integralidade à assistência. A contra-referência possibilita a organização Revista Enfermagem Integrada – Ipatinga: Unileste-MG - V.3 - N.2 - Nov./Dez. 2010. 617 do fluxo dos pacientes, o trânsito do fluxo de maior complexidade para o de menor, resolvendo os problemas e as necessidades dos usuários, assegurando a continuidade dos serviços. A necessidade de maior divulgação com relação à doença pelos profissionais e pela mídia foi outro ponto destacado, pois acreditam que muitos pacientes são carentes de informação, necessitando também de maior conscientização da população. A alta rotatividade dos profissionais nos serviços de atenção primária foi lembrada como fator que interfere na qualidade do atendimento. A dificuldade é essa falta informação dos profissionais de saúde, e falta de informação da população que não sabem quais são os sintomas e sinais da doença (ENFERMEIRO 31). ...eu acho que teria que ter um preparo melhor dos próprios profissionais, porque eu não estou falando que eles não estão preparados, mas é a rotatividade, o problema é esse, a rotatividade desses profissionais, eu acho que dificulta o diagnóstico precoce... (ENFERMEIRO 19). Os estudos feitos por Campos e Malik (2008) identificam os fatores que levam à rotatividade dos médicos generalistas do PSF’s no município de São Paulo, sendo que é um dos problemas verificados em muitas organizações e outras classes profissionais, elevando os custos para o empregador que investe em mão de obra qualificada e também devido aos custos de reposição de pessoal, interferindo na qualidade dos serviços prestados. Campos e Malik (2008) ainda consideram que o principal fator que leva um funcionário a deixar uma organização é seu nível de insatisfação com a função que desempenha. O descontentamento pode ser causado por qualquer um dos muitos aspectos que compõem o trabalho, como: falta de materiais para a realização do trabalho, falta de capacitação, o ambiente físico inadequado e tempo de locomoção para chegar ao trabalho. No que diz respeito aos obstáculos e desafios afirmados pelos enfermeiros, estão relacionados à capacitação, contra-referência, a divulgação e a rotatividade dos profissionais que refletem no processo de organização dos serviços. Os fatores capacitação e contra-referência presentes no referente estudo se assemelham aos encontrados na pesquisa de Helene et al. (2008) que realizaram um estudo em nove municípios do estado de São Paulo quando verificaram que nas unidades estudadas quase a totalidade dos profissionais desconhece a contra-referência por não ocorrer nos serviços de saúde o que dificulta o acompanhamento dos casos, além da evidente necessidade de capacitação dos profissionais de saúde para identificar os sinais e sintomas da hanseníase. CONCLUSÃO Os resultados obtidos no presente estudo permitiram evidenciar que grande parte dos enfermeiros estão sensibilizados com a doença hanseníase, mas que reconhecem Revista Enfermagem Integrada – Ipatinga: Unileste-MG - V.3 - N.2 - Nov./Dez. 2010. 618 não possuir capacitação, nem se sentem seguros para realizar suspeição diagnóstica ao portador de hanseníase. Foi observado durante a pesquisa que algumas consultas de enfermagem eram limitadas apenas ao encaminhamento do paciente à clínica médica, não sendo realizada avaliação clínica adequada para a detecção precoce da hanseníase. No município de Ipatinga, todos os pacientes com hanseníase são referenciados a um centro de tratamento, UISA, sendo um serviço centralizado e de atenção secundária, mas foi relatado que o serviço não possui uma adequada contra-referência para os profissionais da atenção primária, fazendo com que a unidade perca o contato com este paciente. O ideal é que a organização dos serviços de saúde esteja voltada para distribuir melhor a demanda de saúde, no caso da hanseníase descentralizando o atendimento e não estabelecendo área de abrangência específica para tal. Diante da problemática relacionada à falta de capacitação da hanseníase no município notou-se que esta influencia diretamente no despreparo destes profissionais ao realizar a suspeita diagnóstica desta doença. A hanseníase quando diagnosticada tardiamente pode gerar um grande número de portadores e ex-portadores com incapacidades físicas instaladas. De acordo com o Ministério da Saúde, a capacitação dos profissionais apresenta-se como uma prioridade tornando objeto de esforços contínuos. Sugere-se que a prefeitura municipal de Ipatinga possa realizar mais capacitações ou treinamentos voltados para a hanseníase, sendo estas de aspecto contínuo no serviço de saúde. A atenção prestada aos portadores de hanseníase deve apresentar melhoras contínuas seja ela por iniciativa própria ou fornecida aos seus profissionais pelas instituições. Salienta-se que todos devem se sentir envolvidos e co-responsáveis, em todas as esferas, não somente por parte dos profissionais de saúde, mas também pela população geral. Somente através da informação em massa é que o interesse e conhecimento sobre a doença evitarão suas complicações e quebrará seus preconceitos. REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 196 de 10 de outubro de 1996. Aprova as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa com seres humanos. 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