| Açores magazine | | Açores magazine | CONSULTÓRIO CONSULTÓRIO A Brucelose Francisco Teves Médico veterinário O slogan europeu “Animais + Humanos = Uma só Saúde” traduz a necessidade de se cuidar da saúde de ambas as partes como um todo, na medida em que o relacionamento entre Animais e Humanos é tão próxima, através dos hábitos socioculturais, de companhia, económicos ou alimentares, que é obrigatória uma abordagem global à saúde. O papel do médico-veterinário é essencial na manutenção da saúde animal e salubridade dos géneros alimentícios de origem animal, como forma de controlar os riscos inerentes do contacto directo com os animais ou da ingestão dos produtos de origem animal. Os animais podem transmitir aos humanos um grande número de doenças, que por esse motivo são designadas zoonoses e como tal resultam do contacto directo ou indirecto com a infecção animal, algumas delas devem preocupar seriamente a população mundial pelo seu desempenho devastador nas comunidades humanas. A Brucelose é uma dessas zoonoses que tem consequências graves para a saúde humana, enquanto saúde pública. A doença é causada por um agente (bactéria) do género Brucella que possui algumas espécies diferentes, mas com relevância na transmissão ao homem, são: a Brucella melitensis (a mais frequente na população mundial, cujos reservatórios de maior relevo são os caprinos e ovinos); a Brucella abortus (nos bovinos); Brucella suis (nos porcinos); e Brucella canis (nos canídeos). O que se pretende é consciencializar a população dos riscos de contracção desta zoonose, tanto mais que na ilha de S. Miguel há uma significati- va relação da população à pecuária, com grande expressão na produção de gado bovino, principalmente de leite. No que respeita aos animais, a Brucelose é uma infecção crónica que persiste para toda a vida e é uma doença sistémica, na qual qualquer órgão ou tecido pode ser (virtualmente) envolvido. Independentemente da forma como entram no organismo e o infectam, as bactérias percorrem o organismo com o sentido de se localizarem nos órgãos reprodutores, onde a infecção a esse nível desencadeia processos cujas evidências clínicas manifestam-se essencialmente por esterilidade (incapacidade de procriar, de dar descendência) e o aborto (nas fêmeas – figura 1.) dos animais. Por este motivo, a doença pode ter grande impacto produtivo nos efectivos animais infectados, reduzindo o número de crias obtidas e, por consequência, o número de leite produzido. Nos animais, as “brucelas” (termo aplicado vulgarmente às bactérias da Brucelose), nos animais infectados, encontram-se em maior concentração no leite, na urina e nos produtos abortivos (resultantes do aborto, como a placenta, fluidos do parto, feto). Por consequência, a Brucelose é uma doença ocupacional para agricultores (também lavradores), médicos veterinários, trabalhadores de matadouros e de laboratórios por serem profissões mais expostas à doença, mas a população em geral estará sempre em risco quando não cumpre alguns princípios de higiene e prevenção no seu relacionamento com os animais, bem como regras na confecção e ingestão dos alimentos de origem animal. Nas vias de transmissão possíveis ao Homem estão o contacto directo com animais infectados ou com secreções desses animais através da pele, olhos e boca (as feridas na pele são portas de entrada fáceis para brucela, sendo por isso obrigatório o uso de luvas por médicos veterinários, lavradores e pessoal de matadouros) ou Figura a ingestão de produtos não pasteurizados (onde o leite e seus derivados como queijo, manteiga, iogurte, etc, têm elevada importância). Os produtos lácteos não pasteurizados não sofrem o tratamento térmico necessário à destruição das bactérias, mantendo-as viáveis para infectar qualquer organismo sensível (humanos ou animais). Por este motivo o leite não deve ser ingerido cru (directamente do animal, sem tratamento térmico – figura .), mas sim ultrapasteurizado (vulgo UHT) e os queijos frescos devem ser fabricados a partir de leite pasteurizado e não do leite cru O sangue e medula óssea dos animais também podem causar infecção. Contudo, a ingestão de carne de animais brucélicos raramente causa infecção porque a bactéria não é habitual no músculo (carne), devendo mesmo assim e por precaução ser sempre confeccionada bem cozinhada (nunca crua!). A via de infecção entre humanos é rara, mas possível estando descritos casos de transmissão inter-humana por via sexual, intra-uterina e através do leite materno ao bebé. No homem, a doença é mais frequentemente designada de Febre de Malta. O diagnóstico definitivo da doença nos animais é o mesmo que em humanos, é feito pela pesquisa e identificação do antigénio (bactéria) ou anticorpos (defesas do organismo contra aquela bactéria) no san- gue, medula óssea e, mais raramente, noutros líquidos orgânicos. Os animais susceptíveis de contrair infecção, devem ser rastreados (colher e analisar sangue) pelo menos uma vez por ano. Alguns dos sintomas descritos da brucelose no homem são fraqueza, febre recorrente, dores de cabeça, dores musculares, constipação, anemia secundária, distúrbios nervosos, sudorese (transpiração abundante), dores articulares e orquite (inflamação dos testículos). Concluindo, a prevenção da Brucelose no Homem passa, sobretudo, pelo controlo ou erradicação da doença nos animais. A erradicação da doença nos animais é imperiosa pelos riscos e consequências que têm na sua transmissão ao Homem mas também pelo impacto económico-produtivo que tem nas explorações pecuárias. Existem vacinas para algumas espécies animais, sendo a bovina uma das felizes contempladas. Por este motivo, em S. Miguel, sendo a Brucelose uma doença instalada no efectivo bovino, a vacina é actualmente obrigatória e facultada gratuitamente pela entidade governamental com competência na matéria, como ferramenta base na estratégia de erradicação da doença, com muito bons resultados. Em associação, deve ser adoptada a higiene necessária à limitação dos riscos de exposição de algumas actividades ocupacionais, a pasteurização dos produtos lácteos e uma boa cozedura dos alimentos para minimizar a disseminação da Brucelose enquanto zoonose. Figura 1 28 29 1 de maio de 11 1 de maio de 11