EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA __ VARA CÍVEL DA COMARCA DE PARANAGUÁ/PR. O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, por seus Promotores de Justiça signatários, vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, com base no Procedimento de Acompanhamento e Verificação nº 251/09 em anexo, na forma do artigo 127, “caput”, artigo 129, incisos II e III, da Constituição Federal, artigos 74, 81 e 82 da Lei nº 10.741/2003 propor AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE LIMINAR EM DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA contra ESTADO DO PARANÁ, pessoa jurídica de direito público, ente representado, para fins judiciais, pelo Excelentíssimo Senhor ProcuradorGeral do Estado, a ser citado na Rua Conselheiro Laurindo, nº 561, Centro, no Município de Curitiba, pelos seguintes fundamentos fáticos e jurídicos: 1 1. DOS FATOS Infere-se do procedimento para solicitação de medicamentos de dispensação excepcional, que instrui o presente Procedimento de Acompanhamento e Verificação, que o Sr. Antonio José Guilherme Gomes Pereira, pessoa idosa nos termos da Lei n.º 10.741/2003, já que nascido aos 30/11/1929, atualmente, com 80 anos de idade, paciente do SUS, foi diagnosticado com degeneração macular relacionada à idade (CID H 35.3). A DMRI (degeneração macular relacionada à idade) é uma doença progressiva da mácula que resulta em perda de visão central, uma das causas de cegueira legal, sendo que o Sr. Antonio José Guilherme já teve perda total da visão do olho esquerdo, que se apresenta atrófico, e está com perda visual pronunciada no olho direito desde fevereiro de 2008. A Secretaria Municipal de Saúde de Paranaguá encaminhou o paciente para tratamento no Hospital dos Olhos de Paraná, rede credenciada do SUS, onde é acompanhado pelo médico Dr. Rommel Josué Zago, o qual, no dia 01º de julho de 2009, encaminhou relatório médico sobre sua situação clínica, prescrevendo, com urgência, a utilização do medicamento Lucentis, 06 ampolas, para uso intra-ocular, a cada quatro semanas. Neste relatório médico restou consignado que: “o Sr. Antonio José Gomes Pereira é portador de Degeneração macular relacionada à idade. Teve perda total da visão do olho esquerdo, que hoje se apresenta atrófico, devido às complicações da degeneração macular relacionado à idade, e no seu olho direito, iniciou com perda visual mais pronunciada em fevereiro do ano passado. Foi tratado com sucesso com injeções intra-vítreas de Macugen. Apresentou a alguns dias perda visual progressiva no olho direito. Realizamos exame de tomografia óptica coerente que mostrou presença de fluidos e cistos intra-retinianos e descolamento do epitélio pigmentar macular, confirmando a recidiva de membrana neovascular sub-retiniana relacionada à degeneração macular. Hoje apresenta acuidade visual de 20/40 parcial no olho direito e amaurose (cegueira total) no olho 2 esquerdo. O paciente apresenta visão distorcida (metamorfopsia) e perda progressiva da visão do olho direito. Existe urgência em tratar-se a patologia apresentada, uma vez que a mesma está progredindo e baixando cada vez mais a sua visão e diminuindo as chances de recuperação visual. O paciente já foi submetido anteriormente a tratamento com laser de argônio, no entanto o mesmo tem uma alta taxa de recidiva. E agora, como a membrana é macular, a realização do laser é contra-indicada, pois causará a perda da visão central. Indico o tratamento com injeções intra-oculares de Lucentis, que segundo diversos estudos clínicos controlados mostram os melhores resultados visuais dentre as demais opções de tratamento.O tratamento deve ser realizado com injeções intra-oculares, com intervalo de 4 semanas, até que haja completa cicatrização da membrana neovascular. A principio serão 6 doses.” Em virtude do requerimento de fornecimento do medicamento Lucentis formulado pelo paciente Antonio José Guilherme Gomes Pereira, o parecer técnico da Divisão de Auditoria/DERG/SGS/SESA, datado de 06/10/2009, foi pela recusa do fornecimento do referido medicamento, in verbis: “1. Ciente. 2. Trata-se de solicitação para parecer técnico encaminhado através do CEMEPAR/DVFAC, através do Memo n.º 0957/09 de 29 de setembro de 2009. 3. Consta ser o paciente portador de “Degeneração Macular relacionada à idade (DMRI), CID H35-3, para o que foi prescrito o medicamento “Lucentis” (Ranibizumabe) para o paciente Antonio Jose Gomes Pereira. 4. Em atenção à Ordem de Serviço n.º 01/2007 temos a informar: 4.1. O medicamento está regularmente registrado na ANVISA. 4.2. O medicamento tem autorização para ser comercializado no país e está sendo comercializado. 4.3. Desconhecemos que esteja padronizafo em algum protocolo de medicamento em qualuqer instância do SUS. 4.4. O medicmaneto tem indicação em bula para tratamento de Degeneração Macular Relacionada à Idade (CID H35.3), forma exsudativa. 4.5. Como qualquer medicamento existem contraindicações ao seu uso. 4.6. Desconhecemos que haja alternativas farmacológicas eficazes para o tratamento dessa patologia. 4.7. como alternativa, fora o SUS, de menor custo financeiro, embora não conste na bula, portem já liberado para esse uso nos Estados Unidos pelo “Food and Drug Administration” existe o Bevacizumabe, 3 registrado na ANVISA e regularmente comercializado no Brasil com o nome “Avastin”, entendendo-se que com o parecer favorável do Minist´perio da Saúde haja vista o conteúdo do exemplar n.º 06 de dezembro de 2008 do Boletim Brasileiro de Avaliação de Tecnologias de Saúde. 5. Anexamos cópia do documento desta Divisão sobre proposta a ser estudada e discutida no tratamento da DMRI, bem como cópia do Boletim citado acima. 6. À consideração superior.” Em complemento ao parecer da auditoria, o médico que assiste ao aludido paciente, apresentou novo relatório complementar no dia 04 de novembro de 2009, no qual acrescentou, em suma, que: “Como a membrana neovascular do paciente é do tipo oculta não apresenta boas taxas de sucesso com o uso de terapia fotodinâmica com a Verteporfirina (Visudyne); que o paciente foi submetido a tratamento com as injeções intra-oculares de Avastin porém com resultado limitado, talvez apresentando já taquifilaxia a este.” Encaminhado o procedimento para o Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção à Saúde Pública para a realização de uma análise técnica, o parecer técnico da médica sanitarista que exerce suas funções naquele Centro de Apoio foi pela necessidade do fornecimento, com urgência, do medicamento ao paciente: “(...) Concordamos com a solicitação do medicamento em tela, pois o paciente já tem perda total da visão do olho esquerdo e apresenta diminuição acentuada da visão no olho direito, sendo que o fornecimento do medicamento solicitado é urgente.” 2. DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO O artigo 129, inciso II, da Constituição Federal preceitua ser função institucional do Ministério Público: "zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia". 4 Nos termos do artigo 197 da Carta da República, as ações e serviços de saúde são considerados como de relevância pública, sendo função institucional do Ministério Público, portanto, velar para que este direito social seja adequadamente prestado. Acrescente-se que o Ministério Público tem como missão institucional a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis (artigo 127 da Constituição Federal), de modo que o direito à saúde insere-se nesta categoria, até mesmo pela indisponibilidade do próprio direito à vida (artigo 5° da Constituição Federal). Evidente e indiscutível, como se vê, a legitimidade do Ministério Público para ajuizar ação judicial em defesa do direito indisponível à saúde do Sr. Antônio José Gomes Pereira. Ademais, a legitimidade ativa do Ministério Público para o ajuizamento desta ação também decorre da circunstância do paciente em questão ser uma pessoa idosa e hipossuficiente, em favor da qual o Ministério Público deve promover as medidas judiciais necessárias para garantir a efetiva prestação de um direito social que lhe é indisponível, qual seja, o de acesso às ações e serviços de saúde.” (Lei n.º 10.741/2003). Os artigos 74, 81 e 82 da Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) prescrevem que: “Art. 74. Compete ao Ministério Público: I - instaurar o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos direitos e interesses difusos ou coletivos, individuais indisponíveis e individuais homogêneos do idoso; 5 (...) Art. 81. Para as ações cíveis fundadas em interesses difusos, coletivos, homogêneos, individuais indisponíveis consideram-se ou legitimados, concorrentemente: I - o Ministério Público; (...) Art. 82. Para defesa dos interesses e direitos protegidos por esta Lei, são admissíveis todas as espécies de ação pertinentes.” Destarte, por dúplice motivação, patente a legitimidade do Ministério Público promover a presente ação civil pública para defesa de direito individual indisponível - quer pelo direito à obtenção de medicamento excepcional envolver matéria de saúde pública indisponível, quer por incumbir diretamente o Ministério Público a defesa dos direitos das pessoas idosas. No caso concreto, para fazer valer a assistência à saúde tal como preconizada no ordenamento jurídico, comprovada a necessidade imediata de utilização do medicamento excepcional prescrito (LUCENTIS), integra dever do Ministério Público propor ação civil pública buscando tutela jurisdicional impositiva que obrigue o ente público estadual a fornecer o fármaco pleiteado de forma contínua e duradoura enquanto este se fizer necessário para o tratamento do paciente. 3. DA LEGITIMIDADE PASSIVA A Política Nacional de Medicamentos disciplina que a competência para o fornecimento de medicamentos os divide em básicos, excepcionais e especiais. Os primeiros cabem ao Município, que recebe por cada habitante o repasse do Ministério da Saúde para aquisição de uma lista mínima de 40 medicamentos 6 básicos, afetos à atenção básica, porém cabe ao Município, com seus próprios recursos, ampliar a referida lista considerando sua habilitação no sistema e o perfil epidemiológico de seus munícipes. Os medicamentos excepcionais, da competência do Estado, são tidos como medicamentos de uso contínuo e ininterrupto, afetos às clínicas especializadas e evidentemente mais caros. Por fim, os medicamentos especiais, da competência da União, cujo exemplo clássico é a lista de medicamentos para imunodeficiência primária adquirida – AIDS. Os medicamentos excepcionais e especiais são adquiridos pelas instâncias competentes e remetidas aos Municípios e às Delegacias Regionais de Saúde, das Secretarias Estaduais de Saúde, após solicitação planejada e formalizada. Aqueles prescritos ao tratamento da DMRI são excepcionais, até mesmo porque não integram o arsenal terapêutico do SUS e hão de ser fornecidos pela Secretaria de Estado da Saúde. A Portaria nº 2.577/GM, de 27 de outubro de 2.006 prevê em seu anexo, no itens 25, 26 e 29: “25. A execução do Componente de Medicamentos de Dispensação Excepcional é descentralizada aos gestores estaduais do SUS, sendo a aquisição e a dispensação dos medicamentos de responsabilidade das Secretarias Estaduais de Saúde, salvo nos casos a seguir explicitados. 26. A dispensação dos medicamentos excepcionais deverá ocorrer somente em serviços de farmácia vinculados às unidades públicas designadas pelos gestores estaduais. [...] 29. O financiamento para aquisição dos medicamentos do Componente de Medicamentos de Dispensação 7 Excepcional é da responsabilidade do Ministério da Saúde e dos Estados, conforme pactuação na Comissão Intergestores Tripartite.” Com efeito, torna-se possível afirmar que na seara Estadual, o Sistema Único de Saúde é gerido pela Secretaria de Estado da Saúde, tendo esse órgão autonomia para conduzi-lo em seu território, sendo que, mesmo que o medicamento não esteja no rol de fármacos indicados em Programa de Medicamentos Excepcionais, a responsabilidade pelo seu fornecimento ainda assim recai sobre o Réu, em obediência ao regramento criado para a estruturação do SUS. Reforçando esse entendimento, a NOAS-SUS nº 01/2002 (Norma Operacional da Assistência à Saúde), em seu Capítulo III, item 57, alíneas “g” e “h”, define claramente a responsabilidade ora imputada ao Estado, tendo em vista dispor competir-lhe: “Gestão das atividades referentes a: Tratamento Fora de Domicílio para Referência Interestadual, Medicamentos Excepcionais, Central de Transplantes”, bem como “a formulação e execução da política estadual de assistência farmacêutica, de acordo com a política nacional” (grifo nosso). Mais recentemente, a Portaria GM/MS nº 399/06, que instituiu o Pacto pela Saúde, sacramentou no item 3.1, alínea “d” que: “a responsabilidade pelo financiamento e aquisição dos medicamentos de dispensação excepcional é do Ministério da Saúde e dos Estados, conforme pactuação, e a dispensação é responsabilidade do Estado. Portanto, cabe ao Estado do Paraná arcar com o ônus de prestar o atendimento à população na assistência à saúde, fornecendo, pois, todos os medicamentos tidos como excepcionais. Inegável se torna sua legitimidade passiva ad causam. 8 4. DA ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA INTEGRAL A Lei Orgânica da Saúde (Lei Federal n° 8.080, de 19 de setembro de 1990) estabelece: “Art. 2°. A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. § 1°. O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doença e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação. Art. 6°. Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde - SUS: I - a execução de ações: ... (omissis) d) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica. Art. 7°. As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde - SUS são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no artigo 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda 9 aos seguintes princípios: I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; II - integralidade de assistência, entendida como um conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema. Art. 43. A gratuidade das ações e serviços de saúde fica preservada nos serviços públicos e privados contratados, ressalvando-se as cláusulas ou convênios estabelecidos com as entidades privadas.” Logo, sendo a saúde um direito público subjetivo do cidadão e dever do Estado, cuja efetivação constitui interesse primário, há de ser ele satisfeito de modo integral, resolutivo e gratuito (artigos 198, inciso II, da Constituição Federal, artigos 7º, inc. XII e 43, ambos da Lei Orgânica da Saúde), inclusive com a adequada assistência farmacêutica - artigo 6º, inciso I, alínea ‘d’, da LOS. A integralidade da assistência terapêutica, inclusive farmacêutica, abarca como se sabe, de forma harmônica e igualitária, as ações e serviços de saúde preventivos e curativos (ou assistenciais), implicando em atenção individualizada, para cada caso, segundo as suas exigências, em todos os níveis de complexidade do sistema (federal, estadual, e municipal). Diz-se assistência farmacêutica na lei, pois é evidentemente impossível ao Estado dar saúde diretamente aos seus cidadãos, cabendo-lhe, assim, fornecer-lhes todos os insumos medicamentosos para que seja ela recuperada. 10 Verifica-se, desta forma, que a saúde não é apenas uma contraprestação de serviços devida pelo Estado ao cidadão, mas sim um direito fundamental do ser humano, devendo, por isso mesmo, ser universal, igualitário e integral, não se podendo prestar soluções parciais, como pretendem alguns, sem com isso negar o direito à saúde. Frise-se, assim, que o direito de Antonio José Gomes Pereira aqui defendido não se limita simplesmente à obtenção de qualquer remédio. É necessário, portanto, que seja exatamente aquele que venha a solucionar a enfermidade apresentada, ou mesmo a estabilizá-la, proporcionando-lhe uma melhor qualidade de vida. Desta forma, não só pelo fato dos precários recursos do beneficiado (frente aos custos estimados da medicação), o que dramatiza, sobremaneira o seu quadro, mas, principalmente, por se tratar de um direito líquido e certo que está sendo violado, expondo seu titular a risco de vida pela evolução da doença da qual é portador (DMRI), é que se busca a garantia da devida prestação por parte do Estado, obrigação esta definida no Sistema Único de Saúde, consoante prevê a NOAS – SUS n. 01/2002, n. 57, Responsabilidades, ‘h’ e ‘i’ e reforçada pelo inciso XVIII do art. 12, do Código de Saúde do Estado (Lei Estadual nº 13/331/01). Desde logo se infirmam todas as justificativas utilizadas pelo Estado para negar o fornecimento do aludido medicamento, as quais não são aptas a eximi-lo de responsabilidade e ferem, frontalmente, o direito indisponível à saúde do paciente, especialmente seu direito à assistência farmacêutica integral. O Estado alegou que o medicamento LUCENTIS não está no rol dos medicamentos constantes no Protocolo Clínico de Diretrizes Terapêuticas do Ministério da Saúde e que o medicamento “Avastin”, embora também não conste do protocolo tem um custo bem menor que o prescrito. Conforme já explicitado, a assistência farmacêutica 11 integral engloba o direito de o paciente obter o medicamento prescrito pelo médico que seja apto, pelo menos, a minorar-lhe o sofrimento causado pela doença, ainda que não conste na lista de medicamentos excepcionais do Protocolo Clínico de Diretrizes Terapêuticas do Ministério da Saúde. Assim, há obrigação do Poder Público de fornecer o medicamento excepcional prescrito pelo médico, atento às características clínicas do paciente e às suas necessidades, sendo uma afronta ao direito à sua saúde a negativa de seu fornecimento e a condicionante de resistência, impondo-lhe que utilize, primeiramente, outros medicamentos que não foram ministrados por seu médico. Registre-se, no tocante à utilização do medicamento “Avastin”, que já foi exposto no tópico dos fatos que o paciente já utilizou este medicamento, o qual não produziu os efeitos esperados. Nesse particular, importante reiterar que, consoante relatório médico complementar de fl. 100, o paciente Antonio José Gomes Pereira não somente foi submetido a tratamento com o medicamento “Avastin”, mas também com o medicamento “Macugem”, além de técnicas denominadas “laser de argônio” e “fotodinâmica com a verteporfirina”, sem alcançar o resultado médico esperado, estando plenamente justificada pelo médico a necessidade da utilização do medicamento específico LUCENTIS. Outrossim, inconteste é a omissão do Estado do Paraná no tocante à atenção oftalmológica quando embora tenha sido editada a portaria n.º 957, de 15 de maio de 2008, que dispõe sobre a Política Nacional de Atenção Oftalmológica e existam medicamentos para tratamento da DMRI, tais como, Lucentis, Macugen e Avastin, todos com registro na ANVISA, nenhum destes integrem o arsenal terapêutico do SUS. A título de exemplo, outros Estados Federados já supriram tal omissão, como o Distrito Federal, o qual possui protocolo clínico para a 12 degeneração macular relacionada à idade, com a utilização do medicamento LUCENTIS (fls. 106-113 do Procedimento de Acompanhamento e Verificação). Desta forma, de acordo com o médico que atende o Sr. Antonio José Gomes Pereira, a este deve ser ministrado LUCENTIS, e existindo motivação bastante para esta prescrição, não cabe ao Estado negá-la ou exigir que o paciente se submeta a tratamento diverso. A conduta do Poder Público é ilegal, pois que se traduz na negativa expressa a prestar a um cidadão os serviços de saúde de que necessita, no caso, a assistência farmacêutica integral. Neste sentido já decidiu a jurisprudência mais recente: “DECISÃO MONOCRÁTICA. INSTRUMENTO. AGRAVO FORNECIMENTO DE DE MEDICAMENTO. ENFERMIDADE: DEGENERAÇÃO MACULAR COM MEMBRANA NEOVASCULAR SUBRETINIANA. MEDICAMENTO: LUCENTIS 10MG/ML. BLOQUEIO DE VALORES. Cabível o bloqueio de valores, em caso de descumprimento de comando judicial, pois ao juízo faculta a lei, sejam determinadas as medidas necessárias para o seu cumprimento. NEGADO SEGUIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO.” (grifos nossos) (Agravo de Instrumento Nº 70032000291, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Maraschin dos Santos, Julgado em 02/09/2009)” Neste mesmo sentido já decidiu a 3ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, de forma unânime, cujo 13 destaque se confere ao voto do eminente Desembargador Relator, Ângelo Malanga, cujos trechos ora se transcreve: “(...)Trata-se de ação onde se pugna pelo fornecimento do medicamento LUCENTIS, pois a impetrante é portadora de doença macular degenerativa. Foram concedidas a liminar e a segurança. Apela a Fazenda Pública Estadual como assistente litisconsorcial, pugnando pela inversão do julgado. Contrarazões apresentadas, a Procuradoria opina pelo não provimento do recurso. É o relatório. O apelo não merece ser acolhido. A obrigação de zelar pela saúde do cidadão é solidária entre o Estado, o Município e a União, cabendo ao titular do direito optar a quem deseja acionar. Há que ser dada credibilidade ao médico signatário da requisição que embasa o pedido. Mais do que ninguém, o profissional de saúde que acompanha a apelada tem conhecimento técnico suficiente para receitar o tratamento plenamente eficaz. (...) A administração não pode eximir-se da obrigação sob quaisquer pretextos, tais como falta de numerário, necessidade de prefixação de verbas para os atendimentos dos serviços de saúde, alto custo, padronização de medicamentos, eventual eficácia do tratamento, etc. Demonstrada a necessidade do tratamento médico e a impossibilidade da aquisição pela apelada, é dever do Estado, Município ou União fornecê-lo. O limite dos recursos orçamentários do Poder Público, ou problemas burocráticos de qualquer espécie não podem ser entraves para o não cumprimento das normas previstas na Constituição Federal. Privilegiase também o direito à vida, contra as conveniências da Administração: "Entre proteger a inviolabilidade do direito à vida, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado pela própria Constituição da República (art. 5o, caput), ou fazer prevalecer contra essa prerrogativa fundamental um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo - uma vez configurado esse dilema - que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só possível opção: o respeito indeclinável à vida" (RE 194.674, Relator Ministro Celso de Mello, j . 24/05/1999). Por fim, não há que se falar que não cabe ao Poder Judiciário interferir na atividade administrativa. Ao garantir o exercício de um direito, 14 o Poder Judiciário não o faz como forma de ingerência sobre Administração, mas como meio de controle, previsto na teoria dos "freios e contrapesos", também elevada a nível constitucional (art. 2o da CF/88). Isso ocorre porque, não obstante cada um dos Poderes Públicos tenha sua função típica, também exerce uma parcela do ofício que, originariamente, pertence ao outro. E entendimento pacífico do E. Superior Tribunal de Justiça: "A pergunta que se faz é a seguinte: pode o PoderJudiciário imiscuir-se na Administração, impondo-lhe obrigação específica? A resposta é positiva, na medida em que se contemplam os novos rumos do Direito Administrativo. A partir da Constituição de 1988, não se pode mais tolerar o entendimento de que ao Poder Judiciário não cabe adentrar as questões internas da Administração, principalmente quando há carência orçamentária da municipalidade." (Recurso Especial 574.875-SP, Relatora Min. Eliana Calmon). Ante o exposto, voto pelo desprovimento dos recursos, mantendo-se intacta a r. sentença.” 1 (grifos nossos) Cabe, neste ponto, uma pequena incursão no tema da “reserva do possível”, de certa forma abordada no voto referido, quando se demonstra que os prejuízos causados pela ausência do tratamento adequado seriam maiores que os eventuais prejuízos financeiros do Poder Público na dispensa de medicamentos excepcionais não previstos no protocolo do Ministério da Saúde Hodiernamente, o principio da “reserva do possível” é a principal alegação de defesa do Poder Público nas ações destinadas a obrigá-lo a prestações de direitos sociais fundamentais ao cidadão. Com efeito, o Estado alega que há que se considerarem suas limitações, principalmente orçamentárias, de forma a 1 TJSP - Apelação com Revisão 9675685100 – 3ª Câmara de Direito Público – Relator: Ângelo Malanga – comarca de Jales – j. em 01/12/2009 .” 15 reduzir as determinações judiciais que o obriguem, de forma indiscriminada, às prestações positivas. Como complemento e até conseqüência da “reserva do possível” o Poder Executivo aduz que o Poder Judiciário quando determina que o Estado aja de uma forma ou de outra, sem considerar suas reais possibilidades, fere o princípio da separação dos poderes e, conseqüentemente, põe em risco o sistema de freios e contrapesos que sustenta um Estado Democrático de Direito. Na presente ação é necessário que se confronte a “reserva do possível” com o direito social à saúde, que somente se efetiva com a garantia do direito à vida e, nesta esteira, compõe o conceito de dignidade da pessoa humana, o que consiste no “mínimo existencial” do cidadão. Existindo confronto entre dois princípios fundamentais, quais sejam, a independência dos Poderes – “a reserva do financeiramente possível”- e o direito à saúde - dignidade da pessoa humana que se efetiva pela garantia do mínimo existencial -, há que se ponderar suas aplicações e atendendo às circunstâncias de cada caso concreto, eleger a sobreposição de um deles, que atenderá a própria efetividade do Estado democrático de direito. Não se nega a fundamentalidade e, conseqüentemente, a aplicabilidade imediata dos dois princípios supramencionados, no entanto, por vezes, ocorrem hipóteses fáticas nas quais a aplicação de ambos os princípios fundamentais em suas integralidades representará contrariedades que comprometerão o próprio Estado democrático de direito. A solução para a manutenção da integralidade do sistema na hipótese de conflituosidade entre princípios fundamentais será, atendendo-se às especificidades do caso em concreto, a de se conferir primazia a um deles em detrimento do outro. 16 O direito à saúde traduz-se no direito à vida e, portanto, na garantia da dignidade da pessoa humana, cuja existência, por sua vez, depende da efetivação de um mínimo existencial. Certo é que todos os seres humanos dependem das ações e serviços de saúde prestados pelo Poder Público que lhe garantam este mínimo existencial e, diante de sua imprescindibilidade, o Estado não pode se eximir de responsabilidade invocando seu parco orçamento e sua discricionariedade para alocar seus recursos. 5. DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA A assistência e o atendimento de saúde, por guardarem estreita relação com a manutenção da vida humana, são sempre relevantes e urgentes. Diante da urgência reclamada pela espécie, requer-se a concessão liminar da antecipação dos efeitos da tutela pretendida, nos termos do disposto nos artigos 273, inciso I, e 461 do Código de Processo Civil. A antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional é imprescindível, porquanto o provimento da pretensão somente ao final, provavelmente, diante do quadro clínico do paciente, será inócuo para reparar os danos já causados à saúde do Sr. Antonio, ou ao menos evitar que novos danos surjam e, até mesmo, para impedir sua cegueira completa. Ele há muito vem suportando sofrimento devido à omissão do Poder Público Estadual, que lhe nega, sob argumentos ilegais, o atendimento integral e prioritário a que faz jus por força de Lei. Não é possível aquilatar o alcance dos danos à saúde física e psíquica do usuário do SUS, podendo ser afirmado, porém, que eles são grandiosos, dramáticos, presentes e contínuos, os quais devem ser rapidamente afastados pelo Poder Judiciário. A relevância do fundamento da lide é evidente, pois o que se pretende é uma tutela jurisdicional que assegure a manutenção da vida e da saúde de um ser humano, o Sr. Antonio, que experimenta um enorme sofrimento físico e psíquico 17 com seus problemas de saúde e, ainda, é obrigado a se deparar com a inércia do Poder Público, que deliberadamente lhe vira as costas. O fumus boni juris está presente, haja vista a existência de preceito constitucional obrigando o atendimento, somado à comprovação, médicotécnica do risco de cegueira que passa o paciente, conforme analisado em capítulos específicos. Da mesma forma, vê-se presente o periculum in mora, pois que o perigo maior a um ser humano é a perda da visão do seu olho direito, sendo que o referido paciente já perdeu a visão do olho esquerdo. Consoante o art. 273 do Código de Processo Civil, “o juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.” No presente caso o serviço relevante de saúde – dispensação de medicamentos – não está sendo prestado, ferindo dispositivos constitucional e legais com grande prejuízo a direito fundamental – a vida, consubstanciado pela saúde. Sustenta o Professor José Afonso da Silva: “A garantia das garantias consiste na eficácia e aplicabilidade imediata das normas constitucionais. Os direitos, liberdades e prerrogativas consubstanciados no Título II, caracterizados como direitos fundamentais só cumprem sua finalidade se as normas que os expressem tiverem efetividade. (...) 18 Sua existência só por si, contudo, estabelece uma ordem aos aplicadores da Constituição no sentido de que o princípio é o da eficácia plena e aplicabilidade imediata das normas definidoras dos direitos fundamentais: individuais, coletivos, sociais (...) Por isso, revela-se, por seu alto sentido político, como eminente garantia política de defesa da eficácia jurídica e social da Constituição” (in Curso de Direito Constitucional Positivo; São Paulo: Malheiros). Assim sendo, o Ministério Público requer seja o Estado do Paraná determinado a fornecer, in limine, observado o prazo de 72 horas, conforme artigo 2º da Lei n.º 8.437/92, para compelir o requerido, durante o transcorrer da ação e no prazo de 10 dias, a fornecer ao Sr. Antonio José Gomes Pereira o medicamento LUCENTIS, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (um mil reais) por dia de atraso no fornecimento, nos termos do artigo 11 da Lei n.º 7.347/85, em caso de descumprimento, a ser revertida em prol do paciente, sem prejuízo de outras providências tendentes ao cumprimento da ordem judicial, inclusive a responsabilização por ato de improbidade administrativa. É perfeitamente justificado o receio de ineficácia do provimento final, caso a Administração não seja obrigada, desde já, a tomar as providências que ensejarão a observância da ordem judicial no prazo estabelecido na respectiva decisão. Esta é a razão da necessidade da concessão liminar dos efeitos da tutela pleiteada. Há risco à saúde e ao mínimo de qualidade de vida do usuário, facilmente evitável se o Poder Público Estadual for compelido a atuar desde agora, com tempo razoável para alcançar o resultado consubstanciado no pedido desta ação civil pública. 19 6. DO PEDIDO Diante de todo o exposto, o Ministério Público do Estado do Paraná requer: a) o recebimento e autuação da presente Ação Civil Pública, independente do depósito de custas judiciais, conforme prevê o artigo 18 da lei 7.347/85, determinando-se, ainda, PRIORIDADE DE TRAMITAÇÃO, nos termos do artigo 71 da Lei n.º 10.741/2003; b) a intimação do Estado do Paraná, através da Procuradoria do Estado em Paranaguá/PR para que, no prazo de 72 horas, conforme artigo 2º da Lei n.º 8.437/92, se manifeste acerca da antecipação de tutela ora pretendida; c) a antecipação da tutela jurisdicional, para compelir o Estado do Paraná, durante o transcorrer da ação e no prazo máximo de 10 dias, a fornecer, ao Sr. Antonio José Gomes Pereira, LUCENTIS, sendo 06 ampolas, na forma descrita na receita médica; d) a cominação ao requerido, em liminar, de multa diária, nos termos do art. 11 da Lei n° 7.347/85, no valor de R$ 1.000,00 (um mil reais) por dia de atraso no fornecimento, nos termos do artigo 11 da Lei n.º 7.347/85, a ser revertida em prol do paciente, sem prejuízo de outras providências tendentes ao cumprimento da ordem judicial, inclusive a responsabilização por ato de improbidade administrativa; e) a citação do ESTADO DO PARANÁ, na pessoa do Excelentíssimo Procurador-Geral do Estado para, querendo, contestar no prazo legal a presente ação, sob pena de suportar os efeitos da revelia; 20 f) após a instrução, seja julgado procedente o pedido, para condenar o Estado do Paraná a fornecer, ao Sr. Antonio José Gomes Pereira, o medicamento LUCENTIS, pelo período em que perdurar a prescrição médica de tal medicamento; g) a produção de provas, por todos os meios admitidos em direito, sobretudo pela juntada de novos documentos e perícias, além de oitiva de testemunhos e peritos, caso se faça necessário. Independente de futuro aditamento, desde já se apresentam duas testemunhas; Dá-se à causa o valor de R$ 4.600,00 (quatro mil e seiscentos reais), ainda que inestimável o objeto tutelado. Paranaguá, 29 de agosto de 2014. Ana Paula Pina Gaio Promotora de Justiça Alexandre Gaio Promotor de Justiça 21 Rol: 1. ANTÔNIO JOSÉ GOMES PEREIRA, filho de Guilhermina de Jesus Gomes e Antonio Pereira Pina, nascido aos 30/11/1929, residente na Rua Julia da Costa, 227, ap. 08-B, Paranaguá/PR; 2. ROMMEL JOSUE ZAGO, brasileiro, médico, podendo ser encontrado no Hospital de Olhos do Paraná, localizado na Rua Presidente Taunay, 433, Curitiba/PR. 22