Capítulo I Anestesia e Sistema Nervoso

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ANESTESIA
CASOS CLÍNICOS
EDNO MAGALHÃES
CARLOS EDUARDO LOPES NUNES
ANESTESIA
CASOS CLÍNICOS
Sociedade Brasileira
de Anestesiologia
Rio de Janeiro
2010
COPYRIGHT© 2010 BY SOCIEDADE BRASILEIRA DE ANESTESIOLOGIA
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS À SBA
Responsável
Carlos Eduardo Lopes Nunes
Editores
Edno Magalhães
Carlos Eduardo Lopes Nunes
Editoração Eletrônica
Ito Oliveira Lopes
Wellington Luís Rocha Lopes
Capa
Maria de Las Mercedes G. Martin de Azevedo
Marcelo Azevedo Marinho
Colaboradores
Maria de Las Mercedes G. Martin de Azevedo
Marcelo Azevedo Marinho
Rodrigo Ribeiro Matos
José Bredariol Junior
Teresa Maria Maia Libório
Ficha Catalográfica
M489
Anestesia Casos Clínicos
Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Anestesiologia/SBA, 2010.
196 p. ; 25cm. ; ilust.
ISBN 978-85-98632-09-4
Vários colaboradores.
1. Anestesia Casos Clínicos. 2. Anestesia. I. Sociedade Brasileira de Anestesiologia. II.
Magalhães, Edno e III. Nunes, Carlos Eduardo Lopes
CDD - 617-96
Sociedade Brasileira de Anestesiologia
Rua Professor Alfredo Gomes, 36 - Botafogo - Rio de Janeiro - RJ
CEP 22251-080
Tel. (21) 2537-8100 - www.sba.com.br - e-mail: [email protected]
Autores
Airton Bagatini
TSA-SBA
Diretor do Departamento Administrativo da SBA
Instrutor Corresponsável pelo Centro de Ensino e Treinamento do SANE
Ana Maria Menezes Caetano
TSA-SBA
Presidente da Comissão de Ensino e Treinamento da SBA
Instrutora Corresponsável pelo Centro de Ensino e Treinamento do S.A.H.Restaur.e H.G.Vargas
Cátia Sousa Govêia
TSA-SBA
Instrutora Corresponsável pelo Centro de Ensino e Treinamento do Centro de Anestesiologia da
Universidade de Brasília
Carlos Eduardo Lopes Nunes
TSA-SBA
Presidente da SBA
Cibelle Magalhães Pedrosa Rocha
TSA-SBA
Instrutora Corresponsável pelo Centro de Ensino e Treinamento do Instituto Dr. José Frota
Cristiano Hahn Englert
TSA-SBA
Médico Anestesiologista do CET do SANE
Danielle Maia Holanda Dumaresq
TSA-SBA
Membro do Comitê de Anestesia em Pediatria da SBA
Responsável pelo Centro de Ensino e Treinamento do Instituto Dr José Frota
Edno Magalhães
TSA-SBA
Diretor Científico da SBA
Responsável pelo Centro de Ensino e Treinamento do Centro de Anestesiologia da Universidade
de Brasília
Getúlio Rodrigues de Oliveira Filho
TSA-SBA
Membro da Comissão de Ensino e Treinamento da SBA
Responsável pelo Centro de Ensino e Treinamento Integrado da Secretaria de Estado da Saúde
do Estado de Santa Catarina
Irimar de Paula Posso
TSA-SBA
Presidente do Comitê de Dor da SBA
Instrutor Corresponsável pelo Centro de Ensino e Treinamento da Disciplina de Anestesiol.da FMUSP
Jorge Hamilton Soares Garcia
TSA-SBA
Instrutor Corresponsável pelo Centro de Ensino e Treinamento Integrado da Secretaria de Estado
da Saúde do Estado de Santa Catarina
José Henrique Leal Araújo
TSA-SBA
Responsável pelo Centro de Ensino e Treinamento do Hospital Regional da Asa Norte
Luís Cláudio de Araújo Ladeira
TSA-SBA
Membro do Comitê de Anestesia Loco-Regional da SBA
Instrutor Corresponsável pelo Centro de Ensino e Treinamento de Anestesiologia da Universidade
de Brasília
Chefe do Centro de Anestesiologia da Universidade de Brasília
Maria José Nascimento Brandão
Membro Ativo da SBA
Mary Neide Romero
TSA-SBA
Responsável pelo Centro de Ensino e Treinamento do Hospital Geral do Inamps de Fortaleza
Nádia Maria da Conceição Duarte
TSA-SBA
Vice-Presidente da SBA
Instrutora Corresponsável pelo Centro de Ensino e Treinamento do S.A.H.Restaur.e H.G.Vargas
Oscar César Pires
TSA-SBA
Secretário da Comissão de Ensino e Treinamento da SBA
Responsável pelo Centro de Ensino e Treinamento do Hospital Municipal de São José dos Campos
Rosa Inês Costa Pereira
TSA-SBA
Membro da Comissão de Ensino e Treinamento da SBA
Instrutora Corresponsável pelo Centro de Ensino e Treinamento do Depto.Anestesiologia da
FCM/UNICAMP
Roberto César Pontes Ibiapina
TSA-SBA
Membro da Comissão de Ensino e Treinamento da SBA
Instrutor Corresponsável pelo Centro de Ensino e Treinamento do Instituto Dr. José Frota
Prefácio
Em 1975 Nicholas Greene dizia em seu livro “Anesthesiology and the University” (JB Lippincott Co):
“Uma instituição de ensino da especialidade deve exercer atividades de ensino, pesquisa e educação continuada”.
Em nosso país, muito antes da Universidade e do próprio Ministério da Educação e Cultura, a Sociedade
Brasileira de Anestesiologia chamou para si a responsabilidade do ensino da Anestesiologia, com todas as
suas implicações tão bem colocadas por Nicholas Greene.
Assim, em 1957 a SBA já havia estabelecido requisitos mínimos para o funcionamento dos Centros de
Ensino e Treinamento em Anestesiologia e em 1958 codificava normas e programas de ensino na Regulamentação das atividades destes Centros. Não é necessário falar da contribuição à pesquisa desenvolvida
pela Sociedade: basta conferir o número de trabalhos científicos oriundos dos seus Centros de Ensino e Treinamento publicados em seu órgão oficial, a Revista Brasileira de Anestesiologia. E chegamos à última base
do tripé, a educação continuada. Têm sido inúmeras as publicações e as sessões de vídeo visando tanto a
formação como a atualização dos médicos especialistas pela SBA . O livro agora publicado, “ANESTESIA
- CASOS CLÍNICOS”, é um marco na longa história do envolvimento da SBA com o ensino da especialidade.
Escrito por autores de qualificação inquestionável é apresentado numa configuração dinâmica e moderna,
característica das sessões de aprendizado baseado em problemas clínicos. As considerações que dão suporte teórico às condutas e soluções para os problemas propostos são concisas, diretas e consistentes,
como devem ser numa obra destinada a tornar-se de grande utilidade para os médicos anestesiologistas em
formação e mais ainda para aqueles que buscam educação continuada.
Trata-se de mais uma bela contribuição desta entidade que, sem nenhum vínculo ou apoio de órgãos
governamentais, cuida da qualidade do ensino e da atualização cientifica dos médicos anestesiologistas
brasileiros há mais de cinquenta anos.
José Roberto Nociti
Presidente da SBA - 1990
Diretoria
Presidente:
Carlos Eduardo Lopes Nunes
Vice Presidente:
Nádia Maria de Conceição Duarte
Secretário Geral:
Sylvio Valença de Lemos Neto
Tesoureiro
Henri Braunstein
Diretor do Depto. Científico
Edno Magalhães
Diretor do Depto de Defesa Profissional
José Mariano Soares de Moraes
Diretor do Depto. Administrativo
Airton Bagatini
Índice
Capítulo I – Anestesia e Sistema Nervoso ...................................................... 11
Capítulo II – Anestesia em Obstetrícia ............................................................ 29
Capítulo III – Anestesia Ambulatorial .............................................................. 45
Capítulo IV – Olhos, Ouvidos e Garganta ....................................................... 59
Capítulo V – Sistema Neuromuscular ............................................................. 83
Capítulo VI – Anestesia em Ortopedia ............................................................ 95
Capítulo VII – Sistema Respiratório ............................................................... 123
Capítulo VIII – Anestesia em Pediatria .......................................................... 139
Capítulo IX – Anestesia para Cirurgia Cardíaca ........................................... 163
Capítulo X – Recuperação Pós-Anestésica .................................................. 179
Capítulo I
Anestesia e Sistema Nervoso
Getúlio Rodrigues de Oliveira Filho
Jorge Hamilton Soares Garcia
12 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo I - Anestesia e Sistema Nervoso
Caso 1
Paciente de 45 anos, feminina, portadora de meningioma volumoso em lobo temporal E. Apresenta
déficit focal à D com hemiparesia de membros e tem história de episódio de convulsões.
1. Qual o preparo pré-anestésico adequado para esta paciente?
Pacientes portadores de massas intracranianas, acompanhadas de sinais focais ou outras manifestações de hipertensão intracraniana podem se beneficiar do uso pré-operatório de dexametazona,
em doses de 10 mg cada 6 horas. Drogas que deprimem o sistema nervoso central, como sedativos
e opióides devem ser evitadas, pois podem causar depressão respiratória e aumento da PaCO2, que
agravará o edema cerebral.
2. Como se faz a indução da anestesia?
Basicamente, deve-se evitar aumentar a pressão arterial média, para evitar aumento da pressão
intracraniana. Hipotensão arterial também deve ser evitada para evitar isquemia. Tiopental,
midazolam, propofol ou etomidato associados a um opióide são opções seguras, pois estes
fármacos ou diminuem ou não alteram significativamente o fluxo sanguíneo cerebral, se não
afetarem de forma significativa a pressão arterial. Um bloqueador neuromuscular adespolarizante é normalmente utilizado para facilitar a intubação traqueal. A succinilcolina aumenta a
pressão intracraniana. O atracúrio pode elevar a pressão intracraniana por causa da liberação
de histamina, que produz vasodilatação cerebral, e deve ser administrado em doses de até 0,5
mg.kg-1, administradas lentamente.
3. Qual a faixa de PaCO2 mais adequada para esta paciente?
A hiperventilação diminui o fluxo sanguíneo cerebral, o volume do cérebro e a pressão intracraniana.
Entretanto, quando excessiva (abaixo de 30 mmHg) pode causar isquemia focal. Por isto, a PaCO2
deve ser mantida em 30 ± 3 mmHg.
4. Como se faz a hidratação intra-operatória desta paciente?
Dois princípios governam a hidratação em neurocirurgia: manter a normovolemia e evitar redução da osmolaridade sérica. As duas soluções cristalóides mais comumente utilizadas são a
solução de NaCl a 0,9% e a solução de Ringer com lactato. A solução de NaCl a 0,9% possui
osmolaridade de 308 mOsm.L-1, portanto maior que a do plasma (295 mOsm.L-1). Pode causar
acidose hiperclorêmica, quando administrada em grandes volumes. A solução de Ringer lactato possui osmolaridade de 273 mOsm e, administrada em grandes volumes, pode reduzir a
osmolaridade do plasma, aumentando o risco de edema cerebral. Solução glicosada, por ser
hipotônica, não deve ser utilizada. Soluções colóides podem atravessar a barreira hematoencefálida em regiões lesadas do cérebro e piorar o edema cerebral. Devem ser reservadas para
reposição volêmica em caso de sangramento maciço. O uso combinado de solução de NaCl a
0,9% e Ringer com lactado, com monitorização sequencial de eletrólitos e gases sanguíneos é
o mais indicado. Uma regra útil para reposição da manutenção em cirurgia de tumor cerebral é
a administração de 1,2 mL.kg-1.h-1 de solução salina + metade da diurese da hora precedente.
Outras perdas são repostas para manter a PAM normal. Não se repõem as perdas do período
de jejum.
Capítulo I - Anestesia e Sistema Nervoso
Anestesia Casos Clínicos - 13
5. Existe indicação de administração transoperatória de fenitoína?
Qualquer irritação aguda da superfície cortical pode resultar em convulsões. Incisões corticais e
irritação da superfície por irrigação e retratores podem gerar focos convulsivógenos. A difenil hidantoína é indicada em craniotomias supratentoriais, na dose de 18 mg.kg-1, diluída em solução salina
isotônica, na velocidade máxima de 50 mg.min-1, com monitorização contínua do eletrocardiograma
e da pressão arterial.
Caso 2
Paciente do sexo masculino 50 anos de idade, internado para hipofisectomia transesfenoidal devido
a adenoma de hipófise. Apresenta acromegalia e hipertensão arterial controlada com dieta e losartana potássica 50 mg ao dia. Ao exame físico evidencia-se macroglossia, distância tireomentoniana
menor que 6 cm e Malampatti 4. Exames laboratoriais sem alterações, ECG com sinais de sobrecarga ventricular esquerda.
1. Quais são as considerações importantes na avaliação préoperatória do paciente que será submetido a hipofisectomia, em
relação à condição endócrina?
Os adenomas podem ser classificados conforme o seu tamanho. Tumores maiores que 1
cm são classificados como macroadenomas e menores que 1 cm como microadenomas.
Também podem ser classificados como funcionantes ou não funcionantes.Os tumores
funcionantes são geralmente formados por um único tipo celular e a apresentação típica
deve-se ao excesso de hormônios da hipófise anterior. Já os tumores não funcionantes
têm manifestações tardias devido ao efeito de massa e maior probabilidade de serem macroadenomas. Geralmente as lesões hipofisárias expandem e comprimem as estruturas
glandulares, tendo como consequência a perda das funções hormonais, sendo afetados
em primeiro lugar os hormônios gonadotróficos, seguidos pelos hormônios do crescimento, adrenocorticotrófico e finalmente pelo hormônio tireoestimulante. Normalmente
a condição endocrinológica desses pacientes não é crítica, pois comumente recebem
suplementação hormonal. Deve-se estar atento para a existência de hipocortisolismo,
acompanhado de hiponatremia, que deverá ser corrigido pré-operatoriamente e ao hipotireoidismo que ocorre de forma menos frequente, mas está associado a intolerância
aos efeitos depressores cardiovasculares dos agentes anestésicos. Na avaliação dos
pacientes com adenomas funcionantes, deve-se estar atento às alterações laboratoriais,
especialmente em relação a anemia, hiponatremia, hipercalcemia e hiperglicemia. Nos
tumores não secretores pode haver efeitos de massa com aumento da pressão intracraniana.
2. Que doenças ou manifestações clínicas são causadas pelos
adenomas e quais os tratamentos clínicos disponíveis?
Os adenomas funcionantes estão localizados na hipófise anterior. Os prolactinomas ocorrem com
uma frequência estimada entre 20 a 30% e produzem prolactina. O tratamento clínico é feito
com agonistas da dopamina, sendo bromocriptina o mais utilizado. Outros adenomas frequentes,
14 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo I - Anestesia e Sistema Nervoso
ocorrendo entre 10 a 15% dos casos, são os secretores de ACTH, responsáveis pela doença de
Cushing, cujo tratamento clínico é feito com cetoconazol, que bloqueia a produção de cortisol. Os
adenomas secretores do hormônio do crescimento são responsáveis pela acromegalia, que ocorre
com uma frequência de 5 a 10%, cujo tratamento clínico é feito com os análogos da somatostatina,
a octreotida, que bloqueia os receptores da somatostatina. De forma menos frequente, menos
de 3%, ocorrem os adenomas secretores de TSH cujas manifestações são de hipertireoidismo
resultante do aumento da produção do hormônio tireotrófico, cujo tratamento clínico é feito com
propiltiuracil.
3. Quais os principais cuidados perioperatórios do paciente com
acromegalia?
A doença cardíaca é a principal causa de morbimortalidade no paciente acromegálico, sendo que 50% dos pacientes não tratados morrem antes dos 50 anos de idade devido a
problema cardiovascular. A hipertensão arterial sistêmica ocorre em 40% dos pacientes e,
mesmo em pacientes não hipertensos, hipertrofia ventricular esquerda ocorre com frequência estimada de 50%. A ecocardiografia revela um aumento da massa ventricular esquerda,
do volume sistólico, do débito cardíaco e do tempo de relaxamento isovolumétrico. Mesmo
na ausência de hipertrofia ventricular, a disfunção diastólica pode estar presente e ser um
sinal precoce de miocardiopatia acromegálica. Embora a doença dos grandes vasos coronarianos seja rara, têm sido descritos casos de doença dos pequenos vasos e, portanto,
deve-se estar atento para qualquer sintoma de angina. As alterações eletrocardiográficas,
como bloqueios de ramos e alterações no segmento ST, ocorrem em 50% dos pacientes
acromegálicos. O aumento dos ossos da face e das estruturas da orofaringe, como a língua,
associados ao espessamento dos tecidos da faringe e da laringe, leva a um estreitamento
da abertura glótica e das pregas periepiglóticas. Associadas ou não às calcinoses da laringe
e a lesões do laríngeo recorrente, este conjunto de fatores contribui para a frequente ocorrência de doenças respiratórias obstrutivas nesses pacientes, que representam a segunda
principal causa de mortalidade entre os pacientes acromegálicos não tratados. Rouquidão
deve alertar para a possível presença de estenose glótica ou de lesão do nervo laríngeo
recorrente. A apnéia obstrutiva do sono ocorre em 70% dos pacientes acromegálicos. Depressão respiratória central de etiologia desconhecida também pode ocorrer. Dificuldades
para ventilação sob máscara e intubação traqueal devem ser antecipadas em pacientes
portadores de acromegalia. As técnicas de intubação com o paciente acordado podem ser
uma boa opção nestes pacientes. Benzodiazepínicos e opióides devem ser utilizados com
cautela e com monitorização da ventilação.
4. Qual a monitorização e a técnica anestésica indicadas?
Miocardiopatia e hipertensão arterial são frequentes nesses pacientes. Nas hipofisectomias
transesfenoidais é comum a ocorrência de picos hipertensivos súbitos. A monitorização contínua da pressão arterial possibilita diagnóstico e tratamento precoces. O fluxo sanguíneo da
artéria ulnar está comprometido em mais de 50% dos pacientes acromegálicos, principalmente
em pacientes com a síndrome do túnel do carpo, nos quais o fluxo sanguíneo para a mão pode
ser totalmente dependente da artéria radial. Hipofisectomias transesfenoidais são realizadas
na posição semi-sentada e o transdutor da pressão arterial direta deve ser nivelado pelo meato
auditivo, para que a pressão arterial média seja um parâmetro fidedigno da pressão de perfu-
Capítulo I - Anestesia e Sistema Nervoso
Anestesia Casos Clínicos - 15
são cerebral. Raramente é utilizado o cateter para monitorização da pressão venosa central
(PVC), a não ser que seja justificado pela condição cardíaca do paciente ou pela necessidade
de administração de drogas vasoativas. As correlações entre a PVC, a pressão e o volumes
diastólicos finais do ventrículo esquerdo (PDFVE e VFVE) são baixas em virtude da baixa complacência ventricular. Por isto aumento da PVC pode não refletir aumento na pré-carga. Apesar
das cirurgias por via transesfenoidal terem teoricamente um potencial para embolia aérea, não
existem relatos da ocorrência de eventos com significante repercussão sobre morbimortalidade
que justifiquem uma monitorização específica. Não existem técnicas anestésicas específicas
para estes pacientes. A escolha do anestésico deve levar em consideração a necessidade de
avaliação neurológica ao término do procedimento.
5. Quais as principais complicações trans e pós-operatórias?
As operações por via transesfeinodal raramente estão associadas a grandes perdas sanguíneas, mas devido à proximidade da artéria carótida interna existe a possibilidade de acidentes
hemorrágicos. Apesar de rara, a lesão da artéria carótida interna é potencialmente fatal e a hipotensão arterial induzida poderá ajudar na visualização e no tratamento da hemorragia. Após a
ressecção do tumor, a manobra de Valsalva é feita para avaliar a existência de extravasamento
de liquido cefalorraquidiano e a necessidade de fechamento da fistula no transoperatório. Pelo
fato destes pacientes terem uma grande probabilidade de complicações após a extubação, por
características associadas a doenças respiratórias obstrutivas, a utilização de cânulas nasofaríngeas colocadas com visão direta pelo cirurgião, após a utilização dos tampões nasais, e
a extubação na posição sentada, podem beneficiar estes pacientes reduzindo a probabilidade
de um evento obstrutivo das vias aéreas. Sempre devemos tomar o cuidado de aspirar com
bastante cautela para evitar secreções nas VAS. No pós-operatório imediato deve-se pesquisar
possíveis lesões de nervos cranianos, pela proximidade do III e V pares cranianos, bem como
fistula liquórica persistente. Podem ainda ocorrer meningite, acidente vascular isquêmico, lesão vascular, hemorragia intracraniana e perda de visão. Outras complicações frequentes nas
cirurgias transesfenoidais relacionam-se à produção do hormônio anti-diurético ADH e incluem
o diabete insípido e a síndrome de produção inapropriada de ADH. É importante distinguir o
diabete insípido da diurese fisiológica que ocorre no pós-operatório dos pacientes acromegálicos. A diferença está na medida da gravidade específica urinária, que no diabete insípido é <
1.005 mg.dl-1.
Caso 3
Mulher de 32 anos, episódio de hemorragia subaracnóidea há 24 horas, escalada para clipagem
de aneurisma de artéria comunicante anterior. Ao exame, cefaléia e rigidez de nuca. Pressão
arterial = 150/90 mmHg, sem outras anormalidades ao exame físico. Exames laboratoriais sem
anormalidades, exceto por sódio plasmático de 128 mEq.L-1. Eletrocardiograma, com inversão
de ondas T.
1. Qual a classificação desta paciente na escala de Hunt e Hess?
A classificação de Hunt e Hess do estado neurológico após hemorragia subaracnóidea possui 5
classes:
16 - Anestesia Casos Clínicos
Grau
I
II
III
IV
V
Capítulo I - Anestesia e Sistema Nervoso
Critérios
Assintomático ou cefaléia fraca e discreta rigidez de nuca
Cefaléia moderada a forte, rigidez de nuca, sem déficits outros que eventual paralisia de nervo craniano
Sonolência, confusão ou déficit focal leve
Estupor, hemiparesia moderada a grave, possivelmente rigidez de descerebração
prococe e distúrbios vegetativos
Coma profundo, rigidez de descerebração, aparência moribunda
Na presença de doenças sistêmicas graves, como hipertensão arterial, diabetes, arteriosclerose grave, doença pulmonar crônica e vasospasmo arteriográfico grave o paciente deve ser colocado na
classe imediatamente mais grave da escala.
2. Quais as possíveis causas para a hiponatremia nesta paciente?
A hemorragia subaracnóidea pode acompanhar-se de hiponatremia. Embora a síndrome da secreção inapropriada do hormônio antidiurético (hiponatremia, normo ou hipervolemia, sódio urinário normal ou baixo) possa
ocorrer, a causa mais comum é a síndrome cerebral de perda de sódio, causada pelo aumento da secreção
do peptídeo natriurético cerebral. A síndrome caracteriza-se por hiponatremia, contração do espaço extracelular e hipovolemia e concentração elevada de sódio urinário (acima de 50 mOsm.L-1). Em ambos os casos, a
administração de cloreto de sódio, isotônico tendo como meta a normovolemia, é o tratamento.
3. Qual a conduta frente ao achado eletrocardiográfico?
Pacientes vítimas de hemorragia subaracnóidea podem apresentar alterações eletrocardiográficas
e aumentos de enzimas cardíacas. As ondas T invertidas e profundas “em canyon” são o achado
mais típico, embora depressão do segmento ST, prolongamento do intervalo QT e ondas U possam
também ocorrer. Os níveis de enzimas cardíacas, apesar de elevados não preenchem critério de
lesão miocárdica. Intervalos QT maiores de 550 ms podem favorecer a ocorrência de disritmias ventriculares malignas. As demais alterações não demandam investigação adicional, já que via de regra
não se acompanham de alterações de motilidade ventricular ao ecocardiograma.
4. Quais os cuidados na indução e manutenção da anestesia?
No manuseio anestésico de paciente portador de aneurisma intracraniano e hemorragia subaracnóidea devem-se observar os seguintes princípios: a) evitar picos de hipertensão arterial; 2) manter
o cérebro relaxado para facilitar a abordagem do aneurisma; 3) manter a pressão arterial no limite
superior da normalidade para manter o fluxo sanguíneo cerebral nas áreas recentemente lesadas e
com perfusão marginal; 4) estar preparado para manipular a pressão arterial de acordo com as necessidades cirúrgicas: hipertensão durante clipagem transitória de carótida e hipotensão na vigência
de sangramento arterial.
5. Quais as indicações para hipotensão induzida nesta cirurgia?
Atualmente, a anestesia hipotensiva está em desuso em cirurgia de clipagem de aneurisma intracraniano.
Entretanto, pode haver necessidade de redução imediata da pressão arterial na vigência de sangramento
Capítulo I - Anestesia e Sistema Nervoso
Anestesia Casos Clínicos - 17
pó re-ruptura ou deslocamento de clipe. Por esta razão, uma infusão de nitroprussiato de sódio deve estar pronta e ligada ao paciente desde a indução. O nitroprussiato de sódio também causa vasodilatação
cerebral, aumentando a oferta de oxigênio para o cérebro durante episódios hipotensivos. Na vigência de
sangramento ativo, a pressão arterial média deve ser mantida entre 40 e 50 mmHg. Infusão e volume pode
ser necessária para manter o paciente normovolêmico.
Caso 4
Mulher de 45 anos de idade, 165 cm de altura, pesando 56 kg. Interna para tratamento cirúrgico de
epilepsia do lobo temporal, com história de crises parciais complexas refratária ao tratamento clínico,
caracterizadas por olhar fixo, alterações na fala, movimentos estereotipados com desorientação e
amnésia pós-ictais. Exames laboratorias normais, parou com a medicação há 48hs.
1. Quais as características clínicas dos pacientes com epilepsia do
lobo temporal?
Epilepsia é uma desordem neurológica que afeta de 0,5 a 1% da população mundial, ocupando o
segundo lugar entre as causas mais frequentes de deficiências mentais. A epilepsia do lobo temporal
afeta pessoas de qualquer idade. Normalmente, inicia-se na infância, podendo manifestar-se como
crises parciais simples, em que a consciência e a orientação no tempo e espaço são mantidas ou
como crises parciais complexas, que são acompanhadas por um quadro de desorientação, amnésia
e muitas vezes por perda da consciência. A esclerose mesial temporal é a causa relacionada com a
maior frequência de refratariedade à terapia medicamentosa.
2. Quais os objetivos da anestesia neste paciente?
A técnica anestésica tem como desafio minimizar o desconforto durante as fases da operação que
tenham forte estímulo doloroso, manter o paciente por um período de tempo prolongado de forma
imóvel, pois alguns procedimentos são realizados sob sedação, utilizando anestésicos que tenham
uma mínima interferência na atividade convulsiva. Quando há necessidade de avaliação da fala ou
das respostas sensitivo-motoras ao estímulo cortical, deve-se manter o paciente colaborativo e funcional durante o procedimento.
3. Quais os cuidados pré-operatórios?
Durante a consulta pré-anestésica é o momento de esclarecer ao paciente, que em determinados
momentos, se necessário, ele deverá descrever o que está sentindo e que o procedimento é longo.
Deve-se averiguar se serão provocadas crises do tipo grande mal no transoperatório. Se existe a
intenção de fazer um mapeamento intra-operatório, as medicações anticonvulsivantes deverão ser
suspensas e não se deve utilizar benzodiazepínicos no pré-anestésico.
4. Quais as técnicas anestésicas comumente utilizadas?
As técnicas anestésicas podem variar de sedação mínima a profunda, ou até mesmo anestesia geral,
dependendo de como será feito o mapeamento do foco epileptiforme e do tipo de resposta que se espera no paciente. Pode ser necessário variar a profundidade da anestesia, com técnica que permita
uma fase de sedação mais profunda, ou até mesmo anestesia geral com ventilação controlada, se-
18 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo I - Anestesia e Sistema Nervoso
guida de superficialização. O manuseio das vias aéreas durante esse período pode ser realizado com
a utilização da máscara laríngea. Para sedação, alguns anestesiologistas utilizam infusão de propofol
associado a baixas doses de remifentanil (0,02 a 0,05 µg.kg-1.min-1). Outra abordagem bastante aceita é associar ao sedativo a dexmedetomedina na dose de 0,1 a 0,5 µg.kg-1.min-1. É importante que
o posicionamento do paciente seja feito de forma que ele se sinta confortável e que a temperatura
da sala seja mantida de forma que não cause hipotermia. Os momentos de maior estímulo doloroso
são a passagem dos pinos para fixação da cabeça, durante a craniotomia e durante a manipulação
da dura-máter subtemporal. Geralmente, após a abertura da dura se faz um registro do EEG e se
não for identificado nenhum foco de atividade epileptiforme, poderão ser solicitadas manobras que
provoquem tais atividades. As medicações utilizadas com maior frequência, são etomidato na dose
de 0,05 a 0,1 mg.kg-1, alfentanil 30 a 50 mg.kg-1g ou remifentanil em bolus de 0,2 mg.kg-1, acompanhados de superficialização da anestesia. O anestesiologista deverá participar ativamente durante o
posicionamento do paciente visando mantê-lo de forma confortável e obter fácil acesso, observação
e manuseio das vias aéreas durante o procedimento.
5. Quais as possíveis complicações?
As crises de grande mal que poderão ser induzidas demandam tratamento. Deve-se evitar hipertensão arterial, pois uma das complicações temidas é a hemorragia intracraniana. Outro cuidado importante é em relação ao manuseio das vias aéreas. As complicações respiratórias podem ser identificadas em 1,6% dos pacientes e incluem apnéia e obstrução respiratória grave, durante estimulação da
função cerebral sob sedação profunda. Também, deve-se estar atento às alterações hemodinâmicas
como taquicardia, hipertensão arterial sistêmica e bradicardia, que ocorrem com uma frequência de
7,1%,19% e 4,8% respectivamente .
Caso 5
Homem, 25 anos, previamente hígido, apresentou episódio de convulsão generalizada, seguida de
hemiplegia esquerda. A investigação neurorradiológica mostrou a presença de malformação arteriovenosa (MAV) em lobo temporal direito.
1. O que são malformações arteriovenosas cerebrais?
São conexões vasculares anormais entre a circulação arterial e venosa. A ausência de leito capilar
interposto resulta em uma via de baixa resistência para o fluxo sanguíneo.
2. Qual o padrão ouro para o diagnóstico de MAV cerebral?
MAV pode apresentar-se como convulsões, hemorragia subaracnóidea ou intraparenquimatosa ou
déficit neurológico focal. O padrão-ouro para o diagnóstico é a arteriografia cerebral.
3. Quais os cuidados na indução e manutenção da anestesia?
No manuseio anestésico de paciente portador de MAV intracraniana devem-se observar os seguintes princípios: a) evitar picos de hipertensão arterial; b) manter o cérebro relaxado para facilitar a abordagem do aneurisma; c) controlar a pressão arterial para manter a auto regulação da
circulação cerebral; d) estar preparado para manusear o fenômeno de rotura da barreira hematoencefálica.
Capítulo I - Anestesia e Sistema Nervoso
Anestesia Casos Clínicos - 19
4. Explique o fenômeno de desautorregulação da circulação cerebral
com pressão de perfusão normal.
O fenômeno de desautorregulação da circulação cerebral com pressão de perfusão normal
constitui a mais grave complicação de uma cirurgia da MAV. Manifesta-se como edema vasogênico, hiperemia e hemorragia na área adjacente à MAV de intensidade variável, que
pode chegar à extrusão de tecido cerebral pela craniotomia, impedindo o prosseguimento da
cirurgia. As causas não são estabelecidas, embora duas teorias tentem explicar o fenômeno.
Segundo a teoria clássica, os vasos do tecido cerebral adjacente à MAV são maximamente
dilatados para compensar o roubo de perfusão que o território de baixa resistência da MAV
oferece ao fluxo sanguíneo regional. Quando os vasos aferentes da MAV são ligados, os
vasos adjacentes não conseguem conter o súbito aumento do fluxo sanguíneo nestas áreas,
o que resulta na formação de edema e hemorragias. Isto ocorre mesmo em níveis normais
de pressão de perfusão e é agravado por picos hipertensivos. Mais recentemente, uma teoria
propõe que a vasodilatação no tecido circunjacente à MAV envolve sinais parácrinos causados pelo fluxo sanguíneo supranormal, com ativação de proteases que levariam ao edema
vasogênico e rotura vascular.
5. Quais as condutas anestésicas para o controle da
desautorregulação da circulação cerebral com pressão de perfusão
normal?
As seguintes condutas podem controlar o edema cerebral: a) reduzir a pressão arterial média para
50 a 60 mmHg, diminuindo a pressão de perfusão cerebral; b) Reduzir a PACO2 para valores entre
27 e 33 mmHg; c) administrar tiopental até 15 – 30 mg.kg-1 em 30 minutos, reduzindo a concentração
de outros anestésicos, especialmente os inalatórios; d) administrar diuréticos (furosemida 0,5 a 1
mg.kg-1 e manitol 1 – 2 g.kg-1); e) induzir hipotermia (34,5oC). Caso estas medidas não funcionem o
procedimento será interrompido, o paciente transferido à UTI em ventilação mecânica com controle
intensivo da pressão arterial, até que o edema seja controlado e a cirurgia possa ser completada.
Caso 6
Mulher de 57 anos de idade, vítima de acidente automobilístico, com lesão cervical em nível de C5,
há 48hs. Paciente está tetraparética com grau C, segundo a escala de classificação da ASIA (American Spinal Injury Association) para trauma raquimedular. Será submetida a operação para fixação
anterior da coluna cervical.
1. O que significa classificação C da escala para trauma raquimedular
da ASIA e qual a importância?
Após determinar o nível da lesão neurológica a American Spinal Injury Association (ASIA) utiliza uma classificação padrão que serve para determinar se a lesão é completa ou não e se as
funções sensitivas e motoras estão normais. O grau A da classificação da ASIA é atribuído a
traumas complexos em que ocorre perda completa das funções sensitivas e motoras das regiões sacrais S4 e S5. O grau E é atribuído quando as funções sensitivas e motoras são normais.
20 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo I - Anestesia e Sistema Nervoso
Graus B, C e D definem a perda das funções motoras, com preservação da função sensitiva
abaixo do nível da lesão. Sendo que o grau B refere-se a lesão motora completa abaixo do nível
da lesão, incluindo os seguimentos sacrais. Já o grau C define lesão motora incompleta em que
ocorre uma redução na força abaixo do grau 3 segundo a classificação do British Medical Research Council (grau 3 é definido como a capacidade de um movimento completo e ativo contra
a gravidade), em mais da metade dos músculos localizados abaixo do nível da lesão. O grau D
é atribuído quando a força motora está em um grau maior do que 3 em metade dos músculos
abaixo do nível da lesão.Esta classificação quantifica a gravidade da lesão pelo comprometimento neuromuscular e possíveis complicações respiratórias e cardiovasculares dependentes
da gravidade das lesões.
2. Quais os principais objetivos do manuseio do trauma
raquimedular?
O objetivo principal do manuseio na fase aguda do trauma raquimedular é focado em prevenir que
a cascata de eventos bioquímicos como peroxidação e decomposição da membrana, geração de
radicais livres, lesão de isquemia e reperfusão e inflamação que levem a uma maior redução do
fluxo sanguíneo medular. O grau de comprometimento da função respiratória e cardiovascular
depende do nível da lesão. Pacientes com lesão de C2 necessitam de suporte ventilatório imediato, devido ao comprometimento do diafragma (C3, C4 e C5). Pacientes com lesões em níveis
inferiores a C3, poderão também necessitar de suporte ventilatório devido ao comprometimento
muscular com redução da capacidade vital. Podem ocorrer alterações hemodinâmicas que caracterizam choque medular manifestado por hipotensão e bradicardia. Estas alterações devem
ser tratadas com suporte hemodinâmico para prevenir o agravamento da lesão medular. Embora
não existam dados suficientes para determinar o nível pressórico adequado, algumas diretrizes
sugerem que a pressão arterial sistólica deve permanecer entre 85 e 90 mmHg nos primeiros 7
dias após o trauma.
3. Quais os cuidados no manuseio da vias aéreas no paciente com
trauma raquimedular?
A laringoscopia direta com estabilização manual da coluna cervical é o procedimento padrão em
situações de emergência. Nas situações eletivas em que se consegue fazer um preparo para reduzir
as chances de complicações com broncoaspiração pode-se dar preferência a instrumentação da via
aérea com manobras que venham a manter a coluna cervical mais estável, como por exemplo com
utilização do broncofibroscópio.
4. O que fazer para minimizar o agravamento da lesão secundária da
medula espinhal?
A lesão secundária da medula espinhal pode ser prevenida ou minimizada por medidas de suporte
que tenham por objetivo reduzir a hipoperfusão da medula espinhal. Estas incluem a otimização
da oxigenação tecidual e o suporte ventilatório, principalmente nos casos de lesão alta, acima
de C3. Outra maneira é a manutenção da pressão de perfusão medular, já que durante o trauma
raquimedular ocorre perda dos mecanismos de autorregulação da circulação medular, que fica
dependente da pressão arterial sistêmica. Para isso faz-se necessário um rígido controle da PA
através da infusão de líquidos e drogas inotrópicas e/ou vasopressores, associados a adequada
Capítulo I - Anestesia e Sistema Nervoso
Anestesia Casos Clínicos - 21
monitorização hemodinâmica. Em relação ao entendimento e controle dos mecanismos celulares
e moleculares do agravamento da lesão medular, como redução da peroxidação da membrana
lipídica, melhora na modulação celular imunológica e inflamatória e inibição do influxo de cálcio,
pouco se tem conseguido comprovar em estudos clínicos da eficácia dos tratamentos com drogas (metilpredinisolona, hidrocortisona), naloxona, antagonistas N-metil-D-aspartato, nimodipina.
Também carecem de evidências científicas a utilização de hipotermia local ou sistêmica. As medidas tomadas para a estabilização da coluna ainda permanecem como pedra angular no manuseio
do TRM. O tempo para intervenções mais invasivas para descompressão e estabilização da fratura
ainda permanece controverso.
5. Quais os cuidados no pós-operatório imediato?
Em relação aos cuidados pós-operatórios, devem-se priorizar as medidas de suporte ventilatório e hemodinâmico e o tratamento das lesões associadas. O objetivo é manter a adequada
perfusão medular. Outras anormalidades que acompanham as lesões medulares são as coagulopatias, que podem ser iniciadas por uma cascata celular, como na resposta inflamatória
sistêmica e agravadas por hipotermia, ativação da proteína C, hipoperfusão e politransfusão.
Nas lesões que atingem as fibras cardioaceleradoras, poderá ocorrer bradicardia refratária
ao tratamento com atropina dentro das primeiras 48hs após o trauma. Outras complicações
frequentes são úlcera gastrointestinal, íleo ou distenção gástrica, retenção urinária e infecção
respiratória.
Caso 7
Paciente 50 anos, submetido a craniotomia occipital para exérese de ependimoma do quarto ventrículo. Apresentou hipotensão arterial durante o posicionamento. Durante a dissecção do tumor apresentou episódios de bradicardia. Após o término da cirurgia apresentava volumosa macroglossia e
evoluiu com quadriplegia.
1. Quais os efeitos cardiovasculares da posição sentada?
Durante o posicionamento do paciente pode ocorrer hipotensão arterial, que deve ser corrigida com
a administração de vasopressor e de fluidos. Entretanto, o principal evento cardiovascular que acompanha as cirurgias em posição sentada é o aumento sustentado da resistência vascular periférica,
provavelmente causado por aumento do tônus simpático e acompanhado de diminuição do índice
cardíaco.
2. Que alterações circulatórias podem ocorrer durante a manipulação
do assoalho do quarto ventrículo?
Bradicardia, hipotensão arterial, taquicardia, hipertensão arterial ou arritmias cardíacas podem acompanhar a manipulação de estruturas da parte inferior da ponte e superior do bulbo, no assoalho do
quarto ventrículos ou no ângulo cerebelopontino. Estas alterações devem ser notificadas ao cirurgião
para que ele evite danos a núcleos de nervos cranianos ou ao centro respiratório. A profilaxia destas
alterações não é indicada e o tratamento na maioria das vezes resume-se a interromper a estimulação indesejada.
22 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo I - Anestesia e Sistema Nervoso
3. Que monitores são úteis para detectar embolismo aéreo
intraoperatório?
Nas cirurgias sobre a fossa posterior, embolismo aéreo pode ocorrer durante a abertura da díploe
craniana ou de seios meníngeos. A entrada de ar na circulação pode ser volumosa o suficiente para
causar colapso cardiovascular. O método mais sensível e específico, com resposta mais rápida e
que permite o acompanhamento da evolução do evento é a associação de Doppler precordial com
capnometria, que é o padrão-ouro da monitorização. O ecocardiograma transesofágico é mais sensível e pode detectar embolismo paradoxal através de comunicações interatriais ou interventriculares.
Contudo, a segurança da monitorização contínua por longo tempo ainda não foi estabelecida.
Pacientes operados em posição sentadacom flexão do pescoço, podem desenvolver edema de estruturas faríngeas, como o palato, parede posterior e base da língua. A causa aventada para este
fenômeno é a formação de edema durante a reperfusão de lesões isquêmicas causadas por corpos
estranhos (cânulas orofaríngeas, tubo traqueal) ou por flexão extrema do pescoço.
5. Qual a causa de quadriplegia pós-operatória?
Pacientes operados em posição sentada podem desenvolver quadriplegia. A causa mais provável é a
tração excessiva da medula espinhal causada pela flexão excessiva do pescoço. Pacientes com doenças da coluna cervical não devem ser operados em posição sentada, se houver alternativa. Caso
necessitem, a monitorização de potenciais evocados e controle da pressão arterial estão indicados.
Caso 8
Homem de 65 anos de idade agendado para cirurgia de revascularização do miocárdio, com circulação extracorpórea (CEC). Em tratamento para a HAS e diabete mellitus há mais de 10 anos com
atenolol, enalapril, propatilnitrato e metiformina. Internou com quadro de angina instável. Ao cateterismo cardíaco mostrava lesão de tronco de cororonária esquerda, lesões em marginal e diagonais
de ventrículo esquerdo, sem comprometimento da função sistólica. Exames laboratoriais normais,
exceto pela glicemia de jejum de 150 mg%.
1. Porque devemos nos preocupar com a disfunção cerebral neste
tipo de cirurgia?
Acidentes vasculares cerebral (AVC) podem ocorrer em cirurgias cardíacas. A manipulação da aorta
ascendente e a utilização da circulação extracorpórea podem causar liberação de êmbolos volumosos que comprometem a perfusão cerebral. A liberação de múltiplos pequenos êmbolos para
ambos os hemisférios cerebrais também pode levar à hipoperfusão difusa, encefalopatia e disfunção
cognitiva.
2. Qual a probabilidade de uma disfunção cerebral pós CEC neste
paciente?
Existem estudos multicêntricos que desenvolveram um índice de risco de acidente vascular em que
são levados em consideração determinados fatores como a idade, angina instável, diabete mellitus,
cirurgia cardíaca prévia, doenças neurológica, pulmonar e vascular. Este paciente pelo fato de ter
Capítulo I - Anestesia e Sistema Nervoso
Anestesia Casos Clínicos - 23
65 anos de idade, angina instável e diabete mellitus, tem um risco de aproximadamente 4% de AVC.
Este estudo multicêntrico identificou que o risco de AVC poderá ser 1,5% a 5,2%. Mesmo aqueles
pacientes que têm baixo risco para AVC, mais de um terço deles terão algum tipo de disfunção cerebral em 5 anos.
3. Qual o mecanismo fisiopatológico que leva à disfunção cerebral
pós CEC e em que se baseia o conceito de neuroproteção nesses
pacientes?
Os neurônios têm um alto metabolismo e são totalmente dependentes da oxidação da glicose e
da produção de ATP mitocondrial. Durante isquemia, pela redução de aporte sanguíneo, ocorrerá
a lesão neuronal dependente da intensidade e da duração da isquemia. A ausência de oxigênio e
glicose inicia uma cascata de eventos que culminam com a morte celular. Esse processo inclui, entre
outros fatores, a excessiva ativação dos receptores de glutamato, o acúmulo de cálcio intracelular e
a produção de radicais livres. O objetivos principais das intervenções de neuroproteção são melhorar
o acoplamento entre a demanda e a oferta de oxigênio, a diminuição do metabolismo celular e a
melhora do fluxo sanguíneo cerebral.
4. Quais as estratégias farmacológicas para reduzir a lesão
neurológica?
A neuroproteção farmacológica se faz com maior frequência através do uso de corticosteróide (58%),
barbitúricos (50%) e antiepilépticos (10%), associados a anestésicos que também conferem neuroproteção, como os inalatórios (33%), e o propofol. Ainda existe a necessidade de um número maior
de estudos para elucidar a efetividade destas drogas. Outras medidas farmacológicas incluem os
antagonistas de cálcio e de receptores NMDA (como nimodipina, cetamina e sulfato de magnésio).
Os estudos com magnésio tem se mostrado mais promissores.
5. Quais as estratégias não farmacológicas para reduzir a lesão
neurológica?
A hipertermia durante o reaquecimento está associada a um maior risco de AVC e deve ser evitada. O
controle glicêmico rígido durante a CEC, embora ainda controverso, parece melhorar o desfecho neurológico. Deve-se reduzir ao mínimo necessário a manipulação da aorta, na presença de ateromatose.
Caso 9
Paciente masculino, 23 anos, vítima de acidente de trânsito, chega ao hospital em coma. Ao exame,
não abre os olhos, emite sons incompreensíveis e faz movimento de retirada a estímulo doloroso.
Apresenta sinal de Babinski e hiperreflexia à direita. A pupila esquerda está dilatada, sem resposta à
luz. A tomografia cerebral mostra volumoso hematoma extradural temporoparietal E.
1. Qual o escore deste paciente na escala de coma de Glasgow?
A escala de coma de Glasgow avalia 3 critérios. Quanto mais alta a pontuação final, melhor o estado neurológico. Escore total igual ou menor que 8 indica TCE grave e necessidade de ventilação mecânica.
24 - Anestesia Casos Clínicos
Abertura ocular
Capítulo I - Anestesia e Sistema Nervoso
Resposta
Nunca
À dor
Ao comando verbal
Espontaneamente
Melhor resposta verbal
Melhor resposta motora
Nenhuma
Sons incompreensíveis
Palavras inapropriadas
Confuso, mas conversa
Orientado
Nenhuma
Extensão (rigidez de descerebração)
Flexão (rigidez de decorticação)
Retirada
Localiza dor
Obedece a comandos
Total
Escore
1
2
3
4
1
2
3
4
5
1
2
3
4
5
6
3 – 15
Assim, este paciente apresenta um escore de 1 + 2 + 4 = 7, ou seja, um TCE grave.
2. Este paciente necessita de ventilação mecânica com intubação
traqueal?
Sim, qualquer paciente com escore menor ou igual a 8 na escala de Glasgow necessita imediata
intubação traqueal e ventilação mecânica.
3. Que drogas devem ser utilizadas para facilitar a intubação
traqueal?
Pacientes vítimas de TCA podem ter outras lesões associadas. Mesmo que não as tenham, o sangramento intracraniano pode ser volumoso, com hipovolemia. A manutenção
da pressão de perfusão cerebral e vasoconstrição cerebral na presença de hipertensão
intracraniana são mandatórias. O tiopental, o propofol e o etomidato são os hipnóticos
mais indicados, por diminuir o consumo de oxigênio e produzirem vasoconstrição cerebral.
Doses de tiopental ou propofol devem ser ajustadas para evitar hipotensão arterial, já que
em doses clínicas, diminuem a pressão arterial. O etomidato pode ser utilizado quando há
evidências de hipovolemia, pelos seus negligenciáveis efeitos cardiovasculares. Apesar
de aumentar a pressão intracraniana, intubação traqueal em sequência rápida, pelo seu
curto efeito de ação. O rocurônio também pode ser utilizado, na dose de 1 mg.kg-1. Opíói-
Capítulo I - Anestesia e Sistema Nervoso
Anestesia Casos Clínicos - 25
des podem ser utilizados para evitar aumentos de pressão arterial em indivíduos estáveis
hemodinamicamente. Caso haja hipotensão arterial, fluidos intravenosos e vasopressores
devem ser administrados.
4. Qual a monitorização cardiovascular adequada para este paciente?
A monitorização rotineira do paciente com TCE deve incluir a pressão venosa central, pela necessidade de controle volêmico e eventual infusão de drogas vasopressoras e a pressão artérial
direta, dada a instabilidade cardiovascular e a necessidade de coletas seriadas de sangue para
medida de gases arteriais. A capnometria deve ser empregada. Entretanto, valores baixos de PECO2 poder ser o reflexo de baixo débito cardíaco e devem ser confirmados por medidas de gases
T
arteriais.
5. Qual o papel da solução hipertônica de cloreto de sódio no
manuseio do paciente com TCE?
As soluções hipertônicas de cloreto de sódio a 7,5% ou a 3% podem ser utilizadas para o controle da
hipertensão intracraniana em situações refratárias ao uso do manitol. Como a barreira hematoencefálica é impermeável ao sódio, forma-se um gradiente osmótico que favorece a saída de água do tecido
cerebral para o espaço intravascular. As vantagens em relação ao manitol são a menor ocorrência de
distúrbios eletrolíticos e de diurese profusa. A dose recomendada é de 20 a 40 ml.h-1 através de cateter
venoso central. Acidose hiperclorêmica pode ocorrer. Após infusões prolongadas, a interrupção deve
ser gradual para evitar hiponatremia e edema de rebote. O uso rotineiro das soluções salinas hipertônicas ainda não é indicado.
Caso 10
Paciente de 55 anos masculino com Doença de Parkinson, interna para implante de eletrodo para
neuroestimulação. Paciente hipertenso controlado com losartana, parou com o tratamento para o Parkinson há 48hs. Altura 1,70 cm e 68 kg de peso, exame físico normal e exames laboratorias normais
, ECG mostrando sobrecarga de câmaras esquerdas.
1. Em que implica o tratamento com implante de eletrodo para
neuroestimulação?
O implante de eletrodo para neuroestimulção fora descrito em 1987 e visa estimular o núcleo intermédio ventral do tálamo para tratar a doença de Parkinson em pacientes que não respondem ao
tratamento convencional. O desafio da anestesia está em propiciar um cuidado com conforto e estabilidade cardiorrespiratória, sem interferir com as manifestações da doença, mantendo a consciência
do paciente para a realização de um adequado estudo eletrofisiológico.
2. Quais os cuidados em relação ao pré-anestésico do paciente que
será submetido a implante de eletrodo para neuroestimulação?
Além da avaliação das comorbidades e medicação em uso, deve-se preparar o paciente para um
procedimento longo em que ele deverá estar colaborativo na maior parte de tempo. Pacientes com
26 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo I - Anestesia e Sistema Nervoso
claustrofobia, com dores nas costas ou dores crônicas podem não ser bons candidatos para esse
procedimento. As medicações antiparkinsonianas deverão ser suspensas no mínimo por 12 h e as
outras medicações, principalmente anti-hipertensivos devem ser mantidas. As medicações como
benzodiazepínicos e opióides devem ser evitadas no pré-operatório porque podem interferir com os
sintomas e com os estudos eletrofisiológicos.
3. A que particularidades do procedimento deveremos estar atentos?
Normalmente é utilizado um halo de fixação para a cabeça e o paciente deverá ficar semi-sentado.
Deve-se acomodar o paciente de forma que fique confortável e imóvel por todo o tempo. A temperatura ambiente deve ser suficiente a para que o paciente não fique desconfortável. O paciente deverá
ficar acordado e colaborativo. Anestesia geral será utilizada para pacientes não colaborativos.
4. Como as drogas que são normalmente utilizadas na anestesia
podem interferir no procedimento?
Deve-se ter cautela com as medicações a serem utilizadas durante o procedimento. Drogas seletivas e não seletivas -antagonistas podem interferir reduzindo os tremores do Parkinson e devem
ser evitadas. HAS crônica e hipertensão intraoperatória são fatores de risco para hemorragia intracraniana e podem ser tratadas com hidralazina. Drogas com atividades dopaminérgicas como o
droperidol e metoclopramida devem ser evitadas. O propofol pode acelerar ou reduzir os sintomas
do Parkinson e, portanto, não parece ser a droga ideal como sedativo. Já os 2-agonistas como a
dexmedetomidina parecem interessantes no manuseio da sedação destes pacientes. Naqueles
pacientes que necessitam de anestesia geral a técnica mais utilizada é anestesia endovenosa
com propofol e remifentanil, sendo que durante a estimulação o BIS deverá ser mantido em torno
de 60.
5. Quais as possíveis complicações desse procedimento?
As complicações mais frequentes são a hemorragia intracraniana e a crise convulsiva (3,6%). São
frequentes, também, agitação e confusão mental no pós-operatório (15%). A hipertensão arterial está
associada a hemorragia intracraniana e deve ser tratada prontamente. Outro cuidado importante é
reiniciar o tratamento com as medicações que o paciente vinha tomando, logo que possível, para
evitar essa complicação.
LEITURAS RECOMENDADAS:
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hibernated yet! Minerva Anestesiol, 2008;74:425-430.
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Capítulo I - Anestesia e Sistema Nervoso
Anestesia Casos Clínicos - 27
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Capítulo II
Anestesia em Obstetrícia
Rosa Inês Costa Pereira
Maria José Nascimento Brandão
30 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo II - Anestesia em Obstetrícia
Caso 1
Secundigesta, 25 anos, gestação de termo, em trabalho de parto, será submetida à analgesia para trabalho
de parto. Durante a avaliação pré-anestésica, o anestesiologista deverá estar atento às alterações fisiológicas da gravidez.
1. Como esta paciente difere da não grávida com respeito às alterações do
aparelho respiratório?
Com o aumento do útero ocorre elevação do diafragma e diminuição de até 4cm no diâmetro vertical do
tórax, compensado pelo aumento de 2-3cm no diâmetro ântero-posterior e transverso e de 5-7cm na circunferência da caixa torácica. A respiração é predominantemente diafragmática. Os volumes e as capacidades
pulmonares se encontram alterados, a ventilação alveolar aumenta paralelamente ao aumento do volume
minuto, a despeito do aumento do espaço morto anatômico.
Parâmetros
Volume de Reserva Expiratório
Volume Residual
Volume Corrente
Frequência Respiratória
Ventilação Alveolar
Capacidade Residual Funcional
Capacidade Inspiratória
Capacidade Pulmonar Total
Capacidade Vital
Alterações
- 20%
- 15%
+ 40%
+ 15%
+ 70%
- 20%
+15%
- 05%
Não se altera
2. Qual a implicação destas alterações do trato respiratório em relação à
intubação orotraqueal?
Há ingurgitamento capilar das mucosas nasal, faríngea e laríngea dificultando a ventilação nasal e a friabilidade das mucosas pode levar a epistaxe. A presença de edema pode ser particularmente grave na vigência
de pré-eclâmpsia ou Trendelenburg prolongado. A manipulação deve ser cuidadosa para evitar traumatismos e deve-se evitar a intubação nasotraqueal. A dificuldade de intubação pode ser particularmente mais
intensa na presença de obesidade, pacientes com pescoço curto e com mamas grandes. É aconselhável a
utilização de tubos traqueais de menor calibre e laringoscópios de cabo curto.
3. Quais as principais alterações do aparelho cardiovascular relacionadas
à gravidez?
À medida que o consumo de oxigênio aumenta durante a gravidez, o sistema cardiovascular se adapta para
satisfazer a crescente demanda. Inicialmente, ocorre uma diminuição da resistência vascular consequente
às alterações hormonais (estrógenos, progesterona e prostaciclinas). O aumento do volume plasmático é
Capítulo II - Anestesia em Obstetrícia
Anestesia Casos Clínicos - 31
cerca de 50% enquanto que o das hemácias atinge apenas 20 a 30%. O maior aumento do volume plasmático mascara o real aumento de eritrócitos e do conteúdo de hemoglobina conduzindo à chamada anemia
fisiológica da gravidez. Ocorre aumento de 15 a 25% na frequência cardíaca e até 50% no débito cardíaco,
podendo atingir 12 a 14L/min durante o trabalho de parto e pós-parto imediato. A pressão arterial diminui
ligeiramente, porque a diminuição da resistência vascular excede o aumento do débito cardíaco.
4. Qual o mecanismo para os frequentes episódios de hipotensão arterial
quando a gestante assume a posição supina?
Cerca de 10% das gestantes apresentam um fenômeno conhecido como hipotensão supina em virtude
da oclusão da veia cava e diminuição do retorno venoso ao coração. Como resultado destas alterações a
paciente apresenta taquicardia, hipotensão arterial, palidez e sensação de desfalecimento. A compressão
concomitante da aorta abdominal pode comprometer a perfusão útero-placentária ocasionando asfixia fetal.
Portanto, recomenda-se o deslocamento uterino para a esquerda (cunha/coxim) ou uma inclinação lateral
da mesa de 15 graus.
5. Com relação às alterações do trato gastrintestinal, quais as implicações
para o manuseio anestésico da paciente obstétrica?
Durante a gestação há aumento da secreção ácida do estômago e diminuição do tônus do esfíncter esofágico inferior. O tempo de esvaziamento gástrico, durante a gestação, não se altera, embora seja considerado
aumentado durante o trabalho de parto. Existe alguma controvérsia sobre o risco aumentado de aspiração
do conteúdo gástrico. No entanto, as recomendações de diferentes “guidelines” de anestesia obstétrica propõem a profilaxia farmacológica da aspiração de conteúdo gástrico, baseada na administração de antiácidos
não particulados, antagonistas de receptores H2 e/ou metoclopramida. Recomenda-se a preferência pela
anestesia regional e no caso de anestesia geral proceder-se à intubação de sequência rápida, pressão sobre
a cartilagem cricóide e emprego de tubos traqueais com balonete.
Caso 2
Considerando a paciente do caso anterior, foi solicitada analgesia para trabalho de parto, pois encontravase em fase ativa do trabalho de parto, com colo 100% esvaecido, dilatação cervical de 5 cm e contrações
uterinas regulares, de forte intensidade e dolorosas.
1.Efeitos deletérios da dor sobre o binômio materno-fetal?
A dor pode desencadear inúmeras alterações prejudiciais à mãe e ao feto. Durante o trabalho de parto a
hiperventilação materna pode gerar alcalose respiratória e hipocarbia que prejudica a oxigenação fetal por
determinar intensa vasoconstrição útero-placentária e feto-placentária e desviar a curva de dissociação a hemoglobina materna para a esquerda, dificultando a transferência de O2 da placenta para o feto. A hipocarbia
pode ser seguida de hipoventilação e apnéia levando à hipoxemia fetal e inconsciência materna. Aumento
nos níveis de catecolaminas circulantes, cortisol e ACTH maternos. Aumento progressivo do débito cardíaco
e pressão arterial média maternos, particularmente nocivos em gestantes com reserva funcional cardíaca diminuída ou doenças hipertensivas. O aumento de catecolaminas pode levar a diminuição do fluxo sanguíneo
uterino com alterações na frequência cardíaca fetal. Retardo do esvaziamento gástrico materno e acidose
metabólica proporcional ao tempo e dificuldade do trabalho de parto.
32 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo II - Anestesia em Obstetrícia
2. Justifique o emprego de bloqueios contínuos no neuroeixo.
Durante o trabalho de parto, a dor parece ter a participação de componente tanto visceral quanto somático.
No início do trabalho de parto, a paciente refere dor no território correspondente aos dermátomos T11 e T12.
Com a evolução do trabalho de parto e aumento na intensidade das contrações, a dor passa a ser referida
nos dermátomos T10 e L1. Durante o segundo estágio, a dor, agora com características somáticas, decorrente
da distensão do assoalho pélvico, vagina e períneo, é transmitida pelo nervo pudendo (S2-S4). Por se tratar
de um quadro dinâmico, dá-se preferência às técnicas regionais contínuas de anestesia que podem ser
realizadas em qualquer momento do trabalho de parto.
3. Cite as técnicas de analgesia de parto mais utilizadas.
A analgesia para o parto vaginal deve ser instituída para minimizar a reação de estresse em resposta à
dor, à ansiedade materna e suas consequências fetais. No período de dilatação, três técnicas podem ser
utilizadas: a) peridural lombar contínua, especialmente indicada nas fases iniciais do trabalho de parto, b)
bloqueio combinado raqui-peridural que apresenta como vantagem poder ser utilizado em pacientes em fase
adiantada de trabalho de parto, com dor intensa, proporcionando rápido alívio da dor, c) raquianestesia tem
indicação restrita ao período expulsivo devido à sua duração limitada.
4. Indique as soluções analgésicas apropriadas e regime de manutenção.
Pode-se iniciar a técnica peridural contínua com uma solução de bupivacaína em baixas concentrações,
como 0,125% associada ao sufentanil 10-20µg ou fentanil 50µg. A manutenção da analgesia pode ser feita
por meio de bôlus intermitentes, por infusão contínua de anestésico local ou por analgesia controlada pelo
paciente(PCA).
No bloqueio combinado raqui-peridural, administra-se bupivacaína hiperbárica na dose de 2,5mg associada
a opióide sufentanil 2,5-5µg ou fentanil 10 a 20µg no espaço subaracnóideo e no espaço peridural utiliza-se
bupivacaína a 0,125% ou 0,25% em injeções intermitentes ou a 0,0625% associada ao sufentanil 0,2µg/ml
em infusão contínua na velocidade de 10ml/h.
Na raquianestesia, o anestésico local indicado é a bupivacaína hiperbárica na dose de 2,5mg associada a
opióide sufentanil 2,5-5µg ou fentanil 10 a 20µg.
5. Efeitos adversos e complicações das técnicas praticadas no neuroeixo.
Peridural - dor lombar por lesão do periósteo da vértebra e retificação da coluna lombar resultante da do
relaxamento musculatura sacro espinhal.
Cefaléia pós-punção inadvertida da dura-máter promovendo perda do líquido céfalo-raquidiano com diminuição da pressão intra-craniana (PIC), frouxidão das estruturas cerebrais, tração das meninges e dilatação
dos vasos que irrigam a região.
Injeção subdural ou subaracnódea inadvertidas que podem levar a insuficiência respiratória e perda da consciência acarretando a necessidade de intubação traqueal até plena recuperação. Pode ocorrer hipotensão.
Reações tóxicas aos anestésicos locais (AL), mais comuns nas gestantes devido ao ingurgitamento venoso
vertebral. O emprego de soluções pouco concentradas evita as perigosas manifestações tóxicas do sistema
nervoso central e parada cardiorrespiratória. As complicações neurológicas são raras quando a técnica é
executada adequadamente. As principais causas são trauma direto da agulha com lesão de nervo espinhal
ou medula, contaminação, isquemia e hematoma peridural.
Capítulo II - Anestesia em Obstetrícia
Anestesia Casos Clínicos - 33
Raqui – Uma complicação frequente com a raquianestesia é a hipotensão arterial. A incidência e a gravidade dependem da extensão do bloqueio, da posição da paciente e se medidas profiláticas foram tomadas
previamente. Ao ser diagnosticada, deve ser tratada prontamente. Pode-se utilizar efedrina em bolus de 5 a
10mg ou como opção temos os alfa1 agonistas como metaraminol em bolus ou fenilefrina em infusão contínua. Outra complicação, na grávida é um risco aumentado de cefaléia pós raqui.
Bloqueio combinado – com a quebra da barreira protetora do SNC após a punção da dura-máter pela
agulha de raqui, aumenta-se o risco de contaminação por agentes infecciosos que podem levar a quadros
de meningites bacterianas e até abscesso peridural. Estima-se um risco duas vezes maior com a técnica
combinada do que na peridural contínua.
Caso 3
Primigesta, 28 anos, gestação de termo, será submetida a cesariana eletiva por apresentação pélvica. Paciente hígida, estado físico P1 (ASA), em jejum há 8 horas, recebeu indicação de raquianestesia.
1. Justifique a escolha da técnica?
As vantagens do emprego da raquianestesia para cesariana por apresentação pélvica incluem: rápido início
de anestesia cirúrgica, simplicidade de execução, alta taxa de sucesso (incidência de falhas ao redor de 2%),
exposição fetal desprezível a agentes depressores, bloqueio motor intenso, facilitando campo operatório, já
que a extração pélvica impõe alguma dificuldade ao obstetra.
2. Descreva a técnica e aponte o material adequado.
A disponibilidade e preparação do material são essenciais para o sucesso da técnica. Equipamentos
e drogas de ressuscitação devem estar prontamente disponíveis. A monitorização pressupõe eletrocardioscopia contínua, mediadas seriadas da pressão arterial(não invasiva) e oximetria de pulso. A
cateterização de uma linha venosa e infusão de cristalóides devem preceder a punção. A punção deve
ser realizada em condições assépticas e a bandeja de bloqueio deve proporcionar fácil acesso aos
materiais, impedindo o contato das soluções antissépticas com as agulhas para evitar a possibilidade
de neurólise. As agulhas devem ser de pequeno calibre. Existem dois tipos principais de agulha para
raquianestesia, as cortantes do tipo Quincke-Babcock, mais tradicionais, e as mais modernas com o
formato de ponta de lápis (não cortantes do tipo Whitacre e Sprote). As agulhas de menor calibre, 26
ou 27G apresentam menor chance de produzirem cefaléia pós-raqui, quando comparadas às de calibre
22 e 25G. Mesmo quando se comparam agulhas com o mesmo calibre, porém com pontas diferentes,
a vantagem quanto à menor incidência de cefaléia pós punção dural recai sobre as de ponta não cortante. Agulhas mais finas, como as de calibre 29 a 32G, acarretam maior dificuldade técnica, obrigando
muitas vezes a inúmeras punções, aumentando o tempo de execução do bloqueio, o índice de falhas e
não diminuindo a ocorrência de cefaléia.
3. Cite os anestésicos locais mais utilizados, adjuvantes e doses.
A bupivacaína hiperbárica a 0,5% é o agente anestésico local (AL) mais frequentemente utilizado. Por esta via,
sua duração de ação é de 1,5 a 2 horas, tempo suficiente para a grande maioria das operações cesarianas. As
doses variam, mas não excedem 15 mg devido ao risco de complicações pelo bloqueio alto. Recentemente,
o emprego de substâncias adjuvantes, como opióides lipossolúveis, tem permitido o emprego de doses cada
vez menores de bupivacaína hiperbárica a 0,5%(12,5, 10 e até 8mg), capazes de produzir anestesia cirúrgica
34 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo II - Anestesia em Obstetrícia
satisfatória, sem a necessidade de um cateter peridural para adequação do nível. Os adjuvantes mais frequentemente empregados são o fentanil, na dose de 20µg, sufentanil 5µg e morfina 80 a 100µg.
4. Quais as complicações mais frequentes e seus respectivos tratamentos
A complicação mais observada com a raquianestesia para cesariana é a hipotensão arterial, definida como
pressão arterial sistólica menor que 100 mmHg ou uma redução de 20% em relação aos níveis anteriores
ao bloqueio. A incidência e a gravidade dependem da extensão do bloqueio, da posição da paciente e se
medidas profiláticas foram tomadas previamente, tais como administração de fluídos intravenosos (10ml/kg
de peso de ringer-lactato) previamente ou durante a execução do bloqueio, deslocamento uterino para a
esquerda e monitoração da pressão arterial em pequenos intervalos de tempo. Ao ser diagnosticada, deve
ser tratada prontamente. Pode-se utilizar efedrina em bolus de 5 a 10mg ou como opção temos os alfa 1
agonistas como metaraminol em bolus ou fenilefrina em infusão contínua.
Embora rara, porém grave, e cujo prognóstico depende do diagnóstico precoce e pronto tratamento,
é a raqui total que ocorre por dispersão cefálica rápida do AL. Com a ascensão do bloqueio motor as
pacientes queixam-se de dispnéia, dificuldade para fonação e dificuldade para deglutição. Hipotensão
grave pode levar a hipoperfusão cerebral e perda da consciência. O tratamento consiste na administração
imediata de vasopressor, O2, administração contínua de fluídos, deslocamento uterino e elevação dos
membros inferiores para buscar a estabilidade hemodinâmica. O rápido controle da via aérea é essencial
e a intubação traqueal pode ser necessária para assegurar a oxigenação adequada sem risco de aspiração pulmonar.
Em consequência da idade e gênero, a grávida está exposta a um risco maior de apresentar cefaléia após a
punção de dura-máter. O quadro clínico é típico, inicia-se geralmente 48 a 72 horas após a punção dural e
apresenta-se como cefaléia fronto-occipital, com piora na posição ereta ou sentada e melhora ao deitar. Os
objetivos do tratamento são reposição do líquor perdido, obstrução do local da punção dural e controle da
vasodilatação cerebrovascular.
O tratamento consiste em medidas de suporte como analgésicos, antiinflamatórios, antieméticos e reidratação, quando os sintomas permitem a regressão espontânea do quadro. O tratamento farmacológico
apresenta algumas alternativas como cafeína, desmopressina e sumatriptano, porém nenhum deles possui
evidência científica de peso que corrobore o seu uso. O tampão sanguíneo apresenta alta taxa de sucesso
terapêutico, que varia de 70 a 98%. As contraindicações são as mesmas da anestesia peridural. Não há
consenso quanto ao volume de sangue necessário, porém sabe-se que entre 20 a 30ml garantem o sucesso
da técnica. O emprego de solução fisiológica não apresenta a mesma taxa de sucesso.
5. Contraindicações da raquianestesia.
A recusa da paciente é sem dúvida uma das mais importantes contraindicações da técnica. Porém situações
como hipertensão intracraniana com risco de herniação, impossibilidade de manter a paciente em posição
durante a punção, pelo risco aumentado de lesão neurológica. Também são contraindicações, embora relativas, coagulopatias ou uso de anticoagulantes, infecção no local da punção, hipovolemia intensa, doenças
neurológicas preexistentes (neuropatias dos MMII), principalmente devido aos aspectos médico-legais.
Caso 4
Primigesta, 36 anos, 42 semanas de gestação admitida em franco trabalho de parto com 6cm de dilatação
cervical. Durante cardiotocografia apresentou episódios de desaceleração dos batimentos cardíacos fetais
ao final de sucessivas contrações. Foi indicada cesárea de urgência por sofrimento fetal agudo.
Capítulo II - Anestesia em Obstetrícia
Anestesia Casos Clínicos - 35
1. Qual a abordagem inicial com relação a possíveis causas maternas
reversíveis?
Algumas causas maternas reversíveis podem ser responsáveis por algum indício de sofrimento fetal, assim
há uma tendência a tratar estas pacientes esperando que algum benefício possa advir deste tratamento.
Deve-se, portanto, aferir a saturação periférica materna de O2 e administrar O2 suplementar se necessário;
medir a pressão arterial materna e caso haja hipotensão promover o deslocamento uterino para a esquerda,
administrar fluídos intravenosos e vasopressores para restaurar a PA. Na suspeita de compressão de cordão
umbilical deve-se estimular a alternância de decúbito materno. No caso de hiperatividade uterina, deve-se
suspender a administração de ocitócicos e considerar o uso de tocolíticos.
2. Critérios que influenciam a escolha da anestesia.
A escolha da anestésica para a operação cesariana depende da indicação cirúrgica, do grau de urgência,
da vontade da parturiente e do julgamento do anestesista e do obstetra. No Brasil, sem dúvida nenhuma,
anestesia regional, sobretudo a raquianestesia é a técnica de escolha para a cesariana. A anestesia geral é
considerada técnica de exceção, com indicações bastante restritas ou quando há falha de bloqueio espinhal.
Esta técnica é considerada uma excelente opção para situações de emergência em pacientes que não estejam recebendo analgesia para o trabalho de parto via cateter peridural. A raquianestesia apresenta algumas
vantagens como simplicidade de execução e curta latência. Os anestésicos locais utilizados na anestesia
subaracnóidea devem ser preferencialmente soluções hiperbáricas de bupivacaína a 0,5% com adição de
opióides lipossolúveis. Atualmente, com a utilização de agulhas de fino calibre e com ponta atraumática, a
incidência de cefaléia pós-raqui pode cair para menos de 1%.
3. Se a paciente acima já estivesse sob peridural contínua para analgesia,
qual a conduta mais adequada?
Quando o diagnóstico de sofrimento fetal ocorre com a parturiente já submetida a analgesia contínua para
o trabalho de parto, deve-se observar se o bloqueio está adequado e o cateter peridural bem posicionado e
pérvio, para nesta situação especial proceder-se à complementação necessária para a transformação em
anestesia cirúrgica com a utilização de doses e concentrações adequadas de anestésicos locais e adjuvantes. A presença de um bloqueio anterior, embora com características analgésicas, proporciona uma redução
do tempo de latência, essencial em condições de emergência.
4. Em presença de bradicardia fetal sustentada, caracterizando risco
iminente de morte fetal, qual a conduta apropriada?
Nos casos de urgência obstétrica, como prolapso de cordão ou bradicardia fetal sustentada, a indicação de
uma anestesia geral com indução em sequência rápida é preferível à anestesia regional.
5. Após a utilização de anestesia geral, proponha esquemas de analgesia
pós-operatória.
O controle da dor pós-operatória nos casos de anestesia geral pode ser efetuado por uma combinação
multimodal de fármacos de administração sistêmica. Geralmente, recomenda-se acrescentar analgésicos
como dipirona (1g IV) e anti-inflamatórios não hormonais (como tenoxican 20 mg IV, VO cada 12 h, ou
cetoprofeno)associados à morfina por via endovenosa ou subcutânea.
36 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo II - Anestesia em Obstetrícia
Caso 5
Secundigesta, 29 anos, com aborto anterior, é admitida na maternidade na 31ª semana de gestação fora de
trabalho de parto, apresentando níveis tensionais de 170/120 mmHg com cefaléia, 3+/4+ de proteinúria e
hiperreflexia. Após tratamento com sulfato de magnésio foi indicada cesárea de urgência por piora do quadro
clínico materno.
1. Aponte e justifique a hipótese diagnóstica?
O diagnóstico é de pré-eclâmpsia e é definido como o aparecimento de hipertensão arterial sistêmica com
proteinúria em gestação acima de 20 semanas. Pode haver frequentemente a presença de edema. Os níveis
pressóricos a serem considerados são PA sistólica mantida igual ou superior a 140 mmHg e proteinúria igual
ou superior a 300mg nas 24 horas. Já a pré-eclâmpsia grave cursa com as seguintes características: PA sistólica maior ou igual a 160 mmHg ou diastólica igual ou maior que 110mmHg em duas medidas em 6 horas;
proteinúria igual ou maior que 2g em 24h; oligúria com débito urinário menor que 500ml nas 24h; alterações
cerebrais ou visuais como cefaléia, visão borrada, hiperreflexia e alterações da consciência; eclampsia,
HELLP síndrome, edema agudo de pulmão.
2. Cite os cuidados em relação ao tratamento com sulfato de magnésio.
O tratamento com sulfato de Magnésio está indicado para a profilaxia das convulsões e é considerado
seguro, pois não interfere com os reflexos protetores laríngeos. Um esquema de ataque é 4g IV lento e a
manutenção 1 a 3 g/h. As concentrações plasmáticas variam de 5 a 9 mg/dl e a ausência de reflexo patelar
é o primeiro sinal de toxicidade. Cabe ressaltar que a toxicidade aumenta em pacientes com oligúria. O
tratamento da intoxicação consiste na interrupção do sulfato de Mg, oxigenação, uso de gluconato de cálcio
a 10%, 10ml injetados em 2 minutos, sob monitorização e em presença de suporte cardiorrespiratório. O
sulfato de Mg potencializa os bloqueadores neuromusculares adespolarizantes, devendo portanto serem
empregados com cautela e considerar-se a redução das doses, bem como atenção a maior dificuldade de
descurarização.
3. Neste tipo de paciente, há necessidade de investigação do estado de
coagulação?
As principais alterações hematológicas são a hipercoagulação com ativação plaquetária. A hipercoagulação
ocorre na via comum com aceleração do tempo de protrombina, aumento dos fatores II, V, e X da coagulação
e diminuição do fibrinogênio. A ativação plaquetária ocorre em 15 a 30% das gestantes com pré-eclâmpsia,
em menos de 10% ocorre diminuição de plaquetas. Trombocitopenia e coagulopatia normalmente contraindicam a anestesia regional. O tromboelastograma é o teste mais útil e avalia todas as fases da coagulação.
4. Qual a técnica anestésica de escolha para este caso?
A cesariana geralmente é indicada quando há piora do quadro materno ou fetal. A técnica anestésica mais
indicada pela literatura atual é a peridural, desde que não haja contraindicações e que a contagem plaquetária seja superior a 100.000/mm3. Sua latência mais longa que a da raquianestesia favorece a instalação
menos insidiosa do bloqueio simpático que pode ser benéfico às pacientes com pré-eclâmpsia. A raquianestesia e a técnica combinada podem ser indicadas e mostram-se seguras em gestantes com pressão arterial
controlada tanto em cesáreas eletivas como de urgência. No caso de sofrimento fetal agudo pode-se optar
pela raquianestesia.
Capítulo II - Anestesia em Obstetrícia
Anestesia Casos Clínicos - 37
5. Implicações anestésicas na HELLP Síndrome.
A anestesia geral deve ser reservada para pacientes com pré-eclâmpsia grave e alterações de coagulação
como no caso de HELLP síndrome. A plaquetopenia, presente nestes casos, quando abaixo de 80.000/mm3,
contraindica os bloqueios do neuroeixo, mesmo a raquianestesia com agulhas finas. Recomenda-se a profilaxia da aspiração pulmonar, a utilização de tubos endotraqueais mais finos e agentes anestésicos que não
determinem instabilidade hemodinâmica.
Caso 6
Gestante, 34 anos, IMC = 42,7 kg/m2, será submetida a cesariana iterativa por 2 cesáreas anteriores.
1. Durante a avaliação pré-anestésica quais as co-morbidades associadas
ao quadro de obesidade mórbida?
Gestantes com IMC maior que 30kg/m2 são consideradas obesas pelo Colégio Americano de Ginecologia e
Obstetrícia. O IMC apresenta correlação positiva com a incidência e gravidade das doenças associadas à
obesidade. Aumenta a incidência de doenças hipertensivas (hipertensão crônica, pré-eclâmpsia) 7 a 79.3%
e 4,5 a 42, 9%). Ocorre aumento das demandas metabólicas com aumento do débito cardíaco. O risco para
o aparecimento de arritmias cardíacas aumenta principalmente devido a hipertrofia miocárdica, infiltração de
gordura no sistema de condução, doença coronariana, aumento de catecolaminas circulantes e apnéia do
sono. A ocorrência de diabetes é maior nestas gestantes (7,1 a 44,8%) sendo que a sensibilidade à insulina
e a tolerância à glicose apresentam relação inversa ao aumento de peso. Os volumes ventilatórios e a capacidade residual funcional estão mais diminuídos que nas gestantes não obesas.
2. Uma vez que a obesidade aumenta a probabilidade de intubação difícil,
quais os fatores preditivos devem ser identificados durante a avaliação
pré-anestésica?
Durante a avaliação pré-anestésica deve-se dar ênfase à presença de achados que sugerem dificuldade à abordagem das vias aéreas: faces e bochechas volumosas, pescoço grosso e curto, tórax largo, macroglossia, excesso
de palato mole, laringe alta e anterior, restrição da abertura da boca e limitação da flexão/extensão na articulação
atlanto-occipital. Circunferência do pescoço acima de 60cm pode representar dificuldade de intubação em 35%
das pacientes. Durante a gestação há aumento de incidência de testes de Mallampatti IV, secundário ao ganho de
peso que ocasiona edema e infiltração de gordura na faringe (ganho de peso maior que 15 kg ou peso acima de
130 kg). Edema de gengivas, língua e cordas vocais exigem cautela durante a intubação traqueal.
3. Cite os cuidados com o posicionamento adequado para laringoscopia e
intubação orotraqueal.
A intubação difícil pode estar presente em 13% das pacientes com obesidade mórbida. Na maioria das vezes
ocorre por mau posicionamento das pacientes. Para o posicionamento correto traça-se uma linha imaginária
entre o meato acústico externo e o manúbrio esternal, sendo essa linha paralela ao solo. Deve-se colocar
coxins sob a paciente para facilitar o posicionamento, proporcionando extensão da coluna torácica e flexão
da coluna cervical com facilitação da articulação atlanto-occipital, o que permite melhor visualização da
laringe (posição em rampa) e dar preferência a laringoscópios de cabo curto.
38 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo II - Anestesia em Obstetrícia
4. Justifique a opção pelas técnicas regionais contínuas.
As técnicas no neuroeixo apresentam as seguintes vantagens: não há manipulação de vias aéreas, menor
depressão cardiorrespiratória, menor incidência de náuseas e vômitos, menor tempo de permanência na
Unidade de recuperação pós-anestésica e alta hospitalar mais precoce.
Apesar das dificuldades técnicas para a punção do espaço peridural, anestesia peridural contínua tem sido
indicada tanto para parto vaginal quanto para cesariana. É possível titular a dose para obtenção do nível
desejado, assim como programar a analgesia pós-operatória. É preciso lembrar de introduzir o cateter cerca
de 7cm para evitar a sua saída do espaço peridural. Para analgesia de parto pode-se utilizar bupivacaína a
0,1-0,25%, associada a fentanil ou sufentanil e para cesariana a 0,5% também associada a opióides lipossolúveis administrando-se bolus sucessivos pelo cateter até a obtenção do nível desejado.
A técnica combinada raqui-peridural é uma técnica alternativa ao bloqueio peridural. Proporciona início de
ação rápido pela via subaracnóidea com a possibilidade de complementação pelo cateter peridural.
A raquianestesia pode ser indicada no período expulsivo do trabalho de parto. Quando utilizada em cesáreas
de urgência, deve-se tomar cuidado com hipotensão, pela rápida instalação do bloqueio simpático e facilidade de dispersão rostral. Para se evitar a ocorrência de falhas pela diminuição exagerada da dose pode-se
dar preferência à técnica do bloqeio combinado também para cesárea.
5. Descreva as dificuldades inerentes às técnicas regionais.
A anestesia no neuroeixo exibe dificuldades que vão desde a obtenção de um cateter venoso, passam pelo
posicionamento para a punção, dificuldade de identificação de pontos anatômicos, como a linha média,
palpação dos espaços interespinhosos, o que ocasiona maior ocorrência de falhas, maior risco de perda do
cateter e punção inadvertida de dura-mater.
Durante a realização da anestesia no neuroeixo, a posição sentada é a mais indicada, uma vez que a distância pele-espaço peridural é menor que na posição lateral, e poucas pacientes apresentam distância maior
que 8 cm. A identificação da linha média da coluna pode ser realizada traçando-se uma linha imaginária
entre C7 e o sulco inter-glúteo.
Caso 7
Gestante, 28 anos, G3C1A1, 37 semanas de gestação, admitida na unidade obstétrica com sangramento
vaginal e fora de trabalho de parto.
1. Quais as principais causas de síndromes hemorrágicas gestacionais?
As principais causas de hemorragia antes e durante o parto são a placenta prévia, descolamento prematuro
de placenta (DPP), vasa prévia; ruptura uterina, e coagulopatia. Após o parto, podem ocorrer as seguintes
situações: atonia/hipotonia uterina, retenção placentária, inversão uterina, acretismo placentário, coagulopatia e lacerações de canal de parto.
2. Quais os fatores predisponentes à hemorragia na paciente obstétrica?
Pacientes que apresentam fatores abaixo relacionados, estão sujeitas a maior sangramento periparto e
maior necessidade de transfusão sanguínea. Deve-se estar atento à história anterior ou quadro concomitante: hemorragia em parto anterior, pré-eclâmpsia, obesidade, gemelaridade, trabalho de parto prolongado ou
distócia, uso de fórceps, corioamnionite, anomalias na implantação placentária e anestesia geral.
Capítulo II - Anestesia em Obstetrícia
Anestesia Casos Clínicos - 39
3. Quais as técnicas anestésicas mais indicadas nesta situação?
A anestesia de escolha está na dependência da causa, gravidade do quadro materno, condições de vitalidade do concepto e possibilidade de avaliação e adequada reposição das perdas sanguíneas maternas.
As técnicas regionais não são totalmente contraindicadas, mas sua indicação, está condicionada à possibilidade de reposição volêmica materna prévia, avaliação do estado de coagulação materno e a urgência da
retirada do feto. Em casos de hipovolemia grave e coagulopatia, indica-se a anestesia geral.
4. Quais os cuidados para uma abordagem anestésica segura?
Estas pacientes, em particular, requerem uma abordagem anestésica cuidadosa e específica, tipagem e
reserva sanguínea prévias, assegurar o deslocamento uterino adequado, obter pelo menos duas vias de
infusão de grosso calibre, monitorização com cardioscópio, oxímetro, PA (invasiva ou não), material de IOT
conferido, capnógrafo e sonda vesical de demora. Em situações de maior gravidade, providenciar um acesso
central e reposição volêmica agressiva. Nos casos de acretismo/percretismo placentário avaliar a possibilidade de embolização da artéria uterina.
5. Quais os principais objetivos do tratamento das síndromes
hemorrágicas?
A abordagem terapêutica nas síndromes hemorrágicas visa principalmente a reposição volêmica imediata, com emprego de soluções cristalóides e/ou colóides e transfusão de hemocomponentes. A adequação da volemia deve ser acompanhada por medidas seriadas da PVC e débito urinário. Na vigência
de coagulopatias deve-se proceder a transfusão de plaquetas, PFC (se TTPA ou TPAP > 1,5x que o
normal), e crioprecipitado. O tratamento definitivo ocorrerá após a retirada do concepto, da placenta
e/ou do coágulo.
Caso 8
Paciente de 29 anos, 82 kg, idade gestacional de 38 semanas, G1P0A0, internada para ser submetida a
cesariana eletiva. Aos nove anos de idade realizou correção cirúrgica de cardiopatia congênita (defeito do
septo atrioventricular, forma total: CIA óstio-primo + CIV) e aos 24 anos fora submetida a cirurgia para colocação de prótese biológica em posição mitral.
1. Quais os aspectos epidemiológicos relevante das cardiopatias em
gestantes?
As cardiopatias são a principal causa de morte de origem não obstétrica. Sua incidência varia de 0,5% a
4%. Pacientes classe funcional NYHA I e II têm baixa incidência de mortalidade, já as classe III e IV apresentam alto índice de mortalidade materna e perda fetal. A doença cardíaca reumática é a mais frequente,
e o edema agudo pulmonar, a complicação mais comum. O defeito do septo atrial é a cardiopatia congênita
acianótica mais prevalente na população adulta, enquanto que a Tetralogia de Fallot é a mais frequente das
cardiopatias congênitas cianóticas. Gravidez e cardiopatia são uma associação de grandes desafios para o
anestesiologista. Para evitar complicações decorrentes da morbidade ou mortalidade materno-fetal. Atualmente, gestantes com doença cardíaca possuem prognóstico favorável tanto materno quanto fetal, exceção
feita às pacientes com síndrome de Eisenmenger, hipertensão pulmonar primária e síndrome de Marfan com
aortopatia.
40 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo II - Anestesia em Obstetrícia
2. Qual a técnica anestésica mais indicada para estas pacientes?
A indicação da técnica anestésica, para operação cesariana em gestantes cardiopatas, depende do comprometimento da função cardíaca. A anestesia regional pode ser realizada com cuidado em parturientes cardiopatas assintomáticas ou da classe funcional I, desde que não haja outras contra-indicações, reservando-se
a anestesia geral para os casos graves ou para gestantes assintomáticas que apresentem contra-indicações
ao bloqueio regional. A opção pela peridural contínua permite titular a anestesia, através da administração
do anestésico local em pequenas doses, até que se atinja o nível de bloqueio adequado para a cirurgia,
garantindo maior estabilidade cardiovascular, com mínima interferência na ventilação.
3. Qual a implicação anestésica da profilaxia do tromboembolismo com
heparina fracionada?
Pode-se realizar o bloqueio peridural lombar ou raquianetesia em pacientes em uso de heparina de baixo
peso molecular, que apresentem coagulograma normal ou próximo ao normal, ausência de plaquetopenia
e medicação suspensa pelo menos 12 horas antes da cirurgia, embora não se exclua completamente o
risco de complicações por fenômenos hemorrágicos. A incidência de sequela neurológica relacionada com
o bloqueio peridural durante terapia profilática do tromboembolismo é extremamente rara A associação de
morfina ao anestésico local utilizado na peridural é uma ferramenta útil para se conseguir uma analgesia
pós-operatória adequada.
4. Indique a técnica anestésica mais adequada segundo a lesão cardíaca.
Com base no perfil hemodinâmico da cada doença cardíaca pode-se indicar a técnica anestésica mais
apropriada.
Doença
Estenose Mitral
Insuficiência Mitral
Estenose aórtica
Insuficiência aórtica
Estenose pulmonar
Hipertensão pulmonar
Cardiomiopatia dilatada
Cardiomiopatia hipertrófica
Comunicação esquerda-direita
Comunicação direita-esquerda
Doença isquêmica
Técnica
Regional
Regional
Geral
Regional
Geral
Geral
Regional?
Geral
Geral
Geral
Regional?
5. Cuidados no atendimento a gestantes cardiopatas.
A gestante cardiopata requer atendimento diferenciado e algumas restrições: oxigenoterapia, monitorização contínua através de eletrocardioscópio, oximetria de pulso e pressão arterial média, controle da vole-
Capítulo II - Anestesia em Obstetrícia
Anestesia Casos Clínicos - 41
mia limitando-se a infusão de líquidos a 75ml/h. Deve-se manter a paciente em decúbito lateral esquerdo
elevado, durante o trabalho de parto, com analgesia peridural contínua ou bloqueio combinado, instalados
precocemente, na dependência da dor e não da dilatação cervical. As perdas sanguíneas devem ser
acompanhadas atentamente e a utilização de ocitocina deve ser cautelosa, e em infusão contínua.
Caso 9
Paciente portadora de lúpus, G3P0A2, 37 semanas de gestação, com diagnóstico de síndrome antifosfolípede, será
submetida à cesárea de urgência por sofrimento fetal agudo. Faz uso de heparina de baixo peso, última dose há
menos de 6 horas e encontra-se com estômago cheio (última refeição completa há menos de 3 horas).
1. Profilaxia farmacológica da aspiração de conteúdo gástrico.
Nesse caso a anestesia geral está indicada porque existe uma contraindicação formal para a anestesia
regional, ou seja, terapêutica anticoagulante. Uma grande preocupação durante a anestesia geral em gestantes é sem dúvida o risco de regurgitação e aspiração oulmonar de conteúdo gástrico. Dentre as causas,
pode-se citar o aumento da progesterona prolongando todo o tempo gastrintestinal, a diminuição do tônus
do esfíncter esofágico inferior e o estresse e dor do trabalho de parto. Neste tipo de paciente, é mandatória a
profilaxia farmacológica com agentes pró-cinéticos, como a metoclopramida, para acelerar o esvaziamento
gástrico e melhorar a competência do cárdia; antiácidos não particulados, como citrato de sódio 0,3 M 30ml
entre 30 a 45 minutos antes da anestesia e inibidores da secreção gástrica (anti H2) como a ranitidina. Se
possível, observar jejum de 6 a 8 para sólidos.
2. Drogas de escolha na indução de sequência rápida: hipnóticos,
analgésicos e bloqueadores neuromusculares.
Toda gestante deve ser considerada de estômago cheio e, portanto a técnica para intubação traqueal é a
indução de sequência rápida. Devem ser utilizadas drogas de ação rápida: opiódes como fentanil, apenas
100 a 150µg antes da indução; o hipnótico deve respeitar as condições clínicas maternas, podendo ser utilizado o tiopental sódico, propofol ou etomidato; o bloqueador neuromuscular classicamente empregado é a
succinilcolina nas doses de 1,0 a 1,5 mg/kg.
3. Descreva a técnica de sequência rápida na gestante.
Com a paciente com o dorso discretamente elevado, inicialmente, recomenda-se a pré-oxigenação por
pelo menos 4-5 minutos com O2 a 100%, pois a gestante apresenta risco de hipoxemia mais precoce, pelo
aumento de consumo de oxigênio e diminuição da capacidade residual funcional. Caso não haja tempo
hábil, pede-se à paciente para realizar 4 inspirações profundas. Procede-se à indução de sequência
rápida com as drogas citadas na questão anterior, acompanhada da manobra de Sellick para impedir a
regurgitação, após a perda da consciência. Uma vez em apnéia, não se deve proceder a ventilação com
pressão positiva sob máscara, mas aguardar-se até a intubação traqueal, sempre com tubos mais finos
e com balonete.
4. Particularidades da fase de manutenção em anestesia obstétrica.
A manutenção da anestesia deve ser realizada com concentrações elevadas de oxigênio (pelo menos 50%)
até o clampeamento do cordão. Pode-se utilizar óxido nitroso a uma concentração máxima de 50% associa-
42 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo II - Anestesia em Obstetrícia
do a baixas concentrações de anestésicos halogenados (ex. isoflurano a 0,75%), para se evitar a hipotonia
uterina e consequente aumento de sangramento.
5. Monitorização recomendada durante anestesia geral em obstetrícia.
Antes de qualquer técnica anestésica, deve-se proceder à monitorização padrão com cardioscópio na derivação DII, pressão arterial não invasiva (automática ou método auscultatório) e oximetria de pulso. Na anestesia
geral deve-se empregar a capnografia. Durante as operações cesarianas é frequente a sondagem vesical.
Caso 10
Gestante, 25 anos, 33 semanas de gestação, com diagnóstico de pré-eclâmpsia grave, em uso de sulfato
de magnésio. Após indicação de cesariana, evoluiu com parada cardiorrespiratória (PCR) antes do início do
ato anestésico-cirúrgico.
1. Qual o cuidado, em relação ao retorno venoso, durante as manobras de
ressuscitação em gestante acima de 20 semanas?
Após a 20ª semana de gestação o útero pode comprimir a veia cava inferior e aorta levando a diminuição do
retorno venoso e hipotensão arterial, principalmente em gestantes com doenças graves, o que pode precipitar a parada cardiorrespiratória (PCR). Para que as compressões sejam efetivas durante a ressuscitação
cardiopulmonar (RCP) é necessário o deslocamento do útero para a esquerda, através da colocação de
cunha ou coxim, deslocamento manual ou lateralização da mesa cirúrgica 15 a 30 graus, com a intenção de
evitar a compressão aorto-cava e consequentemente melhorar o retorno venoso e débito cardíaco, restabelecendo o fluxo sanguíneo para órgãos vitais e circulação útero-placentária.
2. Local recomendado para execução da massagem cardíaca externa em
gestantes.
Durante a gravidez, principalmente no 3º trimestre, a elevação do diafragma causada pelo útero gravídico e
conteúdo abdominal determina a necessidade de ajuste da posição das mãos do reanimador. Na gestante,
as mãos do reanimador devem deslocar-se acima da posição recomendada para não grávidas. Na linha
intermamilar obtém-se melhor efetividade das compressões torácicas.
3. Neste caso de PCR, qual a terapêutica a ser instituída na ausência de
resposta às manobras de ressuscitação do ACLS?
Na paciente grave com eclâmpsia, em uso de sulfato de magnésio, pode ocorrer intoxicação pelo magnésio,
principalmente em presença de oligúria. Nesses casos, utiliza-se durante as manobras de RCP, o gluconato
de cálcio a 10% - 10ml em injeção lenta. Deve-se lembrar que níveis sanguíneos de magnésio de 15 a 20
mEq/l determinam coma, apnéia e PCR.
4. Existe indicação de cesárea durante as manobras de ressuscitação
cardiorrespiratória para esta paciente?
É importante considerar a idade gestacional para se decidir por uma cesárea de urgência. Em gestações
abaixo de 20 semanas o útero não comprime os vasos abdominais, portanto não há indicação para a cesa-
Capítulo II - Anestesia em Obstetrícia
Anestesia Casos Clínicos - 43
riana, uma vez que não haverá melhora do fluxo sanguíneo materno e a viabilidade fetal só ocorre a partir
da 24-25ª semanas de gestação. Com idade gestacional entre 20 e 23 semanas a indicação de cesariana
é para favorecer a ressuscitação materna. Após 24-25 semanas de gestação, a realização da cesariana
melhora tanto o prognóstico materno quanto fetal. Deve ser indicada quando as manobras de RCP não
obtiveram sucesso, e no máximo 4 a 5 minutos após o seu início.
5. No caso de PCR em fibrilação ventricular (FV), existe contra-indicação
para desfibrilação durante a gestação?
Uma vez comprovada que a PCR é por fibrilação ventricular (FV) ou taquicardia ventricular (TV) deve-se seguir o protocolo recomendado pelo ACLS no que diz respeito à desfibrilação. De forma semelhante à paciente não grávida deve ser realizado choque de 360 J com desfibrilador monofásico ou 200 J com desfibrilador
bifásico. A impedância transtorácica da grávida parece ser semelhante à das pacientes não grávidas. Não
existem evidências de nenhuma lesão no feto causada pela corrente elétrica da desfibrilação. No entanto,
recomenda-se retirar os monitores uterinos e fetais antes da desfibrilação.
LEITURAS RECOMENDADAS:
1.
Abrantes RCG, Frerichs E, D´Ottaviano MO – Reanimação cardiopulmonar na gestante. Atual Anestesiol SAESP,
2007;12:499-513.
2.
Birnbach DJ, Browne IM – Anesthesia for Obstetrics, em: Miller RD - Miller’s Anesthesia. 7th Ed, Philadelphia, Churchill
Livingstone/Elsevier, 2010;2203-2240.
3.
Braveman FR, Scavone BM, Wong CA et al. – Obstetrical Anesthesia, em: Barash PG, Cullen BF, Stöelting RK - Clinical
Anesthesia. 6th Ed, Philadelphia, Lippincott Williams & Wilkins, 2009;1137-1170.
4.
Brown DL – Spinal, Epidural and Caudal Anesthesia, em: Miller RD - Miller’s Anesthesia. 7th Ed, Philadelphia, Churchill
Livingstone/Elsevier, 2010;1611-1638.
5.
Cardoso MMSC, Hirahara JT - Anestesia para Operação Cesariana, em: Cangiani LM, Posso IP, Potério GMB GMB et
al. – Tratado de Anestesiologia SAESP. São Paulo, Atheneu, 2006; 1791 -1805.
6.
Cardoso MMSC, Yamaguchi ET, Kouri Filho RA – Analgesia para o Trabalho de Parto, em: Cangiani LM, Posso IP,
Potério GMB et al. – Tratado de Anestesiologia SAESP. São Paulo, Atheneu, 2006; 1783-1790.
7.
Cavalcanti FS - Considerações Fisiológicas sobre a Gestante e Implicações na Anestesia, em: Cangiani LM, Posso IP,
Potério GMB et al. – Tratado de Anestesiologia SAESP. São Paulo, Atheneu, 2006; 1759-1781.
8.
Cavalho J – Cardiovascular Disease in the Pregnant Patient, em: Birnbach DJ, Gatt SP, Datta S – Textbook of Obstetric
Anesthesia. Philadelphia, Churchill Livingstone, 2000;553-564.
9.
Chang AB – Physiologic Changes of Pregnancy, em: Chestnut DH – Obstetric Anesthesia, 3rd Ed, Philadelphia, Elsevier
Mosby, 2004;15-36.
10. Chestnut DH – Anesthesia for Fetal Distress, em: Chestnut DH – Obstetric Anesthesia, 3rd Ed, Philadelphia, Elsevier
Mosby, 2004;447-459.
11. Collier CB – Complications of Regional Anesthesia, em: Birnbach DJ, Gatt SP, Datta S – Textbook of Obstetric
Anesthesia. Philadelphia, Churchill Livingstone, 2000;504-523.
12. Kuczkowski KM, Reisner LS, Lin D – Anesthesia for Cesarean Section, em: Chestnut DH – Obstetric Anesthesia. 3rd Ed,
Philadelphia, Elsevier Mosby, 2004; 421-446.
13. Oliveira AS, Côrtes CAF – Anestesia para Gestante com Pré-eclâmpsia e Eclâmpsia, em: Cangiani LM, Posso IP,
Potério GMB et al. – Tratado de Anestesiologia SAESP. São Paulo, Atheneu, 2006;1807-1818.
44 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo II - Anestesia em Obstetrícia
14. Pereira RIC – Anestesia na doença hipertensiva gestacional e síndrome HELLP. Atual Anestesiol SAESP, 2007;12:221236.
15. Reynolds F, Bromage PR – Neurologic Complications of Pregnancy and Regional Anesthesia, em: Chestnut DH
– Obstetric Anesthesia. 3rd Ed, Philadelphia, Elsevier Mosby, 2004; 579-601.
16. Tonelli D, Callegari DC – Alterações fisiológicas da gravidez. Atual Anestesiol SAESP, 2007;12:1-27.
17. Yamashita AM – Anestesia na Gestante Cardiopata, em: Cangiani LM, Posso IP, Potério GMB et al. – Tratado de
Anestesiologia SAESP. São Paulo, Atheneu, 2006;1837-1854.
Capítulo III
Anestesia Ambulatorial
Edno Magalhães
José Henrique Leal Araújo
46 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo III - Anestesia Ambulatorial
Caso 1
Paciente, feminina, 42 anos, altura: 1,60m, peso 86 Kg candidata a laparoscopia para ligadura tubária em
regime ambulatorial.
1. A paciente teria obesidade mórbida?
Define-se obesidade mórbida pelo índice de massa corporal maior que 35 kg/m2. Essa paciente pelo seu
peso e altura tem o IMC de aproximadamente 30, e por isso é obesa.
2. Que distúrbios podem estar associados a obesidade e a obesidade
mórbida?
Vários distúrbios podem se associar a obesidade e a obesidade mórbida. Dentre outros, diabete, cirrose,
hiperlipidemia, refluxo gastresofágico, colelitíase, doenças tromboembólicas, transtornos de sono inclusive
apnéia obstrutiva do sono. As doenças cardiopulmonares são comuns e preocupantes. Entre outras, ocorrem hipertensão sistêmica e pulmonar, cor pulmonale, doença pulmonar restritiva, hipertrofia ventricular
esquerda e direita.
3. Quais as vantagens da cirurgia ambulatorial?
A cirurgia ambulatorial é em geral mais conveniente para o paciente por não permanecer afastado da família,
da casa e do trabalho por muito tempo. O ambiente ambulatorial é mais agradável e menos estressante e
com o risco diminuído de infecções principalmente para crianças e pacientes imunodeprimidos.
A cirurgia ambulatorial, além de mais econômica, permite o uso mais racional das salas de operação e melhor agendamento das operações. E, melhor ainda, não depende da disponibilidade de leitos hospitalares.
4. Quais são as opções de anestesia para laparoscopia?
Ultimamente tem se empregado para laparoscopias anestesia geral, local e regional. Embora as técnicas local
e regional ofereçam recuperação mais rápida, muitas vezes a posição de Trendelenburg, o pneumoperitonio e
manipulação cirúrgica dificultam a ventilação espontânea. A grande maioria das laparoscopias continuam sendo
realizadas com anestesia geral e intubação traqueal. A anestesia geral oferece ansiólise, amnésia e analgesia
completas. Permite ainda bom controle da ventilação, relaxamento muscular e imobilidade do campo cirúrgico.
5. Quais anestésicos você usaria para induzir e manter anestesia geral
nesta paciente?
Varias combinações de anestésicos podem ser usadas para anestesia geral nessa paciente. A indução pode ser feita
com bendiazepínicos de ação curta e proporfol ou barbitúrico ultracurto. Após a intubação a manutenção pode ser feita com agente volátil, como servoflurano ou desflurano, e mistura de ar mais O2 suplementada por narcótico de ação
curta, quando necessário,e um bloqueador neuromuscular. A anestesia venosa total também pode ser utilizada
Caso 2
Paciente feminina, 39 anos, portadora de glaucoma tratado com colírio apropriado, que é a única medicação
em uso, candidata a laparoscopia ginecológica em regime ambulatorial.
Capítulo III - Anestesia Ambulatorial
Anestesia Casos Clínicos - 47
1. Quais as interações anestésicas e efeitos colaterais importantes
associados ao colírio utilizado por glaucomatoso?
O ecotiofato, é muito utilizado por esse pacientes, sendo um anticolinesterásico, com efeito
miótico de longa duração que reduz a pressão intra-ocular (PIO). O ecotiofato é absorvido pela
circulação sistêmica e, como todo anticolinesterásico de longa duração, pode prolongar ação
da succinilcolina. Após um mês de uso do ecotiofato a atividade, da pseudocolinesterase plasmática pode ser inferior a 5% do normal. Esta atividade só volta ao normal 30 a 40 dias após
a suspensão do uso do ecotiofato. Deve ser esperada ação prolongada de doses habituais de
succinilcolina.
O timolol, beta bloqueador não seletivo, é também utilizado no tratamento do glaucoma. Como pode haver
absorção conjuntival significativa, deve ser utilizado com cuidados especiais em portadores doença pulmonares obstrutivas, insuficiência cardíaca e bloqueio cardíaco acima de primeiro grau. Pode ocorrer bradicardia sinusal grave e crises asmáticas em pacientes estáveis do ponto de vista cardiopulmonar.
Um novo fármaco anti-glaucomatoso, o betaxolol, bloqueador beta 1 é mais óculo- especifico e com efeitos
sistêmicos mínimos.
Em pacientes usuários de beta bloqueador oral pode haver potencialização dos efeitos sistêmicos do beta
bloqueio. O uso precisa ser muito cuidadoso em pacientes com restrição importante da função pulmonar. O
betaxolol é contra-indicado em portadores de bradicardia sinusal, bloqueio cardíaco acima do primeiro grau
e insuficiência miocárdica franca.
2. Os medicamentos usados no tratamento do glaucoma devem ser
suspensos antes de cirurgia eletiva?
Os medicamentos anti-glaucoma devem ser mantidos no período perioperatório. O anestesiologista deve
estar ciente do seu uso e dos efeitos desses fármacos no manuseio da anestesia , para realizá-la da forma
adequada e segura.
3. O jejum noturno é necessário em todos os pacientes ambulatoriais?
A utilidade do jejum noturno é questionável sobre tudo com crianças nas quais pode causar desconforto e distúrbios da fisiologia. Líquidos sem resíduos até 2 horas antes (3ml/kg), já demonstrado
em trabalhos atuais, não provocam aumento do volume nem alterações do pH gástrico. Devem ser
evitadas restrições alimentares em pacientes ambulatoriais sem fatores de risco para aspiração
pulmonar. Parece que períodos mais curtos de jejum estão associados com menor intensidade de
NVPO. O leite materno deve ser suspenso pelo menos 4 horas antes em recém-nascidos e lactentes. Outros líquidos, leite não humano e sólidos, devem ser suspensos pelo menos 6 horas antes da
indução da anestesia.
4. Que instruções devem ser dadas na ocasião da alta, aos pacientes
submetidos a cirurgia ambulatorial?
Os pacientes devem ser liberados sob os cuidados de um adulto responsável. Devem ser informados quanto à impossibilidade de ingerir bebidas alcoólicas ou medicamentos depressivos sem autorização médica,
dirigir automóvel ou operar máquinas complexas, durante 24 horas no mínimo. Devem ser instruídos para
comunicar-se imediatamente com o cirurgião em caso de: sangramento contínuo, incapacidade de urinar e
NVPO.
48 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo III - Anestesia Ambulatorial
5. Cite alternativas ao CO2 na laparoscopia.
A insuflação com hélio ou argônio (gases inertes), evita o aumento da PaCO2 decorrente da absorção. As
consequências ventilatórias do aumento da pressão abdominal persistem, e o aumento da PA é menor, mas
a queda do debito cardíaco é maior.
Outra opção é a laparoscopia sem gás, usando a elevação da parede abdominal com afastador tipo leque.
Esta técnica pode ser interessante nos pacientes cardiopatas ou pneumopatas graves por evitar as alterações ventilatórias e hemodinâmicas da insuflação. Entretanto, compromete a exposição e dificulta a técnica
cirúrgica.
Caso 3
Paciente, masculino, 50 anos, ASA II será submetido a artroscopia de joelho esquerdo em regime ambulatorial.
1. É necessário realizar um ECG neste paciente antes da anestesia
ambulatorial?
Sim, é necessário. As recomendações atuais incluem a necessidade para homens com mais de 40, mulheres
com mais de 50 anos e pacientes ambulatoriais com doença cardiovascular sistêmica. O ECG deve ainda
ser realizado nos pacientes com diagnósticos de doença cardíaca, como aqueles com história de infarto do
miocárdico, de qualquer idade.
2. Que pacientes não seriam candidatos a cirurgia ambulatorial?
A conveniência de cada paciente deve ser avaliada individualmente considerando-se a associação
de fatores diversos como circunstâncias do paciente, natureza do procedimento cirúrgico, técnica
anestésica, previsão de dor pós-operatória e segurança do ato anestésico. Uma série grande de
motivos tem sido listada como contra-indicações a cirurgia ambulatorial. Entre outras, são relacionadas:
Prematuridade em lactentes com menos de 46 semanas de idade pós-concepção
Episódios de apnéia ou dificuldades de alimentação com atraso ao desenvolvimento
Síndrome de angustia respiratória que exigiu intubação e suporte ventilatório
Doença aguda concomitante
Estado físico III ou IV ASA com controle inadequado da doença
Abuso agudo de substâncias químicas
Ausência de um adulto em casa
Impossibilidade de seguir instruções
Recusa em realizar o procedimento cirúrgico em regime ambulatorial
3. Que finalidades são importantes na escolha de uma técnica anestésica
para cirurgia ambulatorial?
Até o momento ainda não se identificou o fármaco ou uma técnica ideal para anestesia ambulatorial. O proporfol, para indução e os halogenados servoflurano e desflurano, em razão do rápido início e fim dos efeitos
clínicos, tornaram-se bastante utilizados ultimamente. Atualmente, uma grande variedade de agentes farma-
Capítulo III - Anestesia Ambulatorial
Anestesia Casos Clínicos - 49
cologicamente ativos, utilizados em técnicas de anestesia geral, regional ou local, permitem obter condições
anestésicas desejáveis com bom perfil de recuperação. As qualidades ideais de uma técnica anestésica para
cirurgia ambulatorial podem ser resumidas como segue:
Inicio de ação suave e rápido;
Amnésia e analgesia intra-operatória;
Estabilidade hemodinâmica;
Boas condições operatórias;
Recuperação rápida sem efeitos colaterais;
Boa relação custo-benefício.
Sejam quais forem as drogas e técnicas utilizadas, é fundamental associar agentes e técnicas de modo
racional e realizar ajustes criteriosos de doses para obter o efeito ideal.
4. Quais os critérios, para alta com segurança após cirurgia ambulatorial?
Para a alta após cirurgia ambulatorial, determinados critérios específicos devem ser atendidos e resumidos em listas do tipo check-lists. Apesar de algumas variações entre centros diferentes, os itens básicos
são:
Sinais vitais estáveis há pelo menos 7 horas;
Ausência de sinais de depressão respiratória;
Orientado em relação a pessoa lugar e tempo;
Capacidade de caminhar sem ajuda;
Capacidade de se vestir sem ajuda;
Náusea ou vomito mínimos;
Ausência de sangramento ativo;
Dor controlável com analgésicos orais;
Adulto responsável para acompanhar o paciente até a casa;
Alta dada pelo anestesiologista, pelo cirurgião, ou por profissionais designados por eles.
A ingestão de líquidos e micção antes da alta são exigíveis no caso de alguns pacientes submetidos a bloqueio de neuroeixo.
Instruções por escrito sobre o período pós-operatório em casa devem ser entregues ao paciente, assim
como um numero de telefone para contato de emergência no momento da alta.
5. Como decidir a ocasião da alta depois de anestesia regional?
De inicio, os pacientes que receberam anestesia regional devem satisfazer os critérios de alta citados
na questão anterior. Além disso quando receberam raquianestesia ou peridural em regime ambulatorial
devem ser avaliados quanto a recuperação dos bloqueios simpático e motor. A capacidade de andar ate
o banheiro e urinar é um bom teste de recuperação das funções motora e simpática. Alguns centros mais
liberais quanto à recuperação da capacidade de micção, recomendam monitorização do volume vesical
por ultra-sonografia.
Caso 4
Paciente masculino, 76 anos, ASA II, portador de refluxo gastresofágico controlado farmacologicamente,
será submetido, em regime ambulatorial, a herniorrafia inguinal direita.
50 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo III - Anestesia Ambulatorial
1. Quais são os objetivos da avaliação pré-operatória na cirurgia
ambulatorial?
A avaliação pré-operatório na cirurgia ambulatorial visa obter dados, solicitar exames laboratoriais e pareceres, consentimento informado e fornecer informações e instruções ao paciente. O sistema de avaliação
pré-operatória deverá garantir que a triagem seja realizada bem antes, de modo a permitir avaliar doenças
pré-existentes, otimizar tratamento e registrar dados laboratoriais antes de anestesia.
2. Que pacientes devem ser submetidos a radiografia de tórax préoperatória?
Em pacientes assintomáticos são raras as anormalidades na radiografia de tórax. Este exame está indicado
no pré-operatório em pacientes com achado clínico ou história de doença pulmonar ativa. Os extremos de
idade, tabagismo, doença pulmonar obstrutiva crônica estável, doença cardíaca estável ou infecção respiratória alta recente e curada, não devem ser consideradas indicações absolutas para radiografia de tórax.
3. A idade ou condição física do paciente influenciam a decisão de realizar
uma cirurgia ambulatorial?
Com exceção de recém-nascidos nas primeiras semanas de vida e de prematuros com idade pós-concepção
abaixo de 46 semanas, a idade isolada não deve ser impedimento para cirurgia ambulatorial. O risco de
apnéia pós-operatória por até 12 horas já foi relatado em literatura em lactentes de até 60 semanas pós-concepção. A faixa de risco mais comum é a faixa menor que 46 semanas de idade pós-concepção.
Nos pacientes geriátricos a experiência clínica não tem mostrado influência da idade sobre o tempo de
recuperação ou a incidência de complicações pós cirurgia ambulatorial. Entretanto, para o procedimento
ambulatorial em paciente geriátrico, é preciso considerar idade fisiológica e a condição física do paciente, o
procedimento cirúrgico, a técnica de anestesia e a qualidade da assistência que será prestada em casa.
Os pacientes com estado físico III e IV ASA, cujas doenças estejam bem controladas no pré-operatório, são
considerados atualmente como pacientes aceitáveis para cirurgia ambulatorial e não correm maior risco de
complicações pós-operatórias.
4. Todo paciente ambulatorial deve receber profilaxia contra pneumonite
por aspiração de ácido?
A incidência real de aspiração pulmonar de conteúdo gástrico é muito baixa (<1:35.000) em pacientes sem
fatores de risco especifico. A prevenção farmacológica da aspiração de ácido não deve ser rotina, e sim
reservada para pacientes ambulatórias com fatores predisponentes como gravidez, hérnia de hiato sintomática, diabetes melitus com neuropatia autonômica, obesidade mórbida, etc.
5. Que exames laboratoriais pré-operatórios são necessários na cirurgia
ambulatorial?
Para definição de exames pré-operatórios em cirurgia ambulatorial, deve se levar em conta o procedimento
cirúrgico, a idade do paciente, a condição clínica e o histórico medicamentoso. Pode não haver necessidade
de exames em pacientes saudáveis entre 01 e 40 anos de idade para cirurgia de pequeno porte.
A determinação da hemoglobina ou hematócrito é conveniente em procedimentos com perda sanguínea
associada e em pacientes que menstruam, com histórico de anemia, com discrasias sanguíneas e pacientes
Capítulo III - Anestesia Ambulatorial
Anestesia Casos Clínicos - 51
acima de 60 anos. Outros exames dependem de distúrbios pré existentes.
Transtornos individuais hemorrágicos e uso de anticoagulantes também serão indicações para exames específicos.
Caso 5
Paciente de 52 anos, hipertenso controlado com atenolol e clortalidona, chega a unidade de saúde para
realização de herniorrafia inguinal acompanhada do filho de 15 anos. Jejum pré-operatório de 8 horas e
exames pré-operatórios normais.
1. O paciente pode ser submetido a anestesia ambulatorial nestas
condições?
Não. Segundo a resolução CFM 1409/94, o paciente para ser submetido a anestesia ambulatorial necessita
estar acompanhado por um adulto lúcido e identificado. Tal cuidado é importante porque o efeito residual da
anestesia pode levar a redução dos reflexos e maior possibilidade de acidentes.
2. Na anestesia ambulatorial pode ser aplicada a raquianestesia?
Sim. A raquianestesia pode ser usada, recomendando-se o uso de agulhas finas que apresentam baixa
incidência de cefaléia.
3. A unidade de saúde pode ser fechada quando todos os pacientes
estiverem com alta hospitalar?
A unidade de saúde deve garantir atendimento aos pacientes durante 24h. Caso a unidade de saúde feche,
deve existir uma unidade conveniada que possa garantir atendimento para avaliar complicações.
4. Que medicação pré-anestésica seria utilizada nesse paciente?
A medicação pré-anestésica em cirurgia ambulatorial gera muita discussão. A necessidade de recuperação
imediata leva muitos autores a recomendar medicação pré-anestésica em pequenas doses ou não utilizar.
Como é necessário ansiólise, amnésia, analgesia, vagólise e prevenção de NVPO, os medicamentos necessários podem ser utilizados desde que haja escolha criteriosa da substância e da dose.
Na verdade, o uso apropriado de medicação pré-anestésica pode até acelerar o processo de alta em vista
da diminuição de efeitos colaterais pós-operatórios.
5. Qual a diferença entre os conceitos da anestesia ambulatorial no Brasil
e nos EUA?
No Brasil os pacientes submetidos a procedimentos anestésicos ambulatoriais recebem alta hospitalar no mesmo dia, ou seja, excepcionalmente ocorre pernoite do paciente. Nos EUA é considerado procedimento ambulatorial aquele em que o período de internação é inferior a 24 horas. Nesse caso, o pernoite é permitido.
Caso 6
Criança de 7 meses nascida a termo (39 semanas) foi agendada para exame de ressonância magnética
de crânio.
52 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo III - Anestesia Ambulatorial
1. Qual a idade mínima para fazer anestesia sob regime
ambulatorial?
Infantes de idade pós-conceptual menor que 46 semanas possuem maior possibilidade de apnéia no pósoperatório, principalmente os que apresentam anemia (hematócrito menor que 30%) e idade pós-conceptual
inferior a 43 semanas. Na literatura não existe consenso para a liberação desses pacientes para anestesias
ambulatoriais. A maioria dos centros libera o procedimento para pacientes hígidos com idade pós-conceptual
acima de 46 semanas. Se não for possível esperar, o exame deverá ser realizado em regime de internação
com monitorização para apnéia.
2. Qual o jejum necessário para essa criança, sabendo que ela possui
alimentação com leite materno e complementos alimentares?
A American Academy of Pediatrics e a ASA recomendam jejum menos prolongado que em adultos devido ao risco de hipoglicemia decorrente da baixa reserva de glicogênio hepátic apresentada por estes
pacientes.
tipo de alimento
Líquidos sem resíduos
Leite materno
Fórmulas alimentares infantis
Leite não humano
Alimentação leve
Alimentos sólidos
Tempo (horas)
2
4
6
6
6
8
3. Qual a monitorização indicada para essa criança?
A anestesia ambulatorial deve nortear sua conduta nas mesmas normas de segurança da anestesia com
paciente internado. Dessa forma a criança deverá receber monitorização com oximetria de pulso, pressão
arterial não invasiva, EtCO2 e temperatura corporal. Atualmente dispomos de modernos monitores que podem ser adaptados nas salas de ressonância magnética.
4. Quais exames pré-operatórios são necessários nesta criança?
Se o paciente é assintomático não é necessário nenhum exame pré-operatório. Porém, se existe a suspeita
de anemia, este paciente deverá ser submetido a aferição de hemoglobina e hematócrito, pois em pacientes
com anemia há maior probabilidade de apnéia no pós-operatório.
5. Deve-se realizar série completa de exames laboratoriais nos pacientes
ambulatoriais?
Não. Além de aumentar em muito, e desnecessariamente, os custos com a saúde, esses exames em pacientes assintomáticos são bastante questionáveis. A anamnese e o exame físico são melhores recursos
de rastreamento e ajudam a reduzir o uso de exames dispendiosos, ás vezes impróprios e não totalmente
inóquos.
Capítulo III - Anestesia Ambulatorial
Anestesia Casos Clínicos - 53
Caso 7
Paciente feminina, 25 anos, submetida a sedação com diazepam 20mg EV para exerese de nódulo de mama
sob anestesia local. No pós-operatório foi feita a reversão com flumazenil.
1. Quando o paciente poderá ser liberado? A reversão com flumazenil
garante a liberação?
Neste caso, em especial, mesmo que o paciente seja capaz de ingerir alimentos, não poderá
ser liberado enquanto não acabar o efeito do diazepam, que apresenta meia vida superior ao
flumazenil. Por isso, o paciente poderá apresentar efeito rebote de sedação após terminado
o efeito do flumazenil. Assim, o diazepam, nessa dose, não está bem indicado na anestesia
ambulatorial.
2. Se após a recuperação espontânea o paciente apresentar náuseas e
vômitos de difícil controle, qual deverá ser a conduta?
O paciente para ter alta deverá ter sob controle as náuseas e os vômitos. Caso o paciente persista com náuseas e vômitos após tentativa de controle com as drogas habituais, deverá permanecer internado na unidade
onde foi realizada a cirurgia ou unidade conveniada.
3. Se essa paciente apresentar história familiar de hipertermia maligna,
qual seria a conduta?
Atualmente esses pacientes podem receber com segurança anestesia ambulatorial. Na preparação da
sala devemos assegurar a presença de medicamentos que tratem a hipertemia maligna como o dantrolene, o que já é obrigatório pela resolução CFM 1802/2006. A cirurgia preferencialmente deve ser a primeira
do dia e o aparelho de anestesia não deve conter resíduos de anestésicos inalatórios. Devemos utilizar
medicamentos que comprovadamente não desencadeiem hipertemia maligna e, no trans-operatório, observar sinais sugestivos de hipertermia. Na orientação aos familiares, por escrito, devem ser descritos
sinais e sintomas sugestivos de hipertemia maligna que, caso surjam, exigem contato imediato com a
unidade de saúde.
4. Após a exerese do nódulo mamário, solicitou-se biópsia de congelação.
Com o resultado, o cirurgião optou por realizar mastectomia. Essa cirurgia
poderá ser realizada em regime ambulatorial?
Não. Como pode haver sangramento significativo, a mastectomia enquadra-se nos critérios de exclusão para
cirurgia ambulatorial. A paciente deverá ser internada.
5. O procedimento terminou as 9 horas e a paciente teve alta às 13 horas.
Quando poderá voltar a dirigir veículos automotores?
Na alta hospitalar os parâmetros psicomotores não são avaliados e o paciente poderá apresentar efeitos residuais das drogas. Sendo assim, é prudente aconselhar ao paciente que não dirija
veículos automotores, bem como não opere máquinas pesadas nas primeiras 24h após o procedimento.
54 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo III - Anestesia Ambulatorial
Caso 8
Paciente 58 anos, masculino, HAS e diabetes tipo II, em uso de losartan, sinvastatina e metformina. Tem
apresentado fezes escuras e dor abdominal leve há uma semana. Indicada colonoscopia em regime ambulatorial.
1. Quais os cuidados que devemos ter em relação à medicação em uso
pelo paciente?
O paciente deverá ser orientado para interromper a metformina 24h antes do procedimento, podendo retornar o uso após a primeira refeição. Quando o exame incluir contraste endovenoso, o uso da metformina
deverá ser reiniciado somente 48 horas após a cirurgia, estando a função renal normal. Não deverão ser
prescritos insulina ou hipoglicemiantes orais no dia da cirurgia ou insulina NPH na noite da véspera da
mesma. Admite-se interromper o uso do bloqueadores de receptor de angiotensina II e bloqueadores da
ECA na véspera, considerando a possibilidade de episódios hipotensivos pela interação dessa drogas com
a anestesia geral.
2. Quais os exames complementares necessários para esse paciente?
Glicemia de jejum, uréia, creatinina, Na+, K+, Hb, Ht e ECG. A hemoglobina glicosilada (A1C) pode ser solicitada como controle acurado da glicemia nos últimos 2 a 3 meses. Isso é importante porque níveis de A1C
elevados aumentam a taxa de complicação nesses pacientes.
3. Como deve ser feito o manejo intra-operatório da glicemia nesse
paciente?
Deve-se otimizar o manejo com o controle da glicemia de 3 em 3 horas até o início da ingestão oral.
4. O que deve ser observado no exame físico pré-operatório desse
paciente?
Devemos procurar observar neuropatia diabética, que pode se apresentar como hipotensão ortostática, episódios sincopais, mono ou polineuropatias, disfunção erétil ou vesical, e no ECG uma perda da variabilidade R-R.
Ao redor de 30-40% dos pacientes diabéticos apresentam glicosilação da articulação atlanto-occipital, que pode
limitar a mobilização da mandíbula e causar dificuldade no manejo da via aérea (síndrome do stiff-neck).
5. Devemos utilizar alguma medicação ansiolítica nesse paciente?
Sim. Uma vez que esse paciente é hipertenso, e foi suspensa a medicação anti-hipertensiva, devemos
prevenir picos hipertensivos relacionados à ansiedade. Na véspera pode-se utilizar midazolam 15 mg VO ou
diazepam 10mg VO. E pela manhã após chegar na unidade de saúde administrar 7,5mg midazolam VO 30
minutos antes do procedimento, ou IV, 1-2 mg.
Caso 9
Paciente feminina, 39 anos, será submetida em regime ambulatorial a laparoscopia, para liberação de aderências na pélvis. História de tratamento cirúrgico de descolamento de retina há 3 semanas, complicada por
NVPO.
Capítulo III - Anestesia Ambulatorial
Anestesia Casos Clínicos - 55
1. Deve ser evitado o N2O nesses pacientes?
Nos pacientes submetidos a cirurgia vitreoretiniana é deixado deliberadamente, uma bolha de gás para
ajudar tamponar e manter a retina em posição, enquanto se desenvolvem as aderências. Dependendo do
gás utilizado, do volume e da concentração, a absorção da bolha pode levar ate 70 dias para se completar.
A administração de N2O nesse período leva a expansão da bolha rapidamente, com obstrução da artéria
central da retina com isquemia da retina e do nervo ótico. Existem evidencias de que a lesão é irreversível. O
N2O deve ser evitado nesses pacientes, a menos que não tenha sido utilizado gás para fixação da retina.
2. Comentar as alterações da fisiologia provocadas pela laparoscopia.
Para a realização de laparoscopia pélvica, além do pneumoperitônio, é necessária a posição de Trendelemburg. O pneumoperitônio eleva a pressão intra-abdominal e compromete o retorno venoso. Pressão
abdominal acima de 20 mmHg provoca redução da PVC, da PA e do debito cardíaco. Pode haver sequestro
de sangue das pernas reduzindo o volume circulante. O deslocamento cefálico do diafragma reduz a capacidade vital. Há comprometimento da ventilação dos lobos inferiores, predispondo o paciente a hipóxia
e atelectasias. Ao liberar o pneumoperitônio e desfazer a posição de Trendelemburg todos os parâmetros
cardiovasculares e respiratórios devem se normalizar.
3. Quais são as causas mais comuns de NVPO em pacientes
ambulatoriais?
Os pacientes com história de cinetose e episódios prévios de NVPO, os obesos, as gestantes e diabéticos
são mais propensos a sintomas eméticos. As NVPO são comuns em crianças. A ansiedade excessiva e a
desobediência ao jejum podem aumentar o volume gástrico e predispor pacientes a NVPO.
A escala de Apfel para NVPO destaca como fatores de risco o sexo feminino, o não tabagismo, história
de NVPO, cinetose prévia e o uso de narcóticos. Outros estudos também consideram algumas condições
cirúrgicas como predisponentes (estrabismo, timpanostomia, orquidopexia, laparoscopia). Náuseas e vomitos são problemas importantes após cirurgia ambulatorial e pode retardar a alta ou provocar internação
hospitalar inesperada. No pós-operatório ambulatorial, dor, deambulação precoce e hipotensão são fatores
que aumentam incidência de NVPO.
4. Por que o CO2 é o agente de insuflação de escolha para laparoscopia?
O CO2 é mais solúvel no sangue que o ar, o O2 ou o N2O. A capacidade de transporte do CO2 no sangue
é bastante alta em decorrência do tamponamento do bicarbonato e da combinação com hemoglobina e
proteínas plasmáticas. A eliminação rápida aumenta a margem de segurança do CO2 no caso de injeção
intra-venosa. A dose letal de CO2 é de aproximadamente 5 vezes maior que a de ar. Acrescente-se ainda
que o CO2 é o mais barato entre os gases utilizáveis para a realização do pneumoperitônio.
5) Como evitar farmacologicamente NVPO no paciente suscetível?
Infelizmente, o medicamento ideal ainda não é conhecido. Apesar do alto custo os antagonistas da serotonina, como a ondansetrona intra-venosa, na dose de 4 a 8 mg em adultos e 0,1mg/kg em crianças, são muito
eficazes. A administração profilática de dexametasona intra-venosa na dose de 5 a 10 mg para adultos e 0,5
a 1 mg/kg em crianças, é eficaz na prevenção de NVPO, sem sinais de toxicidade clinicamente relevante. A
associação de dexametasona e ondansetrona diminui ainda mais a incidência de NVPO e pode ser o melhor regime profilático. Existem indícios crescentes de que uma conduta multimodal pode levar a melhores
56 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo III - Anestesia Ambulatorial
resultados: a associação de 2 ou 3 fármacos antiméticos com mecanismos de ação diferentes é uma boa
indicação em pacientes com alto risco de NVPO.
Caso haja necessidade de terapia de resgate para NVPO dentro de 6 horas pós cirurgia, não se deve utilizar
nova dose do fármaco utilizado profilaticamente. Nessa situação deve-se utilizar fármaco de resgate com
mecanismo de ação diferente.
Caso 10
Paciente de 45 anos, escalado para correção cirúrgica de ptose palpebral com bloqueio local pelo cirurgião
e sedação pelo anestesiologista.
1. Como são classificadas as sedações pelo CFM?
O CFM na resolução 1.670/2003 classifica as sedações como:
“Sedação é um ato médico realizado mediante a utilização de medicamentos com o objetivo de proporcionar conforto ao paciente para a realização de procedimentos médicos ou odontológicos. Sob diferentes
aspectos clínicos, pode ser classificada em leve, moderada e profunda, abaixo definidas:
Sedação Leve é um estado obtido com o uso de medicamentos em que o paciente responde ao comando verbal. A função cognitiva e a coordenação podem estar comprometidas. As funções cardiovascular e
respiratória não apresentam comprometimento.
Sedação Moderada/Analgesia (“Sedação Consciente”) é um estado de depressão da
consciência, obtido com o uso de medicamentos, no qual o paciente responde ao estímulo verbal
isolado ou acompanhado de estímulo tátil. Não são necessárias intervenções para manter a via aérea
permeável, a ventilação espontânea é suficiente e a função cardiovascular geralmente é mantida adequada.
Sedação Profunda/Analgesia é uma depressão da consciência induzida por medicamentos, e nela o
paciente dificilmente é despertado por comandos verbais, mas responde a estímulos dolorosos. A ventilação
espontânea pode estar comprometida e ser insuficiente. Pode ocorrer a necessidade de assistência para a
manutenção da via aérea permeável. A função cardiovascular geralmente é mantida. “
2. Segundo a resolução do CFM 1670/2003, quem pode realizar sedação
profunda?
Na resolução encontramos: “Sedação profunda só pode ser realizada por médicos qualificados e em ambientes que ofereçam condições seguras para sua realização, ficando os cuidados do paciente a cargo do
médico que não esteja realizando o procedimento que exige sedação”. Fica claro que o cirurgião não pode
fazer a sedação profunda, porem não é atribuição exclusiva do médico anestesiologista.
3. Quais são os principais fatores que retardam a alta hospitalar?
A incidência de complicações é pequena. Os principais fatores que retardam a alta hospitalar são:
Complicações respiratórias ocorrem em percentagem menor do que 1%, sendo mais frequentes em
obesos, fumantes, asmáticos e em pacientes com infecção de vias aéreas. As mais comuns são laringoespasmo e broncoespasmo. Entretanto, edema pulmonar, aspiração brônquica e pneumotórax já foram descritos.
Problemas respiratórios retardam a alta e, dependendo da gravidade, poderão impedi-la.
Capítulo III - Anestesia Ambulatorial
Anestesia Casos Clínicos - 57
Complicações cardiovasculares peri e pós-operatórias são mais frequentes naqueles pacientes
com doenças preexistentes. Hipotensão, hipertensão arterial e disritmias cardíacas são mais frequentes no
período perioperatório do que no pós-operatório
Dor é uma das principais causas de permanência na unidade ambulatorial. O paciente só deverá ter alta
após perfeito controle da dor.
Náuseas e vômitos são complicações frequentemente responsáveis pelo retardo da alta da unidade
ambulatorial, assim como internações não previstas, insatisfação com a técnica e redução da capacidade
funcional no pós-operatório.
Sangramento é outra complicação que retarda a alta em pacientes ambulatoriais, sendo responsável
também por reinternações.
4. Na organização das salas de recuperação, a anestesia ambulatorial
pode dispor de 2 salas, a primeira denominada SRPA-1 recebe o paciente
logo após a cirurgia. Quais são os critérios clínicos que permitem a
transferência da sala SRPA-1 para a sala de recuperação SRPA-2, de onde
o paciente tem alta hospitalar?
Os critérios clínicos determinam o final do estágio II de recuperação permitindo a transferência da SRPA-1
para SRPA-2:
• Paciente acordado e alerta;
• Dor bem controlada;
• Frequência respiratória normal;
• Índice de Aldrete-Kroulik entre 9 e 10;
• Mínima náusea ou vômito;
• Mínima tontura ou sonolência;
• Pressão arterial e frequência cardíaca estáveis;
• Sem complicações cirúrgicas;
• SpO2 > 95% em ar ambiente;
• Tosse e deglutição preservadas;
• Vias aéreas livres.
5. O que deve constar na orientação escrita dada ao paciente?
Uma vez atingidos os critérios de alta da unidade ambulatorial e orientado verbalmente pelo médico, antes
de ir para casa, o paciente deve ter em mãos:
Orientação por escrito sobre o tratamento e cuidados pós-operatórios;
Receita detalhada, incluindo o horário das medicações, com especial atenção aos fármacos para controle
da dor;
Telefones para contato em caso de intercorrências:
do médico ou um de seus auxiliares;
da unidade ambulatorial ou do pronto-socorro associado;
do serviço de anestesiologia.
LEITURAS RECOMENDADAS:
1. Apfel CC, Kranke P, Eberhart LHJ et al. - Comparison of predictive models for postoperative nausea and vomiting. Br J
Anaesth, 2002;88:234-240.
58 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo III - Anestesia Ambulatorial
2. Cangiani LM - Anestesia Ambulatorial, em: Cangiani LM, Posso IP, Potério GMB et al. - Tratado de Anestesiologia
SAESP, 6ª Ed, São Paulo, Atheneu, 2006;1403-1433.
3. Charbit B, Albaladejo P, Funck-Brentano C et al. - Prolongation of QTc interval after postoperative nausea and vomiting
treatment by droperidol or ondansetron. Anesthesiology, 2005;102:1094-1100.
4. Cunningham AJ, Nolan C - Anesthesia for Minimally Invasive Procedure, em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK
- Clinical Anesthesia, 5th Ed, Philadelphia, Lippincott Williams & Wilkins, 2006;1061-1071.
5. Gan TJ Meyer T, Apfel C et al. - Consensus guidelines for managing postoperative nausea and vomiting. Anesth Analg,
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6. Hannallah RS - Outpatient Anesthesia, em: Gregory GA - Pediatric anesthesia, 4th Ed, New York, Churchill Livingstone,
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7. Hata TM, Moyers JR - Preoperative Evaluation and Management, em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK - Clinical
Anesthesia, 5th Ed, Philadelphia, Lippincott Williams & Wilkins, 2006;475-501.
8. Joris JL - Anesthesia for Laparoscopic Surgery, em Miller RD - Miller�s Anesthesia, 6th Ed, Philadelphia, Elsevier
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9. Kain ZN, Sevarino F, Pincus S et al. - Attenuation of the preoperative stress response with midazolam: effects on
postoperative outcomes. Anesthesiology, 2000;93:141-147.
10. Lec EJK - Use of nitrous oxide causing severe visual loss 37 days after retinal surgery. Br J Anaesth, 2004;93:464-466.
11. Lichtor JL - Anesthesia for Ambulatory Surgery, em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK - Clinical Anesthesia, 5th Ed,
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12. Marshall SI, Chung F - Discharge criteria and complications after ambulatory surgery. Anesth Analg, 1999;88:508-517.
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15. Polk SL - Morbid Obesity, em: Roizen MF, Fleisher LA - Essence of Anesthesia Practice, 2nd Ed, Philadelphia, WB
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21. Stoelting RK, Dierdorf SF - Anesthesia and Co-Existing Disease, 4th Ed, New York, Churchill Livingstone, 2002.
22. Tonelli D, Santos ETM, Araújo JHL - Anestesia Ambulatorial em Pediatria, em: Bagatini A, Carraretto AR,Vianna PTG
- Curso de Educação à Distância em Anestesiologia. São Paulo, Segmento Farma, 2007;41-61.
23. White PF, Eng MR. - Ambulatory (Outpatient) Anesthesia, em: Miller RD - Miller?s Anesthesia, 7th Ed, Philadelphia,
Churchill Livingstone Elsevier, 2010;2419-2459.
Capítulo IV
Olhos, Ouvidos e Garganta
Cátia Sousa Govêia
60 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo IV - Olhos, Ouvidos e Garganta
Caso 1
Um paciente de 75 anos está programado para submeter-se a operação de facoemulsificação sob anestesia
regional. Apresenta-se muito tenso e recusa-se a guardar o jejum pré-operatório.
1. Que fatores contribuem para a realização bem-sucedida da anestesia
regional para oftalmologia?
A principal variável é o conhecimento adequado da anatomia do globo ocular, da órbita e da relação entre
eles, antes mesmo da realização da anestesia. Outros fatores incluem a investigação do histórico oftalmológico do paciente, sedação adequada – mas não excessiva –, posicionamento ótimo do olho, seleção correta
da agulha e controle do seu direcionamento.
2. Quais as técnicas de anestesia regional mais populares para
oftalmologia?
Em 1936, W.S. Atkinson descreveu o bloqueio retrobulbar, com a administração da solução de anestésico
local dentro do cone formado pelos músculos extraoculares. Devido às complicações do bloqueio retrobulbar, incluindo lesão de nervo óptico, raquianestesia total e amaurose contralateral, desenvolveram-se novas
técnicas de anestesia para oftalmologia. Em 1986, Davis e Mandel descreveram a anestesia peribulbar, que
preconiza a administração intraorbitária do anestésico local, exteriormente ao cone formado pelos músculos
extraoculares. O bloqueio peribulbar reduz o risco de injeção intraocular ou subdural de anestésico local,
evita hemorragia intraconal e lesão do nervo óptico, e provê anestesia e acinesia semelhantes, em relação
à administração retrobulbar. A anestesia peribulbar é uma das técnicas de escolha para a maioria dos procedimentos cirúrgicos em oftalmologia devido à sua fácil execução, baixo risco e por proporcionar elevado
conforto ao paciente no período transoperatório.
As técnicas de anestesia retrobulbar e peribulbar proporcionam bloqueios sensitivo e motor adequados,
com mínima interferência sobre as funções respiratória, cardiovascular e endócrina. A anestesia geral para
operações oftalmológicas é hoje reservada para pacientes pouco cooperativos, com contraindicações à
anestesia regional ou com lesões oculares abertas.
3. Quais são as potenciais complicações dos bloqueios regionais para
oftalmologia?
As complicações da anestesia regional para oftalmologia, tanto retrobulbar quanto peribulbar, podem ser decorrentes de falhas na técnica ou do uso de fármacos. Entre elas, destacam-se: perfuração do globo ocular,
hemorragia intraorbitária, quemose, aumento da pressão intraocular, alterações da musculatura extraocular,
ptose, lesão de nervo óptico, síndrome da apneia retrobulbar ou anestesia subdural, oclusão da artéria central da retina, reflexo óculo-cardíaco, reações alérgicas e intoxicação por anestésico local.
4. Descreva outras técnicas anestésicas que apresentem resultados
satisfatórios e menor morbidade.
A anestesia subtenoniana ou parabulbar tornou-se muito comum para operações de catarata, especialmente
na Grã-Bretanha, pela excelente analgesia e por não necessitar do uso de agulhas cortantes. Sob anestesia
tópica, uma pequena incisão seguida de dissecção é realizada na conjuntiva perilimbar do quadrante nasal
Capítulo IV - Olhos, Ouvidos e Garganta
Anestesia Casos Clínicos - 61
inferior e uma cânula romba é introduzida abaixo da fáscia de Tenon, em direção posterior. Administra-se a
solução de anestésico local, cerca de 1 a 5 ml. Pequenos volumes de solução anestésica são capazes de
prover analgesia, mas maiores volumes são necessários para a acinesia do globo ocular. Podem ocorrer
quemose e hemorragia conjuntival com frequência. Outras possíveis complicações são hemorragia orbitária,
trauma na musculatura extraocular, perfuração do globo, celulite orbitária e neuropatia óptica.
A anestesia tópica ganhou popularidade com a técnica de facoemulsificação e pequena incisão cirúrgica,
que reduzem a necessidade de acinesia. A anestesia tópica pode ser realizada com anestésicos locais sob
a forma de colírios ou gel, associada ou não à administração intracameral de anestésico local sem conservantes. As principais vantagens incluem a não utilização de agulhas e a recuperação imediatamente após
a operação. Entre as desvantagens, ausência de acinesia, maior ansiedade do paciente, incômodo pela luz
do microscópio e maior possibilidade de dor/desconforto à manipulação da íris ou corpo ciliar. Além disso,
altas doses ou uso prolongado de anestésicos locais são tóxicos para o epitélio da córnea e podem causar
ceratite. A associação da sedação intravenosa com baixas doses de benzodiazepínicos e opioides diminui a
ansiedade e o desconforto e não retarda a alta da sala de recuperação pós-anestésica. Está bem indicada
para operações curtas e a pacientes com baixo grau de ansiedade.
5. É necessário jejum pré-operatório para pacientes submetidos a
facoemulsificação sob anestesia local e sedação?
O objetivo do jejum pré-operatório é diminuir o risco de aspiração pulmonar de conteúdo gástrico durante
anestesia. Nas diretrizes de 2001 do Royal College of Anaesthetists e do Royal College of Ophthalmologists
do Reino Unido, estabeleceu-se que o jejum não é necessário para procedimentos oftalmológicos sob sedação consciente. Todavia, se houver necessidade de sedação mais profunda, deve-se modificar tal protocolo
para atender os anestesiologistas. Já a diretriz da Canadian Anesthesiologists’ Society, em 2006, estabeleceu que as regras aplicadas ao jejum pré-operatório para facectomia devem levar em consideração a idade
do paciente e suas doenças associadas – recomendações válidas para todos os tipos de anestesia, inclusive
anestesia local e sedação. Assim, qualquer risco potencial para sedação mais profunda ou considerações
individuais indicam a necessidade de se observar o jejum pré-operatório.
Caso 2
Um grupo de anestesiologistas discute técnicas anestésicas em oftalmologia.
1. Como realizar anestesia retro e peribulbar?
A técnica da anestesia retrobulbar inicia-se com a anestesia tópica da conjuntiva e antissepsia da região
orbitária. Com o olho do paciente na posição neutra, a agulha é inserida, de modo perconjuntival ou percutâneo, na junção dos dois terços mediais com o terço lateral da borda inferior da órbita. A agulha é direcionada
posteriormente e para cima, mas tangencialmente ao globo, em direção ao interior do cone. A solução anestésica é então administrada, em volume que varia de 2 a 5 ml.
Na anestesia peribulbar, o preparo é semelhante ao do bloqueio retrobulbar. A técnica de punção única,
transpalpebral ou perconjuntival, lateralmente à junção do terço lateral com os dois terços mediais da borda
orbital inferior, evita lesão aos feixes neuromusculares e vasculares. Após a punção, a agulha é direcionada
paralelamente ao assoalho da órbita e tangente ao globo ocular, e a solução anestésica pode ser depositada
próximo ao equador do globo ocular. O volume administrado pode variar de 5 a 10 ml.
Injeções suplementares podem ser realizadas se o bloqueio apresentar-se insuficiente. Pode-se realizar
62 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo IV - Olhos, Ouvidos e Garganta
nova punção no mesmo local ou em outros pontos de acesso, nasal superior ou medial. A via de acesso
nasal superior apresenta a desvantagem da proximidade à troclea e a feixes vasculares, possibilitando maior
risco de diplopia e hemorragia orbitária. Na via de acesso medial, a agulha é inserida entre a carúncula e
o canto medial até cerca de 1 a 1,5 cm. O risco de lesão de estruturas importantes é inferior ao da técnica
nasal superior.
2. Discorra sobre a utilização dos seguintes fármacos coadjuvantes em
anestesia regional oftalmológica: hialuronidase, bicarbonato de sódio,
adrenalina, clonidina e bloqueadores neuromusculares.
A hialuronidase é uma enzima que hidrolisa as ligações glicosídicas do ácido hialurônico intersticial. Ao promover a despolimerização dos tecidos ricos em glicosaminoglicanas – um obstáculo à difusão intercelular
– aumenta a permeabilidade dos septos intraorbitários e facilita a difusão da solução de anestésicos locais
em anestesias retro ou peribulbares. É utilizada frequentemente para diminuir a latência dos anestésicos
locais, melhorar a qualidade do bloqueio, reduzir a necessidade de injeções suplementares e atenuar a
elevação da pressão intraocular após a administração do volume de anestésicos. A concentração ideal de
hialuronidase na solução de anestésicos locais para anestesia peribulbar ainda é controversa. Já foram
descritas como eficazes doses que variam entre 7,5 UTR.ml-1 e 300 UTR.ml-1. Dempsey, Barret e Kirby, em
1997, relataram não haver diferenças significativas entre doses de 50 UTR.ml-1 e 300 UTR.ml-1.
Bicarbonato de sódio: os anestésicos locais preparados comercialmente são soluções ácidas, nas quais o
fármaco se apresenta predominantemente em sua forma ionizada, o que acarreta maior latência. A alcalinização da solução anestésica promove a conversão de maior proporção das moléculas para a forma não ionizada, favorecendo o transporte através das membranas nervosas para promover o bloqueio da condução.
Isso leva a menor latência e maior duração dos bloqueios.
Adrenalina: a adição de adrenalina aos anestésicos locais em anestesia regional em oftalmologia tem como
objetivos o prolongamento do tempo do bloqueio e a melhora da qualidade. Entretanto, a associação de
adrenalina à solução de anestésicos locais ainda é motivo de controvérsias. Alguns autores a consideram
perigosa e relatam que poderia causar dano vascular à retina. Concentrações elevadas devem ser evitadas,
especialmente em pacientes portadores de doenças vasculares periféricas.
Clonidina: a adição da clonidina aos anestésicos locais tem a capacidade de potencializar o bloqueio central
e periférico. Entretanto, o uso da clonidina como adjuvante da anestesia regional em oftalmologia mostra
efeitos contraditórios. Já foram descritos desde ausência de efeitos até o aumento da duração da anestesia,
melhor acinesia e redução da pressão intraocular. Os mecanismos para a interação farmacológica incluem a
capacidade da clonidina de bloquear a condução de fibras C e A-delta, aumentar a condutância do potássio
em neurônios e bloquear receptores adrenérgicos alfa2 em terminais aferentes primários (medulares e periféricos). Os possíveis efeitos colaterais são creditados à ação central da clonidina após absorção sistêmica:
sedação e diminuição da pressão arterial.
Bloqueadores neuromusculares: o uso de bloqueadores neuromusculares como coadjuvantes em anestesia
regional oftálmica visa promover maior acinesia da musculatura extraocular e das pálpebras. No entanto, a
ação sistêmica dos bloqueadores neuromusculares torna tal prática potencialmente perigosa.
3. Para realização de anestesia regional em oftalmologia devem ser
utilizadas agulhas rombas ou cortantes?
O uso de agulhas rombas para realização da anestesia regional em oftalmologia baseia-se na afirmação de
que elas diminuem o risco de perfuração do globo, uma vez que aumentam a percepção da resistência à
penetração no globo ou no nervo óptico. Entretanto, são incapazes de eliminar tal risco. Apesar de a força
Capítulo IV - Olhos, Ouvidos e Garganta
Anestesia Casos Clínicos - 63
necessária à penetração do globo ocular com agulhas cortantes ser extremamente baixa e, por vezes, indetectável pelo anestesiologista, a utilização dessas agulhas diminui o desconforto do paciente à injeção, e, em
caso de perfuração, causa menos dano à retina e melhora o prognóstico de recuperação da acuidade visual
em relação ao uso de agulhas rombas.
4. Como realizar sedação para operações oftalmológicas?
O uso da sedação em operações oftalmológicas tem como objetivo promover ansiólise e redução do desconforto e medo durante a operação sob anestesia regional, favorecendo a estabilização dos parâmetros
hemodinâmicos. O paciente deve permanecer desperto e cooperativo durante a operação, sem sonolência
profunda ou que permita movimentos bruscos ao acordar. O tipo de anestesia – retrobulbar, peribulbar,
subtenoniana, tópica – é um dos determinantes para a escolha do tipo de sedação e analgesia. A anestesia
retro/peribulbar pode causar dor à injeção devido à pressão gerada quando o anestésico local é administrado
no compartimento orbitário.
Para sedação durante a anestesia regional, devem-se utilizar agentes de duração rápida que promovam amnésia, analgesia e impeçam a movimentação durante a injeção. Não há regime ideal, mas a combinação de
baixas doses de midazolam e fentanil, seguida pela administração de propofol que, em baixas doses promove hipnose de curta duração, facilita a realização da punção orbitária. A depressão respiratória ou alterações
hemodinâmicas devem ser evitadas. Além disso, a sedação não deve ter efeito muito prolongado, para que
o paciente possa receber alta da sala de recuperação pós-anestésica logo após o término da operação.
Ao paciente sedado recomenda-se o uso de oxigênio suplementar sob cateter nasal ou máscara e monitorização contínua. Equipamentos para resgate durante complicações devem estar sempre disponíveis.
5. A anestesia regional interfere no fluxo sanguíneo ocular?
A anestesia peribulbar pode interferir no fluxo sanguíneo ocular por diferentes mecanismos. Em estudo
sobre os efeitos da anestesia peribulbar com solução anestésica de lidocaína e bupivacaína sobre a hemodinâmica ocular em pacientes submetidos a facectomias, observou-se que a anestesia promove acentuada
redução do fluxo ocular pulsátil. O efeito foi atribuído não apenas a elevações da pressão intraocular devido
ao aumento do volume intraorbitário, mas também a efeitos farmacológicos dos anestésicos locais. Sabe-se
que a diminuição da pressão de perfusão ocular e obstrução da drenagem venosa são responsáveis pela
correlação negativa entre pressão intraocular e fluxo sanguíneo ocular. Porém, estudos subsequentes observaram que tal alteração sobre a hemodinâmica ocular persiste mesmo após a normalização da pressão
intraocular. Vários autores sugerem que a redução do fluxo sanguíneo ocular após anestesia peribulbar
deva-se principalmente aos efeitos vasomotores diretos dos anestésicos locais administrados. Lung et al, em
2006, compararam dois volumes de solução anestésica em técnica peribulbar, e o grupo que utilizou menor
volume apresentou menor efeito de diminuição dos parâmetros de hemodinâmica ocular, corroborando a
teoria de ação farmacológica.
A anestesia retrobulbar, que utiliza menor volume de anestésico local causa elevação temporária da pressão
intraocular e redução persistente do fluxo ocular pulsátil similares à técnica peribulbar.
Lidocaína e bupivacaína possuem reconhecida ação vasodilatadora. Contudo, a possível explicação para
sua ação de redução do fluxo ocular pode ser fornecida por estudo conduzido por Meyer, Flammer e Luscher
(1993) mostrando que, em artérias ciliares de porcos, a lidocaína, bupivacaína e mepivacaína promovem
interferência sobre os mecanismos de controle vascular local, mais especificamente sobre a produção de
óxido nítrico derivado do endotélio, levando à vasoconstrição.
Um estudo mostrou que a magnitude da redução da amplitude de pulso ocular produzida pela ropivacaína
é significativamente mais acentuada que a produzida pela bupivacaína. À bupivacaína, com ação vasodila-
64 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo IV - Olhos, Ouvidos e Garganta
tadora em outros leitos capilares, foi atribuído o efeito de redução do fluxo ocular pulsátil nos trabalhos que
avaliaram o efeito da anestesia peribulbar sobre o fluxo sanguíneo ocular. A ropivacaína possui atividade
vasoconstritora intrínseca já comprovada em outros leitos capilares e é provável que sua ação vasoconstritora seja responsável pelo efeito mais intenso de diminuição da amplitude de pulso ocular em anestesia
peribulbar.
Caso 3
Paciente adulto, do sexo masculino, apresenta-se para ser submetido a operação de trabeculectomia, para
o tratamento de glaucoma. Faz uso crônico de colírio de timolol, e sua pressão intraocular (PIO) atualmente
é de cerca de 50 mmHg.
1. Qual o valor normal da PIO e como ela é mantida?
A pressão intraocular (PIO) é definida como a pressão exercida pelo conteúdo do olho contra sua parede.
Tem valores normais entre 10 e 20 mmHg e é determinada por três principais fatores: alterações do conteúdo intraocular, pressões extrínsecas sobre o olho e rigidez escleral. Entre esses fatores, a variação do
conteúdo intraocular líquido, dada pela dinâmica do humor aquoso e mudanças no fluxo sanguíneo coroidal,
representa o determinante mais significativo.
O humor aquoso é produzido principalmente pelo epitélio não pigmentado do corpo ciliar na câmara posterior, flui pela abertura pupilar para a câmara anterior e ângulo iridocorneal, e é eliminado no sistema venoso
através da rede trabecular, canal de Schlemm e sistema venoso episcleral. Uma outra pequena proporção
move-se através do espaço intersticial do músculo ciliar e deixa o olho através da esclera. Desse modo, as
elevações da pressão intraocular podem ocorrer não apenas por produção de humor aquoso aumentada,
mas também por mecanismos que diminuem sua drenagem. O aumento da pressão venosa central causa
diminuição do efluxo de humor aquoso e sangue do olho, resultando em aumento da PIO. Assim, explica-se
o seu aumento causado pela posição de Trendelenburg, tosse e vômitos.
As alterações do fluxo sanguíneo ocular também podem afetar de modo importante a pressão intraocular.
O fluxo sanguíneo ocular inclui as frações de fluxo coroidal e retiniano. A coroide é formada por uma trama
vascular de anastomoses arteriais localizadas na câmara posterior do globo ocular, recebe em torno de 85%
a 90% da circulação total do olho e está sob controle do sistema nervoso autonômico simpático e parassimpático. Donlon, Doyle e Feldman (2005) descreveram que o volume sanguíneo intraocular depende do
equilíbrio entre influxo e efluxo de sangue e também do grau de resistência vascular local. Esses autores
relataram que fluxo sanguíneo ocular sofre autorregulação de suas pressões de perfusão para manter relativamente constante a pressão intraocular. Elevações súbitas da pressão arterial sistólica causam aumento
transitório do fluxo sanguíneo, mas ajustes na sua drenagem promovem retorno da pressão intraocular aos
valores normais.
O grau de complacência da parede do globo ocular varia de um olho para outro, mas há pouca variação
individual. A compressão externa do olho pela musculatura extraocular pode modificar a PIO por simples
contração sobre o globo ou por efeitos indiretos sobre os volumes dos componentes intraoculares.
2. Qual a fisiopatologia do glaucoma?
O glaucoma caracteriza-se pelo aumento da pressão intraocular (PIO), alterações do disco óptico e defeitos
do campo visual. Como a PIO contribui para a pressão de perfusão do nervo óptico, o glaucoma pode levar a
redução do fluxo sanguíneo e alterações isquêmicas da retina e nervo óptico. A doença pode ser classificada
Capítulo IV - Olhos, Ouvidos e Garganta
Anestesia Casos Clínicos - 65
como glaucoma de ângulo aberto ou crônico e glaucoma de ângulo fechado ou agudo. Na doença primária
de ângulo aberto, ocorre alteração da filtração e drenagem do humor aquoso, que resulta em elevação da
PIO. Seu tratamento consiste em uso de fármacos que produzem miose e modulação trabecular. A doença
de ângulo fechado decorre da obstrução mecânica da drenagem do humor, pelo deslocamento da íris em
direção à superfície corneana posterior. Outras formas incluem o glaucoma congênito primário e a doença
associada a síndromes.
3. Como a anestesia geral pode interferir na PIO?
Na anestesia geral, a PIO pode variar significativamente, uma vez que os diversos fármacos e manobras
administrados no período perioperatório interferem sobre seus determinantes fisiológicos. Podem atuar diretamente ao induzir alterações do volume de humor aquoso ou de sangue, podem modificar o tônus da
musculatura extrínseca e podem, ainda, modificar indiretamente a PIO pela variação do tônus vascular ou
do controle central da tensão intraocular.
A laringoscopia e a extubação, seguida de tosse, representam os momentos de maior possibilidade de
aumento da PIO durante anestesia geral, devido ao aumento da pressão venosa central. O tônus vascular
intraocular é significativamente alterado pela PCO2 arterial. Assim, a capnografia torna-se importante na
anestesia do paciente portador de glaucoma para evitar o aumento da PIO ou sua redução excessiva, pela
diminuição do fluxo coroidal.
A maioria dos anestésicos utilizados promove redução da PIO devido ao seu efeito sobre o sistema nervoso
central (SNC). Acredita-se que os anestésicos inalatórios causem depressão do SNC, redução da produção
e aumento do escoamento de humor aquoso, e ainda, relaxamento da musculatura extraocular. Os anestésicos venosos barbitúricos, propofol, benzodiazepínicos, droperidol, etomidato e opioides diminuem a PIO. A
exceção é a cetamina, que parece apresentar efeitos variáveis sobre a PIO.
Os bloqueadores neuromusculares adespolarizantes, ao promoverem a paralisia da musculatura extraocular, causam redução da PIO. A succinilcolina, todavia, leva ao aumento da PIO, por mecanismos ainda não
totalmente esclarecidos.
4. Como a anestesia regional pode interferir na PIO?
A anestesia do paciente com glaucoma deve procurar reduzir o risco de lesão adicional à função do nervo
óptico. Em pacientes com lesão avançada do nervo óptico, a anestesia retrobulbar pode oferecer risco
de piora da lesão preexistente. O aumento da PIO após a injeção retrobulbar é maior e mais duradoura
em pacientes portadores de glaucoma em relação a não glaucomatosos. Além disso, o aumento da PIO
pode comprometer o fluxo sanguíneo para o nervo óptico e contribuir, ainda, como fator de risco para hemorragia supracoroidal intraoperatória. Apesar de diferentes volumes serem administrados nas técnicas
retrobulbar e peribulbar, ambas causam semelhante efeito na PIO, além de comparável redução do fluxo
sanguíneo ocular. Técnicas anestésicas mais superficiais, tais como subconjuntival ou tópica, podem ser
menos lesivas em olhos já comprometidos, como em glaucomatosos. Os anestésicos locais lidocaína e
bupivacaína podem ser utilizados na anestesia regional de glaucomatosos. Produzem efeito vasodilatador
que pode ser benéfico ao nervo óptico em pacientes com lesão nervosa preexistente. A ropivacaína, que
possui efeito vasoconstritor intrínseco, causa diminuição do fluxo sanguíneo ocular. Ainda não foi descrito
seu efeito específico em pacientes portadores de glaucoma e, portanto, deve ser utilizada com cautela.
A adição de adrenalina à solução anestésica com o objetivo de promover vasoconstrição e prolongar a
duração da anestesia deve ser evitada em pacientes portadores de glaucoma. A vasoconstrição reduz
significativamente a pressão de pulso da artéria oftálmica, diminuindo ainda mais o fluxo sanguíneo para
o nervo óptico já comprometido.
66 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo IV - Olhos, Ouvidos e Garganta
5. Que medicamentos podem auxiliar no controle da PIO no período
perioperatório?
A acetazolamida reduz a PIO de modo agudo em cerca de 30%, ao inibir a anidrase carbônica (presente nas
células não pigmentares do processo ciliar), interferir na bomba de sódio, e diminuir a produção de humor
aquoso. O pico de ação ocorre duas horas após sua administração. Os principais efeitos colaterais são a
perda renal de sódio, potássio e água, e acidose metabólica. É contraindicada para pacientes com distúrbios
eletrolíticos, e doença hepática ou renal.
Diuréticos osmóticos também interferem com a PIO. O manitol aumenta a pressão osmótica do plasma
e diminui a produção de humor aquoso. Seus principais efeitos colaterais são a sobrecarga volêmica
aguda, hipertensão arterial e distúrbios eletrolíticos. A dose recomendada é de 1,5 g.kg-1 durante 30
a 60 minutos. A latência para redução da PIO é de 30 a 45 minutos e a duração da ação é de cerca de
seis horas.
Caso 4
Paciente jovem, do sexo masculino, portador de miopia de alto grau. Após trauma contuso no olho, apresentou-se ao serviço de oftalmologia com quadro de hemorragia vítrea e descolamento de retina. Nega doenças,
uso de medicamentos e está em jejum de oito horas.
1. Como escolher a melhor técnica anestésica para operação de introflexão
escleral e vitrectomia?
A escolha do tipo de anestesia deve obedecer não apenas à técnica cirúrgica a ser utilizada e às preferências da equipe, mas também ao tempo cirúrgico e ao conforto do paciente. A operação de introflexão escleral
e vitrectomia é uma técnica que cria adesões da retina à coroide. A faixa de silicone em torno do globo
ocular traz a esclera para suportar a retina e realiza-se troca do conteúdo da câmara posterior por solução
fisiológica. Sua duração geralmente é prolongada, devendo-se, portanto, considerar o conforto do paciente.
O perfil emocional do cirurgião também é citado como um fator a ser considerado. Anestesia regional é uma
excelente escolha, pois provê analgesia pós-operatória, resulta em menos náuseas e vômitos e os pacientes
podem receber alta mais precocemente do que em anestesia geral. Todavia, pacientes agitados, pouco
cooperativos, claustrofóbicos, oligofrênicos ou com dificuldades de comunicação devem ser submetidos
a anestesia geral. A associação de anestesia peribulbar à anestesia geral também pode ser considerada,
tendo se mostrado uma técnica que provê excelente controle da dor pós-operatória e menor incidência de
reflexo óculo-cardíaco.
2. Durante a realização da anestesia peribulbar, o paciente movimentou-se
e notou-se súbita redução da pressão intraocular (PIO). Qual a explicação
mais provável?
Pode-se estar diante de um caso de séria complicação da anestesia: a perfuração do globo ocular. Embora
a anestesia peribulbar apresente menor risco de perfuração inadvertida do globo ocular em relação à retrobulbar, a ocorrência de tal complicação não pode ser completamente eliminada. A incidência é bastante rara
e vários fatores de risco já foram identificados. Entre eles, olho míope com eixo ântero-posterior maior que
26 mm à medida da ultrassonografia (normal = até 24 mm) e redução da espessura escleral, a presença de
estafiloma posterior ou de abaulamento escleral anormal (eventualmente pela presença de introflexão es-
Capítulo IV - Olhos, Ouvidos e Garganta
Anestesia Casos Clínicos - 67
cleral prévia), enoftalmia, punções múltiplas, inexperiência do anestesiologista e movimentação do paciente
durante o bloqueio.
O quadro clínico inclui dor intensa e perda súbita da visão. Em pacientes sedados, pode-se observar inquietação e agitação. O olho pode apresentar-se hipotônico, se houver perda de substância, ou com a PIO aumentada, se houver administração da solução anestésica no seu interior. Já foram descritos hipotonia ocular
(PIO < 8mmHg) em 30% de pacientes com perfuração acidental do olho e hipertonia (PIO > 22mmHg) em
cerca de 10%. Tais sintomas, se associados à maior dificuldade e resistência à punção, levam à suspeição
de perfuração do globo ocular.
O tratamento deve ser feito por oftalmologista especializado. As principais consequências a curto prazo são
hemorragia vítrea e descolamento de retina e, a longo prazo, vitreo-retinopatia proliferativa, descolamento
crônico ou repetido de retina e fibrose de mácula.
3. Durante o procedimento de introflexão escleral, a frequência cardíaca
do paciente apresentou redução abrupta de 65 bpm para 38 bpm. Qual a
explicação mais provável?
A tração da musculatura extraocular e a extensa dissecção da conjuntiva, necessárias à realização da técnica cirúrgica, podem desencadear o reflexo óculo-cardíaco. A presença de dor também deve ser considerada
como diagnóstico diferencial.
4. O reparo do descolamento de retina ocasionalmente requer o uso
intraocular de gás. Que diferentes tipos de gases podem ser usados?
Na técnica cirúrgica empregada administra-se, na câmara posterior, pequeno volume de gás inerte, com o
intuito de pressionar a retina contra a parede do globo ocular, tamponando a lesão e favorecendo a reabsorção de fluido subrretiniano. Podem ser utilizados ar, xenônio, hexafluoreto sulfúrico (SF6), perfluorcarbono
(C2F6) ou perfluoropropano (C3F8).
5. Qual a implicação anestésica da utilização intraocular de gases?
Ar e xenônio são gases não-expansíveis, mas hexafluoreto sulfúrico, perfluorcarbono e perfluoropropano
são expansíveis. Durante a realização de anestesia geral em portadores de gás intravítreo, deve-se evitar
o uso do óxido nitroso (N2O), que pode sofrer difusão e causar expansão da bolha intraocular, com possibilidade de grave aumento da pressão intraocular. O óxido nitroso não deve ser utilizado por cerca de
cinco dias após a administração de bolha de ar, por 10 dias após bolha de hexafluoreto sulfúrico (SF6), por
período superior a 30 dias com perfluorcarbono (C2F6) e perfluoropropano (C3F8), ou até que a bolha seja
completamente reabsorvida.
Se for necessária a administração de óxido nitroso durante anestesia geral para técnica de injeção intravítrea de gás, deve-se interromper sua administração por cerca de 15 minutos antes da injeção do gás
intraocular. O intuito é o de evitar difusão do óxido nitroso e diminuição da pressão intraocular após o fim
da anestesia.
Caso 5
Criança de 5 anos, do sexo feminino, submetida a operação de estrabismo sob anestesia geral inalatória. À
tração do músculo reto medial, apresentou bradicardia sinusal súbita.
68 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo IV - Olhos, Ouvidos e Garganta
1. Qual a explicação para tal fato?
O reflexo óculo-cardíaco é um reflexo trigemino-vagal que se manifesta principalmente, por bradicardia sinusal e arritmias após a tração do conteúdo intraorbitário ou compressão do globo ocular. É
relativamente frequente em operações de estrabismo em crianças. A via de condução aferente é dada
pelos nervos ciliares, gânglio ciliar, ramo oftálmico do nervo trigêmio e, finalmente, núcleo do trigêmio,
próximo ao quarto ventrículo. A via eferente é o nervo vago. As arritmias podem incluir ritmos ectópicos
atriais e ventriculares, ritmo juncional, bloqueio atrioventricular, taquicardia ventricular e até mesmo
assistolia.
2. Quais os fatores desencadeantes e agravantes?
São fatores desencadeantes a realização de pressão no globo, tração dos músculos extraoculares, conjuntiva ou estruturas da órbita, anestesia retro/peribulbar e, finalmente, trauma ocular. Hipercarbia e hipoxemia
podem exacerbar o reflexo óculo-cardíaco. A incidência é maior em crianças que adultos. Ansiedade préoperatória e plano superficial de anestesia geral também contribuem para o aparecimento do reflexo óculocardíaco.
3. Como tratar tal complicação?
A primeira medida é pedir ao cirurgião que interrompa a manipulação. A seguir, confirmar a adequada ventilação e profundidade da anestesia. Se a bradicardia persistir, deve-se administrar atropina por via intravenosa. O reflexo sofre fadiga, com diminuição dos episódios de bradicardia à manipulação cirúrgica.
4. Como prevenir seu aparecimento?
Várias técnicas para prevenir o aparecimento do reflexo óculo-cardíaco já foram propostas. Entretanto, nenhuma com total eficiência e segurança. A administração de atropina como medicação pré-anestésica por
via intramuscular não exclui o aparecimento do reflexo. Contudo, a sua administração prévia por via intravenosa pode ser efetiva, especialmente em pacientes com história de bloqueios de condução, respostas
vasovagais ou em uso crônico de betabloqueadores. Deve-se ressaltar que a atropina, no entanto, é, por si,
capaz de desencadear arritmias cardíacas.
A anestesia regional, apesar de promover o bloqueio de ramo aferente do reflexo, não é totalmente eficaz
na prevenção do reflexo óculo-cardíaco. Planos superficiais de anestesia geral aumentam o potencial para
a incidência do reflexo óculo-cardíaco.
5. Na sala de recuperação pós-anestésica, a criança apresentou vários
episódios de náuseas e vômitos. Qual a possível explicação?
A operação de estrabismo é frequentemente acompanhada de náuseas e vômitos pós-operatórios, que
podem causar jejum prolongado e maior permanência na sala de recuperação pós-anestésica. Já foram
citadas como possíveis causas da maior incidência dessa complicação a presença do reflexo óculo-gástrico
(resposta vagal à manipulação dos músculos extraoculares) ou de diplopia pós-operatória, efeito residual
dos fármacos anestésicos, especialmente os opioides, e predisposição familiar à ocorrência de náuseas e
vômitos pós-operatórios. A maior duração da operação (>30 min) também parece ter correlação positiva com
essa complicação.
A utilização de menores doses de opioides e a manipulação cirúrgica delicada ajuda a reduzir a incidência
dessa complicação. Deve-se evitar a reintrodução precoce da dieta nesses pacientes.
Capítulo IV - Olhos, Ouvidos e Garganta
Anestesia Casos Clínicos - 69
Caso 6
Paciente de 35 anos, do sexo masculino, serralheiro, apresenta-se ao serviço de emergência com lesão
perfurante do globo ocular por limalha de ferro, logo após o seu almoço.
1. Qual a pressão intraocular (PIO) desse paciente? Que fatores podem
interferir em sua PIO?
Em lesões abertas do globo ocular, a PIO é semelhante à atmosférica.
Os fatores determinantes da PIO são: conteúdo intraocular (humor aquoso, humor vítreo e volume sanguíneo intraocular), pressão extrínseca sobre o olho e rigidez escleral. Alterações em qualquer dos fatores poderão interferir no manuseio anestésico do paciente com lesão perfurante do globo ocular. As modificações
do volume sanguíneo da coroide afetam rapidamente a PIO: vasodilatação por hipercarbia e aumento da
pressão venosa central por tosse, vômitos ou manobras para intubação traqueal. São exemplos de compressão externa sobre o globo ocular piscar o olho normalmente ou forçadamente, o que aumenta a PIO
em 10 mmHg e 50 mmHg, respectivamente. No paciente com lesão aberta do olho, esses fatores podem
causar tal aumento da PIO de forma que a perda de conteúdo intraocular, hemorragia coroidal e perda visual
permanente tornam-se um risco real.
2. Como preparar esse paciente para o ato anestésico-cirúrgico?
A associação de estômago cheio, que pode levar o paciente ao maior risco de aspiração de conteúdo gástrico, e lesão perfurante do globo ocular, que predispõe à extrusão do conteúdo intraocular durante a indução
da anestesia, representa um desafio ao anestesiologista. Todavia, a maioria dos procedimentos oftalmológicos em regime de urgência – lesões abertas do globo, endoftalmite, descolamento agudo de retina, corpo
estranho na córnea e laceração palpebral – podem ser realizados após algumas horas de sua ocorrência
sem modificação do prognóstico, o que permite a espera por um maior tempo em jejum e preparo adequado
do paciente para a operação.
O uso de fármacos gastrocinéticos (metoclopramida, domperidona) facilita o esvaziamento gástrico e aumenta o tônus do cardia. Antiácidos não particulados e antagonistas de receptores H2 modificam o pH da
secreção gástrica e diminuem o risco de pneumonite por aspiração. A introdução de sonda nasogástrica
para esvaziamento do estômago é fortemente contraindicada, pois pode desencadear reflexos de tosse e
vômitos, aumentando o potencial para perda de conteúdo ocular.
A medicação pré-anestésica com fármacos sedativos e ansiolíticos pode ser utilizada conforme necessário.
3. Como escolher a técnica anestésica?
Cada paciente deve ser examinado cuidadosamente e a escolha da anestesia depende da extensão da
ferida e da capacidade de cooperação do paciente. Por vezes, a lesão pode ser reparada sob anestesia
tópica, associada ou não a anestesia intracameral. Anestesia regional pode ser realizada se o dano for pouco extenso. A experiência do anestesiologista, administração de pequeno volume de anestésicos e injeção
lenta da solução contribuem para o sucesso da técnica condutiva. Para lesões extensas e pacientes pouco
cooperativos, a anestesia geral está indicada.
4. Como realizar anestesia geral nesse paciente?
O objetivo durante a indução da anestesia geral é proteger o paciente de aspiração de conteúdo gástrico
e, ao mesmo tempo, do aumento da pressão intraocular, seguido de herniação vítrea. Já foram citadas
70 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo IV - Olhos, Ouvidos e Garganta
estratégias de indução de sequência rápida, pré-curarização e uso de doses elevadas de bloqueadores
neuromusculares adespolarizantes.
Devido ao risco de perda de conteúdo intraocular, recomenda-se evitar que a máscara facial pressione o globo ocular e que a musculatura extraocular sofra contração devido ao uso de bloqueadores neuromusculares
despolarizantes ou à superficialização da anestesia. Deve-se evitar ainda a elevação da PIO pela congestão
da coroide, causada por hipercarbia, hipoxemia, intubação traqueal ou hipertensão arterial, e pelo aumento
da pressão venosa central, por tosse ou cefalo-declive.
A intubação traqueal assegura a patência da via aérea e protege contra aspiração de conteúdo gástrico. O uso de
máscara laríngea não está indicado para pacientes com estômago cheio. Para prevenir ou reduzir o impacto da intubação traqueal sobre o aumento da PIO, diminuindo o risco de tosse ou hipertensão arterial, pode-se aprofundar
o plano anestésico com agentes venosos ou inalatórios e administrar fármacos coadjuvantes, tais como lidocaína
por via intravenosa e betabloqueadores. A intubação com o paciente acordado, pelo grande risco de desencadear
tosse, fica reservada aos pacientes com via aérea difícil e deve ser realizada sob sedação criteriosa.
Dos agentes venosos indutores de anestesia, apenas a cetamina, que induz nistagmo, blefaroespasmo e
alterações da PIO, e o etomidato, que pode causar mioclonias, não se apresentam adequados para essa
situação clínica. Os anestésicos inalatórios halogenados diminuem a PIO de modo dose-dependente.
A melhor estratégia para o bloqueio neuromuscular permanece motivo de controvérsia. A contração tônica
prolongada dos músculos extraoculares, vasodilatação coroidal e cicloplegia causadas pela succinilcolina
causam elevação da PIO, e a pré-curarização com bloqueadores neuromusculares adespolarizantes seguida
da succinilcolina não possui evidências definitivas de controle adequado da PIO. Bloqueadores neuromusculares adespolarizantes podem ser utilizados em doses mais elevadas, para redução da latência. Rocurônio,
em doses de 0,8 a 1,0 mg.kg-1, proporciona boas condições de intubação em cerca de 60 segundos.
5. Que considerações devem ser feitas ao final da anestesia?
Ao final da anestesia geral, o desafio recai sobre a escolha entre a opção pela extubação com o paciente
acordado, devido à presença de estômago cheio, ou pela extubação em plano mais profundo de anestesia,
devido ao menor risco de ocorrência de tosse e vômitos. As técnicas cirúrgicas modernas reduzem a possibilidade de deiscência das suturas à tosse. Assim, pode-se optar pela extubação com o paciente em plano
bastante superficial da anestesia.
Antes da extubação, para o esvaziamento do estômago, pode-se proceder à aspiração do conteúdo gástrico
por meio de sonda orogástrica enquanto o paciente se encontra sob bloqueio neuromuscular. Outras medidas incluem a profilaxia adequada de náuseas e vômitos e, ainda, o uso de lidocaína ou remifentanil para
prevenir a tosse à extubação.
Caso 7
Paciente de 16 anos, do sexo feminino, com passado de otite média crônica, está programada para submeter-se a timpanomastoidectomia direita devido à presença de colesteatoma. Não é tabagista e apresenta
história de cinetose.
1. Que considerações devem ser feitas em relação à anestesia para
operações na orelha média?
Pacientes com otite média podem se apresentar com deficiência auditiva e complicações como perfuração timpânica, lesões da cadeia ossicular e colesteatoma. O tratamento cirúrgico é indicado para recupe-
Capítulo IV - Olhos, Ouvidos e Garganta
Anestesia Casos Clínicos - 71
ração da audição e da orelha média. A miringoplastia é realizada para o reparo de perfuração timpânica
em orelhas secas. A timpanoplastia envolve o reparo da membrana timpânica e reconstrução da cadeia
ossicular, em casos de lesões mais extensas. A mastoidectomia é um procedimento longo e complexo,
realizada para a remoção de colesteatoma e tratamento de infecções crônicas e supurativas da orelha
média.
Considerações especiais em operações de orelha média envolvem o acesso limitado às vias aéreas, o uso
de óxido nitroso, a necessidade de campo operatório com mínimo sangramento, a monitorização do nervo
facial e a elevada incidência de náuseas e vômitos pós-operatórios.
2. Como o óxido nitroso interfere em operações de orelha média?
O óxido nitroso difunde-se do sangue para cavidades do organismo preenchidas por ar. Como sua solubilidade no sangue é 34 vezes superior à do nitrogênio, o óxido nitroso difunde-se muito mais rapidamente do que o nitrogênio consegue ser eliminado, podendo causar pressões elevadas em cavidades
fechadas. A concentração de óxido nitroso e a duração da administração determinam a magnitude da
difusão.
Na orelha média, a transferência de óxido nitroso promove aumento da pressão, somente aliviada pela
reabsorção do gás após a interrupção de sua administração ou pelo seu escape para a cavidade nasal
através da abertura da tuba auditiva. Há relatos de que o aumento da pressão na orelha média pelo óxido nitroso pode resultar em deslocamento do enxerto, piora da função auditiva e ruptura da membrana
timpânica.
A reabsorção rápida de óxido nitroso após a interrupção de sua administração associada à disfunção da tuba
auditiva pode ainda levar à formação de pressão negativa na orelha média, promovendo o deslocamento do
enxerto timpânico.
Ademais, existem relatos na literatura de que o óxido nitroso contribui de modo significativo para a maior
incidência de náuseas e vômitos no pós-operatório. Os possíveis mecanismos incluem a difusão do gás para
a orelha média com influência sobre o sistema vestibular, a expansão das paredes do intestino ou, ainda, a
liberação de peptídeos opioides endógenos, que estimulam a área postrema do sistema nervoso central.
O uso de óxido nitroso em operações de orelha média deve, portanto, ser restringido à concentracão de
50%, ser interrompido 30 minutos antes da colocação do enxerto ou até mesmo evitado.
3. Como devem ser a posição do paciente, o campo operatório e a
monitorização do nervo facial em operações da orelha média?
As operações em orelha necessitam do uso de microscópio. Para favorecer a visualização, o fluxo venoso
no campo cirúrgico pode ser reduzido se o paciente for colocado em posição de cefalo-aclive e assegurando-se o adequado retorno venoso. Deve-se lembrar que a rotação exagerada da cabeça do paciente para
exposição do campo operatório dificulta o retorno venoso. O fluxo arterial pode diminuir pela infiltração com
adrenalina pelo cirurgião, pela prevenção de taquicardia, e pela manutenção de pressões arteriais mais
baixas (pressão média entre 10 a 20% mais baixa que o basal).
A monitorização do nervo facial pode ser empregada para sua identificação e preservação. No seu trajeto
pelo osso temporal, antes de emergir pelo forame estilomastoideo, o nervo facial atravessa a orelha média
e a mastoide, tornando-o vulnerável à lesão cirúrgica. Para permitir a monitorização, na administração de
bloqueadores neuromusculares, deve-se dar preferência aos agentes de ação curta ou intermediária, ou até
mesmo evitar seu emprego, se possível. No entanto, é importante lembrar que, se a técnica anestésica prescindir do uso de bloqueadores neuromusculares, o plano da anestesia deve ser mais profundo para garantir
a imobilidade do doente e, assim, também, a perfeita visualização do campo cirúrgico ao microscópio.
72 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo IV - Olhos, Ouvidos e Garganta
4. Ao final da anestesia, na sala de recuperação pós-anestésica, a paciente
apresentou náuseas intensas. Por que ocorreu e quais os principais
fatores de risco?
Resposta: Procedimentos sobre a orelha média e interna apresentam maior incidência de náuseas e vômitos
pós-operatórios (NVPO) que outros procedimentos cirúrgicos. O problema, apesar de geralmente autolimitado e não fatal, causa grande desconforto ao paciente, aumenta as pressões venosa e intracraniana, favorece
sangramentos e distúrbios eletrolíticos, pode deslocar os enxertos cirúrgicos, retardar a alta e elevar os
custos hospitalares.
São fatores de risco para maior incidência de náuseas e vômitos pós- operatórios: sexo feminino, não tabagismo, história de cinetose ou NVPO em operações prévias, uso de opioides, duração prolongada da
anestesia, uso de anestésicos voláteis e óxido nitroso, e doses grandes de neostigmina. Outros possíveis
fatores de risco são história de enxaqueca, história de cinetose ou NVPO em parentes próximos, ansiedade
pré-operatória intensa, restrição hídrica perioperatória e anestesia geral versus regional.
Os tipos de procedimentos cirúrgicos mais citados como possíveis fatores de risco incluem operações intra-abdominais, laparoscópicas, otorrinolaringológicas, ginecológicas de grande porte, ortopédicas e plásticas. Em crianças,
incluem-se herniorrafias, adenotonsilectomias, correções de estrabismo, operações penianas e orquiopexias.
A associação de vários fatores de risco aumenta a probabilidade de desenvolver-se a complicação. Assim,
de acordo com Apfel et al., dependendo do maior número de fatores de risco presentes, a incidência de
NVPO pode chegar a 80%.
5. Deve-se realizar profilaxia para NVPO? Qual o melhor tratamento?
Nem todo paciente deve receber terapia farmacológica profilática. Deve-se levar em consideração os fatores de risco pessoais, o risco médico associado aos vômitos e o fato de que a terapia farmacológica pode
produzir efeitos colaterais.
A presença de dois ou mais fatores de risco indica a profilaxia: evitar doses elevadas de opioides, manter o
paciente hidratado e administrar antieméticos. As opcões terapêuticas incluem dexametasona, antagonistas da
serotonina, gastrocinéticos, butirofenonas e anticolinérgicos. A terapia multimodal mostra-se mais eficaz.
A terapia de resgate, para os pacientes que apresentam NVPO na sala de recuperação pós-anestésica
(SRPA), é mais comumente realizada com os antagonistas da serotonina. Entretanto, se ondansetron já tiver
sido empregado na profilaxia, a evidência na literatura mostra que a segunda dose na SRPA não é tão eficaz.
Outro tipo de antiemético deve ser, assim, administrado.
Caso 8
Criança de 5 anos, do sexo feminino, com diagnóstico de síndrome da apneia do sono e cor pulmonale, está
programada para ressecção de adenoides e tonsilas hipertrofiadas. A mãe informa que a criança apresenta
respiração bucal, roncos e episódios de obstrução da respiração. O exame físico mostra distensão venosa
jugular, edema periférico e discreta hepatomegalia.
1. Por que a hipertrofia de adenoides e tonsilas pode estar associada à
síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS)?
A obstrução ao fluxo de ar pela hipertrofia adenotonsilar ocorre pela obstrução da faringe em graus que
variam do simples ronco à intensa resistência de vias aéreas superiores. Durante o sono, o colapso das
Capítulo IV - Olhos, Ouvidos e Garganta
Anestesia Casos Clínicos - 73
vias aéreas pode ser exacerbado pela redução do tônus muscular, principalmente durante o sono REM. A
obesidade e inflamação aguda das vias aéreas também contribuem para piorar a obstrução do fluxo nas vias
aéreas. Acredita-se que a SAOS afete 1 a 3% das crianças.
A SAOS é a hipoventilação ou a interrupcão da ventilação que ocorrem durante o sono, com episódios de
obstrução parcial ou total das vias aéreas superiores, e pode estar associada ou não à hipóxia e hipercarbia.
A síndrome cursa com roncos altos e persistentes, interrompidos por engasgos e episódios de silenciosa
apneia. Observam-se movimentos paradoxais do tórax e abdome, retrações torácicas, cianose, sono agitado
e fragmentado, e até mesmo enurese noturna. Podem também ser observados respiração bucal, obstrução
nasal, distúrbios comportamentais e sonolência diurna. Em casos graves, a SAOS pode causar hipóxia,
hipercarbia, hipertensão pulmonar e até mesmo cor pulmonale.
O diagnóstico pode ser feito por meio de questionários validados, mas, de modo definitivo, pela polissonografia.
2. Como a SAOS pode levar à disfunção ventricular direita?
Cerca de 3,3% das crianças com SAOS por hipertrofia adenotonsilar desenvolvem hipertensão pulmonar.
A fisiopatologia da obstrução crônica das vias aéreas superiores levando a hipertensão pulmonar e cor
pulmonale é complexa e pouco esclarecida. A acidose respiratória, hipóxia e hipercarbia são mediadores
potentes de vasoconstrição pulmonar aguda, que pode, em longo prazo, promover alterações reversíveis
e irreversíveis (remodelamento) da vasculatura pulmonar. Além disso, o aumento da atividade simpática e
a liberação de fatores neurohumorais em resposta à hipóxia e hipercarbia podem também causar danos
adicionais, com progressão para hipertensão pulmonar, insuficiência ventricular direita e, mais tardiamente,
insuficiência cardíaca com redução do débito cardíaco. A ecocardiografia com Doppler pode mostrar hipertensão pulmonar, hipertrofia e dilatação ventricular direita, insuficiência valvar tricúspide e pulmonar, diminuição da fração de ejeção do ventrículo direito e dilatação da artéria pulmonar. A insuficiência do ventrículo
direito pode culminar em congestão hepática, edema periférico e ascite.
3. Como avaliar e preparar essa criança para o ato anestésico-cirúrgico?
As crianças com SAOS apresentam maior risco de complicações durante ou após a operação. As principais
complicações incluem hipoxemia, laringoespasmo, edema pulmonar e obstrução respiratória persistente no
pós- operatório. Portanto, a avaliação e o preparo pré-operatórios criteriosos são imperativos.
A avaliação pré-operatória deve incluir análise cuidadosa da obstrução das vias aéreas. Crianças com hipertensão pulmonar e disfunção ventricular direita necessitam de minucioso exame cardiológico. Deve-se
considerar a anatomia nasal e da orofaringe, presença de roncos, sono fragmentado, sonolência diurna,
alterações craniofaciais associadas e sinais de diminuição do tônus muscular. São também outros achados:
distensão venosa jugular, hepatomegalia, aumento do componente pulmonar da segunda bulha cardíaca,
edema periférico, restrição do crescimento, retardo do desenvolvimento e alterações do estado mental.
A avaliação laboratorial pode mostrar gasometrias arteriais com hipoxemia e hipercarbia.
Alguns centros, no preparo pré-operatório de crianças com SAOS grave ou com doenças cardiopulmonares
associadas, podem instituir a terapia respiratória com CPAP ou BiPAP. Essa modalidade de terapia respiratória não apenas pode melhorar a função cardiopulmonar pré-operatória, mas também diminuir os riscos
cirúrgicos e auxiliar no período pós-operatório.
Medicação pré-anestésica deve ser administrada a crianças portadoras de SAOS apenas se forem pouco
cooperativas e se cuidados e monitorização adequados estiverem disponíveis. Os sedativos alteram a curva
de resposta ao CO2, aumentando o risco de complicações respiratórias em crianças com SAOS. O despertar
durante o sono fisiológico é um mecanismo de defesa durante períodos de obstrução respiratória, mas o
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Capítulo IV - Olhos, Ouvidos e Garganta
emprego de fármacos sedativos impede tal resposta. Se necessários, a preferência deve ser dada a agentes
de curta duração e a monitorização deve ser realizada até a recuperação.
4. Como realizar anestesia nessa criança?
Não há técnica anestésica específica para adenotonsilectomias, mas a abordagem em portadores de SAOS
pode requerer considerações específicas. A síndrome de apneia do sono predispõe ao maior risco de via
aérea difícil, obstrução respiratória, dessaturação e laringoespasmo à indução da anestesia. Manobras que
auxiliam na manutenção da patência das vias aéreas incluem a tração da mandíbula, ventilação sob máscara com pressão positiva e o uso de dispositivos orais. Em portadores de insuficiência ventricular direita, a
técnica para a indução deve minimizar as alterações da contratilidade cardíaca e da vasculatura pulmonar.
Em casos graves, o uso de suporte inotrópico e de vasodilatadores pulmonares pode ser necessário. Plano
de anestesia, ventilação e oxigenação adequados favorecem a obtenção de menor resistência vascular
pulmonar. O uso de fármacos de duração prolongada deve ser feito de modo bastante criterioso.
Portadores de SAOS grave e doenças associadas estão sob maior risco de obstrução respiratória persistente após a operação. A extubação deve ser realizada em plano bastante superficial de anestesia, para que a
força necessária à manutenção da patência das vias aéreas já esteja presente. Ainda assim, em pacientes
de adenotonsilectomias, mesmo quando extubados acordados, há maior risco de obstrução após extubação,
laringoespasmo, dessaturação, edema pulmonar e insuficiência respiratória. A inserção de cânula nasofaríngea pode auxiliar a ventilação adequada, bem como o uso de CPAP/BiPAP.
A profilaxia para náuseas e vômitos deve ser instituída. Sem profilaxia, mais de 70% das crianças submetidas a adenotonsilectomias pode apresentar náuseas e vômitos pós-operatórios. Além de ser a principal
causa de retardo para alta hospitalar nesses pacientes, outras consequências são a maior incidência de
sangramento pós-operatório, aspiração de conteúdo gástrico, desidratação e desequilíbrios eletrolíticos. São
considerados eficazes a dexametasona, antagonistas serotoninérgicos (ondansetron) e a metoclopramida.
O transporte para unidade mais apropriada somente deve ser realizado se o paciente apresentar-se estável.
A recuperação do paciente deve ser realizada em unidade de terapia intensiva ou outro ambiente onde a
monitorização possa ser cuidadosa e o tratamento, se necessário, imediato.
5. Cerca de cinco horas após a alta da sala de recuperação pós-anestésica,
a criança apresentou vômitos com conteúdo de sangue. Apresentava-se
com taquicardia, palidez e sudorese. Qual o diagnóstico mais provável?
Como proceder?
O diagnóstico mais provável é o de hemorragia pós-operatória, a complicação mais grave após adenotonsilectomia. Pode ocorrer dentro das primeiras 24 horas (hemorragia primária) ou até 28 dias após a operação
(hemorragia secundária). A incidência de hemorragia pós-adenotonsilectomia é de cerca de 0,6%.
O sangramento inicial se apresenta geralmente seis horas após a operação e pode passar despercebido
devido à deglutição do sangue. O sangramento é, mais comumente, venoso, ou do leito capilar e difícil de ser
mensurado. As complicações mais frequentes são decorrentes de hipovolemia, risco de aspiração pulmonar
do sangue deglutido e dificuldade de laringoscopia. A hipovolemia pode apresentar-se por meio de taquicardia, deglutição excessiva, palidez, agitação, sudorese, obstrução de vias aéreas e, mais tardiamente,
hipotensão arterial. A operação de revisão da hemostasia está indicada.
A anestesia para essa situação é considerada um desafio e recomenda-se ponderar a solicitação de ajuda
experiente. Deve-se considerar a administração de oxigênio e a reposição volêmica por cateter calibroso,
a avaliação da coagulação, hemoglobina e hematócrito, e o envio de amostras de sangue para tipagem,
provas cruzadas e reserva de sangue e derivados. A presença de coágulos, sangramento contínuo e edema
Capítulo IV - Olhos, Ouvidos e Garganta
Anestesia Casos Clínicos - 75
local pela manipulação cirúrgica causam dificuldade à laringoscopia. A indução da anestesia deve ser do tipo
sequência rápida, para proteção das vias aéreas contra a aspiração de sangue. Pode-se, após a intubação
e a hemostasia, introduzir sonda gástrica sob visão direta para descomprimir o estômago. A extubação deve
ser feita com o paciente já acordado. A recuperação assistida é recomendada.
Caso 9
Paciente do sexo masculino, professor, apresenta-se para operação na laringe para a excisão, por laser, de
granuloma nas pregas vocais.
1. O que é laser e quais os princípios do seu uso para operações nas vias
aéreas?
Laser é o acrônimo para amplificação da luz por emissão estimulada de radiação (light amplification by stimulated emission of radiation). É um aparelho que gera um feixe intenso de luz monocromática (ou outra radiação eletromagnética) pela emissão estimulada de fótons, a partir de átomos ou moléculas excitadas. Seu
uso é frequente em microcirurgias e promoveu grandes avanços no tratamento de lesões das vias aéreas,
graças a seu potencial para remoção cirúrgica precisa e fotocoagulação de lesões, com pouco sangramento
e menor edema pós-operatório.
2. Quais as considerações específicas para operações por laser?
As anestesias para operações com laser requerem considerações específicas. É necessária a compreensão
dos princípios do funcionamento e aplicação do laser em salas de operação. Seu uso pode ser perigoso
mesmo à distância, alguns feixes são invisíveis e, sem precauções adequadas, pode causar ignição de
gases anestésicos e do tubo traqueal, levando à lesão tecidual.
Uma das considerações sobre o uso do laser é o risco à equipe cirúrgica e ao paciente pelo mau direcionamento da radiação emitida. Como os olhos são especialmente vulneráveis, todos os presentes na sala
de operações devem utilizar óculos especiais para proteção. O laser de CO2, de baixa penetração tecidual,
pode ser lesivo à córnea. Outras precauções devem ser seguidas pela equipe de trabalho: antes do disparo
da máquina, é necessário confirmar o alinhamento do feixe do laser com o do feixe de marcação, as áreas
não protegidas da face e pescoço do paciente devem ser cobertas com compressas úmidas – que absorvem
o raio mal direcionado –, os olhos devem ser ocluídos com protetor metálico e a equipe, utilizar máscaras
especiais que protegem contra a inalação de fumaça, considerada tóxica.
Há ainda o risco de fogo induzido pelo laser nas vias aéreas do paciente. O risco de fogo nas vias aéreas somente ocorre na presença de combustível, oxidante e fonte de ignição. Pode haver fogo quando o laser atinge algum objeto combustível – material estranho não metálico – os tubos traqueais de PVC, por exemplo.
incidência relatada para ignição de tubos traqueais pode variar de 0,4 a 1,5% em operações das vias aéreas
sob laser de CO2. Há relato de que, na presença de oxigênio a 100%, apenas três pulsos de laser de CO2
podem ser necessários para o início das flamas em tubos de PVC. Para diminuir o risco, a fração de oxigênio
administrada deve ser a mais baixa de forma a permitir a adequada saturação de oxigênio, e deve-se dar
preferência à mistura com ar ou hélio, não óxido nitroso, uma vez que ambos, oxigênio e óxido nitroso, mantêm a combustão. A fonte de combustível em potencial deve ter características de resistência ao laser (tubos
específicos). A maioria dos tubos para uso em operações com laser apresenta propriedades de resistência,
mas a porção do balonete, não protegida, pode sofrer ignição quando da incidência da energia sustentada
do laser. Os balonetes dos tubos traqueais podem ser preenchidos por solução fisiológica adicionada de
76 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo IV - Olhos, Ouvidos e Garganta
azul de metileno, para que a perfuração por laser possa ser detectada. É importante que a equipe esteja
familiarizada com as causas de fogo por laser nas vias aéreas, as limitações dos diferentes tipos de tubos
para laser e as recomendações para o manuseio do fogo em vias aéreas.
3. Como proceder em anestesia para operação por laser nas vias aéreas?
A avaliação pré-operatória deve iniciar-se pelo exame geral do paciente, seguida pela análise do grau de
obstrução e adequação da ventilação. Lesões grandes podem causar obstrução significativa e pólipos e
sangramentos podem transformar uma obstrução parcial em obstrução total ao fluxo aéreo à indução da
anestesia.
Para se estimar o grau de obstrução respiratória, devem ser observados o aspecto geral do paciente, a qualidade de sua voz e o padrão respiratório. Além disso, anomalias anatômicas da boca e pescoço também informam
sobre o grau de dificuldade de manuseio das vias aéreas. Relatos de anestesias prévias, testes laboratoriais e
radiológicos devem ser considerados, bem como espirometrias, curvas de fluxo e volume e gasometrias.
Devido à possibilidade de obstrução das vias aéreas em pacientes sob risco, a medicação pré-anestésica
com sedativos deve ser cautelosa ou nula. A avaliação dos riscos e benefícios é imperativa.
Para indução da anestesia, se não há evidências de obstrução respiratória, técnicas convencionais de anestesia venosa ou inalatória podem ser utilizadas. Entretanto, se há sinais de comprometimento do fluxo,
recomenda-se a presença de auxiliar e de equipamentos alternativos na sala de indução anestésica, incluindo-se diferentes tipos de laringoscópios e lâminas, dispositivos supraglóticos e endotraqueais, fibroscópio e
aparato para abordagem cirúrgica da via aérea.
Três técnicas são habitualmente empregadas para diminuição do risco de fogo durante operação por laser
nas vias aéreas: ausência de tubo na via aérea (ventilação intermitente sob máscara ou ventilação a jato),
proteção da superfície externa de tubo convencional (com material metálico ou tecidos úmidos) ou uso de
tubo resistente ao laser. A boa interação entre anestesiologista e cirurgião garante a ventilação do paciente
durante o procedimento.
A técnica da anestesia deve prover imobilidade do paciente, para se evitar o mau direcionamento do feixe
do laser. Corticoesteroides podem ser administrados para se evitar edema das pregas vocais manipuladas
cirurgicamente.
Ao final do procedimento, o tubo retirado deve ser inspecionado em busca de danos.
4. Ao final do procedimento, logo após a extubação, o paciente apresentou
dificuldade respiratória com estridores e dessaturação. Qual o diagnóstico
mais provável?
O laringoespasmo é a resposta reflexa exacerbada de fechamento glótico pela estimulação do nervo laríngeo superior, e que persiste mesmo após a cessação do estímulo. É desencadeado pela presença de sangue, secreções e debris cirúrgicos, e a estimulação ou manipulação da orofaringe e laringe, especialmente
em planos superficiais de anestesia, favorecem o aparecimento do reflexo.
A incidência do laringoespasmo é maior em crianças que adultos, e em operações das vias aéreas, pela
presença de estímulos na região. Até 40% dos casos de obstrução das vias aéreas após a extubação podem
ser atribuídos ao laringoespasmo.
A apresentação clínica pode variar do estridor até a obstrução total da respiração. As consequências variam
da hipoxemia e hipercarbia até arritmias, edema pulmonar, broncoespasmo, aspiração de conteúdo gástrico
e parada cardiorrespiratória.
Diagnóstico diferencial deve ser feito com outras possíveis complicações: laringomalácia, traqueomalácia,
paralisia das cordas vocais, edema das vias aéreas, formação de hematoma e até mesmo a presença de
Capítulo IV - Olhos, Ouvidos e Garganta
Anestesia Casos Clínicos - 77
corpo estranho. A hemorragia pós-operatória não ocorre habitualmente, mas edema laríngeo pode ser manifestado precocemente.
5. Como tratar essa complicação?
O tratamento do larigoespasmo deve ser instituído imediatamente e inclui a remoção do estímulo (aspiração da secreção e sangue), administração de oxigênio a 100% sob máscara e com pressão positiva,
e aprofundamento do plano de anestesia com agentes venosos e lidocaína. Em caso de persistência do
reflexo associado à diminuição da oxigenação do paciente, pode-se administrar dose baixa de succinilcolina (0,1 – 0,5 mg.Kg-1). Segunda dose de succinilcolina pode ser necessária, em caso de recorrência
da complicação.
O tratamento do laringoespasmo refratário pode ser realizado de duas maneiras. A primeira, pelo bloqueio
do nervo laringeo superior. A segunda, pela administração transtraqueal de lidocaína, através da membrana
cricotireoidea.
Uma vez aliviado o laringoespasmo, o paciente deve receber oxigênio umidificado para diminuição da irritação da laringe. Casos de laringoespasmo grave devem ser monitorizados por mais tempo, para assegurar a
ausência de complicações pulmonares.
Caso 10
Paciente jovem, do sexo masculino, vítima de acidente automobilístico, apresenta suspeita de traumatismo
da maxila.
1. Como se apresentam as fraturas da maxila?
Fraturas da maxila são comuns em decorrência de acidentes automobilísticos. Geralmente, são causadas
por trauma de alto impacto e podem estar associadas a fraturas do crânio ou lesões intracranianas. O
sangramento decorrente de lesões da maxila pode ser significativo, uma vez que esta é uma estrutura
bastante vascularizada. Outras manifestações de fraturas maxilares podem incluir má-oclusão, edema facial
pronunciado, mobilidade da face, extremidades ósseas mal alinhadas e palpáveis nas bordas da fratura, e
equimoses.
2. Como classificar as fraturas maxilo-faciais?
Várias formas de fratura da maxila podem ser encontradas, mas a classificação de LeFort categoriza as
linhas comuns de fratura da face em três grupos: LeFort I, LeFort II e LeFort III.
A fratura de face do tipo LeFort I é a fratura horizontal da maxila, uni ou bilateral. A linha de fratura passa
por sobre a linha dos dentes ou do assoalho do nariz, e mobiliza o palato, separado da porção superior
da maxila. O segmento pode sofrer deslocamento posterior ou lateral, ou ainda, rodar em torno de um
eixo vertical.
A fratura de LeFort II é do tipo triangular ou piramidal, uma extensão da lesão do tipo I. O esqueleto central
da face está envolvido, com a linha de fratura que se estende a partir do osso nasal, osso lacrimal, margem
infraorbitária e através da porção superior do seio maxilar, placas pterigoides até a fossa pterigopalatina. A
maxila pode estar deslocada posteriormente ou rodar em torno de um eixo, flutuante em relação ao esqueleto facial.
A fratura de LeFort III, também chamada de disjunção crânio-facial, inclui linha de fratura paralela à base do
crânio, separando completamente a maxila da base do crânio.
78 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo IV - Olhos, Ouvidos e Garganta
3. O que considerar no planejamento da anestesia de um paciente com
traumatismo maxilo-facial?
É considerado um desafio ao anestesiologista o manuseio do paciente com trauma de face e de vias aéreas.
A abordagem das vias aéreas pode ser complicada e outras lesões graves podem estar associadas, com
impacto sobre a escolha da anestesia. Instabilidade hemodinâmica, via aérea difícil, urgência da situação,
falta de cooperação do paciente, possibilidade de intoxicação por álcool ou drogas ilícitas, risco de aspiração
do conteúdo gástrico e a necessidade de proteção da coluna cervical contribuem para tornar complexo o
manuseio do paciente com trauma maxilo-facial.
São necessários o reconhecimento da natureza, extensão e consequências anatômicas da lesão, o planejamento da abordagem segura da via aérea, a escolha da técnica anestésica mais adequada e a determinação
sobre o melhor momento para a extubação do paciente. A equipe anestésico-cirúrgica deve trabalhar em
conjunto para o preparo e planejamento do tratamento e para garantir que, no pré-operatório, lesões associadas sejam identificadas e que a estabilidade do paciente esteja assegurada.
4. Como abordar de modo seguro a via aérea de paciente com fraturas
maxilo-faciais?
As vias aéreas requerem atenção imediata: se a sua abordagem não for adequada, todos os outros esforços
para reanimação serão em vão. Obstrução respiratória de instalação aguda ou lenta pode se apresentar
nesses pacientes devido a edema, sangue, vômito, fragmentos de dentes, ossos e tecidos moles, ou corpos
estranhos. Por vezes, a patência também pode ser comprometida pela queda da base da língua, causada
pelo menor tônus muscular decorrente de lesões ao sistema nervoso central. Outros fatores complicadores
são as lesões associadas: lesão da medula cervical, traumatismo cranioencefálico, hemorragias e o risco de
aspiração do conteúdo pulmonar.
Ventilação sob máscara: deve ser considerada uma técnica temporária, apenas para a estabilização do
paciente, antes do controle definitivo da via aérea. A grande desvantagem é que a presença de conteúdo
gástrico, sangramento nas vias aéreas e alteração do sensório contribuem para a maior possibilidade de
aspiração.
Intubação traqueal: é considerada a técnica definitiva para controle da via aérea, permite a realização de
anestesia e ventilação controlada mecânica, e protege contra aspiração de conteúdo gástrico. O paciente
politraumatizado com alteração da consciência ou trauma acima da clavícula deve sempre ser considerado
como portador de lesão da coluna cervical, até que se prove o contrário. Assim, as possibilidades para a
intubação traqueal do paciente com fratura da face abrangem desde intubação orotraqueal com imobilização
cervical, intubação nasotraqueal às cegas, intubação traqueal sob fibroscopia, intubação orotraqueal com
estilete luminoso até a intubação traqueal retrógrada. A indução da anestesia em técnica de sequência rápida é a mais utilizada, mas a intubação com o paciente acordado pode estar indicada.
A fratura de LeFort do tipo III, pela possibilidade de lesão da nasofaringe e base do crânio, pode permitir a
comunicação da via aérea com o espaço subaracnoideo intracraniano. Dessa forma, a intubação nasotraqueal pode não apenas favorecer a entrada de material estranho no espaço subaracnoideo, mas também há
o risco de lesão mecânica pela introdução do tubo traqueal no sistema nervoso central. A intubação nasotraqueal em pacientes com fratura de LeFort do tipo III, caso esteja indicada, deve ser permitida apenas após
a confirmação clínica e radiológica da ausência de fratura da base do crânio.
Cricotiroidotomia: é uma técnica rápida e efetiva de controle emergencial das vias aéreas, se a ventilação
sob máscara for impraticável e a intubação traqueal, mal sucedida. Em relação à traqueostomia, consome
menos tempo, é realizada mais facilmente e associa-se a menos complicações. Ademais, mais tardiamente,
permite a realização de traqueostomia sob condições mais controladas.
Capítulo IV - Olhos, Ouvidos e Garganta
Anestesia Casos Clínicos - 79
Traqueostomia: pode ser a técnica inicial para controle definitivo da via aérea em alguns casos de trauma
maxilo-facial: lesões faciais graves que impedem intubação traqueal segura e lesões na área do pescoço,
que distorcem a anatomia da região da cricoide.
5. Como realizar a extubação?
A extubação do paciente com trauma maxilo-facial deve ser planejada para a proteção das vias aéreas.
A reversão completa do bloqueio neuromuscular deve estar assegurada e o paciente capaz de responder a
comandos.
Em casos de fixação intermaxilar com fios aramados, deve estar garantida a presença dos reflexos protetores das vias aéreas. A profilaxia com antieméticos e a aspiração do conteúdo gástrico por meio de sonda
também são recursos que podem ser utilizados. Instrumento cirúrgico para cortar a fixação aramada deve
estar sempre presente, próximo ao paciente.
A extubação não deve ser realizada se houver o risco de formação de edema ou hematoma significativos e
que comprometam a patência das vias aéreas. Na área submandibular, por exemplo, a formação de grande
edema pode deslocar a língua posterior e superiormente e comprometer o fluxo aéreo. Na presença de
edema intenso, indica-se aguardar por 24 a 36 horas até que seja segura a extubação. A posição de cefaloaclive favorece a drenagem venosa e a menor formação de edema.
O guia trocador de tubo traqueal pode ser utilizado para garantia de reintubação, se necessária.
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Capítulo V
Sistema Neuromuscular
Oscar César Pires
Irimar de Paula Posso
84 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo V - Sistema Neuromuscular
Caso 1
Idoso, gênero masculino, 65 anos alcoólatra inveterado, portador de diabetes mellitus tipo II (não insulino dependente) há 30 anos, admitido para tratamento cirúrgico de fratura de fêmur. Relata, que
segundo seu médico teve infarto do miocárdio há 10 anos, mas têm dúvida, pois não sentiu nenhuma
dor pré-cordial.
1. Como o diabetes mellitus e o alcoolismo poderiam ter influenciado a
ausência de dor durante o infarto do miocárdio?
Ambas as condições, diabetes mellitus e alcoolismo evoluem com desmielinização neuronal (destruição da
célula de Schwann) dificultando a condução saltatória da despolarização neuronal sensitiva
2. Durante o potencial de repouso de células excitáveis, como estará a
diferença de voltagem entre o interior e o exterior da membrana celular?
O potencial de repouso é o potencial de membrana quando as células estão quiescentes, com a região
externa da membrana apresentando voltagem igual a zero, e a interna negativa. Esta diferença de potencial
entre o interior e o exterior celular decorre de distribuição desigual de íons, principalmente sódio (Na+) no
extracelular, potássio (K+) no intracelular e cloro (Cl–) no extracelular.
3. O que significa potencial limiar?
É o valor mínimo do potencial de membrana que gera um potencial de ação em 50% das vezes, sendo que os valores inferiores a este são denominados sublimiares e desaparecem ao não produzirem
resposta.
4. O que são potenciais de ação?
São variações abruptas do potencial de membrana, normalmente de negativo para um valor positivo, através
das quais os sinais celulares são transmitidos. O fenômeno em que o potencial ultrapassa a voltagem zero
atingindo um valor positivo recebe o nome de overshoot. A geração do potencial de ação ocorre devido a
qualquer fator que produza difusão de sódio através da membrana, desde uma simples perturbação mecânica até efeitos químicos e elétricos. Durante a transmissão de um sinal, o potencial se desloca ao longo da
fibra até atingir sua extremidade, sem perda de intensidade, com amplitude uniforme. Essa transmissão é
chamada de “condução sem decremento”.
5. Quais os tipos de sinapses existentes entre as células nervosas?
Dois são os tipos de sinapses existentes entre as células nervosas. Sinapses elétricas, nas quais as células
são conectadas umas as outras por canais conhecidos como junções comunicantes, ou gap junctions, que
permitem a passagem instantânea da corrente iônica e de moléculas como AMP cíclico (AMPc) e trifosfato
de inositol (IT3) entre uma célula e outra. Nas sinapses químicas há preservação da individualidade celular
sendo que o primeiro neurônio (pré-sináptico) libera mediadores químicos (neurotransmissores) na fenda
e, estes mediadores, atuam sobre proteínas receptoras na membrana do próximo neurônio (pós-sináptico)
para excitá-lo, inibi-lo ou modificar sua sensibilidade. São descritos mais de 40 tipos de neurotransmissores,
entre eles, os mais conhecidos são: acetilcolina (ACh), norepinefrina (NE), serotonina (5-HT), ácido -amino-
Capítulo V - Sistema Neuromuscular
Anestesia Casos Clínicos - 85
butírico (GABA), glutamato, aspartato, óxido nítrico (NO), polipeptídeo intestinal vasoativo (VIP), colecistocinina (CCK), substância P, neurotensina, metionina encefalina, leucina encefalina, entre outros.
Caso 2
Paciente do gênero feminino, 25 anos, portadora de esclerose múltipla, diagnosticada há 7 anos é admitida
para artrodese de coluna cervical. Durante o procedimento cirúrgico, com duração de três horas, demonstrou
resistência ao bloqueador neuromuscular adespolarizante, sendo necessário a repetidas administrações.
1. Explique a fisiopatologia da esclerose múltipla.
A esclerose múltipla cursa com desmielinização esparsa e progressiva de axônios do SNC, levando, após
longos anos a perda do controle motor. Com isto ocorre proliferação muscular extrajuncional de receptores
de acetilcolina com objetivo de compensação. Assim haverá resistência às doses habituais de bloqueadores
2. Como ocorre a transmissão sináptica na junção neuromuscular?
A transmissão se inicia quando um potencial de ação é conduzido do axônio motor para a terminação pré-sináptica, onde ocorre abertura transitória de canais de Ca++ dependente de voltagem, e conseqüente passagem
deste para o interior axonal, onde promove a fusão das vesículas de ACh e exocitose para a fenda. Então a
ACh se liga a receptores específicos na superfície da membrana plasmática muscular onde promove aumento
transitório da condutância ao Na+ e K+ , resultando na despolarização transitória da região da placa motora
chamada “potencial de placa motora” (PPM). Rapidamente a ACh é hidrolisada pela acetilcolinesterase, (AChE)
presente em altas concentrações na fenda sináptica. O potencial de placa resulta da interação entre acetilcolina
com um receptor pós-sináptico chamado receptor nicotínico composto por cinco subunidades protéicas (duas
, uma , uma  e uma ) for¬mando um canal central. As duas subunidades  contêm sítios de ligação para
ACh que, ao se ligar, promove abertura do canal que é permeável a cátions. A entrada de íons Na+ causa uma
corrente despolarizante produzindo o potencial de placa motora e contratura muscular.
3. Explique a segurança na transmissão sináptica na região da placa
motora.
O terminal axonal contém aproximadamente 300.000 vesículas de armazenamento de ACh que foram formadas
nos corpos dos neurônios motores na medula e transportadas até a extremidade da fibra nervosa. Cada uma
dessas vesículas contém cerca de 10.000 moléculas de ACh em seu interior e cada vez que ocorre o potencial
de ação haverá exocitose de aproximadamente 125 vesículas, produzindo o chamado potencial de placa. Para
haver potencial de placa motora e contratura muscular, há necessidade de exocitose de apenas 25% do total
de ACh liberado pelo neurônio pré-sinático e assim, é necessário que o bloqueador da junção neuromuscular
adespolarizante ocupe no máximo 75% dos receptores nicotínicos para que haja resposta muscular.
4. Ao término da cirurgia, como estará a resposta do organismo ao
anticolinesterásico utilizado para reverter o bloqueio neuromuscular?
Reduzida, já que terão sido utilizadas doses elevadas do bloqueador neuromuscular, devido ao número
elevado de receptores nicotínicos extra-juncionais, para se obter o efeito desejado.
86 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo V - Sistema Neuromuscular
5. Que alteração eletrolítica será detectável caso este paciente receba
succinilcolina?
Hiperpotassemia, pois pelo excesso de receptores extra-juncionais haverá despolarização acentuada com
conseqüente extravasamento de potássio para o extracelular
Caso 3
Jovem, 15 anos, será submetido a amigdalectomia. Sua mãe apresenta-se preocupada, pois diz haver vários
relatos de morte em familiares submetidos à anestesia geral para procedimentos diversos. A anestesia foi
realizada com fentanil, propofol, atracúrio e após a intubação foi administrado vapor de sevoflurano. Após
dez minutos observou-se elevação abrupta e intensa da PETCO2, taquicardia, rigidez muscular de masseter
e acidose metabólica à gasometria arterial. Para tratar a rigidez torácica repetiu-se metade da dose de atracúrio, sem sucesso. Neste momento fez-se o diagnóstico clínico de hipertermia maligna.
1. Quais outras situações clínicas devem ser excluídas como diagnóstico
diferencial?
O diagnóstico diferencial da hipertermia maligna sem rigidez do masseter se faz com: tireotoxicose, sepse,
feocromocitoma, aquecimento iatrogênico, síndrome anticolinérgica, hipoventilação, hipnose e analgesia
inadequadas. Havendo rigidez de masseter, o diagnóstico diferencial se faz com: síndrome neuroléptica
maligna, encefalopatia hipóxica, hemorragia intracraniana, contraste iônico no SNC, uso de cocaína, anfetamina, ecstasy e salicilatos.
2. A que se deve a contratura muscular mantida após o uso do atracúrio?
A contratura muscular mantida se deve ao aumento do cálcio no citosol muscular oriundo do retículo sarcoplasmático e não do extra-celular, local onde o bloqueador da junção neuromuscular adespolarizante atua
3. Explique a fisiopatologia da Hipertermia Maligna.
Sob condições normais, os níveis de Ca++ no mioplasma são controlados pelo receptor rianodina do retículo
sarcoplasmático, pelo receptor dihidropiridina do túbulo transverso e pelo sistema Ca++-adenosina trifosfatase (Ca++-ATPase). Porém, o principal fator do processo de excitação-contração do músculo esquelético
é a liberação de cálcio através dos canais de cálcio do retículo sarcoplasmático (canais de rianodina). Em
portadores de mutação no gene para o receptor de rianodina, há um desarranjo da homeostase intracelular
do Ca++ que pode ser desencadeada por anestésicos halogenados ou succinilcolina.
4. Qual a conduta inicial diante de uma crise de Hipertermia Maligna?
A abordagem inicial da hipertermia maligna inclui: Interrupção imediata da inalação do anestésico volátil;
hiperventilação com oxigênio 100%; injeções intravenosas de dantrolene sódico na dose de 2 mg.kg-1, repetidas até o controle das manifestações clínicas; administração de bicarbonato de sódio intravenoso conforme
o bicarbonato sérico; resfriamento ativo obtido por colchão hipotérmico, aplicação de gelo na superfície
corporal, NaCl 0,9% gelado por via intravenosa, para lavagem gástrica, vesical retal e das cavidades (peritoneal ou torácica); tratamento das arritmias cardíacas evitando bloqueadores do canal de cálcio; tratamento
Capítulo V - Sistema Neuromuscular
Anestesia Casos Clínicos - 87
da hiperpotassemia com hiperventilação, bicarbonato de sódio, solução polarizante (0,15 UI.kg-1 de insulina
simples em 1 ml.kg-1 de glicose 50%) e manutenção do débito urinário acima de 2 mL.kg-1.h-1 através de
hidratação, manitol ou furosemida.
5. Quais orientações devem ser seguidas para o manejo tardio da
Hipertermia Maligna, após a crise ter sido debelada?
A abordagem tardia da hipertermia maligna inclui: observação em Unidade de Terapia Intensiva por pelo
menos 24 h devido ao risco de recidiva; manutenção de dantrolene sódico por via intravenosa na dose de
1 mg.kg-1 a cada 6 horas durante 48 horas; controle rigoroso da temperatura e a cada 6 h com gasometria
arterial, níveis sangüíneos de creatinino fosfoquinase (CPK), potássio e cálcio, coagulograma, mioglobina
sérica e urinária; orientação do paciente e familiares acerca da doença e da importância da confirmação do
diagnóstico através da biópsia muscular.
Caso 4
Adulto, 35 anos, admitido no centro cirúrgico para laparotomia exploradora após acidente automobilístico.
Não apresenta comorbidades e, está hemodinamicamente estável, porém se alimentou há duas horas. A
anestesia foi induzida com propofol, fentanil e succinilcolina. Durante o procedimento cirúrgico o paciente
não apresentou necessidade de bloqueador neuromuscular e ao final, após 90 minutos, apresentou taquicardia, hipertensão arterial, midríase e função respiratória mecânica prejudicada.
Realizado teste do número de dibucaína, encontrou-se um valor igual a 50.
1. Quais os principais efeitos adversos da succinilcolina?
O aumento da pressão intragástrica, intraocular e intracraniana estão intimamente relacionados com a intensidade das fasciculações desencadeadas pela administração da succinilcolina. Estas fasciculações são
decorrentes de sua ação pré-juncional produzindo despolarização e contração muscular desordenada que,
em cerca de 30 a 85% dos casos, leva a queixas de dores musculares no pós-operatório. Em indivíduos
normais a succinilcolina aumenta os níveis de potássio em 0,5 a 1,0 mEq.
2. Quais os fatores de risco para hiperpotassemia maciça após uso de
succinilcolina?
Constituem fatores de risco para hiperpotassemia maciça: lesão do neurônio motor superior e inferior, denervação
e atrofia muscular, distrofia muscular, grandes queimados, traumas maciços inclusive traumatismo cranioencefálico fechado. Fratura de ossos longos não é fator de risco para hiperpotassemia maciça. O uso prévio de bloqueador
neuromuscular competitivo atenua a hiperpotassemia maciça desencadeada pelo uso de succinilcolina.
3. Em que situações há prolongamento no tempo de recuperação do
bloqueio produzido pela succinilcolina?
Nas situações em que houver redução na atividade da pseudocolinesterase haverá consequente aumento
do tempo para recuperação do bloqueio produzido pela succinilcolina. Esta poderá estar presente em: gravidez, doenças hepáticas, hipotireoidismo, câncer, plasmaferese, administração prévia ou simultânea de
anticolinesterásicos, intoxicação por organofosforados, quimioterápicos e alterações genéticas.
88 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo V - Sistema Neuromuscular
4. Como estará o número da dibucaína em pacientes homozigotos com
pseudocolinesterase atípica?
Pacientes homozigotos com pseudocolinesterase atípica mostram importante aumento da duração da ação
da succinilcolina. A dibucaína é um anestésico local que inibe em cerca de 80% a enzima normal e em cerca
de 20% a enzima atípica. Assim, número da dibucaína de 80 confirma o diagnóstico de pseudocolinesterase
plasmática normal, número de dibucaína de 40 a 60 indica indivíduo heterozigoto para pseudocolinesterase
atípica e número de dibucaína de 20 indica indivíduo homozigoto atípico.
5. O que significa número de dibucaína reduzido?
O número da dibucaína reflete a qualidade, quanto à capacidade da pseudocolinesterase de hidrolisar a
succinilcolina e não a quantidade de enzima circulante no plasma. Assim, níveis de colinesterase reduzidos
em virtude de doença hepática não altera o número de dibucaína
Caso 5
Adulto, 54 anos, 60 Kg, portador de cirrose hepática, com indicação de laparoscopia e biópsia hepática.
Recebe anestesia geral induzida com 150 mg propofol, 2,5 mg de alfentanil e 10 mg de mivacúrio. O procedimento cirúrgico teve duração de 30 minutos. Ao término apresenta SpO2 de 80%, dificuldade respiratória
e de movimentação.
1. Como será o tempo de recuperação do bloqueio produzido pelo
mivacúrio?
O cloreto de mivacúrio é um composto diéster biquaternário, de curta duração que consiste em três
estero-isômeros; trans-trans (57,4%), cis-trans (36,2%) e cis-cis (6,4%). O isômero cis-cis apresenta
meia vida mais longa que os demais (52,9 min) e potencia entre 10 a 15 vezes inferior aos outros,
contribuindo de maneira pouco significativa para o bloqueio neuromuscular. Nos hepatopatas há
aumento da duração da ação explicada pela redução da concentração e da atividade da colinesterase plasmática. Nos pacientes cirróticos o aumento do débito cardíaco contribui para que uma
maior quantidade do fármaco alcance o seu local de ação, acelerando o início da ação. O aumento
do volume de distribuição, presente nos portadores de cirrose, favorecem bloqueio neuromuscular
de menor intensidade
2. Como estarão os efeitos do mivacúrio em homozigotos e heterozigotos
para colinesterase plasmática atípica?
Em pacientes com fenótipo normal para colinesterase plasmática, o mivacúrio apresenta correlação inversa
entre a atividade desta enzima e a duração de ação. Pacientes homozigotos e heterozigotos para colinesterase atípica são extrema e moderadamente sensíveis ao mivacúrio.
3. Como será a recuperação espontânea após emprego de mivacúrio em
bolus ou em infusão contínua?
A recuperação espontânea apresenta velocidade similar após bolus ou infusão contínua de mivacúrio
Capítulo V - Sistema Neuromuscular
Anestesia Casos Clínicos - 89
4. Quais inalatórios potencializam os efeitos do mivacúrio?
Os efeitos neuromusculares do mivacúrio podem ser potencializados pelo halotano, enflurano, isoflurano,
sevoflurano e desflurano.
5. Como é antagonizado o efeito do mivacúrio?
O cloreto de mivacúrio produz bloqueio neuromuscular adespolarizante, antagonizável pela colinesterase
plasmática humana e pelos anticolinesterásicos.
Caso 6
Paciente feminino, 44 anos de idade, portador de insuficiência renal crônica tratada com diálise, recebe anestesia geral para implante de cateter de dialise peritoneal. Apresenta pressão arterial de 170/105 mmHg, FC de 84
bpm, Hb de 7,8 g.dl-1. A instituição dispõe de vecurônio, rocurônio, atracúrio, cisatracúrio e succinilcolina.
1. Qual o bloqueador neuromuscular menos indicado para o caso?
Vecurônio, já que 40 e 50% do administrado serão eliminados pelos rins. As porcentagens respectivas de
eliminação renal do rocurônio, atracúrio, cisatracúrio, mivacúrio e succinilcolina são: entre 10 a 25%, entre
10 e 40%, aproximadamente 16%, menos que 5% e menos que 2%.
2. Qual bloqueador neuromuscular apresenta maior potencial para causar
bradicardia?
Succinilcolina por estimular os receptores muscarínicos cardíacos. O vecurônio, atracúrio e o cisatracúrio
não exercem efeitos sobre os receptores muscarínicos cardíacos. O rocurônio bloqueia debilmente os receptores muscarínicos.
3. Situações clínicas em que há potencialização dos efeitos dos
bloqueadores neuromusculares adespolarizantes.
Altas concentrações de vapores anestésicos, anestésicos locais, hipotermia, aminoglicosídeos, polimixinas,
lincomicina, clindamicina, dantrolene, carbonato de lítio e sulfato de magnésio, potencializam os bloqueadores neuromusculares adespolarizantes.
4. Qual o bloqueador neuromuscular que mais se aproxima da
succinilcolina, na latência para efeito?
O rocurônio é o bloqueador neuromuscular adespolarizante que apresenta menor latência para efeito, sendo
o que mais se aproxima da succinilcolina.
5. Qual o espectro de ação do sugammadex em antagonizar o bloqueio
neuromuscular?
O sugammadex é uma gamma-ciclodextrina especificamente desenvolvida para interagir com o rocurônio,
entretanto apresenta efeito também sobre o vecurônio e pancurônio.
90 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo V - Sistema Neuromuscular
Caso 7
Paciente feminino, 44 anos de idade, portadora de lesão do neurônio motor superior com hemiplegia, submetida a colecistectomia por videolaparoscopia, recebe anestesia geral com propofol, fentanil, succinilcolina,
seguida de atracúrio em bolus de acordo com monitorização.
1. Que evento adverso grave poderá ocorrer após o uso de succinilcolina?
Hiperpotassemia e parada cardíaca são descritas após administração de succinilcolina, provavelmente como
resultado da ação sobre receptores extrajuncionais
2. A partir de que momento poderá ocorrer hiperpotassemia após uso de
succinilcolina?
A hiperpotassemia é vista geralmente entre uma semana a seis meses após a lesão, de modo
que a recomendação para evitar succinilcolina pode não ser indicada no paciente com fraqueza
crônica.
3. Qual a causa da resistência aos bloqueadores neuromusculares
adespolarizantes?
A resistência aos bloqueadores neuromusculares adespolarizantes, resulta da ação destes sobre receptores
extrajuncionais.
4. Como será, em paciente hemiplégico, a resposta aos bloqueadores
neuromusculares adespolarizantes?
Os pacientes hemiplégicos são resistentes aos fármacos bloqueadores neuromusculares. O monitoramento do lado afetado mostra bloqueio menos intenso e recuperação mais rápida quando comparado
com o lado não afetado. Não obstante, o lado aparentemente normal também demonstra alguma fraqueza.
5. Em paciente com queimadura em 50% da área de superfície
corporal, como será a resposta aos bloqueadores neuromusculares
adespolarizantes?
Nos pacientes com queimaduras, a resposta aos bloqueadores neuromusculares despolarizantes e
adespolarizantes permanece inalterada nas primeiras 24 horas após a lesão da queimadura. Entretanto após o primeiro dia, a succinilcolina deve ser evitada durante pelo menos um ano, pois pode
resultar em hiperpotassemia letal quando a área da queimadura excede 10% da área de superfície
corpórea. Resistência se desenvolve a todos os bloqueadores musculares adespolarizantes em pacientes com área de superfície corporal queimada superior a 30%, iniciando em aproximadamente
uma semana.
Caso 8
Paciente feminino, 35 anos de idade, 1,50 m de altura, 100 kg de peso, submetida a gastroplastia redutora Recebe anestesia com propofol, sufentanil, succinilcolina seguida de bolus de atracúrio e vapor de sevoflurano para manutenção.
Capítulo V - Sistema Neuromuscular
Anestesia Casos Clínicos - 91
1. Quais parâmetros devem ser utilizados para escolha da dose de
succinilcolina?
Pacientes obesos apresentam aumento dos níveis de pesudocolinesterase, necessitando, portanto de aumento da dose de succinilcolina. Assim, alguns autores recomendam o cálculo com base na massa corporal
total, embora tenha sido demonstrado que doses entre 120 e 140 mg, independente do peso, oferecem boas
condições para intubação.
2. Inconvenientes do emprego da succinilcolina.
Aumento da pressão intra-abdominal, com possibilidade de vômito e aspiração pulmonar. Indução
de arritmia cardíaca (bradicardia e ritmo juncional) em um paciente com maior risco para este tipo de
evento adverso.
3. Quais parâmetros devem ser utilizados para escolha da dose de
atracúrio?
Estudos demonstram que a duração de ação do atracúrio e do cisatracúrio independe do peso corporal e
consequentemente pode ser recomendado o cálculo com base na massa corporal total.
4. Quais bloqueadores da junção neuromuscular devem ter a dose
baseada no peso corporal ideal, quando utilizados?
Estudos têm demonstrado duração prolongada e recuperação mais lenta após emprego de pancurônio,
vecurônio e rocurônio, sugerindo que suas doses devem ser calculadas com base no peso corporal
ideal
5. Que índice deve ser considerado na escolha da dose de neostigmine
para reversão do bloqueio neuromuscular?
A duração do antagonismo do neostigmine parece ser independente do peso. Assim, a massa corporal total
pode ser utilizada para o cálculo.
Caso 9
Paciente masculino, 75 anos de idade, apresenta fratura de cabeça do úmero com indicação de osteossíntese. Para a anestesia, dispõe-se, além do de propofol e fentanil, pancurônio, vecurônio, rocurônio, atracúrio,
cisatracúrio, mivacúrio e succinilcolina.
1. Quais alterações fisiopatológicas neuromusculares surgem com o
envelhecimento?
Processo progressivo de deaferentação acompanhado de deterioração da condução elétrica nas vias motoras, com redução da velocidade de condução no nervo motor periférico, com redução entre 20 a 50% da
força muscular dinâmica por volta dos 80 anos. Espessamento da membrana pós-juncional, associando-se
a geração de receptores colinérgicos extra-juncionais adicionais
92 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo V - Sistema Neuromuscular
2. Fatores que mantêm a DE50 e as concentrações plasmáticas efetivas dos
bloqueadores neuromusculares.
Apesar da perda inevitável da massa muscular esquelética nos idosos e da redução do número e da densidade das unidades da placa terminal motora, o aumento do número de receptores colinérgicos, na placa
terminal e em áreas circunjacentes faz com que as concentrações plasmáticas efetivas permaneçam inalteradas ou ligeiramente aumentadas
3. Qual o clearance de creatinina ideal provável deste paciente?
Para cálculo do clearance de creatinina utiliza-se a fórmula: Índice de creatinina (ml.min-1) = 133 – (0,64 x
idade), assim, será de 133 – (0,64 x 75), ou seja, 133 – 48 = 85 ml.min-1.
Embora a creatinina possa estar normal porque existe uma concomitante diminuição da massa muscular, há
também diminuição progressiva da depuração de creatinina.
4. Entre os bloqueadores neuromuscular disponíveis, qual(is) não
apresenta(m) alteração no tempo de duração?
O cisatracúrio e o atracúrio. Embora o volume de distribuição no estado de equilíbrio aumentado
acarreta discreto aumento da meia vida, a farmacodinâmica e as potências do atracúrio e do cisatracúrio não se alteram com a idade. Não obstante, as reduções da função renal e hepática com o
avanço da idade fazem com que haja acentuado prolongamento da duração de ação do pancurônio,
vecurônio e rocurônio
5. Como será a recuperação do bloqueio neuromuscular adespolarizante
após o emprego de anticolinesterásicos?
Embora a depuração de bloqueadores adespolarizantes seja diminuída no idoso, a velocidade e extensão de
recuperação após a reversão não são afetadas, provavelmente porque a eliminação de anticolinesterásicos
também está reduzida.
Caso 10
Paciente adulto, masculino, de 25 anos, submetido à laparotomia exploradora após acidente automobilístico.
Recebe anestesia geral induzida com 150 mg propofol, 150 g de sufentanil e 100 mg de succinilcolina.
Após intubação e início da ventilação controlada foi administrado vecurônio (0,1 mg.Kg-1) seguido de bolus
de 0,2 mg.Kg-1 de acordo com a monitorização pela sequencia de quatro estímulos. O procedimento cirúrgico
teve duração de 360 minutos.
1. Qual será o resultado encontrado na monitorização da transmissão
neuromuscular após administração da succinilcolina?
No bloqueio despolarizante incompleto, na monitorização pela sequência de quatro estímulos, as quatro
respostas são praticamente idênticas e a relação T4/T1 é de 0,9 a 1,0.
Capítulo V - Sistema Neuromuscular
Anestesia Casos Clínicos - 93
2. Qual será o resultado encontrado na monitorização da transmissão
neuromuscular após administração do vecurônio?
Na monitorização pela sequência de quatro estímulos, na presença de bloqueio não despolarizante menor
que 100%, o grau de fadiga é diretamente proporcional ao grau do bloqueio neuromuscular. Assim, a razão
da quarta resposta (T4) para a primeira (T1) estima a profundidade do bloqueio não despolarizante. Esta
relação, dentro de certos limites, guarda estreita relação (inversa) com o grau de bloqueio. No bloqueio despolarizante incompleto, as quatro respostas são praticamente idênticas e a relação T4/T1 é de 0,9 a 1,0.
3. Qual o significado da presença de três contrações na monitorização
pela sequencia de quatro estímulos, após uso de vecurônio?
Bloqueio de 80% dos receptores de acetilcolina. Quando a resposta T4, T3, T2 e T1 desaparecem completamente, a porcentagem respectiva de bloqueio é de 80%, 85%, 85-90% e acima de 90% de bloqueio.
4. Qual o critério para adequada recuperação clínica da transmissão
neuromuscular após uso de bloqueador neuromuscular adespolarizante?
Considera-se a relação T4/T1 maior que 0,9 um bom critério para adequada recuperação da transmissão
neuromuscular.
5. Nas modalidades de monitorização da transmissão do bloqueio
neuromuscular, o que diferencia bloqueio despolarizante de
adespolarizante?
Em bloqueio adespolarizante, a resposta ao estímulo tetânico não se mantém (apresenta fadiga), o estímulo
tetânico é seguido de facilitação pós-tetânica e a sequência de quatro estímulos apresenta redução gradativa da amplitude T4 / T1. Em bloqueio adespolarizante, a resposta ao estímulo tetânico sofre diminuição
uniforme (não apresenta fadiga), o estímulo tetânico não é seguido de facilitação pós-tetânica e a sequência
de quatro estímulos apresenta redução semelhante da amplitude T4 / T1
LEITURAS RECOMENDADAS:
1.
Braga AFA, Potério GMB - Bloqueadores Neuromusculares e Antagonistas, em: Cangiani LM, Posso IP, Potério GMB et
al. - Tratado de Anestesiologia SAESP, 6a Ed, São Paulo, Atheneu, 2006;535-557.
2.
Donati F, Bevan DR - Neuromuscular Blocking Agents, em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK - Clinical Anesthesia, 5th
Ed, Philadelphia, Lippincott Williams & Wilkins, 2006;421-452.
3.
Ferreira AA - Fisiologia da Contração Muscular, em: Silva HCA, Tsanaclis AMC, Amaral JLG – Hipertermia Maligna,
São Paulo, Atheneu, 2009;63-79.
4.
Guyton AC, Hall JE - Potenciais de Membrana e Potenciais de Ação, em: Guyton AC, Hall JE – Tratado de Fisiologia
Médica, 11ª Ed, Rio de Janeiro, Elsevier, 2006;57-71.
5.
Linden R - Sinalização Neuronal, em: Aires MM – Fisiologia, Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 2008; 213-221.
6.
Meinberg AC, Vieira EM, Lobo FRM - Anestesia para cirurgia bariátrica por laparotomia. Atual Anestesiol SAESP,
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7.
Muravchick S, Grichnik K - Evaluation of the Geriatric Patient, em: Longnecker DE, Brown DL, Newman MF et al.
94 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo V - Sistema Neuromuscular
– Anesthesiology. New York, McGraw-Hill Medical, 2008;341-357.
8.
Naguib M, Lien CA - Pharmacology of Muscle Relaxants and Their Antagonists, em: Miller RD - Miller’s Anesthesia, 7th
Ed, Philadelphia, Churchill Livingstone Elsevier, 2009;859-911.
9.
Nogueira CS, Oliveira CRD - Farmacologia das drogas anestésicas no paciente obeso. Atual Anestesiol SAESP, 2005;
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10. Pino RM, Ali HH - Monitoring and Managing Neuromuscular Blockade, em: Longnecker DE, Brown DL, Newman MF et
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11. Pires OC, Constantino E - Bioeletrogênese da Membrana. Transmissão Sináptica, em: Cangiani LM, Posso IP, Poterio
GMB et al. - Tratado de Anestesiologia SAESP, 6a Ed, São Paulo, Atheneu, 2006;229-236.
12. Pires OC, Kalil B. Farmacologia do Dantrolene, em: Silva HCA, Tsanaclis AMC, Amaral JLG – Hipertermia Maligna, São
Paulo, Atheneu, 2009; 219-229.
13. Posso IP, Pires OC, Constantino E - Farmacocinética e farmacodinâmica dos bloqueadores neuromusculares. Atual
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14. Poterio GMB, Braga AFA - Fisiologia da Transmissão Neuromuscular, em: Cangiani LM, Posso IP, Poterio GMB et al.
- Tratado de Anestesiologia SAESP, 6a Ed, São Paulo, Atheneu, 2006;507-521.
15. Rodrigues RC - Monitorização da Transmissão e do Bloqueio Neuromuscular, em: Cangiani LM, Posso IP, Poterio GMB
et al. - Tratado de Anestesiologia SAESP, 6a Ed, São Paulo, Atheneu, 2006;559-571.
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17. Simões CM - Hipertermia Maligna, em: Cangiani LM, Posso IP, Poterio GMB et al. - Tratado de Anestesiologia SAESP,
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18. Toldo A, Tonelli D, Canga JC - Anestesia e o Paciente Idoso, em: Cangiani LM, Posso IP, Poterio GMB et al. - Tratado
de Anestesiologia SAESP, 6a Ed, São Paulo, Atheneu, 2006;1657-1669.
19. Viby-Mogensen J - Neuromuscular Monitoring, em: Miller RD - Miller’s Anesthesia, 7th Ed, Philadelphia, Churchill
Livingstone Elsevier, 2009;1515-1531.
20. Zhou J, Allen PD, Pessad IN et al. - Neuromuscular Disorders and Malignant Hyperthermia, em: Miller RD - Miller’s
Anesthesia, 7th Ed, Philadelphia, Churchill Livingstone Elsevier, 2009;1171-1195.
Capítulo VI
Anestesia em Ortopedia
Cibelle Magalhães Pedrosa Rocha
Danielle Maia Holanda Dumaresq
Roberto César Pontes Ibiapina
96 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo VI - Anestesia em Ortopedia
Caso 1
Paciente sexo feminino de 22 anos sofreu fratura diafisária de fêmur direito. Indicado tratamento cirúrgico da
fratura por de haste intramedular. Foi realizada anestesia subaracnóidea com paciente em posição sentada,
através de punção do espaço intervertebral L4-L5, com agulha tipo Whitacre 27G em segunda tentativa de
punção com instilação de 13 mg de bupivacaína hiperbárica com 80µg de morfina. Após 30 minutos observou-se total ausência de bloqueio sensitivo e motor na área a ser operada.
1. Qual a definição de falha de bloqueio subaracnóideo?
Falha no bloqueio subaracnóideo é definida como tentativa de punção que não resulta em bloqueio. Menos
comumente, o bloqueio ocorre, porém este é inadequado para cirurgia proposta. A inadequação pode estar
relacionada a três componentes do bloqueio: qualidade, extensão e duração da ação do anestésico local.
Frequentemente, esta falha se apresenta com mais de um destes componentes. O fracasso também pode
ser definido quando após obtenção de fluxo contínuo de líquor, e instilação de anestésico local, o nível de
analgesia for inadequado ou ausente, o bloqueio motor insuficiente, ou tempo insuficiente para o ato cirúrgico.
2. Quais as causas envolvidas nas falhas de bloqueio espinhal?
Dificuldade na punção do espaço subaracnóideo e não obtenção de fluxo de líquor através agulha
é um dos principais e mais óbvios mecanismos de falha. Pode ocorrer por obstrução da ponta da
agulha, falha no posicionamento do paciente, na localização do espaço intervertebral e na inserção
da agulha.
Pode ocorrer ainda um pseudo-sucesso da punção do espaço, onde fluido claro que goteja através da
agulha pode não ser liquido céfalo-raquidiano. Tratando-se de anestésico local de uma anestesia epidural,
ou anestesia do plexo lombar prévia a punção raquídea. Apesar de rara, deve-se lembrar da possibilidade
de punção de um cisto aracnóide pré-existente. Outra possibilidade é o erro na solução injetada. A dose de
anestésico local é um dos fatores mais importantes na determinação da qualidade e duração do bloqueio.
Portanto, doses muito pequenas podem ser responsáveis por bloqueios inadequados. Perda do conteúdo
injetado também pode ser causa de bloqueio inadequado. Uma falha na conexão entre a agulha e a seringa
pode levar a perda de seu conteúdo e bloqueio insuficiente, principalmente quando se utiliza baixos volumes
de anestésico. Outra possibilidade é o extravio da solução para outros espaços como o espaço epidural,
onde pequenos volumes de anestésico teriam pouco ou nenhum efeito. Isto aconteceria devido à migração
da agulha durante a conexão desta à seringa Associado a isto, está descrito ainda um mecanismo valvar
exercido pela dura-máter sobre o orifício lateral dessas agulhas, onde, durante punção do espaço subaracnóideo, a dura-máter se projetaria em direção posterior por pressão negativa expondo bem o orifício lateral
e resultando em gotejamento do líquor. Porém, durante a injeção a dura-máter seria impulsionada anteriormente de tal forma que o orifício lateral da agulha passaria a se posicionar dentro do espaço epidural ou do
espaço subdural, resultando em extravio do injetado.
Pode-se citar ainda, como etiologia de falha a dispersão erradica do anestésico local. Esta pode ser afetada
por muitos fatores, como a densidade e altura da punção. O depósito das soluções ditas hiperbáricas, se
daria devido à associação da ação da gravidade e das curvaturas do canal vertebral, de forma que bloqueios
em níveis de L2-L3 e L3-L4 resultariam em bloqueios com dispersão de anestésico até a altura máxima do
ponto mais posterior da cifose torácica, resultando em bloqueio de altura previsível. Porém, bloqueios mais
baixos, em níveis de L4-L5 e L5-S1 com solução hiperbárica podem fazer com que a solução fique presa
abaixo da curvatura lombar resultando em bloqueio somente de dermátomos sacrais. Com as soluções
Capítulo VI - Anestesia em Ortopedia
Anestesia Casos Clínicos - 97
isobáricas, cuja densidade resultaria em pequena dispersão cefálica, mas que em temperatura corporal se
comportam como hipobáricas, pode haver menor previsibilidade da altura da dispersão.
Outro fator a ser analisado é a existência de soluções anestésicas ineficazes, que resultam de má e prolongada estocagem, esterilização inadequada e labilidade química dos anestésicos locais em soluções aquosas, que podem sofrer hidrólise resultando em drogas inativas.
Alterações anatômicas da coluna vertebral se configuram como outra provável etiologia de falha do
bloqueio subaracnóideo. Anormalidades das curvaturas da coluna, ou muito raramente, uma alteração
anatômica causada pelo ligamento que sustenta a medula espinhal e que pode formar uma septação
longitudinal ou transversal criando uma barreira que impede a dispersão do anestésico local. Pode-se
citar ainda, a estenose do canal espinhal resultado de quimioterapia e adesões resultantes de cirurgias
locais prévias acarretando o aprisionamento de anestésico, dispersão exageradamente cranial ou caudal
e bloqueio unilateral.
3. Qual a provável etiologia relacionada à falha do bloqueio no caso
acima?
A provável etiologia da falha no caso relatado é o extravio do anestésico para o espaço epidural. A agulha
tipo Whitacre 27G, que foi escolhida por se tratar de uma paciente jovem e do sexo feminino, cuja incidência de cefaléia pós-raqui é aumentada. A utilização de agulhas finas 27 e 29 G e com bisel arredondado
e orifício lateral tipo Whitacre e Sprote tem sido preconizada para diminuição da incidência de cefaléia
pós-raqui. Entretanto, estas agulhas estão relacionadas a uma incidência maior de falhas de punção bem,
como de um aumento no número de tentativas de punção. Adiciona-se à agulha de pequeno calibre e
em ponta de lápis, a utilização de um baixo volume de anestésico. O uso de baixos volumes minimizaria
os efeitos colaterais resultantes da dispersão cefálica e do bloqueio simpático. Portanto, a falha deve ter
ocorrido devido à massa anestésica extraviada para espaços extra e subdurais e ao volume retido no
espaço morto da agulha.
4. Como se evitar a falha do bloqueio?
É necessário um correto posicionamento do paciente e definição precisa dos marcos anatômicos. A angulação da inserção da agulha também é um importante fator para sucesso da punção. No ponto médio
entre as duas apófises espinhosas, a agulha deve ser inserida o mais medial possível com uma angulação
levemente cranial. Pequenos reposicionamentos e angulações de 15° podem ser úteis. Porém, em pacientes com calcificação importante dos ligamentos da linha média, a punção pode ser difícil e uma abordagem
lateral ou paramediana pode ser necessária. A ajuda de um auxiliar é muito importante para se conseguir
máxima curvatura da coluna lombar e abertura do espaço entre as apófises espinhosas lombares. A utilização de seringas com conexão em rosca, bem como a firme fixação da agulha, com o apoio do dorso da
mão do anestesiologista sobre a pele do paciente podem evitar o extravio da solução anestésico. Alguns
anestesiologistas recomendam a aspiração logo após posicionamento da seringa e após injeção de metade
do volume da solução para confirmar que não houve deslocamento da agulha. Recomendam ainda que a
agulha deva ser rodada 360° e aspirada para que se evite que as membranas ocluam os orifícios da agulha
pelo mecanismo valvular. Deve-se ainda evitar a punção em níveis abaixo de L-4, para que não se tenha um
bloqueio apenas das fibras sacrais a não ser que se objetive um bloqueio em cela. O uso de soluções cujo
armazenamento e esterilização foram realizados sob condições ótimas, e se encontrem dentro do período
de validade também são medidas fundamentais. Uma anamnese detalhada com identificação de doenças
prévias da coluna, cirurgias e falhas em raquianestesia anteriores podem fornecer subsídios para identificação de alterações anatômicas e escolha da técnica anestésica adequada.
98 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo VI - Anestesia em Ortopedia
5. Como deve ser o manejo em caso de falha e que cuidados são
necessários ao se optar pela repetição do bloqueio?
Várias situações implicam em falha da raquianestesia. Após 15 minutos houvendo ausência da instalação
do bloqueio, torna-se necessária alguma intervenção. Ausência completa de bloqueio sugere que não
houve injeção da solução correta, ou que ela foi depositada no espaço errado, ou ainda que a solução
foi ineficaz. Nesta situação a repetição da técnica ou anestesia geral são as únicas opções. Outra situação de falha é quando ocorre bloqueio de boa qualidade, porém com dispersão cefálica insuficiente. A
dispersão rostral teria sido impedida por alguma alteração anatômica ou parte do anestésico foi perdida.
A solução é a flexão das pernas e joelhos e posicionamento em threndelemburg, para que a curvatura
lombar se retifique e que o anestésico aprisionado na curvatura sacral se disperse cranialmente. Um
bloqueio efetivo unilateralmente ocorre usualmente pelo posicionamento lateral para punção, ou pela presença de um ligamento intratecal impedindo a dispersão da solução. No caso de utilização de anestésico
hiperbárico, se o membro a ser operado não for o lado anestesiado, uma tentativa de reposicionamento
lateral com o lado a ser operado para baixo deve ser realizada. Configura-se como falha também o bloqueio irregular no qual a extensão é suficiente, porém o grau de bloqueio motor ou sensitivo é insuficiente.
Quase todas as etiologias citadas podem estar relacionadas a este tipo de falha, porém o extravio parcial
do anestésico e massa insuficiente do anestésico local são as mais implicadas. Sugere-se a realização
de novo bloqueio com dose menor, anestesia geral ou ainda complementação com sedação ou infiltração
local caso a constatação da falha se for após o inicio da cirurgia. A mesma conduta se sugere para falhas
por duração inadequada.
Ao se considerar razoável a repetição do bloqueio, deve-se sempre ter em mente que alguma parte do anestésico local foi depositada no espaço subaracnóideo, por isso, a dose a se utilizar deve ser reduzida mesmo
na ausência total de bloqueio. Em situações em que o bloqueio ficou restrito a pequena área ou foi unilateral
deve-se lembrar que uma segunda injeção no mesmo sítio resulta em alta concentração de anestésico
local, podendo levar a lesão nervosa, lesão nas estruturas adjacentes e até síndrome de cauda equina. A
possibilidade de realização de anestesia epidural pode ser considerada, porém se causa da falha é barreira
anatômica, a mesma existirá tanto no espaço subaracnoide como epidural.
Caso 2
Paciente de 49 anos, masculino é submetido à artroscopia de joelho com reparação ligamentar. Realizados
bloqueios do nervo femoral e do nervo ciático ao nível infragluteo com 35 ml de ropivacaina a 0,5%. Após
trinta minutos, o manguito pneumático foi posicionado em terço superior da coxa e insuflado a 500 mmHg.
O paciente referiu dor no local do garroteamento e na face medial do joelho. Optou-se, então, por realizar
anestesia geral balanceada.
1. Qual a causa do desconforto e da dor apresentados pelo paciente?
A causa do desconforto durante insuflação do torniquete deve-se a ausência de bloqueio da região lateral da
coxa que é inervado pelo nervo cutâneo femoral lateral e ausência de bloqueio sensitivo na parte medial do
joelho inervado pelo nervo obturador. O bloqueio do nervo femoral perivascular que algumas vezes pode ser
efetivo para bloqueio do nervo cutâneo femoral lateral, não é efetivo para o bloqueio do nervo obturador. A idéia
de bloqueio 3 em 1 não é mais aceita e faz necessário o bloqueio isolado de cada nervo do plexo lombar através
da clássica abordagem infra-iguinal para se conseguir uma anestesia adequada para cirurgias de joelho.
Capítulo VI - Anestesia em Ortopedia
Anestesia Casos Clínicos - 99
2. Quais as indicações da utilização dos torniquetes?
Os torniquetes são utilizados para diminuição do sangramento propiciando melhor visualização do campo
cirúrgico, bem como para diminuir perda volêmica transoperatória. Estão indicados na utilização de técnicas
de anestesia regional intravenosa, na simpatectomia regional intravenosa para síndromes dolorosas complexas e no isolamento de membros durante ressecção de tumores malignos localizados. Não tem sido utilizado
na hemorragia arterial, pois seu uso está mais implicado em aumento da incidência de perda do membro do
que em benefício para o paciente.
3. Quais as repercussões fisiopatológicas da utilização de torniquetes?
As repercussões do torniquete provêm tanto da insuflação e desinflação do manguito, de lesões locais resultantes da pressão exercidas nos tecidos, assim como da isquemia dos tecidos distais ao torniquete. O seu uso
causa alterações cardiovasculares que advêm de um aumento expressivo da volemia após exsanguinação do
membro. Um acréscimo de até 800 ml de volume sanguíneo circulante ocorre quando um membro inferior é
exsanguinado, podendo levar a hipertensão e aumento da pressão venosa central. Taquicardia pode aparecer
após insuflação do manguito por dor local. Após a desinflação o paciente pode apresentar hipotensão resultante da diminuição aguda da pressão venosa central e da diminuição da resistência vascular sistêmica pela
liberação de mediadores inflamatórios resultantes do metabolismo anaeróbico. No sistema respiratório ocorre
aumento transitório da ETCO2 após 1 a 13 minutos da desinflação do manguito. Este aumento é mais significante nos garroteamentos de membro inferior do que nos de membro superior. O fluxo sanguíneo cerebral
também se eleva agudamente após desinflação do torniquete pelo aumento da ETCO2. Picos de aumento de
velocidade do fluxo ocorrem nos 2 a 4 minutos seguintes podendo levar a dano cerebral em pacientes com a
pressão intracraniana aumentada. Está relacionado inicialmente após insuflação, a um estado de hipercoagubilidade e agregação plaquetária induzida tanto pelos estímulos algogênicos cirúrgicos e do próprio torniquete
como pela compressão tissular local e a isquemia que podem levar a liberação de mediadores pró-coagulantes
como ativador de plasminogênio tecidual, antitrombina III e o complexo trombomodulina - proteina C. Após a
desinflação, ocorre um aumento da atividade trombolítica podendo levar a sangramento transitório pós-operatório. A incidência de tromboembolismo estaria aumentada após liberação do torniquete, principalmente em
cirurgias de artroplastia de joelho, com tempo prolongado de garroteamento, o que levou alguns autores a contra-indicarem o uso do torniquete em pacientes com alto risco de TVP. As alterações metabólicas transitórias
após a liberação do torniquete incluem hiperpotassemia, aumento do lactato, acidose metabólica, aumento da
produção de CO2 e aumento do consumo de O2. Alterações estas que são revertidas completamente após 30
minutos de reperfusão. Lesões locais em tecidos musculares, vasos e pele são observados. As lesões vasculares arteriais ocorrem principalmente em pacientes com doenças vasculares periféricas. Tempos prolongados
de torniquete causariam alterações histológicas musculares, edema intracelular e intersticial que poderia levar
mais de 30 dias para se resolver e em casos mais graves causar síndrome compartimental.
4. Quais as lesões nervosas mais comuns associadas ao uso dos
torniquetes?
Várias lesões nervosas associadas ao uso do torniquete são relatadas na literatura, variam de parestesias a paralisias e provavelmente são subestimados. As lesões em membros superiores são mais comuns que as lesões
de membros inferiores. No membro superior o nervo mais acometido é o nervo radial, seguido em frequência
pelo nervo ulnar e pelo nervo mediano. No membro inferior, Horlocker revisou 1001 pacientes que se submeteram a cirurgia de artroplastia de joelho com tempo de torniquete maior que 120 minutos e encontrou uma incidência de129 lesões em 90 pacientes perfazendo 7,7% de lesões neurológicas, sendo 85 lesões envolvendo o
100 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo VI - Anestesia em Ortopedia
nervo fibular, 44 envolvendo o nervo tibial e 39 lesões envolvendo ambos. Os fatores associados seriam tempo
de garroteamento prolongado, pacientes jovens e presença pré-operatória de contratura em flexão. Felizmente,
a recuperação da paralisia foi revertida em 89% das lesões do nervo fibular e 100% das lesões do nervo tibial.
5. Quais cuidados devemos ter ao utilizar torniquetes?
A Observação e a tentativa de redução do tempo de insuflação do torniquete deve ser uma preocupação
constante do anestesiologista. A maioria dos autores sugere um tempo de torniquete máximo de uma hora
e meia a duas horas. Wiglis demonstrou um aumento progressivo tempo-dependente da acidose distal ao
garrote no membro isquemiado de humanos. O pH chegou a 7.0 após duas horas de torniquete. Logo,
deve-se evitar ao máximo tempos de isquemia maiores que este em pacientes hígidos. Tempo que deve ser
reduzido em pacientes com co-morbidades. Sabe-se ainda que tempo e pressão são variáveis aditivas na
gênese de lesão tissular. Logo, preconiza-se o uso da menor pressão de insuflação efetivn. O ideal é utilizar
a menor pressão possível que leva a oclusão arterial. Sugere-se que em média, pressões de 200mmHg para
o membro superior e 250mmHg para o membro inferior seriam adequados em pacientes normotensos.
Em crianças, uma insuflação com173 mmHg para o membro superior e 276 mmHg para o membro inferior seria
efetivos A utilização de faixas de Esmarch pode gerar uma pressão de até 1000 mmHg e não devem ser utilizadas
mesmo para exsanguinar o membro devendo-se optar pela elevação do membro a 45° ou 90° por 5 minutos. Períodos de reperfusão do membro intercalados aos períodos de insuflação em pacientes em que se sabe antecipadamente que o período de garroteamento será maior que duas horas tem sido preconizados para diminuir a lesão
muscular período de reperfusão intermitente de 30 minutos, parece atenuar os efeitos da insuflação do torniquete
em humanos. Nos pacientes em ventilação mecânica deve-se aumentar o volume minuto em 50% por 5 minutos
antes da desinflação para evitar aumentos da ETCO2. Pequenas doses de heparina intravenosa no transoperatório de artroplastia de joelho têm sido preconizadas para reduzir o risco de tromboembolismo.
Caso 3
Paciente masculino, 28anos, 58 kg, com fratura distal bilateral do rádio associada à fratura-luxação do ombro
direito, é admitido após 3 horas de um acidente de moto para correção cirúrgica aberta bilateral mais redução
fechada da luxação. Ao chegar ao hospital apresentava dor intensa (EVA=80, escala de 0-100). Optou-se
por técnica anestésica regional, realizando-se bloqueio via interescalênica (30ml ropivacaína 0,5%) à direita
seguido após 20 minutos de bloqueio axilar esquerdo (30ml Ropivacaína 0,5%).
1. Quais as repercussões sobre a dinâmica respiratória do bloqueio
interescalênico?
O bloqueio de plexo interescalênico é uma técnica extremamente útil, mesmo em pacientes de alto risco,
por suas vantagens sobre o controle da dor cirúrgica e a ausência de manipulação da via aérea. No entanto,
existe uma alta incidência de paralisia diafragmática e consequente impacto sobre a função pulmonar. Existem evidências de que o bloqueio frênico é inevitável mesmo com pequenos volumes de anestésico local
e pressão digital aplicada proximalmente. A abordagem interescalênica por via posterior não é isenta dos
efeitos adversos pulmonares, tendo sido demonstrado hemiparalisia diafragmática com redução nos testes
de função pulmonar de forma semelhante à abordagem anterior. A Capacidade Vital Forçada e o Volume Expiratório no 1º segundo estão reduzidos em torno de 25 a 30% após o bloqueio interescalênico.A mecânica
respiratória também pode ser afetada, levando a alterações na movimentação da parede torácica com maior
elevação do gradil costal ipsilateral e movimento paradoxal para baixo da parede abdominal.
Capítulo VI - Anestesia em Ortopedia
Anestesia Casos Clínicos - 101
2. Quais os efeitos adversos do bloqueio de membro superior utilizando
técnicas acima da clavícula?
O bloqueio de plexo braquial é associado a complicações que variam de uma incidência extremamente
baixa a relativamente alta. A via de acesso acima da clavícula está relacionada a uma grande variedade de
situações envolvendo estruturas próximas ao plexo (Tabela 1).
Complicações relacionadas à técnica de bloqueio acima da clavícula
Evento Adverso
Observações
Pneumotórax
- Risco maior em técnica supraclavicular, do lado direito,
em pacientes altos e magros (Cúpula pulmonar elevada)
- Alerta para episódio de tosse e esforço inspiratório súbito durante realização do bloqueio.
Paralisia Diafragmática
- Alta incidência na abordagem interescalênica (Próximo
a 100%) com alteração dos testes pulmonares.
- Abordagem supraclavicular tem menor incidência e não
está associada a sintomas ou alterações importantes nos
testes respiratórios
- Repercussão importante em pacientes pneumopatas.
Bloqueio neuroeixo
- Punção subaracnóide, epidural ou movimentação retrógrada do anestésico injetado intraneural.
- Mais comum com técnica interescalênica.
- Alerta para apnéia, dilatação pupilar, hipotensão e perda
de reflexo córneo-palpebral
- Evitar agulhas longas e direcionamento perpendicular
em relação pele, na técnica interescalênica.
Síndrome de Horner
- O bloqueio da cadeia simpática é comum após técnicas
supraclaviculares.
- Maior incidência com grandes volumes.
Paralisia do nervo laríngeo recorrente
- Associada às técnicas interescalênica e perivascular
subclávia.
Sem grandes repercussões se bloqueio é unilateral.
Broncoespasmo
- Casos isolados e mecanismos não bem esclarecidos.
Provavelmente se deve ao bloqueio simpático e ação parassimpática sem oposição.
Hipotensão e Bradicardia
- Combinação de diminuição do retorno venoso com tônus simpático aumentado, levando a contração forçada
do ventrículo vazio(Reflexo de Bezold-Jarisch)
Hematoma cervical
- Usualmente sem repercussão.
Deficiência auditiva
- Deficiência temporária provavelmente devido a bloqueio
simpático.
Tabela 1: Complicações relacionadas a realização de bloqueio de plexo braquial relacionadas à técnica acima da clavícula.
102 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo VI - Anestesia em Ortopedia
3. Que cuidados devem ser adotados na realização de bloqueio bilateral de
membro superior?
O bloqueio de plexo bilateral tem sido raramente utilizado, por implicar em um volume e massa anestésica
consideráveis para um bloqueio eficaz, o que pode significar risco aumentado de toxicidade dos anestésicos
locais, devendo-se considerar a dose máxima utilizada.
O tipo de técnica escolhida é o outro ponto essencial para abordagem em ambos os lados, já que acima
da clavícula existe a possibilidade de complicações severas como paralisia frênica ou pneumotórax, sendo
desaconselhado o uso de bloqueios supraclaviculares ou interescalênicos bilaterais.
4. Quais as indicações, limitações e cuidados para a realização do
bloqueio interescalênico?
O bloqueio interescalênico está indicado em procedimentos sobre o ombro, onde o bloqueio de pelo menos duas raízes (C5 e C6) ou do tronco superior é necessário. Além disso, é importante a dispersão do
anestésico local para o nervo supraclavicular (C3 e C4), que fica fora do plexo braquial, responsável pela
inervação da cápsula do ombro. Nessa técnica o tronco inferior (C8 e T1) é deixado de fora em cerca de
30 a 50% dos casos, sendo comum a falha do nervo ulnar, e, portanto, limitando seu uso em cirurgias no
território sensitivo desse nervo.
Preocupações sobre a segurança na execução do bloqueio interescalênico e suas possíveis complicações, levaram a recomendações pela Sociedade Americana de Anestesia Regional no sentido
de evitar a realização desse bloqueio em pacientes sob anestesia geral, profundamente sedados ou
crianças.
O ângulo de inserção da agulha é um fator importante para uma menor incidência de punção inadvertida de estruturas. Modificações à técnica originalmente descrita por Winnie têm sido propostas
para evitar a trajetória com o forame intervertebral. O uso de uma angulação mais caudal pode ser
mais seguro no que se refere à punção do neuroeixo, ou uma abordagem posterior descrita por Pippa
e paravertebral divulgada por Boezaar podem ser úteis em pacientes com deformidades cervicais
fixas.
5. Quais as contra-indicações ao bloqueio interescalênico?
A presença de doença pulmonar é uma contra-indicação relativa à realização do bloqueio interescalênico,
pois esses pacientes podem não tolerar o impacto sobre a função pulmonar.
Outras contra-indicações são inerentes à prática da anestesia regional como recusa pelo paciente, infecção
no local da punção, anormalidades anatômicas, alergia ao anestésico local e coagulopatias.
Caso 4
Paciente de 55 anos, ex-tabagista, com DPOC, fratura de fêmur e em uso preventivo de heparina fracionada
de baixo peso molecular ( HBPM). Usando AINES para tratar a dor. Indicado procedimento cirúrgico, foi realizado sob anestesia subaracnóidea com 15 mg de bupivacaina isobárica associada a 80µg de morfina e 30µg
de Clonidina através de punção do espaço intervertebral L3-L4 com agulha tipo Quincke 25G em primeira
punção com pequena quantidade de sangue, sendo a segunda efetiva, sem parestesias. Transoperatório
sem intercorrências com estabilidade hemodinâmica. No Pós-operatório paciente evoluiu com fraqueza de
extremidades, mesmo após retorno sensitivo.
Capítulo VI - Anestesia em Ortopedia
Anestesia Casos Clínicos - 103
1. Quais as hipóteses diagnósticas para o aparecimento de fraqueza de
extremidades?
A paciente não apresenta outros sintomas que não seja a diminuição de força muscular em membros inferiores. Não há relato de parestesias durante a punção e paciente não teve hipotensão no transoperatório.
No quadro descrito não há disfunção de esfíncteres. A formação de um hematoma levando a compressão
espinhal é a principal hipótese diagnóstica num paciente em uso de heparina de baixo peso molecular que
submeteu-se a um bloqueio do neuroeixo. O diagnóstico deve ser considerado o mais precoce possível, pois
para uma boa evolução do quadro temos até 8 horas para intervir e descomprimir.
2. Quais os cuidados que devemos ter nesse caso?
Pacientes que usam preoperatoriamente HBPM para tromboprofilaxia sempre consideramos que eles têm
alteração de coagulação. Devemos observar os seguintes cuidados:
a) A punção deve ocorrer pelo menos 10 a 12 horas da última dose de HBPM.
b) Se HBPM estiver sendo usada em doses mais elevadas o tempo requerido entre a última dose e o bloqueio é de 24horas
c) Deve-se evitar associar drogas que alterem o perfil de coagulação como Aines, pois existe uma potencialização aumentando o risco de hematoma espinhal em pacientes com uso concomitante de HBPM. Existe
recomendação contra uso de bloqueios neuroaxiais nessa situação. Inibidores da Ciclooxigenase 2 tem
efeito mínimo na função plaquetária e devem ser considerados nos pacientes que necessitam de terapia
antiinflamatória na presença de anticoagulação.
3. Como se realiza a monitorização do nível de anticoagulação?
Não existe monitorização fidedigna do nível de anticoagulação em pacientes usando HBPM, pois o nível de atividade anti-fator X ativado não é preditivo do risco de sangramento, não sendo recomendado seu uso de rotina.
4. Havendo sangue na punção qual a conduta?
A presença de sangue na agulha durante a punção ou na colocação de cateter não necessariamente implica
em postergar o procedimento cirúrgico. Sugerido que o início da heparina de baixo peso molecular seja
retardado por 24horas no pós-operatório sendo o caso discutido pela equipe.
5. Quando e como reiniciar o anticoagulante?
Quando o regime de anticoagulação no pré-operatório com HBPM é feito em duas doses diárias é recomendado adiar
o retorno da primeira dose para 24horas do pós-operatório. Em regime de dose única diária o retorno da HBPM pode
ser feito com 6 a 8horas no pós-operatório, com intervalo de 24horas para fazermos a segunda dose.
Caso 5
Paciente de 18 anos, com fratura de 5° metacarpo direito submetido a bloqueio axilar com neuroestimulador,
sob punção múltipla utilizando 35 ml de lidocaína com adrenalina 1,5%. Houve falha de bloqueio sensitivo
e foi feita injeção de 5 ml do anestésico na fossa cubital com agulha hipodérmica 25X7. Após 36 horas do
bloqueio havia diminuição da sensibilidade na região medial da mão que ainda persiste até 15 dias do pósoperatório.
104 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo VI - Anestesia em Ortopedia
1. Qual a provável causa da perda de sensibilidade e qual o nervo
comprometido?
A causa da perda da diminuição da sensibilidade na região medial da mão é uma provável lesão do nervo
ulnar ramo das raízes de C7-C8 que inerva a pele da região medial da mão bem como os ossos metacarpos
e falanges dos 4° e 5° dedos.
2. Qual a incidência e os nervos mais acometidos de lesão nervosa após
bloqueios de plexos e bloqueios de nervos periféricos?
Lesões de nervos periféricos são um importante tipo de complicação em anestesia. Está descrito uma incidência geral em anestesiologia de 15 a 16%. Porém a incidência relacionada a utilização de técnicas de
bloqueios periféricos é rara. A incidência de lesão nervosa permanente é de 0,4%. Para Ridgeway and Herrick parestesias temporárias são muito comuns, contudo, encontraram uma Incidência de 0,02% de dano nervoso perioperatório permanente, não sendo o uso de estimulador de nervos capaz de evitar o aparecimento
de disfunções. Welch em um estudo retrospectivo recente com 380568 pacientes encontrou uma incidência
geral de lesões nervosa em anestesia de 0,03% em um período de 10 anos não sendo os bloqueios de nervo
periféricos associados as estas lesões. As lesões em membros superiores foram as mais implicadas.
3. Quais os mecanismos mais implicados no desenvolvimento de lesões
nervosas em bloqueios de nervos?
Diversos mecanismos estão implicados no aparecimento de lesões nervosas: lesões mecânicas, de laceração, estiramento e injeção intraneural; lesões vasculares causando diminuição do suprimento vascular à
estrutura nervosa causadas por isquemia aguda e hemorragia. Lesões por pressão intraneural, extraneural e
por síndrome compartimental. Citam-se ainda lesões químicas por toxicidade direta de substâncias ao tecido
nervoso. A utilização de técnicas de múltiplas punções com estimulador de nervos não estaria implicada em
um aumento na incidência de lesões neurológicas transitórias. Fanelli demonstrou uma incidência de 1,7%
após 3996 bloqueios por técnica de injeção múltipla com aparelho de estimulação de nervos com incidência
similar a descrita para injeção única.
4. Como são classificadas as lesões nervosas e como se faz o
diagnostico?
Neuropraxia é a disfunção nervosa que ocorre em horas a 6 meses após agressão. Os axônios e as estruturas
tissulares conectivas permanecem intactos e a desmielinização focal é a anormalidade mais importante. Traduz-se clinicamente com a lentificação da condução. Axoniotmese consiste em interrupção física dos axônios.
Mantendo-se intactos as células tubulares de Schwann e o tecido conectivo (endoneuro, perineuro e epineuro)
pode ou não está parcialmente lesado, porém, há ausência de condução. Neurotmese é a completa ruptura da
estrutura nervosa incluindo axônio e todas as estruturas conectivas, lesão nervosa mais grave, não apresenta
condução de estimulo nervoso. Para o diagnóstico é necessária uma anamnese e exame físico cuidadoso à
procura de déficits sensoriais e motores e uma revisão cuidadosa do prontuário e da técnica anestésica para
descartar causas cirúrgicas, de posicionamento e lesões pré-existentes ao procedimento anestésico. Os testes
eletrofisiológicos incluem a eletromiografia e o estudo de condução nervosa que podem ser realizados a partir
de 48 horas do aparecimento do déficit. Estes testes indicarão a base neurogênica do dano nervoso, localização, gravidade da lesão e, particularmente importante, sugerem se a lesão é nova ou antiga. Estes testes
não podem diagnosticar a exata etiologia do dano. Permitem capaz de determinar se a lesão é completa ou
incompleta, dando informações para prognóstico e para guiar condutas.
Capítulo VI - Anestesia em Ortopedia
Anestesia Casos Clínicos - 105
5. Que cuidados devemos ter para evitar o aparecimento destas lesões
durante a realização de anestesia para cirurgias ortopédicas?
Evitar injeção intraneural é uma das maiores preocupações que se deve ter na realização de técnicas de
anestesia regional. Dor à injeção é um importante sinal, Deve-se evitar a realização de bloqueios em pacientes sob anestesia geral ou fortemente sedados. A agulha deve ser reposicionada ao aparecimento de
parestesia ou dor intensa á injeção. Outra preocupação é a intensidade da corrente. A presença de respostas motoras com intensidade de estimulação menores que 0,2 mA estaria relacionado ao posicionamento
intraneural da agulha. O reposicionamento da agulha também deve ser realizado ao nos depararmos com
uma resistência grande á injeção. Hadzic estudou lesões nervosas em um modelo canino, no qual injeções
com altas pressões (>20psi) indicariam posicionamento intrafacicular e déficits neurológicos clinicamente
detectáveis. Deve-se evitar ainda a utilização de soluções de anestésico local muito concentradas, pois
mesmo deposições extrafaciculares de anestésicos locais com alta concentração são capazes de causar
edema endoneural. Atenção especial deve ser dada ainda no sentido de evitar todos fatores que reduziriam
o suprimento vascular por excederem a pressão de perfusão capilar levando a isquemia nervosa. Fatores de
compressão externa como torniquete, posicionamento inadequado, hematomas, principalmente por manipulação exagerada da agulha em paciente em uso de anticoagulante. Evitar soluções com altas concentrações
de vasoconstrictores.
Caso 6
Paciente 16anos, 45 kg, sexo feminino, portadora de escoliose torácica idiopática importante com angulação maior de 50º e comprometimento ventilatório. Programada para cirurgia corretiva com fixação de
implantes metálicos sob anestesia geral. Seu hematócrito inicial é 42% e durante o procedimento é observado sangramento estimado em 900 ml ao longo de 3 horas, sem repercussão clínica até a finalização
do procedimento.
1. Quais as repercussões clínicas determinadas pela escoliose?
Em curvas de elevado valor angular (> 90º), a alteração primária é a hipoxemia, resultado da hipoventilação
pela restrição pulmonar e alteração da relação ventilação/perfusão. A hipercapnia ocorre depois por falência
dos mecanismos de compensação. Hipóxia, hipercarbia e vaso-constrição pulmonar prolongadas, resultam
em hipertensão pulmonar, que leva a falência respiratória no paciente não tratado. A correção e a estabilização da escoliose evitam a deteriorização da função respiratória. Além disso, a hipertrofia ventricular direita
pode ocorrer em decorrência da hipertensão pulmonar.
2. Quais as peculiaridades do manuseio durante o posicionamento?
Após a indução anestésica é necessário reposicionar o paciente para o decúbito ventral horizontal
e acolchoar com cuidado todos os pontos de pressão. Coxins devem ser colocados sob o tórax e a
crista ilíaca para liberar o tórax e o abdômen. Os olhos devem ser fechados e livres de pressão, para
evitar abrasão de córnea ou lesões de retina. Ao livrar o abdômen por meio de coxins, reduz-se o
engurgitamento venoso epidural e, consequentemente, o sangramento. A desconexão de sensores
de monitorização e de linhas venosas pode ocorrer, nesse momento, requerendo revisão destes no
reposicionamento.
106 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo VI - Anestesia em Ortopedia
3. Quais as considerações importantes envolvendo a técnica anestésica e
a Monitorização Neurofisiológica Intra-Operatória (MNIO)?
A monitorização neurofisiológica mais utilizada são os potenciais evocados, produzidos pela estimulação do sistema sensorial: Potencial Evocados Somato-Sensorial (PESS). Esta técnica utiliza a estimulação de um nervo periférico, por exemplo, o nervo tibial posterior ou mediano e a resposta neural
mensurada pelo córtex cerebral usando um eletroencefalograma (EEG). A resposta típica tem um
padrão de picos e vales com alterações possíveis na amplitude, latência e morfologia sugerindo interferência da informação desde o nervo periférico, passando pela coluna posterior da medula até o
córtex cerebral.
Inicialmente, utilizavam-se os potenciais evocados somatossensoriais (PESS). Posteriormente, adicionaramse os potenciais evocados motores (PEM), que informam diretamente a função dos feixes espino-talâmicos
posteriores (cordões posteriores) e córtico-espinhal lateral (trato piramidal), respectivamente. Os PEMs são
impulsos elétricos mensurados em um nervo periférico em resposta à estimulação do córtex ou medula
espinhal.
A monitorização assegura a detecção mais rápida de danos na função da medula espinhal durante o ato
cirúrgico, pois é realizada continuamente, a informação sobre danos secundários ao excesso de distração
ou compressão e trauma do tecido neural, no decorrer da instrumentação cirúrgica, de cada segmento, é
fornecida, a cada manobra feita pelo cirurgião. A MNIO associada ao wake-up test no final da instrumentação
cirúrgica permitem que seja reduzido o número de complicações neurológicas.
Todas as drogas anestésicas, com exceção dos relaxantes neuromusculares, podem alterar os achados dos
PESS em graus variáveis (ver quadro I). Sevoflurano pode aumentar a latência e diminuir a amplitude do
PESS dose-dependente. O uso de propofol e sevoflurano/óxido nitroso, assim como anestesia venosa com
propofol associada à sufentanil também influenciam na monitorização do PESS. Anestesia pode, portanto,
influenciar, de maneira não favorável, a monitorização dos PESS.
PESS
Amplitude
Latência
X
Inalatórios



Barbitúricos
X
X
Opioides
X
X
Etomidato

Propofol



Quetamina
X
N2O
Benzodiazepinicos
X


O Wake-up test tem permanecido como padrão-ouro para acesso do estado neurológico durante a cirurgia
espinhal, inclusive em circunstâncias nas quais os sinais dos PESS são indetectáveis ou anormais. A realização do teste de despertar requer uma técnica anestésica que promova o rápido despertar e retorno da
função cognitiva para permitir o exame neurológico no intra-operatório.
Capítulo VI - Anestesia em Ortopedia
Anestesia Casos Clínicos - 107
O rápido cleareance do remifentanil através das esterases não específicas resulta em uma meiavida contexto-sensitiva ultracurta, tornando-se o opióide de escolha. Em combinação com os
anestésicos voláteis de baixa solubilidade sanguínea e tecidual (ex. desflurano e sevoflurano)
promove um rápido despertar. Foi observado que esta associação (remifentanil com inalatórios)
promove um despertar mais precoce comparado ao uso de remifentanil com outros opióides ou
propofol.
4. Como avaliar a magnitude da perda sanguínea nesse caso? Quais
estratégias podem reduzir o sangramento no intra-operatório e o uso de
hemocomponentes?
A maior perda sanguínea ocorre no momento da instrumentação espinhal e fixação, sendo proporcional ao
número de vértebras a serem decorticadas.
Algumas estratégias podem reduzir o sangramento no intra-operatório e o uso de sangue e hemoderivados, como: a) hemodiluição isovolêmica aguda; b) hipotensão controlada; c) recuperação intra-operatória
de sangue (cell saver)
5. Quais as alternativas para realização de analgesia pós-operatória?
As cirurgias de escoliose levam a um grande trauma cirúrgico com dor severa. Os pacientes são geralmente
crianças ou adolescentes, conhecidos por terem sensação elevada à dor em comparação com adultos,
constituindo-se em um grupo que requer analgesia bem planejada.
Cirurgias extensas de coluna implicam em um grande influxo dos tecidos periarticulares ricamente
inervados. Como resultado os pacientes apresentam dor somática profunda e contínua associada
a episódios de espasmo da musculatura adjacente que é suprida pelo mesmo segmento medular.
Esses espasmos não têm seu mecanismo exatamente elucidado, porém determinam uma dor excruciante. Existem diversas opções de controle da dor para esse tipo de procedimento. O potencial
risco dos efeitos adversos dos opióides sistêmicos favorece o uso de técnicas alternativas para essa
população.
A analgesia envolvendo técnicas de bloqueios do neuroeixo podem determinar o receio de mascarar potenciais complicações neurológicas.
O uso de opióides em injeção única (morfina 2-5µg/kg) intratecal ou de anestésicos locais com
e sem adjuvantes via epidural têm se mostrado eficiente no controle da dor e superior ao uso de
morfina através de PCA, mostrando poucos efeitos indesejáveis, no entanto, com duração que
não ultrapassa 24 horas. Analgesia contínua com baixas concentrações de anestésico local como
bupivacaína 0.0625–0.125% ou ropivacaína 0,2 a 0,3% associado à morfina 40–200 µg,ml -1,
através de 1 ou 2 cateteres. (colocados em direção cefálica e caudal) podem ser utilizados com
excelentes resultados.
Caso 7
Paciente 59 anos, sexo masculino. Programado tratamento cirúrgico para fratura de cotovelo (ressecção da cabeça do rádio). Submeteu-se a bloqueio axilar com neuroestimulador obtendo-se resposta muscular positiva para os nervos radial e ulnar. Após 30 minutos,o paciente referiu dor ao
incisar a pele na região medial do cotovelo, sendo necessário aprofundar sedação para prosseguir
com a cirurgia.
108 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo VI - Anestesia em Ortopedia
1. Quais as respostas motoras esperadas durante utilização do
neuroestimulador para bloqueio axilar?
Nervo
Mediano
Radial
Ulnar
Musculocutâneo
Resposta motora
Corrente mínima
• Flexão dos dedos dos 3 primeiros dedos e pronação antebraço
• Extensão dos cotovelos e dos dedos
• Flexão dos 4° e 5° dedos em oposição ao polegar
• Flexão e supinação do antebraço
0,3 mA
0,3 mA
0,3 mA
0,3 mA
Tabela I - nervos e suas respectivas respostas á estimulação elétrica
2. Como avaliar da eficácia do bloqueio axilar?
A avaliação da eficácia dos bloqueios periféricos de membros superiores podem ser realizados através de
teste motor (Tabela II)
Escore
4
3
2
1
0
Definição
Máxima força no grupo muscular relevante
Redução da força, porém movimento realizado contra resistência
Realização movimento contra a gravidade e não contra resistência
Movimento trêmulo leve no grupo muscular relevante
Nenhum movimento no grupo muscular relevante
Tabela II
O testes sensitivos englobam a avaliação de três tipos de sensibilidade: o “pinprick test” com agulha hipodérmica 25x7, sensibilidade ao frio e o tato a objetos macios no local de referência. Sendo classificados como
presente ou ausente.
As áreas a serem avaliadas no membro superior com suas respectivas respostas motoras ativas estão
descritas na Tabela III.
Nervo
Mediano
Radial
Ulnar
Musculocutâneo
Teste motor
Flexão do 1°, 2° 3° dedos
Extensão punho
Abdução dos dedos
Flexão do cotovelo
Local do teste sensitivo
Eminência Tenar
Dorso da mão
Eminência Hipotenar
Sobre a base do primeiro metacarpo
Tabela III
3. Qual a provável causa da falha do bloqueio neste caso? Quais outras
possíveis falhas descritas para o bloqueio axilar?
A falha neste caso deve-se provavelmente a ausência de bloqueio do nervo cutâneo medial do braço. Este
nervo sai do cordão medial antes da axila e ao nível desta passa separado da bainha da artéria. Ausência
Capítulo VI - Anestesia em Ortopedia
Anestesia Casos Clínicos - 109
de bloqueio ainda pode ocorrer no nervo musculocutâneo que é ramo dos cordões lateral e medial e também
passa separado da bainha da artéria axilar, inserido no músculo córaco-braquial. Para bloqueá-lo deve-se
posicionar a agulha lateralmente ao pulso da artéria e direcionar a agulha cefalicamente até obter a resposta
de flexão do cotovelo. Ao se bloquear o nervo musculocutâneo dentro do músculo córaco-braqueal, por
difusão de anestésico, pode-se algumas vezes bloquear o nervo cutâneo medial do braço.
4. Quais as alternativas disponíveis para sedação durante anestesia
regional?
A sedação durante anestesia regional é importante para diminuir a ansiedade transoperatória, aumentar o
conforto e a satisfação dos pacientes. A associação destas técnicas cada vez mais tem sido utilizada tanto
para procedimentos no bloco cirúrgico como em outros locais.
O perfil farmacocinético ideal é o de agentes sedativos com rápido inicio e término de ação, fácil titulação e
alto clearence. Mínimos efeitos colaterais como depressão respiratória, instabilidade hemodinâmica e alteração da termorregulação também são desejados.
Propofol, midazolam e opióides são muito utilizados. Estes fármacos têm sido aplicados de diversas maneiras. A dexmedetomidina um alfa-2 agonista sedativo central com a importante característica de não alterar
a resposta ventilatória ao CO2. Induz resposta eletroencefalográfica similar ao sono natural. Promove boa
analgesia, porém, quando comparada a associação midazolam e fentanil, apresenta tempo de recuperação
aumentado.
5. Como aumentar a segurança durante realização de sedação para
anestesia regional?
A segurança deve ser uma preocupação constante na administração de sedação para pacientes submetidos
ou não a técnicas de anestesia regional. A monitorização deve estar presente tanto para diagnóstico de
complicações como para medir o grau de sedação para que não ultrapasse o limite da sedação consciente.
A avaliação da consciência de forma eficaz é muito importante para aumentar segurança durante a sedação.
Para a avaliação clínica foram criadas várias escalas para padronizar a variação entre os observadores. O
escore de avaliação observacional da sedação e vigilância (Eaosv) é a escala clínica mais utilizada. É utilizada como parâmetro para comparação com outros métodos de monitorização da consciência como Indice
Biespectral (BIS) e entropia.
Caso 8
Paciente de 82 anos, sexo feminino, com fratura de colo de fêmur direito, chega à emergência com dor intensa que impossibilita a manipulação do membro para imobilização. É realizado bloqueio do nervo femoral
sob técnica perivascular com 30 ml de ropivacaina a 0,5%. Artroplastia total de quadril foi realizada três dias
depois. A paciente passou a apresentar dispnéia súbita, hipotensão e hipossaturação com 24hs de pósoperatório.
1. Qual a importância da realização de uma analgesia eficiente na fase
aguda do trauma?
Uma analgesia insuficiente na fase aguda do trauma está relacionada à resultados adversos. Existe uma
forte associação com agitação, eventos trombo-embólicos, complicações pulmonares, aumento de tempo de
110 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo VI - Anestesia em Ortopedia
permanência em unidade de terapia intensiva e de internação hospitalar, bem como de sofrimento desnecessário. Está associado ainda ao desenvolvimento de dor crônica e desordens de estresse pós-traumáticas.
A dor leva a uma resposta catabólica aumentada ao trauma. Causando taquicardia, hipercoagubilidade,
aumento do consumo de oxigênio e imunossupressão. Ocorre ativação da cascata da inflamação e aumento
da concentração dos mediadores inflamatórios.
A analgesia eficaz reduziria este aumento da resposta catabólica.
2. Que recursos terapêuticos dispõe-se para realização desta analgesia?
A ciência disponibiliza um arsenal terapêutico amplo para o tratamento destes doentes. O conceito de analgesia
pré-emptiva não é viável ser aplicada, pois a aferência nociceptiva já ocorreu, por se tratarem de eventos póstraumáticos, porém, ainda é viável no tratamento pós-operatório destas lesões. Propõe-se, então, uma terapia
racional multimodal no sentido de capitalizar o efeito sinérgico de técnicas e agentes e reduzir os seus pára-efeitos.
Como os pára-efeitos da utilização de altas doses de opióides: (desenvolvimento de tolerância e dependência,
íleo, depressão respiratória, imunossupressão e hiperalgesia). Esta classe de fármacos são muitas vezes sobreutilizados no manejo da dor aguda. Estas drogas apresentam variadas potencias e vias de administração como
venosa, transdérmica, oral, intratecal, epidural, subcutânea e através de PCA. O acetominofen apesar de ser um
analgésico fraco é atrativo no arsenal multimodal por não causar disfunção plaquetária, gastrite, alteração renal ou
êmese. Apresenta sinergismo com os opióides e quando associado leva a uma diminuição das náuseas e vômitos
acarretados por estes. Os Antiinflamatórios Não Esteroidais (AINES) exercem um papel crítico no tratamento da
dor aguda. Seu benefício inclui diminuição das necessidades de opióde, diminuição dos escores de dor, das náuseas e vômitos, da sedação, da constipação e diminui a ossificação heterotópica, uma complicação comum dos
pacientes politraumatizados. Os novos agentes COX-2 seletivos são vantajosos em relação aos AINES tradicionais por se ligarem não somente aos receptores perifericamente, mas por agirem também em receptores centrais.
A cetamina ao longo dos anos tem sido amplamente utilizada no paciente na fase aguda do trauma pela analgesia
e estabilidade hemodinâmica que proporciona. A desvantagem dos efeitos psicoticomiméticos não é importante
em baixas concentrações séricas proporcionadas por doses analgésicas. O uso da cetamina no “período inflamatório” do trauma diminuiria a hipersensibilidade central resultante do fenômeno de wind up contínuo da fibra C nos
pacientes politraumatizados. A clonidina apresenta-se vantajosa no manejo da dor aguda por ter efeitos analgésicos, sedativos e ansiolíticos através de seus efeitos supraespinhais, espinhais e periféricos. Diminui escores de
dor, as necessidades e a indução da hiperalgesia dos opióides e levando ainda ao prolongamento dos tempos de
ação dos bloqueios regionais. A anestesia regional apresenta significantes benefícios na fase aguda do trauma.
Proporciona analgesia, incremento de resultados e alto índice de satisfação dos pacientes. Idealmente, as técnicas
de anestesia regional cobririam desde a fase inicial do trauma até a alta do paciente. Para tanto, seria necessário,
múltiplos cateteres sequenciais para prover uma analgesia de longa duração. O seu uso diminuiria náuseas e
vômitos, prurido quando comparado ao uso dos opóides venosos.
3. Quais os principais cuidados do manejo trans-operatório da artroplastia
de quadril?
A cirurgia de artroplastia de quadril apresenta algumas peculiaridades. Tratam-se na maioria de cirurgias em
idosos, com potencial de sangramentos e de instabilidade hemodinâmica importantes. A avaliação clínica, a
manutenção e a adequação dos medicamentos cronicamente utilizados têm importante impacto no prognóstico pós-operatório destes pacientes. Cuidados especiais com a presença de co-morbidades como diabetes,
cardiopatias, pneumopatias e insuficiência renal devem ser uma preocupação. A presença de hipovolemia e
anemia relacionadas a sangramento no foco de fratura prévio, bem como ao jejum pré-operatório chamam
atenção para a necessidade de uma acesso venoso calibroso e a reserva de concentrado de hemácias e
Capítulo VI - Anestesia em Ortopedia
Anestesia Casos Clínicos - 111
outros hemocomponentes. Por se tratar de uma cirurgia de urgência, um preparo muito elaborado com muitos exames pré-operatórios e otimização de terapêuticas para doenças co-existentes pode não ser possível,
pois a incidência de complicações aumenta com o tempo de internamento, que inclui: eventos tromboembólicos, quedas acentuadas e progressivas do hematócrito, infecções pulmonares, infecções urinárias, escaras
de decúbito, depressão emocional, apatia, falta de apetite, desnutrição, desidratação, hipertensão arterial de
difícil controle, piora progressiva do estado geral.
As técnicas de bloqueios do neuro-eixo são amplamente utilizadas para artroplastia de quadril. As suas
vantagens incluem a analgesia e redução da incidência de eventos tromboembólicos quando comparadas
a anestesia geral.
As diferenças entre os bloqueios regionais e a anestesia geral também são muito grandes quando se leva
em consideração a quantidade de sangue perdido nestas cirurgias. Há muitos estudos mostrando o menor
sangramento transoperatório e a consequente menor necessidade de hemotransfusão em pacientes submetidos a artroplastia total do quadril sob anestesia regional. A associação a bloqueios do nervo femoral com ou
sem a inserção de cateter, pode ser benéfico quando realizado antes da punção neuro-axial para possibilitar
posicionamento e promover analgesia pós-operatória. A anestesia geral pode ser necessária em pacientes
com via aérea difícil, em cirurgias prolongadas e em posicionamentos desconfortáveis.
Cuidado especial deve ser tomado para a perda sanguínea transoperatória que pode chegar a 1500 ml.
4. Quais os potenciais pára-efeitos do uso do polimetilmetacrilato e como
evitá-los?
O polimetilmetacrilato é uma substância que favorece a fixação da prótese a superfície óssea e é muito utilizada
em cirurgias de artroplastia de quadril. Alterações cardiovasculares como hipotensão e até choque podem ocorrer
durante a manipulação da prótese com polimetilmetacrilato. Esta substância é formada por dois componentes: um pó
e um monômero tipo éster liquido que ao se unirem irão formar um polímero. Porém pode restar alguma quantidade
de monômero líquido para ser absorvido. A fisiopatologia da instabilidade hemodinâmica envolve principalmente a
embolia de elementos tissulares tromboplásticos durante a colocação da prótese no canal femoral e não a presença
de monômero na circulação sanguínea. Estes fragmentos levariam a liberação de substâncias vasodilatadores com
consequente hipotensão e diminuição do débito cardíaco. Estudos com utilização de ecocardiografia transesofágica
demonstram que a etiologia da hipotensão é a embolia gordurosa. O tratamento inclui detecção precoce da instabilidade hemodinâmica com a reposição volêmica vigorosa e administração de vasopressores. Técnicas cirúrgicas com
utilização de um sistema utilizando vácuo, realizando frequentes irrigação e aspiração durante a colocação do polimetilmetacrilato e posicionamento da prótese no canal femoral tem sido usadas com sucesso para diminuir a pressão
exercida sobre o canal, removendo o conteúdo intramedular rico em substâncias pro-coagulantes e levando a uma
diminuição da incidência de complicações cardiovasculares e embolia gordurosa.
5. Qual o possível diagnóstico da complicação pós-operatória do caso
acima e como prevenir esta complicação?
O aparecimento dos sintomas subitamente após artroplastia total de quadril sugere fortemente um tromboembolismo pulmonar (TEP). A profilaxia destes eventos envolve cuidados pré, trans, e pós-operatórios.
Gonzalez Della Valle A e colaboradores descrevem uma incidência de 8% de TEP em pacientes sem profilaxia, com 1% de mortalidade. Estes autores propõem um protocolo multimodal de profilaxia aos eventos
tromboembólicos. Inclui, em nível pré-operatório, a suspensão de substâncias pró-coagulantes e a doação
de sangue autólogo. Durante o intra-operatório, a realização de anestesia epidural hipotensiva, que durante
a cirurgia levaria a um aumento do fluxo sanguíneo para os membros inferiores, diminuindo assim a estase
venosa. Realiza-se ainda no intra-operatório, a utilização de heparina não-fracionada (15U.Kg-1) antes da
112 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo VI - Anestesia em Ortopedia
manipulação do componente femoral, que constitui a fase que a cascata da coagulação está maximamente
ativada. Recomenda-se ainda a aspiração do conteúdo intramedular femoral. No pós-operatório, institui-se
a utilização imediata de sistema de compressão pneumática intermitente, meias elásticas compressivas e
mobilização precoce e repetida com ênfase na vigorosa dorsiflexão ativa do tornozelo. A utilização de aspirina (325mg) está indicada para os pacientes sem fatores de risco e Warfarin para pacientes em uso prévio
e com fatores de risco por 4 a 6 semanas.
Caso 9
Paciente 63 anos, sexo masculino, portador de espondilite anquilosante se submeteu a cirurgia para correção de pseudoartrose de tíbia. Foi preparada solução com 20 ml de levobupivacaina a 0,5% em excesso
enantiomérico com 20 ml lidocaína a 2% com adrenalina 1:200.000. Realizados bloqueios do nervo femoral
com 15 ml da solução e bloqueio do nervo ciático transglúteo com 25ml da mesma solução. A cirurgia foi
realizada com anestesia satisfatória.
1. Qual a vantagem da utilização de bloqueio de nervos periféricos neste
paciente?
O paciente no caso é portador de espondilite anquilosante, doença inflamatória que acomete primariamente
o esqueleto axial com progressiva ossificação endocondral e inflamação e destruição dos discos intervertebrais levando a fusão de vértebras adjacentes. Torna, por vezes impossível a realização dos bloqueios
neuroaxiais. Em pacientes com ausência de via aérea difícil e impossibilidade de realização de bloqueio
neuroaxial, os bloqueios periféricos tornam-se uma excelente alternativa por propiciar anestesia adequada,
com a diminuição da administração de opióides. Ao se comparar com a anestesia neuroaxial, os bloqueios
periféricos têm a vantagem de não produzir bloqueio simpático bem como evitar os pára-feitos da administração dos opióides no neuroeixo ou sistemicamente como náuseas e vômitos, pruridos e depressão respiratória. Proporciona analgesia de até 24 horas, permitindo mobilização e alta hospitalar precoce. A abordagem
do nervo ciático por técnicas proximais apresentam a vantagem de proporcionar menor latência, com menor
necessidade de massa anestésica quando comparada ás abordagens poplíteas.
2. Quais os pontos de referência na realização do bloqueio do nervo
ciático pela técnica transglútea?
As técnicas transglúteas incluem a clássica abordagem posterior, inicialmente descrita por Labat e posteriormente modificada por Winnie e a técnica pára-sacral. Para a técnica de Labat os pontos de referência palpáveis
são: a espinha iliaca postero superior (Eips), o grande trocanter e o hiato sacral. Uma linha é traçada do grande
trocanter a Eips, uma segunda linha é traçada do grande trocanter ao hiato sacral. No ponto médio da primeira
linha é traçada uma perpendicular. Na intersecção entre a perpendicular e a segunda linha, 4 a 5 cm abaixo
é o ponto de inserção da agulha. Na técnica pára-sacral os pontos de referência são a Eips e a tuberosidade
isquiática. Uma linha é traçada unindo estes dois pontos. Em um ponto sobre esta linha 6 cm abaixo da Eips
encontra-se o local de inserção da agulha. Neste local o plexo emerge através do forâmen isquiático maior.
3. Qual a dose máxima de anestésico local recomendada para os
bloqueios de nervos periféricos?
Recomendações de doses máximas de anestésicos locais têm sido encontradas em diversos textos em
anestesiologia.
Capítulo VI - Anestesia em Ortopedia
AL
Bupivacaina
L-bupivacaina
Lidocaina
Ropivacaina
Concentração(%)
0,25
0,25-0,5
1-1,5
0,5-1
Anestesia Casos Clínicos - 113
Uso clínico
infiltração
B. Nervo periférico
B. Nervo periférico
B. Nervo periférico
Máxima dose recomendada
175/225 + epinedrina
150
300/500 + epinefrina
250
Quadro II - Doses máximas de anestésicos locais
Estas doses máximas têm sido recomendadas para situações clínicas em que muita droga é injetada. Advém de
extrapolações de estudos em animais, de estudos clínicos com uso de doses variadas e dosagem plasmática
dos anestésicos e de relatos de caso de intoxicação, porém, evidências científicas bem embasadas para estas
recomendações não. Alguns fatores relacionados aos pacientes podem levar a necessidade de reduzir a dose
de anestésicos locais: extremos de idade, gravidez e portadores de disfunções renais, hepáticas e cardíacas.
4. Porque associar anestésicos locais nos bloqueios regionais?
A associação de anestésicos locais teria por justificativa a utilização dos diferentes perfis farmacodinâmicos
das drogas a fim de diminuir tempo de latência, aumentar duração da anestesia e aumentar profundidade da
anestesia. Como as cirurgias ortopédicas são cirurgias com potencial algogênico importante, a melhora da
qualidade e duração da analgesia seria outro objetivo.
5. Qual a justificativa de se evitar a associação dos anestésicos locais?
Estudos com bloqueios de nervo periférico demonstraram haver desvantagem na associação dos anestésicos locais no que diz respeito a duração da analgesia que foi menor na associação de bupivacaina e
lidocaína do que na utilização da bupivacaina isolada.
A possibilidade de se utilizar sobredose de anestésico local, de atingir doses tóxicas e principalmente a hipótese
de efeito aditivo ou até mesmo sinérgico dos anestésicos locais na gênese dos pára-efeitos são as principais
justificativas para se evitar misturá-los. Não existe, porém, consenso, sobre a existência do sinergismo
Recomenda-se, portanto máximo cuidado no sentido de evitar injeção intravascular, utilizar o uso de vasoconstrictores e a redução da dose total individual, ao se optar pela associação no intuito de diminuir o
potencial de toxidade das misturas de anestésicos locais.
Caso 10
Paciente 32 anos, sexo masculino, apresentando fratura biselada de diáfise umeral, com risco iminente de
lesão vasculo-nervosa. Programado bloqueio supraclavicular com utilização de ultrassom para realização de
redução incruenta. Utilizou-se 25 ml de lidocaína com adrenalina a 1,5% para posterior reavaliação neurológica precoce pelo risco de pinçamento do nervo radial. O bloqueio e o tratamento da fratura foram realizados
com sucesso.
1. Como a técnica anestésica utilizada pode ter influenciado para um bom
desfecho do caso?
A realização de bloqueios anestésicos periféricos em traumas onde há distorção da anatomia, amputação
ou esmagamento muscular e risco iminente de lesão vascular ou nervosa, implica em cuidados especiais
114 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo VI - Anestesia em Ortopedia
durante sua execução, procurando-se movimentar ao mínimo o membro envolvido, principalmente na presença de pontos de fratura biselados.
O uso do ultrassom não necessita da retirada do braço da posição neutra e não promove resposta motora, o
que pode evitar o estímulo doloroso, dando maior estabilidade, conforto e segurança.
2. Quais as vantagens do uso do ultrassom em bloqueios periféricos?
A utilização do ultrassom oferece a habilidade de visualizar em tempo real:Estruturas nervosas e musculares
importantes para a técnica, estruturas a serem evitadas como pleura e vasos, o avanço da agulha, a interação e a proximidade da agulha-nervo, a dispersão do anestésico local.
A eficácia do bloqueio periférico também pode ser implementada pela utilização do ultrassom. Alguns autores
mostram que a despeito de resposta motora obtida a visualização pelo ultrassom proporcionou um bloqueio
sensorial completo em mais de 90% dos pacientes. A redução no volume necessário também foi demonstrado na literatura, sem comprometer a taxa de sucesso e a duração do bloqueio. Como consequência pode-se
diminuir o risco de toxidade sistêmica e o bloqueio não intencional de outros nervos, o que é especialmente
relevante para a população pediátrica, idosos ou portadores de co-morbidades importantes.
3. Quais as peculiaridades da técnica supraclavicular pelo ultrassom?
O bloqueio supraclavicular está indicado em qualquer procedimento cirúrgico distal à região médio umeral.
Seu início é de instalação rápida, acompanhado de um bloqueio denso. O bloqueio anestesia as divisões do
plexo braquial a medida que elas passam entre a clavícula e a primeira costela. Essas divisões estão localizadas posterolateralmente à artéria subclávia e medial ao músculo escaleno médio. O músculo escaleno
anterior separa a artéria da veia subclávia. O plexo é facilmente visível pelo ultrassom nesta localização e a
artéria subclávia logo acima da primeira costela é o ponto de referência. O plexo é visto como uma estrutura
hipoecóica em forma de cacho de uva posterior e lateralmente à artéria pulsátil. É importante a visualização
da ponta da agulha para evitar a punção em direção ao pulmão, já que a pleura é extremamente próxima ao
plexo (1-2 cm).A distribuição do anestésico local em volta do plexo envolvendo todos os troncos é importante
nessa abordagem.
O bloqueio nesse nível pode resultar em paralisia diafragmática, no entanto não é frequente como com o
interescalênico e não resulta em dificuldade respiratória em pacientes saudáveis.
4. Quais as limitações do uso do ultrassom na anestesia?
A maior limitação do uso do ultrassom é a dificuldade na visualização consistente da ponta da agulha, especialmente em algumas situações clínicas. Apesar de esse empecilho ser parcialmente operador dependente,
a maioria das agulhas tem visibilidade restrita ao ultrassom.
Esses problemas podem ser minimizados com o advento de agulhas mais ecogênicas e com novas tecnologias incorporadas, incluindo o ultrassom tri-dimensional.
5. Que recomendações práticas são importantes para o sucesso do
bloqueio usando ultrassom?
Dez pontos básicos para facilitar a realização de bloqueios regionais com uso do ultrassom são propostos:
posicionamento da máquina, do sensor e da mesa cirúrgica em uma altura apropriada, pois as mãos do
anestesiologista ficarão cansadas facilmente, sem levar em conta os aspectos ergonômicos, otimizar a imagem antes de realizar o procedimento, a inserção da agulha no mesmo plano do transdutor é recomendada,
Capítulo VI - Anestesia em Ortopedia
Anestesia Casos Clínicos - 115
principalmente para os iniciantes, não avançar a agulha se a ponta não é visível. Para ajudar na orientação,
deve-se mover uma mão de cada vez, repousando a mão que segura o sensor no paciente e manter o sensor próximo à base, quando a agulha não puder ser vista. O conhecimento da anatomia é essencial. A utilização conjunta de neuroestimulador, pode ser útil. Caso não ocorra deslocamento dos tecidos após injeção,
considerar a possibilidade de injeção intravascular. Outros fatores como aspirações frequentes, pressão de
injeção e resposta do paciente também são importantes.
LEITURAS RECOMENDADAS:
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Capítulo VII
Sistema Respiratório
Luis Cláudio de Araújo Ladeira
124 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo VII - Sistema Respiratório
Caso 1
Paciente de 45 anos, classificado como estado físico I (ASA) será submetido à anestesia geral para colecistectomia videolaparoscópica. Após o início do procedimento cirúrgico e instalação do pneumoperitônio,
o paciente passou a apresentar queda da saturação periférica de oxigênio (SpO2) até 50%, com redução
significativa da fração expirada de CO2 (FeCO2) e alteração significativa de parâmetros hemodinâmicos.
1. Quais são os mecanismos de hipoxemia durante a anestesia?
As causas de hipoxemia durante a anestesia podem ser falha mecânica do aparelho de anestesia, falha mecânica do tubo traqueal (intubação esofágica, intubação seletiva, obstrução no tubo ou ruptura de balonete),
hipoventilação alveolar; redução da capacidade residual funcional (posição supina, mudança do tônus da
caixa torácica, relaxamento neuromuscular, anestesia superficial em ventilação espontânea, aumento da
resistência de vias áreas, administração excessiva de fluidos intravenosos, alta concentração de oxigênio
e atelectasia de absorção, posição cirúrgica, padrão ventilatório e redução do fluxo mucociliar), redução do
débito cardíaco, aumento do consumo de oxigênio, inibição da vasoconstrição pulmonar hipóxica, paralisia
muscular e shunt direito-esquerdo.
2. Como deveria ser a distribuição da ventilação pulmonar nesse paciente
antes da indução anestésica?
A gravidade influencia a pressão pleural e causa diferenças no volume alveolar regional, na complacência e na ventilação. Os alvéolos nas regiões dependentes estão submetidos a pressões menos
negativas que os alvéolos localizados nas regiões não-dependentes dos pulmões. Quando as diferenças regionais de volume alveolar são diagramadas em uma curva de pressão-volume, observa-se
que os alvéolos dependentes possuem uma complacência relativa maior que os alvéolos não-dependentes.
Dessa forma, quando um volume corrente é administrado, a sua maior parte é preferencialmente distribuída
para os alvéolos dependentes, pois possuem expansibilidade maior por variação de unidade de pressão do
que os alvéolos não-dependentes.
3. Como é distribuída a perfusão pulmonar no paciente em ventilação
espontânea antes da indução da anestesia?
A perfusão pulmonar é determinada pela relação entre a pressão alveolar (PA), a pressão da artéria pulmonar
(Pap), a pressão venosa pulmonar (Pvp) e a pressão intersticial pulmonar (Pins).
Quatro zonas podem ser reconhecidas e são numeradas de I a IV. A zona I é caracterizada pela
quase ausência de perfusão, uma vez que a pressão alveolar é maior que a pressão arterial e
venosa pulmonar (P A>P ap>P vp). Na zona II, a pressão arterial pulmonar excede a pressão alveolar
(P ap>P A>P vp) e o fluxo sanguíneo pulmonar é determinado pela diferença entre essas pressões
(P ap-P A). Na zona III a pressão venosa pulmonar é maior que a pressão alveolar (P ap>P vp>P A),
consequentemente o fluxo é determinado pela diferença entre as pressões arterial e a venosa
pulmonares (P ap-P vp).
Algumas situações, em que há excesso de fluido intersticial ou um volume pulmonar extremamente
baixo, podem forçar o desenvolvimento de uma zona IV. Nessa situação, ocorre a compressão e o
Capítulo VII - Sistema Respiratório
Anestesia Casos Clínicos - 125
aumento da resistência de vasos extra-alveolares, com consequente redução do fluxo sanguíneo regional. Na zona IV, a pressão intersticial é maior que a pressão venosa pulmonar e a pressão alveolar
(Pap>Pins>Pvp>PA).
4. O que é a curva de dissociação da hemoglobina? Qual a importância do P50?
A curva de dissociação da hemoglobina relaciona a saturação da hemoglobina com a pressão arterial de
oxigênio.
O P50 é o ponto correspondente a saturação de 50% da hemoglobina e corresponde a uma PaO2 de 26,7
mmHg. Quando o P50 for menor que 27 mmHg é caracterizada uma curva de dissociação da hemoglobina
desviada para esquerda. Isso significa que, sob qualquer valor PaO2, a hemoglobina tem maior afinidade pelo
oxigênio. Se o P50 for maior que 27 mmHg, é caracterizada uma curva de dissociação da hemoglobina desviada
para a direita. Do ponto de vista clínico, significa que a hemoglobina possui baixa afinidade pelo oxigênio.
As condições associadas ao desvio para a esquerda incluem alcalose, hipotermia, hemoglobina fetal, carboxihemoglobina, metemoglobina e redução do conteúdo de 2,3-DPG. Acidose, hipertemia, hemoglobina
anormal, aumento do conteúdo de 2,3-DPG e anestésicos inalatórios estão associados ao desvio da curva
para a direita.
5. Que respostas hemodinâmicas podem ser esperadas durante hipoxemia
arterial?
A hipoxemia arterial leve (SpO2>80%) causa ativação do sistema nervoso simpático e liberação de catecolaminas. Ocorre aumento da frequência cardíaca, da pressão arterial, do volume sistólico e do débito cardíaco. À medida que a hipoxemia se agrava instalam-se alterações depressoras do sistema cardiovascular.
Quando a SpO2 torna-se inferior 60%, ocorre redução da frequência cardíaca, da pressão arterial, do volume
sistólico, do débito cardíaco e da resistência vascular periférica.
Caso 2
Paciente com 60 anos de idade será submetido à lobectomia superior esquerda. Possui diagnóstico prévio
de adenocarcinoma de pulmão. Os antecedentes da história clínica mostram uma história de tabagismo
de 20 cigarros ao dia nos últimos 40 anos. O exame físico mostra aumento do diâmetro ântero-posterior
do tórax, redução do murmúrio vesicular e roncos em pulmão esquerdo. A espirometria mostra um padrão
obstrutivo moderado.
1. Que medidas podem ser utilizadas no preparo pré-operatório do
paciente submetido à cirurgia torácica?
A avaliação deve ser iniciada pelo diagnóstico e tratamento das doenças concomitantes que o indivíduo
possa apresentar. De modo paralelo, o preparo do aparelho respiratório deve ter o cuidado de acordo com
as necessidades individuais do paciente.
A interrupção do tabagismo, a dilatação das vias aéreas, a fluidificação de secreções, a remoção de
secreções, a utilização de medicações adjuvantes, a educação e a motivação (acerca da realização
de manobras de expansão do volume pulmonar) são medidas a serem tomadas no período pré-operatório. Uma condição ótima respiratória prévia proporciona a redução das complicações pulmonares
pós-operatórias.
126 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo VII - Sistema Respiratório
2. Quais são os efeitos benéficos que ocorrem após a interrupção do
tabagismo?
A interrupção do tabagismo proporciona, na maioria dos pacientes, efeitos benéficos, com melhoras importantes do transporte mucociliar, da função das pequenas vias aéreas, da secreção de vias aéreas e da
reatividade de vias aéreas.
Do ponto de vista temporal, existe redução dos níveis de monóxido de carbono e de nicotina entre 12 e 24
horas após a cessação do tabagismo. Entre 48 e 72 horas ocorre normalização dos níveis de carboxihemoglobina e melhora da função ciliar. Há menor produção de muco entre 1 e 2 semanas após o fim do hábito.
Há melhora dos testes de função pulmonar após 4-6 semanas e, no intervalo entre 6 e 8 semanas acontece
a recuperação da função imune e do metabolismo. Após 8 semanas existe redução da morbidade e mortalidade pós-operatória.
Alguns indivíduos podem experimentar ansiedade excessiva, estado broncoespástico e hipersecretor e aumento da incidência de trombose venosa profunda quando são privados do tabagismo por 1 ou 2 dias. Essas
condições podem ser contornadas pelo tratamento farmacológico com ansiolíticos, broncodilatadores e pela
profilaxia da trombose venosa profunda.
3. Quais são os fármacos de escolha para o tratamento da hiperreatividade
ou constrição das vias aéreas?
Os agentes utilizados com o objetivo de causar broncodilatação são os agentes 2 agonistas, as metilxantinas, o brometo de ipatrópio, os corticosteróides, o cromoglicato de sódio e os inibidores de leucotrienos.
Os agentes 2 agonistas são administrados quando há um componente broncoespástico reversível em vias
aéreas. Os indivíduos com história de tabagismo, atopia, alergias em vias aéreas, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e asma são beneficiados com essa terapia. Esses fármacos promovem aumento de
AMPc e essa substância proporciona relaxamento da musculatura lisa.
As metilxantinas impedem a atividade da fosfodiesterase e, dessa forma, aumentam a concentração de
AMPc, com consequente efeito de broncodilatação.
O ipatrópio possui propriedade anticolinérgicas, pois atua sobre os receptores muscarínicos existentes na
arvore traqueobrônquica. Ao inibir a ação da acetilcolina promove como efeito farmacológico a broncodilatação.
Os corticosteróides podem ser administrados pelas vias inalatória, oral ou intravenosa (broncoespasmo
grave). O mecanismo de ação dessas drogas envolvem a modulação do processo inflamatório, a redução do
edema e a inibição da liberação de substâncias com efeito broncoconstritor.
O cromoglicato de sódio é um fármaco com poder de estabilizar a membrana dos mastócitos e, portanto, a
administração deve ser profilática e anteceder o broncoespasmo.
Os inibidores de leucotrienos também permitem a modulação do processo inflamatório.
4. Que outras medidas podem ser utilizadas no pré-operatório do paciente
portador de doença respiratória?
A fluidificação e a remoção de secreções são parte do preparo pré-operatório.
A hidratação adequada possibilita aumento da velocidade do fluxo mucociliar. Dessa forma, deve-se orientar
o paciente para que mantenha uma ingesta adequada de fluidos. Em indivíduos sob terapêutica de hidratação intravenosa, deve-se ajustar a infusão de líquidos para manter a normovolemia. A utilização de umidificador ou nebulizador pode ser indicada.
Capítulo VII - Sistema Respiratório
Anestesia Casos Clínicos - 127
O tratamento de infecções é importante nessa situação, uma vez que pode reduzir a viscosidade das secreções.
A remoção de secreções pode utilizar como métodos a combinação da drenagem postural, o estímulo da
tosse e a fisioterapia do tórax.
Outras atitudes também interferem favoravelmente no prognóstico pós-operatório da cirurgia torácica. Estas
incluem: a preparação psicológica, o estímulo ao exercício físico no pré-operatório, o controle do peso e a
educação acerca de medidas do pós-operatório (espirometria de incentivo e manobras para remoção de
secreções).
5. Quais as particularidades dos pacientes portadores de doença do
refluxo gastro-esofágico (DRGE) com doença pulmonar concomitante?
Alguns portadores de asma possuem como associação DRGE. Alguns autores sugerem a possibilidade de
aspiração de pequenas quantidades de conteúdo gástrico durante o sono gerando a hiperreatividade ou um
reflexo esôfago-brônquico mediado pelo nervo vago como causa dessa hiperreatividade.
Esses pacientes devem receber como medicação pré-anestésica: antiácido não-particulado e fármacos com
propriedades gastrocinéticas. Atenção especial deve ser reservada aos bloqueadores H2, pois podem induzir broncoconstrição ao permitir a ação do receptor H1 localizado em brônquios.
Caso 3
Paciente portador de doença pulmonar obstrutiva crônica, que será submetido a pneumectomia esquerda. O
preparo pré-operatório deverá incluir extensa avaliação da função pulmonar que será analisada por você.
1. O que é complacência pulmonar?
A complacência pulmonar é a relação entre a variação de pressão transpulmonar e o aumento de volume
resultante dos pulmões. O diagrama de complacência pulmonar envolve as curvas de complacência inspiratória e de complacência expiratória e possui como característica determinar as forças elásticas dos pulmões.
As forças elásticas pulmonares possuem dois componentes: força elástica do tecido pulmonar propriamente
dito (elastina e colágeno) e força elástica causada pela tensão superficial de líquidos (surfactante).
2. Defina os volumes pulmonares.
Os exames de função pulmonar definem quatro volumes pulmonares: volume corrente, volume de reserva
inspiratória, volume de reserva expiratória e volume residual. O volume corrente é o volume de ar inspirado
ou expirado em cada ciclo ventilatório. O volume de reserva inspiratória é o volume de ar que pode ser inspirado acima do volume corrente normal quando o indivíduo desencadeia uma inspiração forçada máxima.
O volume de reserva expiratória é o volume de ar que pode ser expirado em um esforço expiratório máximo,
além da expiração do volume corrente normal. O volume residual é o volume que permanece nos pulmões
após uma expiração forçada máxima.
3. Defina as capacidades pulmonares.
As capacidades pulmonares são a soma de dois ou mais volumes pulmonares. São elas: capacidade inspiratória, capacidade residual funcional, capacidade vital e a capacidade pulmonar total. A capacidade inspiratória corresponde a soma do volume corrente e do volume de reserva inspiratória. A capacidade residual
128 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo VII - Sistema Respiratório
funcional é igual ao volume de reserva expiratória somado ao volume residual. A capacidade vital é a soma
do volume de reserva inspiratória, do volume corrente e do volume de reserva expiratória. A capacidade
pulmonar total é o volume máximo que os pulmões podem conter expandidos e corresponde à capacidade
vital, acrescida do volume residual.
4. Quais são os parâmetros que podem ser avaliados em um teste de
função pulmonar?
Os testes de função pulmonar fornecem dados que permitem avaliar os fluxos ventilatórios dos indivíduos
ou o estado da membrana alvéolo-capilar. Os fluxos ventilatórios podem ser avaliados pela capacidade vital
forçada (CVF), pelo volume expirado forçado no primeiro segundo (VEF1), pelo fluxo forçado meso-expiratório (FEF25-75%), pela ventilação voluntária máxima (VVM) e curvas de fluxo-volume. O estado da membrana
alvéolo-capilar é avaliado pela capacidade de difusão do monóxido de carbono (DLCO).
A CVF corresponde à manobra em que uma capacidade vital é exalada durante esforço expiratório
máximo. O VEF1 é correspondente a 75-85% da CVF. A relação entre o volume expirado no primeiro
segundo e a capacidade vital forçada (VEF1/CVF) é um dado útil na avaliação e diferenciação entre
as doenças pulmonares obstrutivas e restritivas. O FEF25-75% é sensível em detectar doença obstrutiva
de vias aéreas em estágios iniciais. O VVM é o espelho da função dos músculos ventilatórios e pode
mostrar, de modo indireto, a resistência de vias aéreas e a complacência do sistema pulmão-caixa
torácica.
5. Quais são os achados possíveis na espirometria de pacientes com
doença obstrutiva pulmonar e doença restritiva pulmonar?
As doenças obstrutivas pulmonares cursam com alteração do fluxo expiratório, o que determina uma capacidade vital forçada normal e um volume expiratório forçado no primeiro segundo reduzido. Essa situação
ocasiona uma relação VEF1/CVF reduzida. A relação VEF1/CVF acima de 70% é considerada normal, enquanto relações entre 60-70%, 50-60% e <50% são consideradas, respectivamente, síndromes obstrutivas
leve, moderada e grave. Os valores FEF25-75% também estão reduzidos
Nas doenças pulmonares restritivas, os valores FEF25-75% e a relação VEF1/CFV são normais. Os dados
espirométricos de capacidade vital forçada e de fluxo expiratório forçado do primeiro segundo estão reduzidos.
Caso 4
Paciente de 45 anos, estado físico II (ASA) por hipertensão arterial controlada (captopril), será submetido à
anestesia geral para gastrectomia subtotal por adenocarcinoma gástrico. Possui história prévia de tabagismo.
1. Que fatores existentes na história clínica de um paciente devem
direcionar a uma investigação pulmonar?
Os seguintes fatores relacionados à história clínica e ao período peri-operatório devem sugerir a investigação do sistema respiratório: idade superior a 70 anos, obesidade mórbida, deformidade da parede torácica
ou da coluna vertebral, doença neuromuscular, cirurgia torácica, cirurgia em abdome superior, história de
tabagismo, tosse, dispnéia e presença de qualquer doença pulmonar.
Capítulo VII - Sistema Respiratório
Anestesia Casos Clínicos - 129
2. Como se comporta a distribuição da relação ventilação/perfusão
pulmonar?
Tanto o fluxo sanguíneo quanto a ventilação pulmonar aumentam a medida que se deslocam do topo para a base
pulmonar. No entanto o fluxo sanguíneo aumenta de valores muito baixos a valores máximos de modo mais rápido
que a ventilação alveolar. Dessa forma, no pulmão como um todo, a relação ventilação/perfusão é menor do que 1.
3. Quais as implicações das desigualdades da relação ventilação/perfusão
nos valores de PaCO2 e PaO2?
Os alvéolos poucos ventilados tende a reter CO2 e não captar O2 suficiente. O fluxo que passa por alvéolos
muitos ventilados elimina elevada quantidade de CO2, mas não capta um aumento proporcional de O2 devido
às características da curva de dissociação da hemoglobina nessa região.
4. Descreva o efeitos Bohr e Haldane.
O efeito Bohr descreve a influência da PaCO2 e dos íons H+ na curva de dissociação da hemoglobina/O2. A
hipercapnia e a acidose desviam esta curva para a direita e reduzem a afinidade da hemoglobina pelo oxigênio, aumentado a sua oferta aos tecidos periféricos. A hipocapnia e alcalose desviam a curva de dissociação
da hemoglobina/O2 para a esquerda e aumentam a afinidade da hemoglobina pelo oxigênio, reduzindo a
entrega aos tecidos.
Já o efeito Haldane descreve alteração da curva de dissociação da hemoglobina/CO2 pela oxigenação da
hemoglobina. Quando há queda da PaO2, ocorre deslocamento da curva de dissociação de CO2 para a
esquerda, para que o sangue consiga captar mais CO2. A oxigenação da hemoglobina reduz a afinidade do
CO2 e a curva de dissociação é deslocada para a direita e o CO2 é eliminado pelos pulmões.
5. Quais os mecanismos de hipercapnia durante a anestesia?
Os mecanismos de hipercapnia são devidos a hipoventilação (redução do drive ventilatório, posicionamento
inadequado, aumento da resistência de vias aéreas e redução da complacência), aumento da ventilação do
espaço morto (hipotensão arterial, aumento da pressão de vias aéreas, embolia pulmonar, oclusão vascular), aumento da produção de CO2 (hipertermia, tremores, liberação de catecolaminas, hipertensão arterial e
tempestade tireoidiana) e falha do absorvedor de CO2.
Caso 5
Paciente com 60 anos de idade será submetido a lobectomia superior esquerda. Possui diagnóstico prévio
de adenocarcinoma de pulmão. Os antecedentes da história clínica mostram tabagismo de 20 cigarros ao
dia nos últimos 40 anos. O exame físico mostra aumento do diâmetro ântero-posterior do tórax, redução do
murmúrio vesicular e roncos em pulmão esquerdo. A espirometria mostra um padrão obstrutivo moderado.
1. Como se comporta a distribuição do fluxo sanguíneo durante a
ventilação pulmonar em um paciente em decúbito lateral?
O fluxo sanguíneo no pulmão dependente é significativamente maior do que o fluxo no pulmão não-dependente. A média da distribuição do fluxo sanguíneo pulmonar no paciente em decúbito lateral consiste em
130 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo VII - Sistema Respiratório
40% do fluxo sanguíneo total perfundindo o pulmão não-dependente e 60% do fluxo sanguíneo total perfundindo o pulmão dependente.
2. Como se comporta a ventilação em um paciente em decúbito lateral
antes da indução da anestesia?
A ventilação é aumentada no pulmão dependente quando comparada ao pulmão não-dependente.
3. Como se comporta a distribuição do fluxo sanguíneo durante a
ventilação monopulmonar em um paciente em decúbito lateral?
Quando o pulmão em posição superior não é ventilado, instala-se o reflexo de vasoconstrição pulmonar hipóxica. Consequentemente, há aumento da resistência vascular pulmonar regional e redução
do fluxo sanguíneo nesse pulmão. O fluxo sanguíneo no pulmão em posição superior é reduzido para
20% do fluxo sanguíneo pulmonar total. A diferença (80%) passa a perfundir o pulmão em posição inferior durante a ventilação monopulmonar. O fluxo sanguíneo do pulmão não-dependente (superior)
acarretará um efeito shunt de 20% caso o mecanismo de vasoconstrição pulmonar hipóxica esteja
intacto.
4. Como se comporta a ventilação em um paciente em decúbito lateral
após indução anestésica, ainda com o tórax fechado?
Nessa situação existe o desvio do fluxo ventilatório para o pulmão não-dependente. As razões para isso
são:
• a redução da capacidade residual funcional após a indução anestésica que posiciona cada pulmão em
posições diferentes da curva pressão-volume(complacência);
• o posicionamento do diafragma interfere na expansibilidade no pulmão dependente;
• o mediastino impede fisicamente a expansão do pulmão dependente;
• as vísceras abdominais são deslocadas cefalicamente e impedem a expansão do diafragma;
• o posicionamento inadequado do paciente pode comprometer a expansão do pulmão dependente.
A aplicação de PEEP melhora a ventilação no pulmão dependente porque o posiciona em uma região melhor
da curva de pressão-volume.
5. Como se comporta a ventilação em um paciente em decúbito lateral
após a indução anestésica e abertura do tórax?
O pulmão não-dependente não possui restrição da parede torácica, e a sua complacência efetiva total
será a do parênquima pulmonar. Como consequência o pulmão não-dependente será hiperventilado
enquanto o pulmão dependente será hipoventilado. Isso acarretará importantes alterações da relação
ventilação/perfusão.
Caso 6
Paciente de 45 anos com extenso abscesso pulmonar esquerdo, associado a destruição parenquimatosa
circunvizinha, indicado para lobectomia direita, com possibilidade de ampliação da cirurgia para pneumectomia.
Capítulo VII - Sistema Respiratório
Anestesia Casos Clínicos - 131
1. Quais são as indicações da utilização da separação dos dois pulmões
e/ou ventilação monopulmonar?
As indicações absolutas são: isolamento de um pulmão para evitar contaminação (infecção e hemorragia maciça); controle da distribuição da ventilação (fistula brocopleural, fistula cutânea broncopleural, cisto
pulmonar unilateral, lesão da arvore traqueobrônquica, lavado broncopulmonar unilateral, e, toracoscopia
vídeo-assistida
As indicações relativas são: exposição cirúrgica – alta prioridade (aneurisma de aorta torácica, pneumectomia, lobectomia superior, redução de volume pulmonar, exposição do mediastino, cirurgia cardíaca minimamente invasiva); exposição cirúrgica – baixa prioridade (lobectomia média ou inferior,
ressecções segmentares, ressecção esofágicas, procedimentos na coluna torácica, simpatectomia
bilateral).
2. Quais são as técnicas de separação pulmonar?
As técnicas de separação pulmonar incluem a utilização de tubos endotraqueais de duplo-lúmen (Carlens e
Robertshaw), bloqueadores brônquicos (Arndt®, Cohen®, Fuji® e Univent®) e tubos endobrônquicos. Estudo
comparativo entre os tubos endotraqueais de duplo-lúmen e os bloqueadores brônquicos mostra que há
equivalência na exposição cirúrgica quando se utilizam os tubos de duplo-lúmen e bloqueadores brônquicos.
Contudo há maior dificuldade para posicionamento e maior necessidade de reposicionamento dos bloqueadores brônquicos.
3. Quais são as maiores causas de falha no posicionamento de um tubo
endotraqueal de duplo-lúmen?
Existem algumas causas de falha de posicionamento do tubo endotraqueal de duplo-lúmen:
• posicionamento do lado oposto ao do brônquio fonte pretendido;
• posicionamento de modo distal à carina e ambos os lumens podem estar posicionados em um brônquio-fonte;
• posicionamento de modo proximal à carina e ambos os lumens podem estar posicionados na traquéia;
• o tubo endotraqueal de duplo-lúmen direito pode obstruir a abertura do lobo superior direito;
• a abertura do lobo superior esquerdo pode ser obstruída pelo tubo endotraqueal de duplo-lúmen esquerdo; e,
• herniação do balonete, quando utilizado volume excessivo para a insuflação, com obstrução da luz brônquica.
4. Quais são as complicações da utilização do tubo endotraqueal de duplolúmen?
As complicações da utilização do tubo endotraqueal de duplo-lúmen são o comprometimento da oxigenação
arterial durante ventilação monopulmonar, a ruptura da árvore traqueobrônquica, a laringite traumática e a
sutura acidental com fixação do tubo.
5. Quais são as contra-indicações relativas para a utilização do tubo
endotraqueal de duplo-lúmen?
Existem algumas contra-indicações relativas à utilização do tubo endotraqueal de duplo-lúmen: pacientes
com estômago cheio, com lesão de vias aéreas, pacientes com calibre de vias aéreas que requeiram tubos menores que 35F e maiores que 28F, em que a anatomia das vias aéreas superiores não favoreça a
132 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo VII - Sistema Respiratório
inserção segura do tubo (retrognatismo, dentes proeminentes, circunferência do pescoço alargada, laringe
anteriorizada) e pacientes com doença critica intubados e que não tolerem interrupção temporária da ventilação mecânica.
Caso 7
Paciente com idade de 24 anos foi submetido à simpatectomia torácica assistida por vídeo. Após a indução
anestésica habitual, intubação endobrônquica com tubo de RobertShaw e manutenção da anestesia com oxigênio, óxido nitroso e isoflurano, o paciente foi posicionado e conectado ao ventilador do aparelho de anestesia
com um extensor de tubo traqueal. Quando se iniciou a ventilação monopulmonar, instalou-se hipoxemia.
1. Como deve ser o manuseio da ventilação monopulmonar?
O manuseio inicial deve ser pautado pela ventilação dos dois pulmões tão logo quanto possível, uso de
fração inspirada de oxigênio de 1,0 (FiO2=1,0), utilização de volume corrente entre 6 e 10 mL.kg-1, ajuste da
frequência respiratória com o objetivo de manter a PaCO2 entre 35 e 40 mmHg e monitorização contínua da
oxigenação e ventilação.
Em caso de diminuição da PaO2, pode-se utilizar a estratégia de:
• checar a posição do tubo endotraqueal de duplo lúmen com fibroscopia;
• checar o estado hemodinâmico;
• administrar PEEP (5 a 10 cmH2O) no pulmão dependente;
• administrar CPAP (10 cmH2O) no pulmão não-dependente;
• realizar manobras de recrutamento alveolar;
• realizar ventilação intermitente nos dois pulmões;
• evitar sobrecarga hídrica;
• clampear a artéria pulmonar (pneumectomia).
2. Qual a definição de espaço morto?
Espaço morto é a parte do volume corrente que não participa das trocas gasosas durante o ciclo respiratório. Pode ser dividido em espaço morto anatômico e espaço morto fisiológico. O espaço morto anatômico é
composto pelas estruturas de condução das vias aéreas que não possuem capacidade de troca gasosa e
corresponde a aproximadamente 2mL.kg-1. O espaço morto fisiológico corresponde aos alvéolos ventilados
e que não são perfundidos.
3. Quais são os determinantes não-gravitacionais da resistência vascular
pulmonar e da distribuição do fluxo sanguíneo?
Os determinantes não-gravitacionais da resistência vascular pulmonar são passivos e ativos.
Os processos passivos são constituídos pelo debito cardíaco e pelo volume pulmonar. Ambos os processos
atuam alterando a resistência vascular pulmonar, seja pela capacidade de limitada do leito vascular pulmonar absorver grandes aumentos do débito cardíaco, seja pela interferência do volume/pressão alveolar sobre
os capilares pulmonares.
Os processos conhecidos como ativos também determinam o tônus vascular pulmonar. A produção de
mediadores tissulares locais como o óxido nítrico (NO), as concentrações de gases alveolares (PAO2), as
influências neurais (sistema nervoso autônomo) e os efeitos de hormônios dentro do leito vascular pulmonar
são os responsáveis por esses processos.
Capítulo VII - Sistema Respiratório
Anestesia Casos Clínicos - 133
4. O que é vasoconstrição pulmonar hipóxica?
É um mecanismo adaptativo que redistribui o fluxo sanguíneo de áreas mal ventiladas para áreas com melhor ventilação. O objetivo fisiológico é melhorar a relação ventilação/perfusão. A vasoconstrição pulmonar
hipóxica é provavelmente uma ação direta sobre a célula muscular lisa desencadeada pela cadeia transportadora de elétrons mitocondrial após formação de espécies reativas de oxigênio que servem como segundo
mensageiro e aumentam a concentração de cálcio intracelular.
5. Quais a moléculas tissulares locais estão envolvidas no controle ativo
do tônus vascular pulmonar?
A vasodilatação é causada por ações na musculatura lisa (óxido nítrico) e no endotélio (endotelina e prostaglandina I2), enquanto a vasoconstrição ocorre apenas sob a musculatura lisa (endotelina, prostaglandina
F2, tromboxano e leucotrieno).
Caso 8
Paciente de 71 anos, portador de hipertensão arterial sistêmica tratada encontra-se no trans-operatório de pneumectomia sob anestesia geral inalatória. O anestesiologista, a pedido do cirurgião, optou por uma intubação seletiva com
o tubo de Robertshaw. No momento em que se iniciou a ventilação monopulmonar o paciente passou a apresentar
quadro de hipoxemia. Em seguida, optou por trocar a técnica anestésica por anestesia geral venosa total.
1. O que pode ocorrer com os hormônios e autacóides durante a
passagem pela circulação pulmonar?
Os autacóides e hormônios ativados são angiotensina I e ácido araquidônico.
Dopamina, epinefrina, histamina, angiotensina II, ocitocina, vasopressina, prostaglandina I2 (PGI2) e prostaglandina A2 (PGA2) não são metabolizados pelos pulmões.
Alguns hormônios e autacóides são inativados quando passam pela circulação pulmonar como 5–hidroxitriptamina, norepinefrina, bradicinina, peptídeo natriurético atrial, endotelinas, leucotrienos, adenosina, ATP,
ADP, AMP, prostaglandinas D2 (PGD2), E1 (PGE1), E2 (PGE2) e F2 (PGF2).
2. Qual é a influência do sistema nervoso sobre a vasculatura pulmonar?
O sistema nervoso autônomo simpático (SNAS) causa vasoconstrição pulmonar mediada pela ação dos
receptores 1-adrenérgicos. A atuação do SNAS ocorre também em receptores 2-adrenérgicos e beta2adrenérgicos, mas exibindo com resposta a vasodilatação pulmonar.
O sistema nervoso parassimpático causa vasodilatação mediada pelo receptor M3 em um processo dependente de óxido nitroso.
Outros sistemas não-adrenérgicos e não-colinérgicos são responsáveis pela mediação de vasodilatação pulmonar.
3. Quais os efeitos dos agentes anestésicos inalatórios sobre a
vasoconstrição pulmonar hipóxica (VPH)?
Estudos mostram que os agentes halogenados inibem a vasoconstrição hipóxica pulmonar de modo dosedependente. O óxido nitroso exerce um efeito insignificante do ponto de vista clínico na inibição do reflexo de
VPH. Os agentes anestésicos venosos causam inibição mínima do reflexo.
134 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo VII - Sistema Respiratório
4. Quais são as vantagens da utilização de agentes anestésicos
halogenados na manutenção da anestesia geral para anestesia em cirurgia
torácica?
As vantagens são redução da irritabilidade das vias aéreas, broncodilatação, redução da reatividade das vias
aéreas, administração de altas frações inspiradas de oxigênio (em oposição ao óxido nitroso), eliminação
rápida (diminuição da hipoventilação do pós-operatório), relativa estabilidade cardiovascular e não reduzem
a PaO2 durante a ventilação monopulmonar.
5. Quais são as vantagens de se utilizar anestésicos intravenosos na
anestesia geral para cirurgia torácica?
Os agentes opióides proporcionam como vantagens a ausência de efeitos hemodinâmicos adversos, uma
transição lenta da cirurgia para o período pós-operatório, redução da quantidade de agentes halogenados
para a manutenção da anestesia, anestesia como altas concentrações de oxigênio sem perda da analgesia,
a não interferência com o reflexo de VPH regional e ótima oxigenação durante a ventilação monopulmonar.
Caso 9
Paciente de 32 anos foi submetida mediastinoscopia para diagnóstico de possível câncer de pulmão. A
paciente foi induzida com fentanil, propofol e rocurônio. A intubação traqueal foi realizada com tubo traqueal
convencional e a manutenção da anestesia geral foi realizada com isoflurano. No trans-operatório evoluiu
com bradicardia.
1. Quais são as contra-indicações relativas para a mediastinoscopia?
Algumas contra-indicações relativas para a realização da mediastinoscopia são: mediastinoscopia prévia,
obstrução de veia cava superior, desvio de traquéia e aneurisma de aorta torácica.
2. Quais são as complicações que podem ocorrer durante a
mediastinoscopia?
As estruturas localizadas no mediastino podem ser comprimidas ou lesadas pelo aparelho utilizado na mediastinoscopia. As complicações relacionadas à aorta torácica são a ruptura e a bradicardia reflexa. As relacionadas ao tronco braquiocefálico são redução do fluxo sanguíneo para a artéria carótida direita e artéria
subclávia direita. A compressão da traquéia pode acarretar dificuldade ventilatória e reflexo de tosse. Por fim,
há o risco de hemorragia da veia cava quando estiver presente a síndrome da veia cava superior.
Outras complicações que podem ocorrer nessa situação são pneumotórax, lesão do nervo laríngeo recorrente, pneumomediastino, mediastinite, hemotórax e quilotórax.
3. Que fatores devem ser avaliados para a segurança da indução
anestésica no pré-operatório em um paciente com tumor mediastinal?
A estratificação deve considerar a presença de sintomas e o diâmetro da árvore traqueobrônquica avaliada
pela tomografia computadorizada. Pacientes com via aérea segura são aqueles que não apresentam sintomas e possuem diâmetro de vias aéreas maior que 50% do normal. Pacientes com potencial dificuldade
Capítulo VII - Sistema Respiratório
Anestesia Casos Clínicos - 135
de manuseio mostram sintomas graves em repouso ou estreitamento de vias aéreas maior que a metade
do considerado normal em crianças. Diversos graus de incerteza sobre a segurança da indução anestésica
ocorrem nas seguintes situações: crianças com sintomas leves e moderados com diâmetro superior a 50%
do normal; adultos com sintomas leves ou moderados com diâmetro inferior a 50% do normal; e, crianças ou
adultos incapazes de quantificar os sintomas.
4. Quais são as razões de complicações pulmonares no pós-operatório de
cirurgia torácica?
Existe um somatório de razões estão relacionadas ao período pré-operatório, uma vez que pacientes submetidos à cirurgia torácica geralmente tem uma doença pulmonar pré-existente, ao transoperatório, quando
o pulmão não-dependente possui limitação funcional por ressecção ou trauma, enquanto o pulmão dependente é comprimido e desenvolve edema pós-operatório, e no pós dor na incisão operatória e insuficiência
em respirar de maneira profunda e tossir.
A fisiopatologia da função pulmonar após cirurgia torácica mostra redução dos volumes pulmonares (ressecção de volumes pulmonares, atelectasias, restrição torácica, edema pulmonar e retenção de secreções),
restrição da ventilação (comprometimento da capacidade residual funcional, da capacidade vital forçada,
disfunção diafragmática e da musculatura intercostal, e, diminuição da ventilação) e restrição das trocas
gasosas (desequilíbrio da relação ventilação-perfusão, atelectasia, edema pulmonar e diminuição do débito
cardíaco).
5. Qual a incidência de arritmias após ressecção pulmonar?
Resposta:
A incidência de arritmias atriais é de 12,5% a 33% sendo a mais comum o flutter/fibrilação atrial. A incidência
aumenta com a idade e a quantidade de tecido pulmonar ressecado. A idade superior a 60 anos, gênero
masculino, história de fibrilação atrial e hipertensão arterial sistêmica são fatores de risco independentes
associados à fibrilação atrial no pós-operatório.
Caso 10
Paciente com 52 anos de idade foi submetido à bulectomia unilateral sob anestesia geral e intubação seletiva. Após êxito durante o procedimento anestésico-cirúrgico foi encaminhado à Unidade de Terapia Intensiva
ainda intubado e em ventilação mecânica.
1. Que parâmetros devem ser utilizados na ventilação mecânica deste
paciente?
A ventilação deve ser ajustada para o desenvolvimento do menor nível de pressão de vias aéreas, com o
intuito de reduzir a possibilidade de pneumotórax e minimizar a fuga aérea no tecido pulmonar remanescente.
Para a maioria dos pacientes submetidos à toracotomia que necessitem de suporte ventilatório no pós-operatório os seguintes parâmetros podem ser utilizados:
• Volume corrente: 6 a 10 mL.kg-1;
• Ventilação mandatória intermitente com frequência respiratória que permita manter PaCO2 próximo a 40
mmHg;
• Fração inspirada de oxigênio (FiO2) entre 0,6 e 1,0.
136 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo VII - Sistema Respiratório
Essas medidas devem ser adotadas após a troca do tubo traqueal de duplo-lúmen por um tubo traqueal
normal.
2. Como deve ser realizado o desmame da ventilação mecânica?
A primeira etapa deve ser reduzir a fração inspirada de oxigênio (FiO2) até que a mesma seja menor
que 0,5. Isso pode ser obtido através da titulação do valor de pressão expiratória final de vias aéreas
(PEEP).
O passo seguinte deve ser reduzir o valor de PEEP até que esse seja menor que 10 cmH2O. Essa intervenção pode ser alcançada por intermédio de um regime de cuidado respiratório (remoção de secreções,
diagnóstico e tratamento de infecções, dilatação de vias aéreas e manobras gerais de cuidado).
O último procedimento é diminuir a frequência de disparo da ventilação mandatória intermitente até que seja
menor que uma incursão respiratória por minuto.
É importante ressaltar que durante todo o período de ventilação mecânica, e desmame da ventilação devese ter como objetivo manter a pressão arterial de oxigênio (PaO2) maior que 60mmHg.
3. Quais são as condições ideais para que um paciente seja extubado?
O paciente dever preencher os seguintes critérios:
• PaO2 adequada,
• FiO2 < 0,5,
• PEEP < 10 cmH2O,
• capacidade vital > 15 mL.kg-1,
• pico de força inspiratória mais negativa que 25 cmH2O,
• frequência de disparo da ventilação mandatória intermitente < 1 irpm,
• frequência ventilatória espontânea < 20 irpm;
• PaCO2 em torno de 40 mmHg;
• ausência de instabilidade ou insuficiência de sistemas orgânicos;
• radiografia de tórax equivalente ao estado pré-operatório ou com melhora importante de outra condição
aguda.
4. Como pode ser feita analgesia do paciente submetido à cirurgia
torácica?
A analgesia venosa, a crioanalgesia, o bloqueio intercostal, o bloqueio paravertebral, a analgesia subaracnóidea, a analgesia peridural torácica e a analgesia interpleural são técnicas utilizadas no pós-operatório de
cirurgia torácica.
A analgesia venosa pode proporcionar excelente analgesia nos indivíduos, sobretudo quando utilizada no
contexto da analgesia controlada pelo paciente (redução da dor pós-operatória, diminuição da quantidade
de fármacos utilizados, redução da sedação e complicações pulmonares). No entanto, os opióides quando
utilizados por via venosa têm como inconveniente a possibilidade de depressão respiratória e a possibilidade
de levar à hipoventilação e formação de atelectasias.
A crioanalgesia pode ser utilizada como analgesia de longa duração sobre os nervos intercostais. Essa
técnica causa uma disfunção reversível dos nervos intercostais com duração de duas a três semanas e
recuperação completa da função após um a três meses.
O bloqueio de nervos intercostais pode reduzir a dor pós-operatória e melhorar a função pulmonar no pósoperatório, mas possui ação limitada em relação à função diafragmática e possibilidade de intoxicação por
anestésicos locais e bloqueio simpático.
Capítulo VII - Sistema Respiratório
Anestesia Casos Clínicos - 137
A analgesia por via subaracnóidea, assim como a analgesia peridural somente com opióides determina a
possibilidade de depressão respiratória e hipoventilação.
A analgesia peridural torácica é um método que produz excelente analgesia. A técnica pode ser usada
inclusive com bons resultados, de forma controlada pelo paciente (PCA). A combinação de opióides a baixas
concentrações de anestésicos locais possibilita uma redução considerável dos efeitos adversos desses fármacos quando utilizados independentemente.
A analgesia regional interpleural ainda é uma técnica que não está estabelecida como de grande eficácia
no controle da dor pós-operatória em cirurgia torácica. A ação dos anestésicos locais no espaço interpleural
determina analgesia por ação sobre os nervos intercostais, sobre a cadeia simpática intratorácica e sobre
terminações nervosas pleurais.
Uma revisão sistemática concluiu que analgesia peridural torácica com anestésicos locais associada a opióides ou o bloqueio paravertebral torácico com anestésico local são as opções recomendadas para a analgesia pós-operatória em cirurgia torácica. A utilização de opióides por via subaracnóidea ou o bloqueio de
nervos intercostais são boas opções quando existe contra-indicação às técnicas anteriores.
5. Quais são as vantagens da utilização da analgesia peridural torácica
sobre os outros métodos?
A associação de pequenas doses de opióides e baixas concentrações de anestésicos locais proporciona
como benefícios a redução da incidência de bloqueio simpático e de bloqueio motor, a redução da ocorrência de depressão respiratória, diminuição da ocorrência de hipoventilação e formação de atelectasias,
analgesia de longa duração e qualidade de analgesia superior que a dos opióides utilizados isoladamente
por via parenteral.
LEITURAS RECOMENDADAS:
1.
Amar D - Postthoracotomy atrial fibrillation. Curr Opin Anaesthesiol, 2007;20:43–47.
2.
Benumof JL, Wilson WC - Anesthesia for Thoracic Surgery, em: Miller RD – Anesthesia, 6th Ed, Philadelphia, Elsevier
Churchill Livingstone, 2005;1847-1939.
3.
Campos JH - Update on selective lobar blockade during pulmonary resections. Curr Opin Anaesthesiol, 2009;22:18–22.
4.
Campos JH - Which device should be considered the best for lung isolation: double-lumen endotracheal tube versus
bronchial blockers. Curr Opin Anaesthesiol, 2007;20:27–31.
5.
Farber NE, Pagel PS, Warltier DC – Pulmonary Pharmacology, em: Miller RD – Anesthesia, 6th Ed, Philadelphia,
Elsevier Churchill Livingstone, 2005;155-189.
6.
Gal TJ - Pulmonary Function Testing, em: Miller RD – Anesthesia, 6th Ed, Philadelphia, Elsevier Churchill Livingstone,
2005;999-1016.
7.
Grichnik KP, Shaw A - Update on one-lung ventilation: the use of continuous positive airway pressure ventilation and
positive end-expiratory pressure ventilation – clinical application. Curr Opin Anaesthesiol, 2009;22:23–30.
8.
Guyton AC, Hall JE – Tratado de Fisiologia Médica, 11ª Ed, Rio de Janeiro, Elsevier, 2006;471-490.
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postthoracotomy analgesia. Anesth Analg, 2008;107:1026–1040.
10. Ko R, McRae K, Darling G et al. - The use of air in the inspired gas mixture during two-lung ventilation delays lung
collapse during one-lung ventilation. Anesth Analg, 2009;108:1092–1096.
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Capítulo VII - Sistema Respiratório
Anaesthesiol, 2006;19:26–33.
12. Nagendran J, Stewart K, Hoskinson M et al. - An anesthesiologist’s guide to hypoxic pulmonary vasoconstriction:
implications for managing single-lung anesthesia and atelectasis. Curr Opin Anaesthesiol, 2006,19:34–43.
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of three bronchial blockers versus double-lumen tubes. Anesth Analg, 2009;108:1097–1101.
14. Neustein SM, Eisenkraft JB, Cohen E – Anesthesia for Thoracic Surgery, em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK
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Philadelphia, Lippincott Williams & Wilkins, 2006; 790-812.
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– Goodman and Gilman´s the Pharmacological Basis of Therapeutics, 10th Ed, McGraw-Hill, 2001;733-754.
19. Wilson WC, Benumof JL – Anesthesia for Thoracic Surgery, em: Miller RD – Anesthesia, 6th Ed, Philadelphia, Elsevier
Churchill Livingstone, 2005;1847-1939.
20. Wilson WC, Benumof JL – Respiratory Physiology and Respiratory Function during Anesthesia, em: Miller RD
– Anesthesia, 6th Ed, Philadelphia, Elsevier Churchill Livingstone, 2005; 679-722.
Capítulo VIII
Anestesia em Pediatria
Ana Maria Menezes Caetano
Nádia Maria da Conceição Duarte
140 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo VIII - Anestesia em Pediatria
Caso 1
Menino de 3 anos de idade, foi submetido a anestesia geral inalatória com sevoflurano, associada a
bloqueio dos nervos íleo-hipogástrico e íleo-inguinal para correção cirúrgica de hérnia inguinal. Durante
a avaliação pré-anestésica, os pais estavam ansiosos quanto ao procedimento e a criança se apresentava pouco sociável. Ao chegar à sala de recuperação pós-anestésica, estava agitada e chorando
muito, sendo necessários cuidados de contenção para que não se machucasse. Dez dias após a cirurgia, os pais relatam que a criança tem acordado subitamente durante a noite, chorando muito e com
aspecto de assustada.
1. Explique esta ocorrência na sala de recuperação pós-anestésica.
A primeira mudança comportamental mal-ajustada da criança que pode ser evidente após a
cirurgia é o de Delírio de Emergência (DE). Delírio é uma síndrome psiquiátrica complexa que
inclui transtornos visuais, alucinações e agitação psicomotora. Na atualidade não existe uma
definição única para o DE, pois ele tem apresentação clínica heterogênea. Alguns autores têm
descrito esse evento como estado dissociado de consciência no qual a criança está irritável,
não cooperativa, incoerente, intransigente e com choro inconsolável. e chutando. Tipicamente
essas crianças não reconhecem ou identificam familiares, objetos ou pessoas. O comportamento belicoso tem sido mais descrito do que simplesmente inquietude e incoerência. Comumente
o delírio ocorre nos primeiros 30 minutos da recuperação da anestesia, é auto-limitado (5-15
min), e freqüentemente resolve-se espontaneamente. A agitação do acordar (AA) é um estado
de agitação moderada e inquietude mental, que diferentemente do delírio, não tem mudança
comportamental significativa. A incidência de DE/AA depende da definição, idade, técnica anestésica, procedimento cirúrgico e aplicação de medicação suplementar. Geralmente, varia de 10
a 50%, mas pode chegar a 80%.
2. Quais os fatores etiológicos para a ocorrência de Delirium de
Emergência (DE) e Agitação de Emergência (AA)?
A causa subjacente de DE/DA permanece desconhecida. Alguns fatores relacionados à anestesia, à cirurgia, ao paciente e a medicações suplementares, são sugeridos como importantes em desencadear esses
eventos.
Os fatores relacionados à anestesia são: despertar rápido e anestesia com sevoflurano ou desflurano (mais
que com propofol/remifentanil).
Os fatores relacionados à cirurgia são: dor e tipo de cirurgia (amigdalectomia, cirurgia de ouvido médio e
olhos).
Os fatores relacionados com o paciente são: idade (2 a 5 anos), ansiedade pré-operatória, história de cirurgia
prévia e temperamento (mais impulsivo, menos social).
Vários fármacos, incluindo os anticolinérgicos, droperidol, barbitúricos e metoclopramida podem contribuir
para transtornos comportamentais pós-anestésicos.
A ansiedade pré-operatória, delirium de emergência e as mudanças comportamentais mal-ajustadas pósoperatórias são tidos como fenômenos intimamente relacionados.
Fortier e cols. observaram que o temperamento e a baixa sociabilidade da criança e a ansiedade dos pais
durante a separação são fatores de risco para altos graus de ansiedade na criança no período perioperatório, indo até 2 semanas após a cirurgia, com relação positiva entre a ansiedade da criança e a dor
experimentada por ela.
Capítulo VIII - Anestesia em Pediatria
Anestesia Casos Clínicos - 141
3. O que ocorreu 10 dias após a cirurgia tem relação com o procedimento
anestésico-cirúrgico?
Provavelmente sim. No período pós-operatório, mudanças no padrão de sono são bem documentadas na criança e
no adulto. Cerca de 47% das crianças que se submetem a anestesia experimentam, posteriormente, perturbações no
sono. Fatores como dor e características psicológicas têm sido mostrados como preditivos para tal fenômeno. Ansiedade dos pais e comportamento externalizado da criança predizem a eficiência do sono no período pós-operatório.
4. Explique os fatos relatados pelos pais.
Além de mudanças no padrão do sono, mudanças no comportamento diário da criança após cirurgia/anestesia também são descritos. Vários estudos têm indicado que mais de 60% das crianças submetidas a cirurgia
ambulatorial podem desenvolver mudanças comportamentais negativas dentro das 2 primeiras semanas
após a cirurgia. Essas mudanças comportamentais negativas pós-operatórias incluem: perturbações do
sono e da alimentação, ansiedade da separação, apatia e retorno à enurese.
Esses comportamentos podem ocorrer em mais de 44% das crianças nas 2 primeiras semanas após a cirurgia, sendo que, aproximadamente, 20% das mesmas continuam apresentando comportamento negativo por
mais de 6 meses após a cirurgia.
5. Qual o tratamento e as condutas para a prevenção desses transtornos?
• Midazolam VO: 0,5mg.Kg-1
• Clonidina IV ou caudal:
 IV: 3 g.Kg-1
 Caudal: 1 a 3 g.Kg-1
• Dexmedetomidina em infusão ou bolus:
 Infusão: 0,2 g.Kg-1.h-1
 Bolus: 0,3 ou 0,15 g.Kg-1
• Fentanil IV ou intranasal:
 IV: 1 g.Kg -1
 Intranasal: 1 a 2 g.Kg-1
• Cetoralaco IV: 1mg.Kg-1
Durante o evento na sala de recuperação pós-anestésica, a criança deve ser protegida para que não se
machuque.
Embora as mudanças comportamentais negativas sejam descritas após a ocorrência de DE/AA, não existe
evidência de que DE/AA tenha impacto em desfechos a longo prazo.
Em recente metanálise, avaliando 37 artigos que incluíram 1.695 pacientes em grupos de intervenção e
1.477 em grupos controle, os autores concluíram que a administração de propofol, cetamina, alfa 2 agonistas
e analgesia perioperatória tem efeitos profiláticos na prevenção de DE, embora as propriedades analgésicas
desses fármacos não sejam as responsáveis por esta ação.
Caso 2
Criança de 4 anos de idade, escalada para adenoamigdalectomia. Exame físico normal. Foi submetida
a anestesia geral balanceada. Imediatamente após extubação traqueal, apresentou laringoespasmo com
grave queda da saturação de hemoglobina.
142 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo VIII - Anestesia em Pediatria
1. O que é o laringoespasmo e qual sua epidemiologia no período
perioperatório?
O laringoespasmo pode ser definido como fechamento glótico devido a constrição reflexa dos músculos
laringeais, podendo ser completo ou parcial. Foi definido laringoespasmo verdadeiro como fechamento completo da laringe causado por estimulação externa.
Como é difícil fazer distinção entre laringoespasmo verdadeiro e espasmo glótico, muitos definem ambos
como laringoespasmo; entretanto, acreditam ser importante definir laringoespasmo como completo ou parcial. No laringoespasmo completo há movimento de tórax, mas com ausculta silenciosa, ausência de movimentação da bolsa reservatória e impossibilidade de ventilação. No laringoespasmo parcial há movimento
do tórax, estridores e incompatibilidade entre o esforço respiratório do paciente e a pequena quantidade de
movimento da bolsa reservatória.
A incidência em crianças maiores de 9 anos e entre 1 e 3 meses é de 1,74% e 2,82%, respectivamente. A
incidência de morbidade resultante do laringoespasmo varia como a seguir: parada cardíaca 0,5%, edema
pulmonar por pressão negativa pós-obstrutivo 4%, aspiração pulmonar 3%, bradicardia 6% e dessaturação
da hemoglobina 61%.
2. Quais as principais causas de laringoespasmo e como reconhecê-lo?
Laringoespasmo ocorre por estimulação em plano anestésico inapropriado durante a extubação, na presença de sangue ou secreções irritando as cordas vocais, estimulação por via aérea artificial, laringoscópio ou
aspiração.
É identificado por vários graus de obstrução das vias aéreas, com movimento torácico paradoxal, retração intercostal e esforço respiratório. Um chiado característico (“cantado”) pode ser ouvido no laringoespasmo parcial,
mas está ausente no laringoespasmo completo. A deterioração da oxigenação acontece rapidamente.
3. Quais os fatores de risco para a ocorrência de laringoespasmo
perioperatório?
Fatores relacionados à anestesia: plano anestésico insuficiente na indução ou emergência da anestesia,
durante a extubação traqueal, uso de tiopental, anestesia com desflurano e anestesiologista menos experiente.
Fatores relacionados ao paciente: quanto menor a idade maior a ocorrência, presença de IVAS (até 6 semanas antes da anestesia), crianças expostas ao tabaco (fumantes passivos).
Fatores relacionados à cirurgia: amigdalectomia e adenoidectomia têm maior incidência; apendicectomias,
dilatação cervical, hipospádias e transplantes de pele também predispõem ao laringoespasmo.
4. Como prevenir o laringoespasmo?
Para prevenir o laringoespasmo, Aialami e cols. sugerem o seguinte algoritmo simplificado:
• Antes e durante a indução da anestesia: identificar os fatores de risco, medicação pré-anestésica com
anticolinérgicos e benzodiazepínicos, obter acesso venoso após 2 minutos da indução com sevoflurano e
proceder a intubação traqueal após confirmação de plano anestésico adequado.
• Durante a emergência da anestesia: aspirar delicadamente sangue e secreções, colocar o paciente em posição lateral, descontinuar o anestésico inalatório, administrar 1mg.Kg-1 de lidocaína IV ou 0,2 a 0,5 mg.Kg-1
de propofol IV, esperar o paciente abrir os olhos e acordar espontaneamente, extubar a traquéia usando a
técnica da ”tosse artificial”.
Capítulo VIII - Anestesia em Pediatria
Anestesia Casos Clínicos - 143
5. Como tratar o laringoespasmo?
Após laringoespasmo estabelecido, Hampson-Evans e cols. sugerem a utilização do algoritimo elaborado
pelo MEPA (Managing Emergencies in Pediatric Anesthesia (MEPA): a National Collaborative Simulation
Project):
1. Reconhecer o laringoespasmo
2. Aplicar CPAP (pressão positiva contínua de vias aéreas), com O2 a 100 % e manobra de vias aéreas.
3. Avaliar a entrada de O2 pelo movimento da bolsa reservatória (se não houver, é laringoespasmo completo;
se houver algum movimento, é laringoespasmo parcial).
Se houver laringoespasmo completo:
4. Considerar a manobra de puxar a mandíbula para frente, na tentativa de converter para laringoespasmo
parcial; se não houver melhora e o acesso venoso já estiver estabelecido, seguir os passos abaixo:
5.A. Administrar succinilcolina 1-2 mg.Kg-1 IV, atropina 0,02 mg.Kg-1 IV ou propofol IV; se não houver melhora, nem acesso venoso:
5.B. Administrar succinilcolina 3-4 mg.Kg-1 IM, atropina 0,02 mg.Kg-1 IM e chamar ajuda; independentemente
do acesso venoso, após as manobras 5A ou 5B:
6. Manter o CPAP, ventilação com O2 a 100% e atentar para a possibilidade de intubação traqueal; se não
houver melhora:
7. Iniciar manobras de ressuscitação cardiopulmonar (RCP) e suporte avançado à vida; se após manobra 6
houver melhora:
8. Estabilizar e continuar a anestesia.
Se o laringoespasmo for parcial:
1. Eliminar os estímulos, aprofundar a anestesia com anestésico volátil ou propofol.
2. Reavaliar a entrada de O2 com CPAP; se houver melhora, executar o item 8; se não houver melhora,
executar as manobras dos itens 5A e 5B da sequência acima.
Caso 3
Criança de 8 anos de idade, escalada para cirurgia de artrodese de coluna torácica para correção de grave escoliose. Durante o procedimento, a criança deverá ser despertada pelo anestesiologista, para que movimente
a área inervada pelas estruturas que estarão sendo manipuladas, retornando em seguida a estado de inconsciência, para a continuação da cirurgia (wake up test). A técnica de escolha foi anestesia venosa total (AVT).
1. Em que situações a anestesia venosa total é bem indicada na criança?
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Durante cirurgia para instrumentação da coluna, para promover hipotensão controlada e quando houver
necessidade de realização de potencial evocado motor e auditivo ou do wake-up test.
Em crianças submetidas a anestesias repetidas (ex: radioterapia).
Em procedimentos muito dolorosos ou radiológicos rápidos, em que se necessita de recuperação rápida
(ex: ressonância magnética, aspiração de medula óssea, endoscopia gastrointestinal).
Em procedimentos sobre as vias aéreas (ex: broncoscopias).
Em grandes cirurgias, para controle de respostas autonômicas.
Em procedimentos neurocirúrgicos, para controle da pressão intracraniana e proteção metabólica cerebral.
Em crianças com risco de hipertermia maligna.
Em crianças com risco aumentado de náuseas e vômitos no pós-operatório.
144 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo VIII - Anestesia em Pediatria
2. Em Anestesia Pediátrica, quais as vantagens da AVT sobre outras
técnicas?
•
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Bom controle do plano anestésico.
Estabilidade cardiovascular.
Menor poluição ambiental.
Menos agitação ao despertar (delírio).
Menor incidência de náuseas e vômitos pós- operatórios.
3. Em anestesia pediátrica, quais as desvantagens da AVT sobre outras
técnicas?
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Dor à injeção de propofol.
Necessidade de veia canulada.
Necessidade de bombas de infusão.
Maior variabilidade farmacocinética e farmacodinâmica interindividual.
Meia vida contexto sensitiva maior, com necessidades de doses de infusão maiores (propofol).
4. Quais as características farmacocinéticas e farmacodinâmicas na
utilização do propofol e do remifentanil nas crianças, com relação aos
adultos?
Propofol
Os recém-nascidos são mais sensíveis e têm menores necessidades de anestésicos.
Nos lactentes, o volume de distribuição e clearence se elevam, associando-se a aumento das necessidades
anestésicas.
Nos pré-púberes (de 3 anos de idade à puberdade), os volumes intercompartimentais são duas vezes maiores e o clearence 50% maior que nos adultos.
Nas crianças, devido ao processo de crescimento e maturação, existe uma grande variabilidade interindividual
nas várias faixas etárias (recém- nascidos, lactentes e pré-puberes); esta variação acaba por acarretar dificuldades na utilização de modelos farmacocinéticos utilizados nos adultos para estes pequenos pacientes.
De uma forma geral, as crianças necessitam de doses mais elevadas de propofol, e têm uma meia vida contexto sensitiva maior. A monitorização da profundidade anestésica tem se tornado cuidado padrão na anestesia e validação de técnicas em adultos. Porém, na criança, os valores de BIS são difíceis de interpretar. Em
níveis plasmáticos mais elevados de propofol, os parametros do BIS nao acompanham de forma fidedigna os
ajustes de concentração. Enquanto em níveis plasmáticos mais baixos, os parâmetros deste monitor tendem
a uma variação exagerada, que é específica para as diferentes faixas etárias, novamente não podendo ser
interpretados como fiéis ao esperado pela concentração plasmática, naquele momento, para um dado paciente. Desta forma, o BIS ainda carece de melhoramentos no seu desempenho para uso em crianças.
Remifentanil
O remifentanil não rompe a transmissão colinérgica, e por isso não desencadeia alterações cognitivas no
pós-operatório. Considerando o mesmo estímulo doloroso, as crianças necessitam de doses de infusão
de remifentanil duas vezes maiores que os adultos, porém este fármaco tem meia vida contexto sensitiva
constante em todas as idades, devendo a sua farmacocinética ser considerada igual. As doses devem ser
Capítulo VIII - Anestesia em Pediatria
Anestesia Casos Clínicos - 145
adequadas às necessidades clínicas e aos parâmetros farmacodinâmicos.
5. Quais as características da dexmedetomidina e da cetamina, na
anestesia venosa em crianças?
A cetamina tem alto clearence e baixa meia vida contexto sensitiva em infusões de até 2 horas. Pode ser
utilizada em sedação, analgesia ou anestesia. É bem indicada em crianças nas seguintes situações:
- Doença neuromuscular
- Risco de hipertermia maligna
- Choque hipovlêmico
- Cardiopatia cianótica (não agrava o shunt direita-esquerda).
A dexmedetomidina é um alfa-2 agonista altamente seletivo, que pode ser utilizado com propiredade ansiolítica,
sedativa e analgésica. Em dose clínica, produz estabildade hemodinâmica e mínima depressão respiratória. Em
crianças, tem indicações em: medicação pré-anestésica, prevenção e tratamento de delirium pós-operatório
e como fármaco adjuvante dos hipnóticos e analgésicos durante o transoperatório. É útil para realização de
broncoscopias, na sedação associada à anestesia regional ou à cetamina. Em modelos experimentais, há evidências de que promove neuroproteção em cérebros em desenvolvimento, por inibição da apoptose.
Caso 4
Criança nascida de parto vaginal sem complicações apresenta salivação excessiva, tosse e agitação.
Durante a primeira mamada, apresentou cianose. Estudo radiológico de tórax identificou atresia de esôfago (AE) com fístula traqueo-esofágica (FTE) distal. Cirurgia corretiva foi agendada para iniciar em duas
horas.
1. Qual a epidemiologia da AE e sua apresentação mais frequente?
A prevalência de AE com FTE é de aproximadamente 1:3000 a 1:4000 nascidos vivos. Existem 5 maiores
apresentações de AE e FTE. A mais prevalente (80%) é a do tipo III-B, que consiste em esôfago proximal
em alça cega, com o esôfago distal conectado à traquéia por fístula junto à carina.
2. Que outras malformações estão associadas a fístulas traqueoesofágicas?
Quase 50% de crianças com AE têm também anomalias congênitas significativas. Essas anomalias são conhecidas como associação de VATER (V- vertebral, A- anal, TE- traqueo-esofágica, R- renal) ou associação
de VACTREL (VATER + C- cardíaca e L- membros). Qualquer criança com AE ou FTE deve ser suspeita de
ter outras malformações; assim, um ecocardiograma para avaliar se existe transposição do arco aórtico e
cardiopatia congênita deve ser realizado antes da anestesia.
3. O que o anestesiologista deve avaliar para se antecipar às dificuldades
que pode encontrar para executar a anestesia neste caso?
A existência de pneumonia por aspiração.
A ocorrência de super distensão do estômago por entrada de ar diretamente da fístula.
O risco de impossibilidade de ventilar devido à grande dimensão da fístula.
146 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo VIII - Anestesia em Pediatria
A vigência de anomalias associadas, especialmente a presença de ducto arterioso patente (shunt) e outras
cardiopatias congênitas.
A necessidade e a disponibilidade de cuidado intensivo pós- operatório.
4. Como induzir a anestesia e proceder a intubação traqueal neste
paciente?
Um cateter deve ser colocado no esôfago, com drenagem contínua de saliva, e o paciente deve ser mantido
em céfalo-aclive de 30 graus.
Pode ocorrer que, antes da correção da fístula, seja necessária a realização de uma gastrostomia, para
nutrição e espera pela resolução da pneumonia.
A intubação traqueal deve ser procedida com a criança acordada ou levemente sedada. A sonda traqueal
deve ser, intencionalmente, passada através da carina, introduzida no brônquio direito e, então, recuada
lentamente, até que a ausculta do pulmão esquerdo seja obtida. Esta manobra garante que a extremidade
distal da sonda ultrapassou a fístula, evitando assim a grande distensão do estômago. A sonda deve ser bem
fixada, pois pequena movimentação, de apenas 1 a 2 mm, pode alterar a ventilação, passando de bilateral
para de um só pulmão, ou mesmo para a fístula .
Além da monitorização padrão, deve-se colocar um estetoscópio na axila esquerda, para identificar intubação brônquica.
A manutenção da anestesia pode ser feita com anestésico inalatórios ou venosos, associados a relaxantes
musculares. As crianças com a coexistência de cardiopatias podem se beneficiar de altas doses opióides,
para melhor controle de respostas autonômicas.
Após o fechamento da fístula, deve-se manter a ventilação com tempo inspiratório maior, no intuito de reexpandir o pulmão e desfazer as atelectasias absortivas nos segmentos pulmonares.
5. Quais as considerações pós-operatórias mais importantes?
Algumas equipes médicas preferem a extubação na sala de cirurgia, enquanto outras preferem que a
criança permaneça intubada, visto que 30% delas necessita de reintubação para limpeza das secreções.
Após a cirurgia, pode ocorrer estenose de esôfago e traqueomalácia; é comum que essas crianças retornem
várias vezes, e submetidas a anestesias para controle e correção dessas sequelas.
Caso 5
Criança do gênero masculino, com 2 semanas de idade, pesando 3,5 Kg, está agendado para cirurgia de
piloromiotomia. Tem história de vômito não bilioso nos últimos 5 dias. Ao exame, apresenta-se letárgico, com
frequência cardíaca de 168 bpm, frequência respiratória de 54 irpm e pressão arterial de 73 x 35 mmHg.
Seus exames laboratoriais são: Na+ 130, Cl- 85 e K+ 2,5.
1- Qual a fisiopatologia da estenose hipertrófica de piloro e o que é
preocupante para o anestesiologista?
A estenose hipertrófica de piloro manifesta-se, habitualmente, entre a segunda e sexta semana de vida, com
vômitos não biliosos. As respostas fisiológicas do sistema renal aos vômitos são:
- Manutenção, inicial, do pH sérico, pela excreção de urina alcalina com perda de sódio e potássio;
Capítulo VIII - Anestesia em Pediatria
Anestesia Casos Clínicos - 147
-
Secreção subsequente de urina ácida (acidose paradoxal), em consequencia da depleção de sódio e
potássio, aumentando ainda mais a alcalose metabólica. A hipocalcemia pode estar associada à hiponatremia. Com a perda de fluídos e azotemia pré-renal, pode-se prever choque hipovolêmico e acidose
metabólica. A hemoconcetração pode resultar em policitemia.
As maiores preocupações para o anestesiologista são: estomago cheio, ocasionalmente preenchido por contraste radiológico; alcalose metabólica com hipocloremia e hipocalemia; e desidratação
grave.
2. Esta é uma cirurgia de emergência?
Esta é uma situação de urgência, mas nunca uma emergência cirúrgica. A criança deve ser avaliada cuidadosamente e os seus distúrbios metabólicos graves corrigidos antes da cirurgia.
3. Qual o preparo pré-anestésico?
A reposição de volume intravascular e correção de cloro e potássio são prioridades. A colocação de sonda
orogástrica deve ser feita para remover o conteúdo gástrico residual, que pode estar preenchido com bário
radiológico, embora atualmente a maioria dos diagnósticos seja feito por ultrassonografia e não mais por
exame radiológico simples com contraste.
4. Como conduzir a anestesia dessa criança?
O estomago deve ser bem aspirado, imediatamente antes da indução.
Não deve ser feita indução inalatória, pois vômito durante a indução pode levar a aspiração pulmonar.
A intubação traqueal pode ser feita com a criança acordada, seguida por baixa dose de rocurônio (0,3
mg.Kg-1), ou através de indução em seqüência rápida com pressão na cartilagem cricóide após atropina
(0,02 mg.Kg-1), propofol (3mg.Kg-1) e succinilcolina (2mg.Kg-1). A opção por uma das técnicas vai depender
da habilidade e da familiaridade do anestesiologista com as mesmas. A manutenção da anestesia pode ser
feita com anestesia inalatória ou balanceada.
5. Como deve ser a extubação e o pós-operatório? Que complicações pósoperatórias podem ser esperadas?
A traqueia deve ser extubada com a criança totalmente acordada e ativa.
A alimentação deve ser logo reiniciada. O pós-operatório geralmente cursa sem complicações.
Apnéia pós-operatória tem sido descrita em crianças a termo e saudáveis após piloromiotomia. A etiologia é
desconhecida, mas pode ser devido a mudanças no líquido cérebro-espinhal, secundárias à hiperventilação
e alcalose. Portanto, é prudente a monitorização com oximetria de pulso e monitores de apnéia nas primeiras
12 horas de pós-operatório.
Caso 6
Criança de 4 anos, será submetido a orquidopexia sob anestesia geral balanceada. Os pais referem
que a criança é saudável. História materna de vômitos incoercíveis, quando submetida a procedimento anestésico-cirúrgico.
148 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo VIII - Anestesia em Pediatria
1. Identifique os fatores de risco para náuseas e vômitos pós-operatórios
neste paciente.
A náusea, por ser um sintoma muito subjetivo, é de difícil avaliação em crianças. Gan e cols. elaboraram
uma tabela para estratificação do risco de vômitos pós-operatórios em crianças (Quadro I).
Quadro I – Fatores de risco para vômitos em crianças.
Fatores de risco
Cirurgia ≥ 30 min
Idade ≥ 3 anos
Cirurgia de estrabismo
História anterior de VPO ou de NVPO dos pais
Total
Pontos
1
1
1
1
0 ... 4
A ocorrência de náuseas e vômitos pós-operatórios aumenta após os 3 anos de idade, com pico de incidência entre os 11 e 14 anos. Antes da puberdade, não há diferença de frequência entre os gêneros masculino
ou feminino. Além da cirurgia para correção de estrabismo, outras são consideradas de risco em pediatria,
como: adeno-amigdalectomia, hernioplastias, orquidopexia, cirurgias penianas e cirurgias envolvendo o ouvido médio.
2. Mostre a estratificação de risco de náuseas e vômitos.
Os fatores de risco associados a ocorrência de náuseas e vômitos pós-operatórios são:
Relacionados ao paciente
Gênero feminino
Não fumantes
História anterior de NVPO / cinetoses
Relacionados ao ato anestésico
Uso de anestésicos voláteis
Uso de óxido nitroso
Uso intra e pós-operatório de opióides
Relacionados ao ato cirúrgico:
Duração da cirurgia: cada 30 minutos de cirurgia aumenta o risco basal de NVPO em 60%. Se o risco basal
é de 10%, após 30 minutos ele aumenta para 16%, e assim sucessivamente.
Tipos de cirurgia: gastrointestinais abertas, grandes cirurgias ginecológicas, Laparoscopias, torácicas, otorrinolaringológicas e oftalmológicas. Os critérios para estratificação do risco de NVPO estão apresentados
no quadro II.
Capítulo VIII - Anestesia em Pediatria
Anestesia Casos Clínicos - 149
Quadro II – Fatores de risco para NVPO
Fatores de risco
Sexo feminino
Não fumantes
História de NVPO / cinetoses
Uso de opióides
Total
Pontos
1
1
1
1
0 ... 4
3. Descreva os procedimentos anestésicos que devem ser implementados
para a redução de náuseas e vomitos.
Administrar anestesia regional sempre que possível;
Usar propofol tanto na indução quanto na manutenção da anestesia;
Evitar óxido nitroso;
Evitar anestésicos voláteis;
Minimizar o uso intra e pós-operatório de opióides;
Minimizar o uso de neostigmine;
Hidratação adequada do paciente;
O uso de anestesia regional, principalmente bloqueios periféricos, reduz a incidência de NVPO em adultos
e de VPO em crianças. O uso de propofol, tanto na indução quanto na manutenção da anestesia, diminui a
incidência de NVPO nas primeiras 6h.
O estudo multicêntrico IMPACT avaliou várias estratégias para reduzir NVPO em 5.199 pacientes considerados de alto risco (2 ou mais critérios de Apfel). Os resultados revelaram uma incidência de 59% de NVPO
em pacientes expostos a anestésicos voláteis ou óxido nitroso. O uso de propofol reduziu o risco em 19%
e a omissão do oxido nitroso diminuiu o risco em 12%. A combinação de propofol e ar/oxigênio (anestesia
venosa total) teve efeitos aditivos e reduziu o risco em 25%. Estes resultados são corroborados por revisão
sistemática e metanálise que conclui que, evitando-se o óxido nitroso, a incidência de NVPO diminui consideravelmente.
O efeito emetogênico dos anestésicos inalatórios e dos opióides parece ser dose-dependente. Procedimentos cirúrgicos de longa duração sob anestesia geral, com grande exposição a agentes voláteis e
alto consumo de opióides pós-operatórios, estão associados a aumento considerável na incidência de
NVPO1. No caso dos agentes voláteis (halotano, enflurano, isoflurano, sevoflurano e desflurano), não
existem diferenças na incidência de NVPO entre eles. Metanálises demonstram que o uso de altas doses
de neostigmine (>2,5 mg) está associado ao aumento de NVPO, e que a redução da dose pode diminuir
este risco.
Dois estudos prospectivos, duplo-cegas e randomizados evidenciaram incidência estatisticamente menor de
NVPO quando esses pacientes foram tratados com administração liberal de cristalóides (30 a 40 ml/kg no
intraoperatório) vs. estratégia restritiva (10 a 15 ml/kg no intraoperatório). O mecanismo antiemético ainda é
incerto, mas parece estar relacionado à diminuição da secreção de 5-HT3 a partir das células enterocromafins de uma mucosa do TGI normoperfundida.
150 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo VIII - Anestesia em Pediatria
4. Descreva as possibilidades de intervenção farmacológica específica
para a profilaxia desta complicação.
Os fármacos habitualmente utilizados na profilaxia e tratamento da emese pós-operatória distribuem-se em
cinco grupos: derivados da benzamida, antihistamínicos, antagonistas dopaminérgicos, anticolinérgicos e
antisserotoninérgicos.
Crianças com risco moderado a alto devem receber profilaxia combinada com duas ou três drogas de classes diferentes.
O ondansetron é o fármaco de primeira linha e o único dos antagonistas 5-HT3 aprovado para uso em idade
inferior a 2 anos. Metanálises e estudos mais simples mostram a superioridade desse agente em relação ao
droperidol e à metoclopramida.
As doses de droperidol pediátricas, extrapoladas a partir das doses dos adultos (0,625 – 1,25 mg) são de
10 a 15 µg/kg. Devido ao potencial de reações extrapiramidais e altos níveis de sedação, essa medicação
é recomendada apenas em casos de falhas de profilaxia de outros agentes em crianças internadas ou readmitidas devido a NVPO.
A profilaxia de NVPO em crianças de risco moderado a elevado deve incluir um antagonista 5-HT3 e, pelo
menos, um segundo fármaco.
Outros estudos randomizados e controlados menores mostraram eficácia também da escopolamina transdérmica e da estimulação do ponto P6 com acupuntura na prevenção de NVPAH.
Baixas doses de naloxona (0,25 µg/kg/min) reduzem NVPO e a necessidade de antieméticos de resgate,
quando comparadas ao placebo, e diminuem significativamente os efeitos colaterais dos opióides, tanto em
adultos quanto em crianças.
Quadro I - Doses de antieméticos para profilaxia de VPO em crianças
Fármaco
Dexametasona
Dimenidrinato
Dolasetron
Droperidol
Granisetron
Ondansetron
Tropisetron
Dose
150 µg/kg até 5 mg
0,5 mg/kg até 25 mg
350 µg/kg até 12,5 mg
10 a 15 µg/kg até 1,25 mg
40 µg/kg até 0,6 mg
50 - 100 µg/kg até 4 mg
0,1 mg/kg até 2 mg
Evidência
RS
RS
ERC
RS
ERC
RS
RS
ERC = estudo randomizado controlado; RS = Revisão Sistemática
Quadro II - Combinações sugeridas de antieméticos profiláticos em pediatria
Ondansetron 50 µg/kg + dexametasona 150 µg/kg
Ondansetron 100 µg/kg + droperidol 15 µg/kg
Tropisetron 0,1 mg/kg + dexametasona 0,5 mg/kg
Capítulo VIII - Anestesia em Pediatria
Anestesia Casos Clínicos - 151
5. Descreva as medidas farmacológicas terapêuticas a serem
implementadas em caso de ocorrência de náuseas e vômitos, com ou sem
uso profilático de antieméticos.
Quando existir necessidade do tratamento, um antiemético diferente dos administrados na profilaxia deve
ser inicialmente escolhido. Episódio emético ocorrido após 6 h de pós-operatório pode ser tratado com qualquer medicação usada na profilaxia, exceto a dexametasona e a escopolamina transdérmica.
Caso 7
Criança do gênero masculino, com 5 anos, P3 pela classificação da ASA, com história de alergia ao látex,
diagnosticada após contato com bexigas de festa e confirmada por testes Rast específico, será submetida a
transplante renal intervivos, por insuficiência renal terminal. Antecedentes anestésico-cirúrgicos: Derivação
ventriculo-peritoneal para correção de hidrocefalia, vesicostomia e pielostomia, fechamento de vesicostomia
e pielostomia com reimplante ureteral e ampliação vesical com cateterismo intermitente.
1. Relacione os fatores de risco para alergia ao látex.
Portadores de espinha bífida
Procedimentos múltiplos no trato urogenital
Procedimentos múltiplos no neuro-eixo
Cirurgias múltiplas em idade precoce
Paralisia cerebral
Retardo mental
Quadriplegia
Alergias a abacate, banana, kiwi, castanha, mamão papaia, pêssego e manga
Profissionais da indústria de borracha, de alimentos e cabelereiros
Profissionais da área de saúde
História de atopia, rinite alérgica, asma e eczema.
2. Descreva a etiologia da alergia ao látex.
A borracha natural, ou látex, uma seiva extraída da árvore da borracha, Hevea brasiliensis, natural da Amazônia, é constituído por poliisopreno, lípides, fosfolípides e proteínas. Durante sua manufatura, que inclui vulcanização (elevação da
temperatura a 30º C), são adicionados compostos químicos, tais como amônia, tiocarbonetos, antioxidantes e radicais de
enxofre. As proteínas constituem os alérgenos causadores da maioria das reações aos derivados do látex.
As luvas de látex são consideradas o principal derivado do látex determinante do aumento da sensibilização,
sendo que as com talco contêm, geralmente, quantidade maior de proteínas e níveis alergênicos maiores.
Diferentes fabricantes produzem luvas com compostos químicos distintos e variáveis teores de proteína, o
que torna um produto com poder alergênico maior do que outro.
Existem duas causas de reações ao látex: alérgicas ou imunológicas (reações de hipersensibilidade tipo I e
IV) e não alérgicas (irritativas).
A reação de hipersensibilidade tipo I é por sensibilização às proteínas do látex, com quadro que varia de
edema localizado até choque anafilático e óbito. É uma reação imediata, com repercussões sistêmicas causadas por anticorpos circulantes do tipo IgE, para as proteínas do látex natural, com sintomas surgindo logo
após a exposição (30 min).
152 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo VIII - Anestesia em Pediatria
Na reação tipo IV ocorre dermatite de contato, com surgimento de lesões eritemato-papulosas-vesiculosas, seguidas de descamação da epiderme e liquenificação. A dermatite pode ser decorrente
do látex em si, do irritante primário utilizado na manufatura dos derivados do látex, ou do talco
existente nas luvas. É uma reação tardia, mediada por células T, que surge de 6 a 8 horas após
a exposição, habitualmente limitada ao local da pele que foi exposta. Apesar desta não ser uma
reação de alto risco, o paciente pode desenvolver uma reação do tipo I, potencialmente letal, por
sensibilização após entrada das proteínas alergênicas na corrente sanguínea a partir da quebra
da integridade da pele.
Na reação não alérgica (não imunológica), o quadro clínico é cutâneo, sendo determinado pelo
contato contínuo e prolongado com derivados do látex. A irritação da pele pode derivar de vários
motivos, tais como: lavagem freqüente das mãos, sem secagem subseqüente; uso de técnicas
abrasivas de esfregação da pele ou de detergentes; irritação climática (ambientes frio e seco,
que ressecam a pele, ou quente e úmido, causando sudorese excessiva) e estresse emocional.
Este tipo de dermatite pode predispor, por quebra de integridade da pele, à sensibilização pelas
proteínas do látex.
Informações atualizadas sobre instrumental médico contendo látex estão disponibilizadas no endereço http://
www.immune.com/rubber.
3. Apresente a epidemiologia da alergia ao látex.
A primeira referência a reação do tipo alérgico aos derivados do látex data de 1933. Mas foi na década de
1980 que os relatos de caso se acumularam na literatura, gerando um alerta do Food and Drug Administration (FDA), em março de 1991, sobre esta ocorrência envolvendo instrumental médico contendo látex em
ambientes hospitalares, em particular nas salas de operação cirúrgica.
A prevalência varia de <1 – 6,7%, dependendo da população estudada e dos métodos usados para a detecção. As reações ao látex relacionadas à anestesia podem levar ao óbito de 5 a 7% dos casos.
Na população pediátrica há poucos estudos que descrevem a prevalência deste problema. Publicação de
Murat et al., sobre questionário realizado na França, entre 1991 e 1992, identificou o látex como a principal
causa (76%) de reações alérgicas perioperatórias. Karila et al., pesquisando com questionários entre 1989
e 2001, descreveu o látex como sendo a segunda causa destas complicações (27%), sendo a primeira os
bloqueadores neuro musculares.
Aproximadamente, 70% dos eventos adversos relacionados a látex relatados pelo FDA envolvem profissionais da área de saúde. Entre os anestesiologistas, a prevalência de sensibilização ao látex é de 12,5
– 15,8%.
No Brasil, Mathias e col. estudaram a prevalência de sinais/sintomas sugestivos de sensibilização ao látex
em profissionais da área de saúde, onde foram avaliados 326 questionários. Concluiu que os profissionais expostos ao látex no ambiente de trabalho têm, significantemente, maior prevalência do que os não
expostos, com maior porcentagem de sinais e sintomas nos indivíduos com maior tempo médio de uso
de luvas por dia.
4. Identifique os métodos diagnósticos para alergia ao látex.
O diagnóstico pode ser feito pela história clínica, mas deve ser confirmada pelos testes laboratoriais específicos, o teste cutâneo (prick test) e a detecção de IgE específica para proteínas do látex. Para a realização dos
testes cutâneos, todo o aparato de segurança deve estar disponível, pois não se pode descartar o surgimento de uma reação grave neste momento. O nível sérico de IgE se correlaciona, diretamente, com o número
de procedimentos, mas a sensibilidade desta dosagem é inferior ao teste cutâneo (teste de IgE positivo em
apenas 60-90% dos pacientes sensibilizados) .
Capítulo VIII - Anestesia em Pediatria
Anestesia Casos Clínicos - 153
A reação pode se manifestar como eczema, urticária, rinite ou conjuntivite, angioedema, asma e até
choque anafilático. Na identificação da reação durante um procedimento anestésico, principalmente
em anestesia geral, é difícil estabelecer a relação causal em função da diversidade de fármacos,
instrumentais e agentes em geral empregados. Nas reações intra-operatórias o início é, em geral,
retardado, devido ao tempo de contato entre superfícies internas, membranas mucosas, e as luvas do
cirurgião. Além das mucosas, a absorção do látex dá-se através do trato respiratório e até mesmo da
pele íntegra.
5. Quais os cuidados para os pacientes susceptíveis ou sabidamente
sensibilizados e os profissionais de risco para alergia ao látex?
Para manter sob controle este risco potencial, são necessárias ações complexas dirigidas para a redução
da exposição, através de práticas apropriadas de trabalho, recomendações para as instituições médicas,
quanto à alergia ao látex, monitorização dos sintomas, substituição por produtos isentos de látex, quando
indicado, implementação de leis e diretrizes pelos órgãos competentes e educação e treinamento dos profissionais e cuidadores.
Condutas no caso de reação alérgica grave (anafilaxia):
• Suspensão imediata da administração ou redução da absorção do agente desencadeante
• Remoção de todo o látex do campo cirúrgico
• Suspensão da administração de anestésicos, bloqueadores neuromusculares, antibióticos e hemocomponentes
• Ventilação com oxigênio a 100%
• Acesso seguro à via aérea
• Hidratação vigorosa com soluções cristalóides
• Administração de adrenalina e terapias secundárias.
Caso 8
Criança de 3 anos de idade, escalado para nefrectomia unilateral para retirada de tumor de Wilms. Foi planejada anestesia geral balanceada, associada a peridural lombar com ropivacaína e morfina.
1. Quais as diferenças anatômicas e fisiológicas relevantes entre a criança
e o adulto para execução da anestesia regional na criança?
Medula espinhal e saco dural mais baixos
Mielinização tardia das estruturas nervosas
Estruturas ósseas e vertebrais cartilaginosas
Fluidez aumentada da gordura peridural
Imaturidade enzimática
Conteúdo plasmático de proteínas diminuído
Maior volume extracelular
Maior débito e frequência cardíaca
Imaturidade do sistema autonômico simpático.
154 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo VIII - Anestesia em Pediatria
2. Qual a epidemiologia de complicações da anestesia regional em
crianças?
Em 1996, estudo prospectivo de 01 ano, realizado pela sociedade dos anestesiologistas pediátricos de língua francesa (ADARPEF), avaliando 85.412 anestesias pediátricas, que incluíam 24.409
anestesias regionais, observaram a ocorrência de 24 complicações sem sequelas, mortes ou conseqüências legais, todas sob bloqueios neuroaxiais. Em 2007, uma análise das peridurais pediátricas
britânicas relatou 96 incidentes, dentre 10.633 anestesias peridurais realizadas. Dessas, 56 (0,53%)
estavam associadas à inserção ou manutenção do cateter peridural, sendo a maioria sem gravidade;
apenas 01 desenvolveu síndrome da cauda eqüina por erro na programação da bomba de infusão;
outras 40 (0,38%), acredita-se estarem associadas à técnica de infusão. A faixa de recém nascidos
foi a mais acometida pelos acidentes, principalmente por erros de fármacos e toxicidade por anestésico local.
Os bloqueios regionais, principalmente os bloqueios do neuro-eixo, estão associados à ocorrência de eventos adversos (0,5%), que são, na sua maioria, sem repercussões, mas ocasionalmente graves. A maioria
dessas complicações ocorrem por cuidados insuficientes durante a execução do bloqueio (erros com fármacos) ou no período pós-operatório (injeção sob pressão).
3. Quais as diferenças entre os bloqueios centrais (neuroeixo) e bloqueios
de nervos periféricos?
As principais diferenças entre os bloqueios centrais e os bloqueios de nervos periféricos estão descritas na
tabela I.
Tabela I – Bloqueios centrais x periféricos
Bloqueios Centrais
Peridural ou raquianestesia
Inviável para cirurgia de cabeça e pescoço
Hipotensão, como efeito sistêmico
Fraqueza de membros inferiores
Analgesia limitada a 4-6 horas
Aceitação paterna difícil
Bloqueio de nervos periféricos
Restrito à área de analgesia desejada
Aplicável a qualquer área
Efeitos sistêmicos raros
Bloqueio motor improvável, exceto bloqueio de nervo motor de extremidade inferior
Analgesia poder ser maior que 12 horas
Maior aceitação paterna
4. Como detectar injeção intravascular de anestésico local na criança
anestesiada?
A injeção intravascular de anestésico local associado à adrenalina pode ser detectada através da
observação do eletrocardiograma (ECG), de elevação da freqüência cardíaca associada a aumento
da amplitude de ST e surgimento de onda T apiculada. Para reduzir o risco de isquemia, arritmias
cardíacas e outros desfechos piores, pela injeção intravascular de altas doses de anestésico com
vasoconstrictor, o uso de dose teste é muito útil, por produzir mudanças transitórias no ECG, que
alertam para a necessidade de interrupção da injeção. A taquicardia, isoladamente, não é um indicador
Capítulo VIII - Anestesia em Pediatria
Anestesia Casos Clínicos - 155
confiável da injeção intravascular de anestésico, acontecendo somente em 73% dos casos. A dose
teste é, portanto, um indicador sensível à injeção intravascular, não intencional, de anestésico local em
crianças anestesiadas.
5. Quais as vantagens da execução de anestesia regional guiada por ultrasom em criança?
Técnica não invasiva
Fácil de executar
Não envolve exposição a radiação
Não sofre influência do tipo de anestesia utilizada
Permite visualização direta do nervo e estruturas adjacentes em tempo real, o que é, particularmente,
vantajoso em crianças, pois a maioria das anestesias regionais realizadas nesse grupo etário é sob
anestesia geral.
Caso 9
Criança, 4 anos de idade, pesando 20 Kg, chega à emergência com queimaduras extensas pelo corpo,
acometendo 30% da sua superfície corporal, após acidente doméstico com fogo.
1. Como pode ser classificada a gravidade da queimadura?
Resposta
A gravidade de uma queimadura pode ser classificada de acordo com a profundidade atingida, com a área
de superfície corporal envolvida, com a localização das lesões e com a presença ou ausência de lesão por
inalação. A profundidade é aferida de acordo com os níveis e tipos de tecidos acometidos (Tabela I).
Tabela I – Classificação das Queimaduras pela profundidade das lesões.
Profundidade da Queimadura
Primeiro grau
Segundo grau
Superficial
Profunda
Terceiro grau
Quarto grau
Tecidos atingidos
Epiderme
Epiderme e derme superficial
Epiderme e derme profunda
Epiderme e toda a espessura da derme
Fáscias, músculos e ossos
Para a classificação de acordo com a área de superfície corporal atingida, utiliza-se a regra dos 9 para
os adultos. Porém, esta regra não funciona adequadamente para crianças, devido à desproporção da
sua cabeça em relação ao restante do corpo. Assim, um ajuste para este tipo de paciente deve ser
feito.
A partir dos dados recolhidos na avaliação da vítima, a sua categorização como grande queimado determinará os cuidados emergenciais, o planejamento para o tratamento a médio e longo prazo e o prognóstico
(Tabela II).
156 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo VIII - Anestesia em Pediatria
Tabela II - Definição de grande queimado.
Características da Queimadura
Mais de 10% de ASC* de 3º graus
Mais de 20-25% de ASC 2º graus
Mais de 15-20% de ASC 2º graus recém-nascidos e lactentes
Queimaduras envolvendo a face, mãos, pés ou períneo
Lesão por inalação
Queimaduras elétricas ou químicas
Queimaduras com outros traumas associados
Queimaduras circunferenciais, principalmente em tórax
Queimaduras em crianças com doenças associadas
*ASC – Área de Superfície Corporal
2. Nesta situação, quais os cuidados emergenciais com as vias aéreas a
serem tomados pela equipe médica?
A prioridade nesta situação é o estabelecimento de via aérea segura, além da ressuscitação volêmica e da
avaliação de possíveis lesões traumáticas associadas.
A agressão térmica em ambiente fechado pressupõe a existência de dano ao sistema respiratório, com
interferência na capacidade carreadora de oxigênio, devido a envenenamento por dióxido de carbono ou bloqueio mecânico à entrada e saída de ar dos pulmões, principalmente por edema. O dióxido de carbono tem
200 vezes mais afinidade pela hemoglobina do que o oxigênio, competindo, assim com este. Para desviar
esta reação química, oxigênio a 100% deve ser administrado, o que reduz a meia-vida da carboxi-hemoglobina de 4 horas para 30 a 60 min. A presença de carboxi-hemoglobina determinará leitura falsamente elevada
na oxímetria de pulso. Níveis moderados de envenenamento causam náuseas e cefaléia, enquanto níveis
elevados provocam convulsões, coma e parada cardiorrespiratória.
A inalação de ar quente e produtos da combustão causa lesões graves no trato respiratório, habitualmente
limitadas a estruturas acima da Carina. Inalação direta da chama ou de partículas superaquecidas pode
ter como consequência lesões nas vias aéreas inferiores. O estreitamento subglótico a nível da cartilagem
cricóide é a área mais susceptível a obstrução em crianças. A combinação de macroglossia, supraglotite e
laringotraqueobronquite é muito comum no edema causado por inalação de ar quente. Na vigência deste
quadro, em criança com queimaduras na região cervical, a intubação traqueal de urgência é mandatória.
3. Como avaliar e implementar a reposição volêmica?
A perda hídrica na criança é maior e mais rápida do que no adulto, principalmente devido à sua grande
área de superfície corporal. Dois acessos venosos calibrosos devem ser instalados, e na impossibilidade
destes, a via intra-óssea deve ser considerada. Existem controvérsias quanto ao tipo de solução ideal a
ser infundida (cristalóides, colóides ou solução hipertônica. Como não há evidências que encerre de forma
definitiva a questão, ao que parece é que a escolha da solução é o ponto menos importante, desde que o
volume circulante seja reposto de forma adequada, guiado por parâmetros objetivos. Em geral, pequenas
queimaduras (menos de 10% de área) não requerem ressuscitação volêmica vigorosa, enquanto no queimado com mais de 15% de área esta ação deve ser prioritária. A solução de reposição na emergência não
Capítulo VIII - Anestesia em Pediatria
Anestesia Casos Clínicos - 157
deve conter glicose, pois nesta situação, a liberação pelo estresse de catecolaminas provoca hiperglicemia,
que, se associada a líquidos com glicose, podem determinar o desenvolvimento de coma hiperglicêmico.
Recomenda-se monitorização mais rígida da glicemia para crianças com menos de 20 Kg.
Em crianças, particularmente nas que apresentam lesão por inalação, a reposição exclusiva com cristalóides
pode promover diluição importante das proteínas plasmáticas, sendo a administração de albumina mais
precocemente indicada, neste grupo de pacientes. A dose de albumina a 5%, a ser administrada após as primeiras 24 do trauma, é de 0,3, 0,4 ou 0,5 ml.Kg.-1 por % de área queimada, por 24 horas, para queimaduras
de 30 a 50%, 50 a 70% ou 70 a 100% de área queimada, respectivamente.
A fórmula de Parkland orienta a reposição volêmica com Ringer Lactato (RL), baseada no peso e área de
superfície corporal (ASC) queimada.
Reposição nas primeiras 8 h: 2 x (Peso x ASC)
Reposição nas próximas 16 h: 2 x (Peso x ASC)
No caso desta criança, com 20 Kg e 30%:
Reposição nas primeiras 8 h: 2 x (20 x 30) = 1200 mL de RL= 150 mL por hora
Reposição nas próximas 16 h: 2 x (20 x 30) = 1200 mL de RL= 75 mL por hora
Durante os procedimentos cirúrgicos para tratamento das feridas, a perda de fluidos é aumentada, tanto por
evaporação, quanto por extravasamento das áreas manipuladas. De acordo com o tipo de excisão da ferida
e do enxerto, a perda sanguínea pode variar; é maior nas excisões tangenciais do que nas fasciais, 4 ml.cm2 e 1,5 ml.cm-2, respectivamente.
A monitorização das perdas sanguíneas e dos processos de coagulação deve ser acompanhada mais pelos
dados do campo cirúrgico e dos padrões hemodinâmicos, sendo confirmados pelos testes laboratoriais,
principalmente para o diagnóstico diferencial de coagulação intravascular disseminada.
4. Descreva as peculiaridades da abordagem pré-anestésica deste
paciente.
A rotina da avaliação pré-anestésica deve ser mantida. A menos que haja indicação cirúrgica emergencial,
os distúrbios hidro-eletrolíticos e ácido-base devem ser previamente corrigidos. Os exames pré-operatórios
devem ser completos, com avaliação de eletrólitos, hematimetria, coagulação, níveis de glicemia, nitrogênio,
cálcio ionizado e proteínas plasmáticas, gasimetria arterial e imagens radiológicas do sistema respiratório.
Os exames físicos dos diversos sistemas devem ser individualizados. A família deve ser completamente
informada dos riscos, sendo solicitada a assinatura do consentimento livre e esclarecido. Monitorização
ostensiva deve estar prevista para antes da indução anestésica, lembrando que a oximetria de pulso pode
não estar confiável. Após indução anestésica, recomenda-se a obtenção de acesso venoso central para
monitorização e administração de fluidos, bem como de linha arterial.
5. Descreva a abordagem farmacológica da indução e manutenção
anestésica deste paciente.
O uso de agentes indutores, venosos ou inalatórios, deve ser considerado à luz da situação hemodinâmica
vigente. Pacientes hipovolêmicos têm queda do volume de distribuição, aumento do compartimento central,
redução do clearance, maior débito para coração e cérebro; são, portanto, mas sensíveis aos opióides
e hipnóticos intra-venosos, com efeitos depressivos potencialmente perigosos sobre a função cerebral e
cardio-vascular. A dose de propofol deve ser de 10 a 20% da indicada para pacientes hígidos, enquanto
para o fentanil e o remifentanil a redução indicada é de 50%. O etomidato é exceção, não necessitando de
ajuste de doses, sendo o hipnótico de escolha nesta hora. O midazolam, tiopental e cetamina, na vigência
158 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo VIII - Anestesia em Pediatria
de depressão cardio-circulatória não devem ser utilizados, por risco maior de deterioração das funções.
Comparados aos agentes intra-venosos, os inalatórios têm a desvantagem de inibir mais profundamente a
resposta compensatória dos barorrecetores e piorar o quadro hemodinâmico; se for esta a única opção, concentrações mais baixas devem ser utilizadas (menos de 1 CAM). Para acesso a via aera e/ou procedimento
emergencial, em vigência de instabilidade hemodinâmica, o uso de etomidado associado a fentanil e um
BNM adespolarizante do tipo rocurônio (dose de 1,2 mg.Kg-1) parece a melhor escolha, principalmente com
o Sugammadex disponível para a reversão do relaxamento em caso de não intubo, não ventilo.
A anestesia realizada alguns dias após a lesão tem características diferentes. Por alterações farmacocinéticas e farmacodinâmicas, tolerância a opióides pode existir precocemente, resultando em maior necessidade destes fármacos. A partir de 24 h da queimadura, ocorre disseminação de receptores colinérgicos
extra-juncionais, com maior resposta aos bloqueadores neuro musculares despolarizantes (BNM) e risco de
hiperkalemia e seus desdobramentos. A disseminação pode perdurar por 15 meses ou mais. Os BNM de escolha são, portanto, os adespolarizantes. Por resistência dos receptores extra-juncionais a estes fármacos,
a dose administrada deve ser maior (pode haver necessidade de dose superior a 3 vezes a recomendada
para pacientes hígidos). Para a indução, em situação de normovolemia, tanto propofol quanto o etomidato
ou a cetamina pode ser uma boa escolha.
Para os debridamentos seriados de ferida, podem ser utilizados: bloqueios nervosos periféricos ou centrais,
com administração de anestésico local e/adjuvantes através de cateter; cetamina ou hipnóticos intra-venosos associados a opióides.
O controle rígido da temperatura corporal é mandatório. Hipotermia central abaixo de 32º C está associada
com taxas de até 100% de mortalidade em alguns estudos.
Caso 10
Criança de 7 anos é escalada para tratamento cirúrgico de fratura de cotovelo, ocorrida há 3 dias. Tem história de asma, com última crise há 1 mês. Não faz uso de medicação de rotina.
1. Como esta criança pode ser classificada quanto à asma e qual a
importância dessa classificação?
Classificar os pacientes de acordo com os seus sintomas clínicos pode estratificar riscos e guiar as condutas
pré-operatórias. Os pacientes asmáticos podem ser classificados em Grupo I, II ou III.
O grupo I inclui aqueles pacientes que têm história de asma, mas estão assintomáticos e sem uso de medicação de rotina.
O grupo II inclui os pacientes com ataques de asma recorrentes, fazendo uso de medicação profilática, mas
sem sintomas ativos.
O grupo III inclui os pacientes sintomáticos ou aquele estão com a sua condição física deteriorada.
2. Como deve ser a avaliação pré-anestésica e que critérios utilizar para o
adiamento de cirurgia eletiva?
A criança asmática que se apresenta para cirurgia eletiva deve estar sem sibilos na ausculta pulmonar.
Pacientes com sintomas leves a moderados não requerem trabalho adicional, mas os que estão com sintomas
de asma ativa, devem ter a cirurgia eletiva postergada para otimização do seu estado. Asmáticos não devem ser
anestesiados para cirurgia eletiva durante infecção viral aguda de vias aéreas, pois têm risco aumentado de broncoespasmo. Nesse caso, a conduta ideal é remarcar a cirurgia para 4 a 6 semanas após o evento.
Capítulo VIII - Anestesia em Pediatria
Anestesia Casos Clínicos - 159
É de especial importância pesquisar sobre história anestésica prévia, alergias, tosse ou escarro, regime
medicamentoso, necessidade de tratamento hospitalar prévio (intubação ou infusão IV) e nível de atividade.
O exame físico deve incluir ausculta pulmonar e atenção aos sinais vitais, presença de tosse, utilização de musculatura acessória, cianose, avaliação de alteração do estado mental e nível de hidratação.
Avaliação da oximetria de pulso com a criança respirando ar ambiente é útil para saber o valor basal e se há
hipóxia pré-existente.
Não há indicação de qualquer exame laboratorial, a menos que haja suspeita de infecção aguda.
3. Como deve ser o preparo pré-anestésico da criança asmática?
Para a asma leve, deve ser administrado através de nebulização um agonista adrenérgico beta-2, uma a duas
horas antes da cirurgia. Pacientes com asma moderada devem fazer uso regular de nebulização com um agonista adrenérgico beta-2 na semana que precede a cirurgia, além de um agente antiinflamatório por inalação.
4. Como deve ser conduzida a anestesia dessa criança?
O Tiopental deve ser evitado, pois pode liberar histamina, além de prover um plano anestésico superficial,
podendo desencadear broncoespasmo na vigência de instrumentação da via aérea.
A Cetamina produz relaxamento da musculatura lisa das vias aéreas e broncodilatação, podendo ser o
agente de escolha em crianças com sibilos ativos e instabilidade hemodinâmica que necessitam de cirurgia
de urgência.
A lidocaína previne broncoconstricção reflexa e tem pouca toxicidade na dose de 1 a 1,5 mg.Kg-1 IV, 1 a 3
minutos antes da intubação traqueal. A borrifação direta de lidocaína pode desencadear reação da via aérea,
portanto é preferível a sua administração intravenosa.
O uso de propofol (2,5 mg.Kg-1) resulta numa redução significante da incidência de sibilos após a intubação
traqueal. Deve ser o agente de escolha para indução intravenosa em crianças hemodinamicamente estáveis
com asma.
O sevoflurano é excelente para indução inalatória, levando a menor incidência de laringoespasmo e arritmias cardíacas, quando comparado com os outros agentes inalatórios potentes, além de ser um profundo
broncodilatador.
O uso de vecurônio, rocurônio e cisatracúrio como relaxantes musculares são admissíveis na criança asmática. A reversão do bloqueio neuromuscular com neostigmine não causa broncoconstricção, se este for
administrado simultaneamente com a atropina ou o glicopirrolato.
A intubação traqueal é o fator de risco mais importante para desencadear broncoespasmo, e, em situações
apropriadas, deve ser substituída por máscara facial ou máscara laríngea.
Glicopirrolato ou atropina intravenosos, após a indução, diminuem as secreções e produzem broncodilatação adicional.
A utilização de gases umidificados ajuda a limitar o ressecamento excessivo das vias aéreas. A aspiração
da traquéia deve ser feita com o paciente em plano anestésico profundo. A extubação traqueal em plano
profundo reduz os riscos de broncoespasmo, mas pode aumentar o de broncoaspiração em pacientes susceptíveis.
Se houver necessidade de cirurgia de urgência, apesar da presença de asma ativa, o controle do broncoespasmo deve ser instituído antes da indução da anestesia, com administração de oxigênio, hidratação,
adrenalina subcutânea, terapia com beta2 agonista, corticóides e antibióticos.
160 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo VIII - Anestesia em Pediatria
5. Qual a conduta diante de um broncoespasmo intra-operatório?
Na vigência de um broncoespasmo intra-operatório, o albuterol de frasco dosador deve ser administrado
dentro da sonda traqueal, através de um cateter mais fino que esta, saindo do dosador e indo até a parte
distal da sonda traqueal. Essa manobra aumenta em mais de 10 vezes a quantidade de albuterol que chega
à traquéia (2,5 a 12,3% da dose total liberada).
A administração de cetamina (0,5 a 2 mg.Kg-1) é uma forma rápida de aprofundar a anestesia; aumento da
concentração do anestésico inalatório deve ser feito, preservando, no entanto, a estabilidade hemodinâmica.
Hidrocortisona ou metilprednisolona (acima de 2 mg.Kg-1) deve ser administrado para evitar broncoespasmo
pós-operatório.
No broncoespasmo sem remissão com o tratamento acima, pode-se administrar adrenalina ou terbutalina (IV
ou subcutâneas) ou ainda isoproterenol IV.
LEITURAS RECOMENDADAS:
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Capítulo IX
Anestesia para Cirurgia Cardíaca
Airton Bagatini
Cátia Sousa Govêia
Cristiano Hahn Englert
José Henrique Leal Araújo
Getulio Rodrigues de Oliveira Filho
Luís Cláudio de Araújo Ladeira
164 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo IX - Anestesia para Cirurgia Cardíaca
Caso 1
Paciente feminina, 55 anos, 70 quilos, 160 centímetros de altura, cardiopata isquêmica, estado físico
ASA 4, portadora de hipertensão arterial sistêmica e diabetes, foi submetida à cirurgia de revascularização do miocárdio por lesão severa em artéria descendente anterior e artéria circunflexa. Antes da
entrada em circulação extracorpórea, recebeu 280 mg de heparina e, após saída de perfusão (duração
de 56 minutos), recebeu uma dose de 280 mg de protamina. No término da cirurgia, o Teste de Coagulação Ativado (TCA) está, aproximadamente, igual ao realizado previamente ao uso de heparina (95
segundos).
1. Qual o mecanismo de ação da heparina?
Desde a sua descoberta por Jay McLean, MD, em 1915, a heparina tem resistido ao teste do tempo e
continua a ser o principal anticoagulante utilizado na cirurgia cardíaca que exige a circulação extracorpórea
(CEC). O mecanismo anticoagulante da heparina gira em torno da capacidade da molécula de heparina de
se ligar simultaneamente à antitrombina III (AT III) e à trombina. O processo de ligação é mediado por uma
sequência de pentassacarídeo única que se liga à AT III. A proximidade da AT III e da trombina, mediada
pela molécula de heparina, permite que a AT III, para inibir o efeito pró-coagulante da trombina, se ligue ao
resíduo de serina do sítio ativo da molécula de trombina. O efeito inibitório da AT III é aumentado mil vezes
na presença de heparina. O complexo heparina-AT III pode afetar vários fatores de coagulação, mas os
fatores Xa e trombina são mais sensíveis à inibição por heparina, e a trombina é 10 vezes mais sensível aos
efeitos inibitórios da heparina do que o fator Xa.
2. Como é feita a monitorização da anticoagulação durante a circulação
extracorpórea?
Uma amostra de sangue é adicionada a um tubo que contém um ativador de contato, celite ou caulim. A
amostra é aquecida a 37 ºC e o tubo é movimentado continuamente até a formação do coágulo. O nome
desse processo é Teste de Coagulação Ativado (TCA). Os valores de TCA podem variar de acordo com o
fabricante da máquina e entre adultos e crianças. Em razão desses fatores interferentes, o TCA por si só
não é um indicador adequado da eficácia da heparina, e a simultaneidade ou o monitoramento adjuvante da
concentração de heparina também deve ser usado durante a CEC.
O prolongamento do TCA por heparina, relacionado com fatores clínicos como hipotermia, hemodiluição ou
anormalidades quantitativas ou qualitativas das plaquetas, exige do anestesiologista a redução da dose de
heparina para manter o TCA. Com essa redução, a concentração de heparina pode tornar-se inadequada,
mesmo quando a leitura permanece de acordo com uma faixa aceitável.
O monitoramento da concentração de heparina e seu uso em doses maiores realmente podem proteger o
sistema hemostático e diminuir a necessidade de transfusão.
3. O Teste de Coagulação Ativado (TCA) é o único método de avaliação da
coagulação durante a circulação extracorpórea?
O teste de Tempo de Trombina (TT) plasmática mede a velocidade com que um coágulo se forma quando
uma quantidade padrão de trombina bovina é adicionada a uma amostra de plasma pobre em plaquetas do
paciente e a uma amostra de controle normal de plasma pobre em plaquetas. Após a adição da trombina,
o tempo de coagulação para cada amostra é registrado e comparado. Esse teste permite uma estimativa
rápida, porém imprecisa, dos níveis de fibrinogênio do plasma.
Capítulo IX - Anestesia para Cirurgia Cardíaca
Anestesia Casos Clínicos - 165
O TT correlaciona-se bem com a concentração de heparina, tanto antes como durante a CEC. Ao contrário
do TCA, o TT não é afetado pela hemodiluição e pela hipertermia, além disso, é um teste mais específico
do efeito da coagulação com heparina e parece possuir menor variabilidade. A aprotinina e as infusões de
heparina pré-operatória não afetam os valores de TT.
4. Como é feita a reversão da anticoagulação?
A protamina continua a ser o agente de escolha de reversão da heparina em cirurgia cardíaca. A dose de
protamina necessária para reverter a heparina é um tanto controversa. Nos trabalhos sobre anestesia em cirurgia cardíaca relata-se o valor de 1 a 1,3 mg de protamina para cada 100 unidades de heparina. A pergunta
a ser respondida gira em torno do tempo e da quantidade de heparina que se usa para que ela seja revertida
pela protamina: deve ser utilizada a quantidade total de heparina para o procedimento ou a quantidade presente no paciente no momento da reversão é suficiente? Na prática corrente, a dosagem geralmente segue
um dos seguintes protocolos:
1. A protamina é administrada de acordo com a quantidade total de heparina para o procedimento, especificamente, de 1 a 1,3 mg de protamina por 100 unidades de heparina. Esse método pode resultar em doses
de protamina luxuriantes, o que reduz os riscos teóricos ou reais do rebote de heparina mas pode colocar o
paciente em maior risco para o efeito anticoagulante de protamina;
2. Outra prática envolve a medida automática de heparina, a partir de um sistema de monitorização de sua
concentração. A quantidade de protamina utilizada nesse método é baseada na concentração de heparina
circulante no paciente no momento da reversão. Por, teoricamente, não haver excesso de protamina, esses
pacientes podem estar em risco de rebote da heparina e talvez exijam mais protamina.
5. Uma dose excessiva de protamina pode deteriorar o sistema de coagulação?
A reversão incompleta da heparina pode levar a sangramento por tempo prolongado, mas uma dose excessiva de protamina (2 mg para cada 1 mg ou 100 UI de heparina) pode deteriorar o sistema de coagulação.
A protamina livre pode diminuir o número de plaquetas e a função plaquetária, precipitar o fibrinogênio e
reduzir o efeito pró-coagulante da trombina. Após reversão, com a protamina ante um prolongamento do
tempo de coagulação ativado, é necessária a avaliação laboratorial com outros testes, como tempo de
trombina, dosagem de complexo protamina/heparina, troboelastograma, contagem de plaquetas e níveis de
fibrinogênio no plasma.
Caso 2
Paciente feminina, 78 anos, portadora de estenose aórtica severa, gradiente máximo medido por ecografia
transesofágica de 85 mm Hg, cateterismo pré-operatório com coronárias normais, foi submetida à troca
valvar aórtica. Foi realizada anestesia geral com monitorizarão adequada, sem particularidades. O tempo de
circulação extracorpórea foi de 80 minutos, e durante a saída da circulação extracorpórea a paciente apresentou instabilidade hemodinâmica, necessitando de utilização de drogas vasopressoras.
1. O que deve ser feito antes da saída da circulação extracorpórea?
Antes da saída da circulação extracorpórea (CEC) é importante ter os resultados laboratoriais recentes e
a gasometria arterial checada, verificar a temperatura do paciente, que deve estar normotérmico, avaliar a
complacência pulmonar e iniciar a ventilação adequada. O ritmo cardíaco, as alterações de ST e a frequência devem ser examinados. É importante recalibrar e zerar os transdutores de pressão, checar a pressão
arterial e a pressão venosa central, estimar a pré-carga e a resistência periférica arterial e, se disponível,
166 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo IX - Anestesia para Cirurgia Cardíaca
analisar a contratilidade por ecografia transesofágica transoperatória. A inspeção direta cardíaca também
deve ser feita, com a verificação do volume cardíaco, do sangramento no campo cirúrgico e da contratilidade.
Ritmo cardíaco, contratilidade e enchimento ventricular podem ser examinados por meio de uma observação
cuidadosa do coração e devem ser assistidos pela ecografia.
2. Quais as causas para a disfunção ventricular após a saída da circulação
extracorpórea?
As causas para a disfunção ventricular após a saída da CEC são diversas, e cada uma deve ser avaliada
e analisada pelo anestesista. Alterações eletrocardiográficas, como supradesnível difuso do segmento ST
e hipocontratilidade, podem ser sugestivas de embolia por ar residual coronariano. É indicado manter a
elevação da pressão arterial e a circulação extracorpórea até a resolução do quadro. Verificar se o enxerto
coronariano está posicionado adequadamente; a possibilidade de “kinking” da ponte pode ser uma das
causas; espasmo coronariano também é outra causa para esse quadro; doença residual não corrigida ou
nova patologia valvar pode ser verificada; a presença de “leak” perivalvar observado por ecografia também
deve ser analisado e reparado pelo cirurgião; excesso de cardioplegia, proteção miocárdica inadequada e
lesão por reperfusão devem ser considerados; os dados laboratoriais devem ser analisados, tendo em vista
a presença de acidose significativa (ph < 7,20); hipocalcemia e hipercalemia (> 5,5 mEq/L) devem ser prontamente cuidadas; hematócrito e hemoglobina também devem ser verificados e tratados conforme protocolo
adotado pela instituição.
3. Qual o manejo inicial para a saída de perfusão difícil?
Existem vários protocolos para a saída de perfusão, devendo se considerar cada caso, como comorbidades
prévias do paciente, experiência e protocolos próprios dos serviços cirúrgicos e dos anestésicos.
O manejo inicial para a disfunção ventricular pode seguir estes passos: otimizar o ritmo cardíaco, por meio
de marca-passo ou do uso de drogas inotrópicas (é importante ressaltar que o uso dessas drogas deve ser
avaliado com critério, pelo risco de elas aumentarem a demanda miocárdica de oxigênio, podendo elevar
o grau de isquemia miocárdica); verificar a pré-carga cardíaca através da inspeção direta do coração,
por meio de métodos invasivos, como PVC e medidas de cateter de artéria pulmonar, e da utilização de
visualização de câmeras cardíacas pela ecografia transesofágica. Após a integração de todos os dados e
um diagnóstico estabelecido, o tratamento adequado deve ser iniciado. Pacientes com disfunção contrátil
devem ser mantidos na CEC enquanto o tratamento com drogas vasopressoras e inotrópicas é iniciado. Se
a pós-carga estiver alta, podem ser instituídos também vasodilatadores arteriolares, como o nitroprussiato.
Em pacientes com história prévia de hipertensão pulmonar, o dado da pressão da artéria pulmonar também
pode ser utilizado para avaliar a disfunção ventricular, já que o aumento da pressão dessa artéria e a diminuição da pressão arterial sistêmica podem indicar insuficiência ventricular esquerda. O contrário também é
válido: a pressão arterial sistêmica normal e a pressão da artéria pulmonar diminuída são um indicativo de
disfunção ventricular direita, o que sugere, então, tratamento com vasodilatador pulmonar, como ON e PGE
inalatória, além de suporte inotrópico. O uso de inotrópicos e vasopressores em ambas as situações deve
ser contemplado.
No manejo clínico, deve-se notar que uma causa pode determinar um tipo de insuficiência ventricular, mas outras causas concomitantes podem estar presentes. Por exemplo, a isquemia ventricular pode levar à disfunção
do ventrículo direito e estar mascarada pelo aumento da pós-carga causado por outra patologia simultânea. No
caso de disfunção ventricular direita, o manejo inicial consiste em otimizar a pré-carga, com valores de PVC entre 12 mm Hg e 15 mm Hg, estabelecer um ritmo sinusal, reduzir a pós-carga, como comentado anteriormente,
e, se necessário, prestar assistência com suporte mecânico, como balão intra-aórtico.
Capítulo IX - Anestesia para Cirurgia Cardíaca
Anestesia Casos Clínicos - 167
4. Quais as maiores indicações para o uso do balão intra-aórtico?
O balão intra-aórtico (BIA) foi inicialmente testado clinicamente em 1968. O principal mecanismo desse
equipamento consiste na insuflação que ocorre na diástole e na deflação que ocorre na sístole de um balão
preenchido por hélio, posicionado na aorta descendente. As duas maiores indicações para o uso do balão
intra-aórtico são isquemia miocárdica intratável por terapia máxima medicamentosa e disfunção ventricular
esquerda manejada inadequadamente com inotrópicos. O balão intra-aórtico também apresenta efeitos favoráveis na disfunção ventricular direita, sendo os mecanismos complexos por se tratar, provavelmente, de
um aumento direto do fluxo miocárdico direito, que diminui a pressão do átrio esquerdo da artéria pulmonar,
secundário à melhora da performance do ventrículo esquerdo e à interdependência ventricular.
A eficácia do BIA está intimamente relacionada com seu posicionamento correto na aorta e o tempo adequado de insuflação e desinsuflação. Deve ser posicionado o mais perto do coração possível, mas distal aos
grandes vasos, e deve ser inflado em sincronia com o ponto da curva do traçado arterial. Pode também ser
controlado pelo ECG do paciente, monitorado diretamente pelo aparelho. Vale lembrar que o balão intraaórtico é contraindicado para pacientes com incompetência aórtica e dissecção de aorta.
5. Quais as arritmias mais frequentes em cirurgia cardíaca após a saída de
perfusão?
Apesar da fibrilação atrial (FA), as arritmias mais comumente associadas no pós-operatório de cirurgia cardíaca são as supraventriculares e ventriculares, e podem ocorrer na saída da CEC. Elas podem se manifestar logo no início da cirurgia ou ser também uma exacerbação de uma arritmia preexistente. Taquicardia
supraventricular, primariamente FA, ocorre entre 15% e 40% dos pacientes, tendo como fatores de risco
principais: FA preexistente, idade, cirurgias combinadas de válvulas e revascularização, duração de clampeamento e CEC, canulação bicaval e “venting” da veia pulmonar. Apesar de a FA estar relacionada com
morbidade aumentada no pós-operatório, como AVC perioperatório não está relacionada com aumento de
mortalidade.
O tratamento inicial de uma arritmia supraventricluar consiste em controlar a resposta ventricular e convertêla, o quanto antes, em ritmo sinusal. Cardioversão é a alternativa inicial para o tratamento da FA, no entanto,
drogas que diminuam o tempo de condução atrioventricular são também utilizadas. O uso de agentes que
vão diminuir o inotropismo cardíaco deve ser avaliado. Reversão farmacológica para o ritmo sinusal também
é complicada, pois os tratamentos não são totalmente efetivos. O manejo da FA é influenciado no intraoperatório – basicamente, se estiver relacionado com a repercussão hemodinâmica, a eficácia da cardioversão
elétrica, o papel do marca-passo e o reconhecimento de que agentes com inotropismo negativo devem ser
evitados.
Taquicardia ventricular não sustentada também é comum após cirurgia cardíaca, podendo ocorrer em até
50% dos pacientes, porém, também não influencia diretamente o desfecho do paciente a longo prazo. Taquicardia ventricular e fibrilação ventricular sustentadas ocorrem principalmente quando existe uma função
ventricular diminuída associada com isquemia, mesmo que não aparente, e após troca de válvula aórtica.
Após cardioversão apropriada, o balanço eletrolítico e o uso de antiarrítmicos devem ser otimizados e a
isquemia no transoperatório deve ser tratada.
Caso 3
Paciente de 25 anos, do sexo feminino, apresenta-se para curetagem uterina devido a abortamento espontâneo. Ela relata história de palpitações, mas desconhece a causa e o tipo da arritmia. Refere aumento
168 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo IX - Anestesia para Cirurgia Cardíaca
da freqüência de aparecimento das arritmias e já apresentou episódio de síncope após palpitações, mas
recusou-se ao atendimento e tratamento em serviço de emergência. O eletrocardiograma (ECG) de 12
derivações mostrou encurtamento do intervalo PR (95 milissegundos) em todas as derivações e a presença
de onda delta.
1. O que são as síndromes de pré excitação ventricular?
São definidas como a ativação de todo o ventrículo, ou uma parte deste, por impulsos gerados no átrio,
mas conduzidos aos ventrículos por vias de condução acessórias. Assim, a ativação ventricular ocorre
mais precocemente, pois as vias anômalas escapam ao nodo atrioventricular (AV), que causa retardo
fisiológico do impulso elétrico. A principal síndrome de pré excitação ventricular é a de Wolff Parkinson
White, mas também podem ser citadas a síndrome de Lown Ganong Levine e a síndrome de pré excitação
de Mahaim.
2. O que é a síndrome de Wolff Parkinson White?
É a síndrome de pré excitação ventricular mais frequentemente encontrada, iniciada por circuitos de condução anormais. A síndrome clássica caracteriza-se por condução bidirecional por via acessória (atrioventricular e ventriculoatrial), além da condução pela via nodo AV-feixe de His durante o ritmo sinusal. Geralmente
é resultante de via anômala denominada feixe de Kent, cujo trajeto vai dos átrios aos ventrículos, mas é
desviada no nodo atrioventricular.
Apresenta incidência de 0,1 a 0,3% na população geral. Os sintomas geralmente manifestam-se durante
adolescência e em adultos jovens, e a gravidez pode exacerbar os sintomas.
Ao ECG, o intervalo PR é curto, pois a despolarização ventricular inicia-se antes do normal. Como a via
alternativa atravessa o miocárdio, sua condução aí é um pouco mais lenta que se através do sistema de
condução normal, resultando, então, em complexo QRS alargado por uma deflexão precoce, denominada
onda delta.
Segundo consenso da American Heart Association (2009), os sinais eletrocardiográficos sugestivos da pré
excitação ventricular do tipo Wolff-Parkinson-White são: (1) intervalo PR menor que 120 milissegundos (ms)
durante ritmo sinusal em adultos ou menor que 90 ms em crianças; (2) distorção da porção inicial do complexo QRS (onda delta), que pode interromper a onda P ou iniciar-se logo após o término desta; (3) duração
do QRS maior que 120 ms em adultos ou que 90 ms em crianças; (4) alterações secundárias do segmento
ST e da onda T.
Há duas localizações diferentes para a via acessória, resultando em diferentes tipos de síndrome
de Wolff Parkinson White. No tipo A, a via anômala localiza-se à esquerda, próximo à válvula
mitral. No ECG, a onda delta e o restante do QRS aparecem positivos nas derivações de V1 a V6.
No tipo B da síndrome, a via alternativa localiza-se à direita, resultando em QRS invertido na derivação V1 e positivo em V6. Na síndrome de Wolff Parkinson White, os padrões de “pseudoinfarto”
não são raros.
3. Qual o tipo de arritmia cardíaca mais comumente associada a síndrome
de Wolff Parkinson White?
Na síndrome de Wolff Parkinson White, as arritmias mais comuns são a fibrilação atrial e a taquicardia atrioventricular reentrante, na qual a condução AV ocorre por meio da via normal, e a condução ventrículo-atrial
pela via acessória.
A fibrilação atrial pode ser uma arritmia ameaçadora à vida na síndrome de Wolff Parkinson White
se a via de condução AV alternativa possuir período refratário anterógrado curto, permitindo que
Capítulo IX - Anestesia para Cirurgia Cardíaca
Anestesia Casos Clínicos - 169
muitos impulsos atriais sejam conduzidos ao ventrículo. Como consequência, frequências ventriculares muito altas podem ser geradas, com possível evolução para fibrilação ventricular (FV) e
morte súbita.
4. Como tratar a síndrome de Wolff Parkinson White?
Pacientes assintomáticos com sinais de Wolff Parkinson White ao ECG devem ser, primeiramente, submetidos aos testes não invasivos para determinação do risco de encurtamento do período refratário (exercício,
Holter, prova farmacológica). Nesses pacientes, a ablação da via acessória fica restrita àqueles em ocupações de alto risco e atletas profissionais.
O tratamento das crises agudas de taquicardia depende das características do complexo QRS, obtidas a
partir de ECG de 12 derivações.
O tratamento inicial é feito com manobras de estimulação vagal. A seguir, pode-se utilizar administração
intravenosa de adenosina e, por fim, se ineficaz, verapamil. O objetivo é interromper a taquicardia por meio
do bloqueio temporário da condução no nodo AV. Entretanto, se a crise não for tolerada pelo paciente, indica-se a cardioversão imediata.
Se a taquicardia atrioventricular por reentrada evoluir para fibrilação atrial, o que pode ocorrer em até 30%
dos casos, drogas que promovem diminuição da condução no nodo atrioventricular são potencialmente
perigosas. Poderá ocorrer hipotensão arterial após a utilização do verapamil, e adenosina poderá precipitar
o aparecimento de taquicardia de condução rápida. O tratamento deve obedecer ao protocolo para taquicardias com QRS alargado.
Se durante o tratamento farmacológico para as taquicardias com QRS alargado o paciente apresentar sinais de instabilidade hemodinâmica, como angina, insuficiência cardíaca ou hipotensão
arterial, deve-se abandonar a terapia medicamentosa e iniciar cardioversão para restauração do
ritmo sinusal. A cardioversão também deve ser indicada eletivamente em caso de falha da terapia
farmacológica.
O tratamento definitivo de pacientes com sintomatologia pode ser obtido por meio de ablação da via acessória, após estudo eletrofisiológico.
5. Como fazer o manuseio anestésico do paciente com síndrome de Wolff
Parkinson White?
Em situações eletivas, pacientes sintomáticos para a síndrome de Wolff Parkinson White devem primeiramente ser submetidos a estudo eletrofisiológico e, possivelmente, a ablação da via acessória, se apresentarem história de síncopes, ritmos rápidos de taquicardia atrioventricular reentrante ou fibrilação atrial com
condução AV rápida.
Pacientes com baixo risco de condução AV rápida ou em situações de operações de emergência, devem
continuar a terapia farmacológica, incluindo os antiarrítmicos das classes IA, IC ou III.
A anestesia geral deve ter como objetivo diminuir o tônus simpático durante as fases de indução e
despertar da anestesia. O uso de ópioides ou lidocaína antes da laringoscopia previne a estimulação
simpática pelo estímulo nóxico. Deve-se evitar o uso de cetamina, pela estimulação do sistema nervoso
simpático, bem como da atropina, que aumenta a condução e encurta o período refratário da via de
condução acessória. Alguns anestésicos, como droperidol e enflurano, aumentam o período refratário
da via acessória e previnem contra taquicardias reentrantes. O propofol não parece causar efeitos
sobre o período refratário da via alternativa, estando indicado, portanto, para anestesia dos procedimentos de ablação.
A anestesia regional não está contraindicada para portadores da síndrome de Wolff Parkinson White.
170 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo IX - Anestesia para Cirurgia Cardíaca
Caso 4
Paciente de 44 anos, do sexo masculino, foi trazido por paramédicos ao serviço de emergência, devido à
presença, no hemitórax esquerdo, de ferida penetrante por arma branca. Apresentava-se com dispneia,
sudorese e agitação. Os sinais vitais mostravam frequência respiratória: 25 irpm, pressão arterial: 150 x 70
mmHg, frequência cardíaca: 105 bpm e saturação de oxigênio: 96%. Ao exame físico, distensão venosa
jugular bilateral e abafamento de bulhas cardíacas à ausculta. Radiografia de tórax evidenciou alargamento
do mediastino. A ecocardiografia mostrou sinais sugestivos de tamponamento cardíaco.
1. O que é tamponamento cardíaco?
É uma condição de descompensação hemodinâmica que resulta do aumento da pressão intrapericárdica,
culminando em compressão e colapso cardíaco. O aumento da pressão intrapericárdica promove diminuição
dos volumes ventriculares, aumento da pressão diastólica ventricular e diminuição da complacência diastólica. A redução da pré carga leva a menor volume sistólico, débito cardíaco e pressão arterial.
O volume que causa distensão do pericárdio, ou reserva pericárdica, aproxima-se de 10 a 30ml. À medida
em que o volume aumenta, excede a capacidade de distensão pericárdica e causa compressão progressiva
das câmaras cardíacas, com redução da complacência e dos volumes de enchimento.
Os principais determinantes da gravidade da doença e das consequentes alterações hemodinâmicas são
a velocidade de acúmulo de fluidos em relação à distensibilidade pericárdica e a eficácia dos mecanismos
compensatórios.
2. Quais as etiologias mais comuns?
O tamponamento agudo pode ser causado por trauma penetrante ou contuso, rotura miocárdica após infarto,
aneurisma aórtico, hematomas dissecantes ou lesões iatrogênicas, como após cateterismo cardíaco, instalação de marcapassos, pericardiocenteses ou reanimação cardiopulmonar.
O tamponamento crônico ou subagudo tem como etiologias mais comuns causas idiopáticas, pericardites
virais, acúmulo de fluidos por neoplasias e relacionadas a diálise.
3. Descreva as manifestações do tamponamento cardíaco.
As apresentações do tamponamento cardíaco podem ser observadas como alterações hemodinâmicas progressivas decorrentes da gradual elevação da pressão intrapericárdica, de leve a intensa.
A doença leve ou de instalação lenta é, frequentemente, assintomática.
Nas apresentações moderada e grave manifestam-se dispneia, ortopneia, sintomas de compressão torácica, dor pericárdica, abafamento das bulhas cardíacas e agitação ou alterações da consciência. Ocorre grande aumento da pressão venosa. A denominada tríade de Beck consiste de hipotensão arterial,
aumento da pressão venosa e um coração “pequeno e silencioso”. O sinal mais comum é a distensão
das jugulares, e sem o aumento da pressão venosa, não se pode fazer diagnóstico de tamponamento
cardíaco.
Taquicardia, pulso paradoxal (diminuição inspiratória da pressão arterial maior que 10 mmHg), sinal de
Kussmaul (distensão jugular durante a inspiração) e hipotensão arterial são observados com a progressão
do quadro.
Aumento do tônus simpático causa taquicardia, como medida compensatória para a manutenção do débito
cardíaco, e aumento da resistência vascular sistêmica, para preservação do retorno venoso e pressão arterial sistêmica. Quando os mecanismos compensatórios sofrem esgotamento, o paciente pode evoluir para o
choque cardiogênico.
Capítulo IX - Anestesia para Cirurgia Cardíaca
Anestesia Casos Clínicos - 171
Exames diagnósticos: a radiografia de tórax mostra alargamento mediastinal progressivo ou cardiomegalia.
À ecocardiografia, o exame de escolha, evidencia-se a efusão pericádica. O colapso diastólico do átrio direito
e ventrículo direito e/ou colapso diastólico do ventrículo esquerdo são os sinais mais sensíveis e específicos
de tamponamento cardíaco. Observa-se ainda excessiva variação respiratória das velocidades de fluxo ao
Doppler através das válvulas tricúspide e mitral, e pode haver também balanço pendular do coração dentro
do fluido pericárdico.
Ao eletrocardiograma (ECG), o tamponamento cardíaco promove alterações inespecíficas da onda T, baixa
voltagem do complexo QRS e, possivelmente, sinais de pericardite ou isquemia miocárdica. Um sinal específico, mas incomum, é a alternância elétrica da onda P e complexo QRS, variações da amplitude das ondas
entre os batimentos.
4. Como tratar tamponamento cardíaco?
O tratamento consiste da drenagem do fluido do espaço pericárdico.
Uma abordagem é a paracentese percutânea por agulha, preferencialmente sob exames de imagem, como
ecocardiograma, fluoroscopia ou tomografia computadorizada. A retirada de até 50 ml de fluido pode, muitas
vezes, ser suficiente para que o paciente recupere a estabilidade hemodinâmica.
O tratamento cirúrgico deve ser instituído para pacientes com hemorragia pericárdica, presença de coágulos,
ou condições que impeçam a eficácia da paracentese por agulha.
Até que o tratamento definitivo seja obtido, deve-se instituir medidas auxiliares para o controle clínico
do paciente, com terapias que suportem os mecanismos compensatórios e diminuam a elevada resistência vascular sistêmica. A dobutamina é capaz de aumentar o inotropismo cardíaco sem, no entanto,
aumentar a resistência vascular sistêmica. Deve-se evitar a ventilação mecânica com pressão positiva,
pois pode promover aumento da pressão intratorácica, diminuição do retorno venoso e do débito cardíaco.
Em caso de parada cardiocirculatória, as manobras de compressão podem ser ineficazes, pois o fluido
no espaço pericárdico não apenas impede o enchimento atrial, mas também funciona como coxim para
o coração contra as compressões externas. Idealmente, deve-se primeiramente realizar a drenagem pericárdica.
5. Como fazer o manuseio anestésico do paciente com tamponamento
cardíaco?
O uso de ansiolíticos deve ser evitado, pois a ativação do sistema nervoso simpático contribui como um
importante mecanismo compensatório das alterações hemodinâmicas no tamponamento cardíaco.
A monitorização deve incluir ECG, oximetria de pulso, medida invasiva da pressão arterial e pressão venosa
central.
Uma vez que os fármacos anestésicos apresentam potencial para causar depressão da função cardíaca,
deve-se dar preferência aos agentes que preservem os mecanismos compensatórios ou reduzir, de modo
adequado, a dose a ser utilizada.
O manuseio da hipotensão arterial à indução da anestesia poderá incluir uso de fármacos vasoativos, inotrópicos e a reposição de fluidos intravenosos, para otimizar a pré carga.
A pressão positiva inspiratória em valores mais baixos auxilia na redução do impacto sobre a função hemodinâmica. Ventilação espontânea também pode ser empregada.
A pericardiocentese causa alívio imediato do quadro, com recuperação da pressão arterial e débito cardíaco,
se o miocárdio não tiver sido comprometido. Oxigenação, equilíbrio ácido-básico e função renal também são
rapidamente recuperados. O suporte hemodinâmico pode ser dispensado logo que o paciente recupere a
homeostase.
172 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo IX - Anestesia para Cirurgia Cardíaca
Caso 5
Um recém-nascido de 15 dias de vida, sexo: feminino, com interrupção do arco aórtico e persistência do
canal arterial entra no centro-cirúrgico para correção cirúrgica.
1. O que é interrupção do arco aórtico?
A interrupção do arco aórtico é uma anormalidade anatômica onde ocorre atresia completa do arco.
Normalmente esta patologia está acompanhada de persistência do canal arterial ou comunicação interventricular.
2. Quais as consequências fisiopatológicas da interrupção do arco aórtico
e porque devemos manter o canal arterial permeável antes da cirurgia?
A interrupção do arco aórtico não permite o fluxo sanguíneo para os membros inferiores e rins. Esta irrigação
só se torna possível se existir persistência do canal arterial. Se o canal arterial for fechado, ocorrerá acidose
metabólica grave e insuficiência renal. Desta forma, antes e durante a cirurgia, deve-se administrar prostaglandina E1 que impede o fechamento do ducto arterial.
3. Quais exames pré-operatórios adicionais devem ser solicitados?
Além dos exames corriqueiros, devemos solicitar a dosagem de cálcio, pH e bicarbonato. A dosagem de
cálcio é necessária pois esta patologia está fortemente associada à síndrome de deleção 22Q11 que cursa
com frequência com hipocalcemia. O pH e bicarbonato refletem a irrigação da aorta descendente e uma
acidose é sinal de perfusão insuficiente da área irrigada.
4. Porque os anestesiologistas usam três oxímetros de pulso: um no
membro superior direito, um no membro superior esquerdo e um no
membro inferior?
A monitorização por meio de oxímetro de pulso dos membros superiores e membro inferior nos permite
verificar se a perfusão está comprometida. A interrupção do arco aórtico impede a obtenção de dados da
saturação na parte inferior do corpo e braço esquerdo.
5. Quais os objetivos da técnica anestésica neste caso?
O principal objetivo desta anestesia é manter a estabilidade cardiovascular e impedir o fechamento do canal
arterial antes da correção cirúrgica. A manutenção da estabilidade cardiovascular é mantida através de uma
boa analgesia.
Caso 6
Paciente do sexo feminino, 58 anos, refere dor precordial há 3 dias de forte intensidade acompanhada de sudorese que piorou agudamente. Na cineangiocoronariografia constatou-se comunicação
interventricular pós infarto agudo do miocárdio. Medicação em uso: hidroclorotiazida 50mg 1 vez ao
dia.
Capítulo IX - Anestesia para Cirurgia Cardíaca
Anestesia Casos Clínicos - 173
1. Qual a principal causa da ruptura do septo ventricular? Quais as
principais artérias envolvidas?
A ruptura ocorre quase sempre quando há necrose transmural, sendo mais freqüente em IAM ântero-lateral
(coronária descendente anterior, ramo da coronária esquerda) . No IAM inferior (coronária direita), a ruptura
do SIV ocorre na região de transição entre miocárdio saudável e tecido necrótico, geralmente apical. No IAM
inferior o defeito compromete o septo basal posterior.
2. Neste diagnóstico, quando deve ser realizada a cirurgia?
As recomendações atuais, segundo o American College of Cardiology – American Heart Association, para
tratamento do infarto agudo são de tratamento cirúrgico imediato em pacientes com ruptura septal, independente do estado clínico do paciente; a conduta expectante está associada a morte súbita enquanto
aguardam a correção cirúrgica.
3. Qual a taxa de mortalidade destes pacientes?
As taxas de mortalidade são altas nestes pacientes. Nos pacientes tratados cirurgicamente, giram em torno
de 58%, enquanto nos conduzidos clinicamente chegam a 75%.
4. Qual a indicação do balão intra-aórtico neste paciente?
A inserção de balão intra-aórtico (BIA) auxilia no suporte circulatório pré-operatório acarretando redução da
resistência vascular sistêmica e da fração de shunt, e aumento de perfusão coronária, além da manutenção
da pressão arterial.
5. Quais os cuidados na anestesia deste paciente?
O principal objetivo da anestesia para essa cirurgia é equilibrar a demanda e consumo de oxigênio. Este
paciente cursa com shunt esquerdo-direito pela comunicação intra-ventricular (CIV) adquirida, o balão intraaórtico ajuda a equilibrar este paciente, conforme discutido na questão anterior. Este equilíbrio pode ser
obtido com diversas técnicas, sendo comum a anestesia balanceada associando fentanil e isoflurano. Alguns
utilizam anestesia venosa total, porém devemos ter cuidado com a administração de propofol. É importante
evitar taquicardia, hipertensão, hipotensão e hipóxia.
Caso 7
Paciente com 35 anos de idade, portador de hipertensão arterial sistêmica sem controle medicamentoso, é
admitido com quadro clínico de dor torácica típica. Após avaliação cardiológica foi encaminhado para cateterismo cardíaco diagnóstico.
1. Quais são os sintomas que podem indicar o cateterismo diagnóstico em
pacientes adulto com doença arterial coronariana?
Os seguintes sintomas podem indicar a necessidade de cateterismo diagnóstico: angina instável, angina pósinfarto, angina refratária, dor torácica típica com testes diagnósticos negativos e história de morte súbita.
174 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo IX - Anestesia para Cirurgia Cardíaca
2. Quais são os pacientes de alto risco para o cateterismo cardíaco?
Os pacientes de alto risco para o cateterismo cardíaco possuem como características idade inferior a um
ano e superior a 70 anos; classe funcional IV; doença de tronco de coronária esquerda; doença cardíaca
valvar ou doença cardíaca valvar associada à doença coronariana; disfunção ventricular esquerda grave
(FE<30%); doença grave não-cardíaca; insuficiência renal; diabetes melitus insulino-dependente; doença
cerebrovascular ou doença vascular periférica; e, disfunção respiratória severa.
3. Quais são as contra-indicações relativas ao cateterismo diagnóstico?
As contra-indicações relativas estão relacionadas à instabilidade elétrica ventricular, hipocalemia não-corrigida, toxicidade digitálica, hipertensão arterial não-controlada, doença febril em curso, insuficiência cardíaca
descompensada, anticoagulação (INR>1,8), alergia ao agente de contraste, insuficiência renal grave ou
anúria sem programação de terapia de substituição renal.
4. Como deve ser o manuseio anestésico para esse paciente?
O manuseio anestésico pode ser sedação em doses tituladas de fentanil e midazolam, por exemplo, com
intuito de se obter sedação em graus leve a moderado. Deve-se ter em mente que hipoventilação e hipoxemia podem comprometer o quadro clínico do paciente e as alterações respiratórias secundárias à sedação
podem confundir os valores medidos durante o exame.
5. Quais são as complicações cardíacas do cateterismo coronariano?
As complicações podem ser cardíacas e não-cardíacas. Entre as complicações cardíacas do cateterismo
esquerdo podem estar morte, infarto do miocárdio, fibrilação ventricular, taquicardia ventricular e perfuração
cardíaca As complicações cardíacas após cateterismo do lado direito são anormalidade de condução, bloqueio completo de ramo direito, bloqueio cardíaco completo (bloqueio completo de ramo direito associado ao
bloqueio completo de ramo esquerdo prévio), arritmias, perfuração e lesão valvar.
Caso 8
Paciente de 65 anos, foi admitido em Serviço de Pronto Atendimento de Cardiologia com história clínica e
exames laboratoriais compatíveis com síndrome coronariana aguda. O paciente foi encaminhado à Hemodinâmica para cateterismo e possível angioplastia primária. À admissão apresentava-se com dispnéia de
pequena intensidade e ausculta pulmonar com crepitações em bases pulmonares.
1. Qual é a fisiopatologia da insuficiência coronariana aguda e a relação
com o quadro clínico descrito?
A fisiopatologia da insuficiência coronariana aguda está relacionada à quebra da relação oferta-consumo
de oxigênio pelo miocárdio. Essa alteração da fisiologia da circulação coronariana ocorre após a ruptura
da placa aterosclerótica e trombose coronariana intraluminal. Essa seqüência de ações ocasiona isquemia
e necrose das células musculares e, a depender da extensão do território afetado, pode comprometer as
funções sistólica e diastólica do miocárdio. A insuficiência ventricular esquerda é responsável pelo aumento
de líquido intersticial pulmonar.
Capítulo IX - Anestesia para Cirurgia Cardíaca
Anestesia Casos Clínicos - 175
2. Como o exame físico pode demonstrar gravidade em um paciente
portador de síndrome coronariana aguda?
Killip, em 1967, propôs uma classificação de prognóstico baseada na presença e intensidade das alterações do exame do aparelho respiratório. Os pacientes classificados como classe I não possuíam alterações à ausculta respiratória e não possuíam B3 à ausculta cardíaca. Os pacientes classificados como
II poderiam possuir B3, porém a ausculta respiratória mostrava creptações em até metade dos campos
pulmonares. A classe III era formada por pacientes que exibiam crepitações em mais da metade dos
campos pulmonares e, frequentemente exibiam edema pulmonar. O choque cardiogênico representava
a classe IV.
3. Quando a utilização de trombolíticos é indicada no paciente com infarto
agudo do miocárdio?
Quando o início de sintomas é em intervalo de tempo inferior a 3 horas do atendimento, quando há ausência
de contra-indicações a esses fármacos e quando o intervalo de tempo para realização de terapia percutânea
intervencionista primária é maior que 90 minutos da admissão.
4. Quando a intervenção percutânea primária é preferida?
Quando existe contra-indicações aos agentes trombolíticos, choque cardiogênico, intervalo de tempo para
realização de terapia percutânea intervencionista primária inferior a 90 minutos da admissão, apresentações
tardias e em pacientes idosos.
5. Qual monitorização deve ser utilizada nesta situação?
A monitorização deve ser a obrigatória e deve incluir, ao menos, ECG, oximetria de pulso e pressão arterial
não-invasiva e invasiva nos procedimentos em que se utiliza sedação. Em caso de anestesia geral deve-se
incluir a capnografia.
Caso 9
Paciente masculino, 34 anos, portador de síndrome de Wolf-Parkinson-White é escalado para tratamento
por ablação.
1. No que consiste a terapia de ablação por cateter?
Consiste na aplicação de energia através de um cateter sobre o endocárdio, produzindo destruição de tecido
cardíaco responsável pela arritmia. No mesmo procedimento, o diagnóstico é feito por mapeamento por
múltiplos eletrodos intracardíacos que localizam o tecido responsável pela gênese da arritmia, onde radiofreqüência de 300 a 750 kHz é aplicada, gerando calor e lesão térmica.
2. Que arritmias podem ser tratadas por este método?
Arritmias supraventriculares paroxísticas, flutter atrial, fibrilação atrial e taquicardia ventricular idiopática.
176 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo IX - Anestesia para Cirurgia Cardíaca
3. Quais as vantagens da terapia de ablação por cateter?
Basicamente, melhora da qualidade de vida e melhora da capacidade funcional do paciente portador destas
disritmias, já que é um procedimento com alta taxa de sucesso (85 a 98%) e baixa taxa de complicações
(3%).
4. Onde o procedimento é realizado e qual a monitorização necessária?
O procedimento é realizado no laboratório de hemodinâmica e monitorização básica é usualmente suficiente
(ECG, pressão arterial não invasiva e oximetro de pulso).
5. Que técnicas anestésicas são mais frequentemente empregadas?
A menos que o paciente seja muito ansioso ou agitado, não tolere o decúbito ou não consiga comunicar-se
adequadamente, sedação com hipnótico/opióide é suficiente. Não há restrições quanto a drogas utilizadas
para a anestesia geral.
Caso 10
Paciente de 65 anos, portador de arteriopatia obstrutiva periférica, com dor isquêmica em MID (claudicação
intermitente) aos mínimos esforços, escalado para revascularização de membro inferior por bypass femuropopliteo.
1. Qual o teste não invasivo padrão para determinar a gravidade da doença
arterial periférica?
O índice tornozelo-braço, que é calculado dividindo-se a pressão arterial sistólica medida no tornozelo pela
pressão arterial sistólica medida no braço. Os valores normais são 1 ou 1,1. Valores iguais a 0,9 indica doença arterial proximal ao tornozelo. Claudicação intermitente ocorre com valores entre 0,3 e 0,9. Gangrena
ocorre com valores menores que 0,2.
2. Como se prepara este paciente para a cirurgia?
O preparo pré-operatório deste paciente inclui a otimização da função cardíaca e respiratória. Os betabloqueadores e aspirina não devem ser interrompidos. Outros antiadesivos plaquetários, como ticlodipina e
clopidogrel, cujo uso contraindica anestesia regional, devem ser suspensos somente após avaliação de
risco/benefício para o paciente. A monitorização deve incluir linha arterial para medida da pressão arterial
direta, cateter urinário para monitorização da diurese e pela longa duração dos procedimentos. Cateteres
venosos centrais devem ser instalados em pacientes com disfunção renal para controle volêmico e em pacientes que necessitem de drogas vasoativas. Pacientes com insuficiência cardíaca podem se beneficiar do
uso de monitorização cardíaca invasiva com cateter de artéria pulmonar.
3. Anestesia geral ou regional?
Diversos estudos comparando anestesia peridural e anestesia geral têm obtido resultados conflitantes. A
anestesia peridural reduz a resposta inflamatória e a hipercoagulabilidade observada em pacientes submetidos a cirurgias vasculares periféricas. Esses fatores são responsáveis potenciais causas de oclusão
Capítulo IX - Anestesia para Cirurgia Cardíaca
Anestesia Casos Clínicos - 177
de enxertos e eventos cardiovasculares como IAM pós-operatórios. Entretanto, faltam evidências de que
a anestesia peridural seja mais indicada. O que parece unanimidade nos estudos que fizeram seguimento
pós-operatório foi o achado de que analgesia venosa ou peridural contínua nas primeiras 72 horas diminui a
taxa de oclusão de enxertos e a morbidade cardiovascular.
4. Como se trata a hipotensão arterial em pacientes submetidos à
anestesia peridural?
Hipotensão arterial pode resultar de bloqueio simpático extenso, hipovolemia, sangramento ou diminuição da
resistência vascular sistêmica, que, em pacientes idosos é significativa durante anestesia neuroaxial. Considerando o risco de aumento da morbidade cardiovascular e pulmonar, devem-se preferir os vasopressores
à administração de grandes volumes de fluidos. Pacientes com insuficiência cardíaca podem necessitar de
suporte inotrópico.
5. Quais os cuidados pós-operatórios indicados?
Em primeiro lugar, controle da dor e da ansiedade que aumentam os níveis de catecolaminas circulantes, a
resposta inflamatória e acentuam a hipercoagulabilidade. A hemoglobina deve ser mantida acima de 9 g.dl-1
e controle rígido da pressão arterial e da freqüência cardíaca.
LEITURAS RECOMENDADAS:
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Antman EM, Braunwald E – ST-Elevation Myocardial Infarction: Pathology, Pathophysiology, and Clinical Features,
em: Libby P, Bonow RO, Mann DL et al. - Braunwald´s Heart Disease: a textbook of cardiovascular medicine, 8th Ed.
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Irefin SA – Anesthesia for Correction of Cardiac Arrhythmias, em: Miller RD - Miller´s Anesthesia, 7th Ed, Philadelphia,
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9.
Lustik SJ, Wojtczak J, Chhibber AK - Wolff-Parkinson-White syndrome simulating inferior myocardial infarction in a
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178 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo IX - Anestesia para Cirurgia Cardíaca
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Terapia Intensiva Cardiológica. São Paulo, Atheneu, 2008.
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When to perform catheter ablation in asymptomatic patients with a Wolff-Parkinson-White electrocardiogram. Circulation,
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Capítulo X
Recuperação Pós-Anestésica
Mary Neide Romero
180 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo X - Recuperação pós-anestésica
Caso 1
Sexo feminino, 34 anos, ASA 1, pressão arterial (PA) - 110/ 80mmHg, FC- 80bpm, submetida a tireoidectomia parcial D por adenoma de glândula tireóide. Anestesia - remifentanil,propofol e rocurônio, intubação
orotraqueal sem dificuldades. Intraoperatório PA em níveis de 80/50mmHg. Ao iniciar o fechamento da ferida
cirúrgica, PA 60/40mmhg e FC 45bpm Na sala de recuperação pós anestésica (SRPA) acordada, Sat.O296% sem oxigenoterapia, pulso cheio, respirando ativamente e PA 90/50mmHg. Após 30 minutos sonolenta,
PA-80/30mmHg, aos 60 minutos, dispnéica, PA 60/40mmhg. A intubação (IOT) não foi possível.
1. As complicações respiratórias pós operatórias da tireoidectomia
decorrem de:
a.
b.
c.
d.
e.
f.
Lesão do nevo laríngeo recorrente uni ou bilateral.
Hipocalcemia
Hemorragia
Lesões causadas pela posição da cabeça.
Crise tireotóxica.
Pneumotórax acidental por possível exploração do pescoço.
2. Como Fazer O Diagnóstico Diferencial?
LESÃO DO NERVO LARINGEO RECORRENTE
Paralisia unilateral do nervo laríngeo - caracteriza-se por obstrução das vias aéreas com início precoce ou
dentro de poucas horas do pós operatório imediato causada por estreitamento da abertura glótica. A lesão
unilateral não produz comprometimento significativo da respiração se a outra corda vocal e as estruturas do
aparelho vocal funcionam normalmente.
Se a lesão é bilateral há completo fechamento da glote e obstrução da via aérea superior. Os fatores associados com o aumento da lesão do laríngeo incluem: cirurgia para câncer de tireóide, doença de Graves,
reoperação, extensiva dissecção do pescoço e de nódulos linfáticos.
HIPOCALCEMIA
Durante a tireoidectomia pode haver retirada acidental da glândula paratireóide, o que reduz a secreção
do paratormônio (PTH), resultando em hipocalcemia. Estima-se que a prevalência da hipocalcemia seja de
caráter transitório em 8.3 a 27.5% dos casos e permanente em 1.7- 5%. A hipocalcemia aguda ocorre de 24
a 72 horas após a cirurgia e caracteriza-se por: parestesias, câimbras, estridor, disritmias e convulsões.
HEMORRAGIA
O leito da tireóide é extremamente vascularizado, podendo resultar na formação de hematoma. A obstrução
venosa causada por uma grande tireóide intratorácica resulta em síndrome da veia cava superior. A formação de hematoma pode gerar comprometimento da via aérea por colapso da traquéia com traqueomalácia.
A dissecção para dentro de tecidos moles comprimíveis do pescoço pode dificultar a intubação.
LESÕES DECORRENTES DA POSIÇÃO NA MESA CIRURGIA
A cirurgia de tireóide normalmente é realizada em posição supina, pescoço em extensão e braços ao longo do
corpo. Os riscos dessa posição incluem: lesão cervical nos pacientes com doença na coluna cervical, compressão
dos nervos occipitais nos pacientes diabéticos e risco de compressão ulnar por compressão na mesa cirúrgica.
Capítulo X - Recuperação pós-anestésica
Anestesia Casos Clínicos - 181
3. Como Evitar As Complicações?
Os cuidados para evitar complicações no pós operatório são: verificar a normalidade das cordas vocais no
pré operatório, identificação da integridade do nervo laríngeo no peri operatório e documentação. Observar
o movimento das cordas vocais logo após a extubação.
Os níveis séricos de PTH durante a cirurgia ou no pós operatório imediato é preditivo de hipocalcemia sintomática ou laboratorial.
A obstrução de vias aéreas por hematoma pode ser evitada por intubação orotraqueal imediata ou descompressão do pescoço antes de levar para a sala de cirurgia para reoperação.
As lesões cervicais são evitadas fazendo extensão cuidadosa do pescoço e proteção das áreas de contato.
O nervo ulnar também deve merecer cuidado especial na área de contato no cotovelo com a mesa cirúrgica.
Na doença de Graves, cuidados para evitar lesão de córnea e pressão no globo ocular.
4. Qual a Conduta Nesse Paciente?
O tratamento inicial inclui a abertura imediata da incisão do pescoço e retirada do coágulo, reavaliando em
seguida a necessidade de intubação.
Como a intubação orotraqueal não foi possível estando a paciente com grave obstrução respiratória, o hematoma deve ser drenado com a maior rapidez possível e encaminhar para a sala de operação.
5. Como Tratar as Outras Complicações?
Lesão do nervo laríngeo recorrente - A função da corda vocal deve ser avaliada por laringoscopia direta logo
após a extubação. Lesão do nervo laríngeo unilateral caracteriza-se por rouquidão e não tem conseqüências
clinicas importante, podendo reverter espontaneamente. A lesão bilateral caracteriza-se por afonia e estridor
bilateral, necessitando intubação orotraqueal urgente.
Hipocalcemia - Evitar hiperventilação, terapia com gluconato de cálcio, evitar transfusões sanguíneas rápidas, embora os produtos sanguíneos contendo citrato não diminuam o cálcio sérico de forma significativa.
Evitar a utilização de soluções de albumina que podem ligar-se ao cálcio ionizado e diminuí-lo. A hipocalcemia sintomática deve ser tratada com gluconato de cálcio a 10% (90 mg de cálcio elementar/10 mL), 10 a 20
mL EV, administrados durante 5 a 10 minutos (diluir em 50 a 100 mL de solução glicosada a 5%), devendo
ser seguido por infusão lenta de cálcio (0,5 a 1,5 mg/Kg/hora).
Lesões causadas pela posição da cabeça – devem ser prioritariamente evitadas protegendo as áreas de
atrito com a mesa cirúrgica e a extensão excessiva da cabeça.
A lesão do nervo ulnar é prevenida pelo acolchoamento do cotovelo e supinação do antebraço.
Crise tireotóxica – A maior ameaça para os pacientes hipertireóideos no período pós operatório é a crise
tireotóxica, caracterizada por hiperpirexia, taquicardia, consciência alterada (agitação delírio e coma) e hipotensão. O inicio geralmente acontece em 6 - 24horas após a cirurgia, mas pode ocorrer no intra-operatório,
mimetizando a hipertermia maligna.
Os pacientes em uso de amiodarona merecem atenção especial porque podem desenvolver hiperfunção da
glândula tireóide e com possibilidade de tireotoxicose.
Caso 2
76 anos, sexo masculino, tabagista, eletrocardiograma (ECG) hipertrofia ventricular. Anestesia - morfina
2mg no espaço peridural, indução com fentanil, propofol e pancurônio, e manutenção com isoflurano e N2O.
Hidratação: 8 litros de cristalóides e 4 unidades de concentrado de hemácias. Perda sanguínea: 1000 ml.
182 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo X - Recuperação pós-anestésica
Na SRPA, apresentava-se sonolento, reagindo apenas a estímulos dolorosos intensos e com saturação de
95% à oximetria de pulso, com cateter nasal de oxigênio a 3l/min. PA:140/80mmHg, FC=56bpm, FR = 6 irpm.
Após 60 minutos, o oxímetro não mensurava a SpO2, a paciente estava pálida, com pulso imperceptível,
tendo evoluído parada cardiorrespiratória.
1. Qual a Causa Mais Provável do Óbito Desse Paciente?
Os problemas respiratórios são as complicações mais freqüentes na SRPA. A grande maioria está relacionada com obstrução das vias aéreas, hipoventilação e hipoxemia. A obstrução da via aérea em pacientes
sedados deve-se à queda da língua para trás, contra a faringe posterior, obstrução parcial das vias aéreas,
que se apresenta como respiração ruidosa. Já a obstrução total causa cessação total do fluxo de ar, ausência dos ruídos respiratórios e movimento respiratório paradoxal.
A hipoventilação é definida como uma PaCO2 maior que 45mmHg, sendo uma ocorrência comum durante a
anestesia geral. Sua significância clinica ocorre com valores de PaCO2 maiores que 60mmHg e pH arterial
menor que 7,25. A diminuição da freqüência respiratória pela morfina pode ter sido a causa da hipoventilação, associada aos efeitos residuais dos agentes anestésicos e à idade avançada do paciente.
2. Qual a Limitação do Oxímetro de Pulso no Diagnóstico da
Hipoventilação?
A ASA Standards for Post Anaesthesia care recomenda que os pacientes na SRPA devem ser continuamente
monitorados tanto na ventilação como na oxigenação. O oxímetro é um monitor eficiente para a oxigenação
mas não para a ventilação, visto que não monitora os movimentos torácicos e nem a eliminação de CO2.
3. Como Os Fármacos Usados em Anestesia Podem Contrubuir Para a
Hipoventilação da SRPA?
Os opióides diminuem a resposta ventilatória ao CO2 de forma dose-dependente. Os opióides lipofílicos,
quando aplicados no neuroeixo, causam depressão respiratória de menor intensidade e mais precoce que os
hidrofílicos. A morfina por sua característica hidrofílica é associada com dispersão cefálica no neuroeixo, podendo causar depressão respiratória a partir da sexta hora após administração. A respiração deprimida por
opióides é clinicamente identificada por apresentar altos volumes correntes e baixa freqüência respiratória.
A depressão respiratória causada por bloqueadores neuromusculares no pós operatório ocorre quando sua
reversão é incompleta, sendo caracterizada por agitação e desconforto respiratório. A função dos músculos
faringeanos é restaurada com TOF > 0.9, enquanto o diafragma pode se contrair com valores inferiores
de TOF, o que pode levar a complicações respiratórios quando este indicador for a referência para a ação
residual dos BNM. O efeito residual de outros fármacos como inalatórios, hipnóticos e benzodiazepínicos,
também podem colaborar para a depressão respiratória na SRPA.
4. Qual a Melhor Forma de Avaliar a Hipoventilaçào na SRPA?
A melhor forma de avaliar a hipoventilação é a observação clínica dos movimentos torácicos, contagem da
frequência respiratória, acompanhamento da ETCO2 e da manutenção da oxigenação tissular.
5. Que Medidas Poderiam Ter Evitado o Óbito Nesse Paciente?
Nesse caso, faltou a vigilância dos parâmetros respiratórios e o emprego de medidas de suporte. A freqüência respiratória já se encontrava baixa na admissão da SRPA e, portanto, faltou suporte ventilatório.
Capítulo X - Recuperação pós-anestésica
Anestesia Casos Clínicos - 183
Caso 3
Paciente com 82 anos, sexo masculino, hipertenso, diabético, ECG - alterações de repolarização ventricular, PA- 170/60mmhg, FC- 54bpm, programado para cistectomia radical com duração de 5 horas. Exames
laboratoriais dentro da normalidade para a idade. Cirurgia realizada com anestesia venosa total. Peridural
analgésica. Encaminhado à SRPA sonolento, respondendo somente a estímulos dolorosos e movimentando
somente os membros superiores sob comando. Apresentava SpO2 = 87%, sem oxigenioterapia no momento
da admissão.
1. Que Parâmetros Devem Ser Avaliados na Admissão na SRPA?
Inicialmente a identificação do paciente e fatores antecedendes à admissão na SRPA
Ficha de anestesia, incluindo:
a. Identificação do(s) anestesiologista(s) responsável(is) e, se for o caso, registro do momento de transferência de responsabilidade durante o procedimento
b. Identificação do paciente
c. Início e término do procedimento
d. Técnica de anestesia empregada
e. Recursos de monitoração adotados
f. Registro da oxigenação, gás carbônico expirado final, pressão arterial e freqüência cardíaca a intervalos
não superiores a dez minutos
g. Soluções e fármacos administrados (momento de administração, via e dose)
h. Intercorrências e eventos adversos associados ou não à anestesia.
3. O Que São Condições Mínimas de Segurança em Anestesiologia e Quem
é Responsável Por Sua Manutenção. Elas Devem Ser Aplicadas na SRPA?
De acordo com a Resolução 1.802/2006 do Conselho Federal de Medicina,
Art. 2º É responsabilidade do diretor técnico da instituição assegurar as condições mínimas para a realização da anestesia com segurança
Art. 3º Entende-se por condições mínimas de segurança para a prática da anestesia a disponibilidade de:
I – Monitoração da circulação, incluindo a determinação da pressão arterial e dos batimentos cardíacos, e
determinação contínua do ritmo cardíaco, incluindo cardioscopia;
II - Monitoração contínua da oxigenação do sangue arterial, incluindo a oximetria de pulso;
III - Monitoração contínua da ventilação, incluindo os teores de gás carbônico exalados nas seguintes situações: anestesia sob via aérea artificial (como intubação traqueal, brônquica ou máscara laríngea) e/ou
ventilação artificial e/ou exposição a agentes capazes de desencadear hipertermia maligna
Após a anestesia, o paciente deve ser removido para a sala de recuperação pós-anestésica (SRPA) ou para
o/a centro (unidade) de terapia intensiva (CTI), conforme o caso.
4. Como Avaliar Na SRPA a Recuperação do Bloqueio no Neuroeixo?
A escala de Bromage modificada é o método mais utilizado para avaliar a reversão do bloqueio no neuroeixo.
0 = levanta os membros inferiores,
1 = flexiona os joelhos,
2 = flexiona os tornozelos,
3 = não movimenta os membros inferiores.
184 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo X - Recuperação pós-anestésica
5. QUE CRITÉRIOS SÃO USADOS PARA A ALTA DA SRPA?
Quadro I
ATIVIDADE
Movimenta as quatro extremidades sob comando
Movimenta somente duas extremidades sob comando
Não movimenta as extremidades
RESPIRAÇÃO
Respira e tosse livremente
Dispnéia
Apnéia
CIRCULAÇÃO
Redução da pressão arterial sistólica < 20% dos níveis pré anestésicos
Redução da pressão arterial sistólica 20% - 49% dos níveis pré anestésicos
Pressão arterial sistólica < 50% dos níveis pré anestésicos
CONSCIÊNCIA
Completamente acordado
Responde se estimulado
Não responde a estímulos
Saturação de Oxigênio (Oxímetro de pulso)
>92% respirando ar ambiente
Necessidade de O2 para a Saturação >90%
<90% mesmo com O2
A ESCALA DE ALDRETTE É A MAIS USADA PARA ALTA DA SRPA
2
1
0
2
1
0
2
1
0
2
1
0
2
1
0
Caso 4
42 anos, ASA I, submetido a nefrectomia percutânea com duração de 4 horas, encaminhado à SRPA com
tremores generalizados, agitado. Impossibilidade de medir os sinais vitais em decorrência de abalos musculares. Temperatura axilar 32ºC, extremidades frias e mucosas cianóticas. Paciente referia náuseas e apresentava vômitos.
1. Qual a Incidência de Tremores no Pós Operatório, Decorrentes de
Hipotermia?
Os tremores no pós operatório ocorrem tanto na anestesia epidural como na geral. A incidência pode alcançar 65% após anestesia geral e 33% após anestesia epidural. Os fatores de risco identificados incluem
sexo masculino e a escolha do agente anestésico, sendo o propofol mais associado com tremores que o
tiopental.
Capítulo X - Recuperação pós-anestésica
Anestesia Casos Clínicos - 185
2. Qual o Mecanismo dos Tremores?
São usualmente causados por hipotermia. A tentativa de produção de calor gerada pelo complexo
sistema de termorregulação pode explicar os tremores na hipotermia. Já no paciente normotérmico, a
ocorrência de tremores depende de outros mecanismos. Entre eles, existe a hipótese de que o cérebro
e a medula espinhal não têm sua recuperação simultânea depois de uma anestesia geral. A recuperação mais rápida da medula resulta em inibição dos reflexos inibitórios manifestados pela atividade
clônica.
3. Quais Tratamentos são Propostos Para os Tremores no Pós Operatório?
A intervenção inclui a identificação e o tratamento da hipotermia quando presente. A temperatura central
pode ser melhor obtida na membrana timpânica. As temperaturas axilar, retal e nasofaríngea são menos
precisas e podem subestimar a temperatura central. O aquecimento do paciente, assim como os opióides,
o ondasetron e a clonidina, têm se mostrado efetivos em abolir os tremores no seu inicio. Em adultos, a
meperidina (12,5 a 25mg) é o fármaco mais usado.
A infusão de baixas doses de ketamina (0.5mg EV) antes da anestesia geral e anestesia regional tem se
mostrado uma medida profilática efetiva.
4. Quais são os Efeitos Clínicos dos Tremores?
Além do significativo desconforto, os tremores pós operatórios aumentam o consumo de oxigênio, produção
de CO2 e o tônus simpático. É associado com aumento do debito cardíaco, freqüência cardíaca, pressão
sistólica sistêmica e pressão intra-ocular.
Ao chegar a SRPA o paciente deve ser aquecido imediatamente para evitar complicações causadas pela hipotermia. A hipotermia de média intensidade (33º a 35º C) inibe a função plaquetária,
a atividade dos fatores da coagulação e o metabolismo das drogas, aumenta o sangramento pós
operatório e prolonga o bloqueio neuromuscular. As conseqüências imediatas são associadas com
maior permanência na SRPA. Os efeitos deletérios tardios incluem aumento da incidência de isquemia e infarto do miocárdio, retardo na cicatrização da ferida cirúrgica, e aumento da mortalidade
perioperatória.
5. Como Evitar os Tremores no Pós Operatório?
FLUIDOS INTRAVENOSOS.
Os líquidos frios, principalmente quando em grade quantidade, causam perda de calor. Uma unidade de
sangue refrigerado ou de solução cristalóide diminui a temperatura corporal em 0.25º C. O aquecimento
dos fluidos deve ser realizado quando administrados em grande quantidade, porque minimiza as perdas
calóricas.
AQUECIMENTO CUTÂNEO
O método mais fácil para impedir a perda de calor é o isolamento passivo da superfície da pele. Esse
método diminui em 30% a perda calórica. A forma mais comum de aquecimento é o sistema contendo ar. O sistema força o ar aquecido dentro de uma manta com poros, colocada sobre o paciente,
eliminando assim a perda calórica da superfície da pele e mantendo a normotermia durante grandes
cirurgias.
.
186 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo X - Recuperação pós-anestésica
Caso 5
Sexo masculino, 72 anos, diabético, hipertenso, revascularizado por IAM há 8 anos, angina grau II, programado para correção de hérnia inguinal. Em uso de insulina NPH, captopril e propranolol. PA: 180/100mmHg,
FC: 62bpm, glicemia de jejum: 200mg/dL, ECG: onda Q de V1 a V6; fração de ejeção: 56%. Submetido a
raquianestesia com 20mg de bupivacaina e morfina 60ug, sedado com midazolam 2mg EV, bloqueio sensitivo ao nível de T2.b Hipotensão durante toda a cirurgia sendo medicado com 2 ampolas de efedrina em bolus
de 2mg e hidratação vigorosa. Na SRPA apresentava-se sonolento, temperatura 32ºC, PA: 75/35mmhg, FC:
46bpm. Foram administradas 3 doses de vasopressor. Após 45 minutos, o paciente queixou-se de dispnéia
e eliminou secreção rosácea pela boca e narinas. O ECG mostrou elevação de segmento ST de V1 a V6.
1. Qual Deveria Ser a Conduta Nesse Paciente no Pré Operatório?
Considerando que a anestesia deve ser vista num contexto perioperatório, certamente se os eventos não
forem corrigidos adequadamente, podem levar a sérias complicações no pós operatório. Esse paciente
apresentava vários sinais de riscos cardíacos intermediários: angina grau II, IAM anterior, diabetes mellitus
e dois sinais de baixo risco: hipertensão e idade avançada.
A conduta pré operatória nesse paciente seria avaliar a capacidade funcional. Se < 4 METs, encaminhar para
cateterismo cardíaco.
2. Quais as Prováveis Causas do Edema Agudo do Pulmão no Pós
Operatório?
O edema pulmonar no pós operatório imediato deste caso pode ser cardiogênico ou secundário à hiperhidratação. Menos freqüentemente o edema pulmonar pode resultar de obstrução das vias aéreas (edema
pulmonar pós obstrução) ou transfusão (TRALI - transfusion – related lung acute injury).
3. O Que Explica o Iam Sem Dor Precordial?
Diabetes mellitus é uma doença comum nos pacientes idosos e representa um processo que afeta órgãos e
sistemas, acelera a progressão da aterosclerose e apresenta maior incidência de doença coronariana que
em não diabéticos. Há também uma alta incidência de isquemia e IAM silente. A neuropatia autonômica do
diabético é um bom preditor de doença coronariana silente. Como esses pacientes tem alto risco de desenvolver IAM silencioso, no ECG a onda Q deve ser verificada antes da cirurgia.
4. Relacionar os Fatores no Perioperatório Que Contribuiram Para o IAM
Vários fatores estão envolvidos no desfecho do caso. No pré operatório, IAM prévio, angina grau II, hipertensão
arterial sistêmica, diabetes mellitus não controlado, idade avançada e onda Q no ECG. No transoperatório,
anestesia subaracnóidea com dose excessiva para a idade, provocando hipotensão grave e persistente, que
prolongou-se na SRPA. Houve também uma hidratação excessiva em cirurgia sem grandes perdas hídricas.
5. Como Tratar um Paciente com Edema Agudo de Pulmão com
Hipotensão Arterial?
Os mecanismos envolvidos no EAP podem ser assim divididos
1. Aumento da pressão hidrostática capilar
2. Alteração da permeabilidade alvéolo-capilar
Capítulo X - Recuperação pós-anestésica
Anestesia Casos Clínicos - 187
3. Redução da pressão caloidosmótica do plasma
4. Alteração da drenagem linfática
5- Elevação da pressão negativa intersticial
O mecanismo responsável pelo movimento de líquido entre alvéolo e interstício é semelhante: a pressão
negativa intersticial força o excesso de líquido intra-alveolar a drenar para o interstício e circulação geral via
sistema linfático. Dessa forma, a estrutura pulmonar exerce sua principal função de troca gasosa e mantém
o interstício e alvéolos secos. O sistema pulmonar que mantém o espaço extravascular dentro dos limites
normais constitui-se de dois componentes:
a) componente estrutural:
1- compartimento vascular
2- compartimento alveolar
3- compartimento intersticial
4- compartimento linfático
b) componente funcional:
1- permeabilidade
2- pressão capilar pulmonar
3- força intersticial
4- força intraveolar
Existem diversas situações que podem perturbar o equilíbrio do sistema. O grau de comprometimento, a extensão e velocidade de instalação vão depender do agente desencadeante ou doença de base. O tratamento
depende da etiologia e do estado hemodonâmico.
Caso 6
Sexo feminino, 32 anos, IMC 55 Kg/m2, submetida cirurgia bariátrica videolaparoscópica. Tempo
cirúrgico 350 min. Na SRPA dor na região glútea com eritema disperso e pequenas vesículas. A rabdomiólise foi suspeitada e medidas seriadas de CPK confirmaram o diagnóstico. Reposição volêmica, alcalinização da urina e administração de manitol foram iniciadas. CPK 475 u.L -1 imediatamente
após a operação; 4 horas mais tarde CPK 37.422 u.L -1, pico de CK 108 700 u.L -1 em 24 h. Após 48
h começou a apresentar diminuição progressiva dos níveis de CPK, até a normalização No 10º dia
pós-operatório
1. O Que é Rabdomiolise (RML)?
RML é uma síndrome clínica e bioquímica, que varia de aumento assintomático das enzimas
musculares (CPK) a insuficiência renal aguda (IRA), síndrome de compartimento, e até mesmo
a morte. RML é produzida por lesão e necrose dos músculos esqueléticos e posterior liberação
intracelular de substâncias tóxicas na circulação. O aumento da pressão devido à compressão
excessiva pelo peso tem sido reconhecida como um fator de risco em pacientes obesos. A incidência de RML após a cirurgia bariátrica não é clara. Cirurgia prolongada, posições cirúrgicas,
estado físico ASA III, IV, e presença de diabetes ou hipertensão foram identificados como fatores
associados com o desenvolvimento da RML. A etiologia é a síndrome compartimental glútea,
que classicamente ocorre no espaço anatomicamente confinado por estruturas não-distensíveis.
O compartimento glúteo contém os músculos glúteo máximo, médio e mínimo, circundados pela
fáscia lata, posteriormente, e pelo tensor da fáscia lata, anteriormente. A lesão inicial consiste em
prolongada compressão direta da musculatura, podendo conduzir a edema, aumento da pressão
intracompartimental, isquemia, glicólise anaeróbia, produção de lactato e íons H +, liberação de
mediadores da inflamação, liberação de radicais livres, necrose muscular e hipovolemia devido a
grande seqüestração líquido.
188 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo X - Recuperação pós-anestésica
2. Como Prevenir a Rabdomiólise?
As medidas preventivas incluem evitar pressão em pontos específicos do corpo durante a cirurgia
principalmente em pacientes obesos, alterações da posição durante a cirurgia, menor tempo cirúrgico
possível, acompanhamento seriado da CPK no pós operatório nos pacientes de maior risco. O diagnóstico precoce é o ponto fundamental para o êxito do tratamento. O desenvolvimento de insuficiência
renal aguda é considerado como um dos principais fatores prognósticos RML, ocorrendo em 20-50%
dos casos de RML.
3. Fatores de Risco Para a Rabdomiólise
A cirurgia de longa duração é o principal fator de risco, mas outros fatores também contribuem para
a RML. Super-obesos (IMC> 50kg/m2), pacientes do sexo masculino com hipertensão, diabetes e /
ou doença vascular periférica, são consideradas de maior risco. O tempo não é único fator, pois a
RML tem sido relatada em pacientes obesos mórbidos submetidos a procedimentos tão curto quanto
70 minutos. Os pacientes que passam a desenvolver insuficiência renal por RML tendem a ter maior
pico de CPK pós-operatória e um lento declínio dos níveis séricos de CPK do que aqueles que não
desenvolvem RML. A lesão renal na presença de rabdomiólise é observada em até 50% dos casos.
Diferentes mecanismos são implicados, como hipovolemia, obstrução intratubular por precipitados de
mioglobina e de ácido úrico, toxicidade direta da mioglobina e isquemia renal secundária a liberação
de substâncias vasoconstritoras liberadas pela lesão muscular, produção de radicais livres pela hipovolemia e pela acidose metabólica. Outras complicações potencialmente fatais incluem a coagulação
intravascular disseminada.
4. Como é Diagnósticada a Rabdomiólise?
O principal indicador de diagnóstico de RML é uma elevação dos níveis séricos de creatina fosfoquinase
(CPK). Um valor cinco vezes maior do que o normal é diagnóstico de RML. Qualquer paciente após cirurgia
bariátrica com dor nas nádegas, quadril, ombro no período pós-operatório e que tem um nível sérico de CPK
superior a 1.000 UI / L deve ser considerado como RML. Dosagem rotineira pré e pós-operatória de CPK
sérica é bem indicada, pois pode promover o diagnóstico e tratamento precoce e melhorar o prognóstico. A
mioglobina é eliminada da circulação pelos rins, e em circunstâncias normais, um nível baixo de mioglobina
plasmática é mantido. A mioglobina primeiro torna-se detectável na urina em concentrações séricas tão
baixas como 250mg/ml. Na presença de urina marrom, especialmente na ausência de hematúria, deve ser
considerada a hipótese de rabdomiólise.
5. Como Tratar a Rabdomiólise?
O tratamento deve ser instituído se CPK acima de 5.000 UI / L. terapia se concentra na prevenção da IRA.
a. Reposição volêmica intra-operatória pode reduzir o risco de RML pós-operatória.
b. Após a cirurgia, hidratação agressiva para eliminar a mioglobina nos rins
c. Diuréticos como o manitol ou furosemida também devem ser instituídos após o diagnóstico. O manitol
mobiliza o líquido intersticial e aumenta o fluxo tubular renal, mas pode também diminuir o volume circulante.
d. Bicarbonato de sódio para alcalinizaçào da urina com o objetivo de alcançar um pH urinário > 7.0, para
aumentar a solubilidade da mioglobina.
e. Internar em unidade de terapia intensiva
Capítulo X - Recuperação pós-anestésica
Anestesia Casos Clínicos - 189
Caso 7
Sexo feminino, história de alergia a dipirona, programada para ooforectomia por via laparoscópica, sem
comorbidades. Cirurgia realizada sem intercorrências. Encaminhada à SRPA com parâmetros hemodinâmicos estáveis, respirando espontaneamente e acordada. Uma hora após a admissão referiu dor, tendo sido
medicada com antiinflamatório não esteróide (AINH) por via venosa. Logo em seguida a paciente queixou-se
de dispnéia e náuseas. Ao exame clinico, PA: 40/20mmHg, cianose, ausência de ruídos pulmonares bilateralmente. A intubação traqueal foi realizada, mas os ruídos respiratórios continuavam imperceptíveis.
1. Qual a Fisiopatologia da Reação Alérgica?
Pequenas moléculas atuam como haptenos e são conjugadas com as proteínas. Quando o alérgeno
liga-se a anticorpos imunoespecíficos IgE na face dos mastócitos e basófilos, histamina e eosinófilos,
fatores quimiotáticos da anafilaxia são liberados de grânulos, um processo dependente de cálcio e energia. Outros fatores químicos são rapidamente sintetizados e subseqüentemente liberados em resposta
a ativação celular. Essas substâncias mediadoras de reação lenta da anafilaxia incluem: leucotrienos,
cininas, fator ativador plaquetário, adenosina, fatores quimiotáxicos, heparina, triptase; prostaglandina,
incluindo o potente broncoconstrictor prostaglandina D2, fator de crescimento das células mastóides e
fatores pró inflamatórios.
2. Qual a Diferença Entre Reação Alérgica e Anafilalactóide?
Anafilaxia é uma reação de hipersensibilidade (tipo I), causada por imunoglobulinas E(IgE), mediada pela
liberação de substâncias farmacologicamente ativas. Esses mediadores produzem especificamente respostas no órgão alvo. A síndrome é chamada anafilaxia em contraste com anafilactóide apesar de a resposta
ser similar, não é mediada por IgE.
3. Quais Sinais e Sintomas Caracterizam Uma Reação Alérgia?
Os efeitos dos mediadores nos órgãos alvos produzem os sinais clínicos da anafilaxia. Geralmente os primeiros sintomas decorrem de vasodilatação e indicam uma passagem iminente e rápida para a segunda fase,
em que a cascata dos mediadores é amplificada. No paciente sensibilizado, o inicio dos sinais e sintomas
são imediatos, mas podem ter inicio dentro de 2 a 15 minutos ou ainda, ao longo de duas horas após injeção
parenteral. As manifestações têm inicio imprevisível. Sintomatologia: urticária, broncoespasmo, edema de
vias aéreas, alterações no inotropismo, vasodilatação e aumento da permeabilidade capilar, pós capilar e
venular, o que produz eritema, edema e contração dos músculos lisos.
4. Como Minimizar os Riscos Pré Operatórios?
Deve-se suspeitar dos pacientes com história de atopia, rinite alérgica, porque esses pacientes apresentam
de 5 a 10 vezes mais chances de desenvolver a reação. Administrar bloqueador de receptores de histamina
H1 e H2, 16 a 24 horas antes da exposição. O estado volêmico deve ser otimizado. Quando houver risco de
reação ao látex, o material da sala de cirurgia deve ser livre de látex.
5. Como Deve Ser o Tratamento um Paciente Com Reação Anafilática?
Inicialmente, oxigênio a 100%, expansão do volume extracelular e adrenalina, são essenciais para tratar a
hipotensão e hipóxia resultantes da vasodilatação, aumento da permeabilidade capilar e broncoespasmo. Os
190 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo X - Recuperação pós-anestésica
pacientes que sofrem reação anafilática devem permanecer na Unidade de Terapia Intensiva por 24horas
para monitoramento, porque as manifestações podem ser recorrentes.
A adrenalina é a droga de escolha para reversão do quadro de anafilaxia. Tem ação � adrenérgica e �2
adrenérgica, combatendo a hipotensão e a broncoconstrição.
O tratamento inclui ainda anti-histamínicos, catecolaminas, broncodilatadores e corticosteróides.
Caso 8
78 anos, programado para gastrectomia por adenocarcinoma gástrico. Ao despertar da anestesia na SRPA,
estava agitado, pronunciando frases desconexas e com amnésia para os últimos acontecimentos. A sonda
vesical apresentava fluxo urinário eficiente, SpO2 96% sem cateter nasal, PA- 130/70mmHg, FC- 63bpm,
respirando livremente, movendo os quatro membros, mucosas hidratadas e coradas e com ausculta cardiopulmonar normal. Sua história anterior à atual cirurgia era de paciente orientado e sem agitação.
1. Como a Anestesia Afeta as Funções Cognitivas?
A função cerebral é claramente afetada durante o período imediato após a anestesia. Há diminuição do nível
de consciência, comprometimento da atenção e memória. Pacientes podem ter amnésia completa por várias
horas após anestesia geral, apesar de estarem completamente acordados, e não é incomum questionarem
sobre o mesmo assunto várias vezes. Em decorrência desses achados é aconselhável, na alta de pacientes
ambulatoriais, serem liberados para suas residências somente acompanhados de adulto. A reversão das
funções cerebrais ao normal não tem uma explicação simples. Enquanto após o uso de algumas drogas
as funções cognitivas tem pronta recuperação ao nível pré operatório, outras drogas afetam a cognição de
forma ainda pouco esclarecida.
2. Que Tipos de Disfunções Cognitivas Podem Ocorrer Pós Anestesia?
O conceito de disfunção cognitiva não é novo e tem sido referido como disfunção cognitiva pós operatória.
Esse termo é usado de forma variável e útil para distinguir tipos de deterioração cognitiva que ocorrem após
a cirurgia.
1. Delírio - ocorre num curto período de tempo, tem caráter agudo e curso flutuante. Caracteriza-se por alteração no nível de consciência e distúrbios de atenção. A duração é variável e o grau varia de médio a grave.
2. Alterações cognitivas transitórias - podem surgir dias após a anestesia. Tem uma ocorrência relativamente
freqüente e decorre da combinação de fatores, incluindo cirurgia e agente anestésico.
Esses dois primeiros distúrbios cognitivos têm curta duração, são de leve intensidade e não persistem por
muitos dias após a cirurgia, sendo melhor avaliados pelo testes de Exame do Estado Mental.
3. A verdadeira disfunção cognitiva é uma sutil deterioração da função cognitiva, com duração de semanas, meses
ou mais, e há necessidade de testes neuropsicológicos para o diagnóstico. É considerada uma desordem de média intensidade caracterizada por perda da memória, dificuldade de aprendizado e redução da concentração.
3. Como Fazer o Diagnóstico Diferencial com a Demência?
As três formas de disfunção cognitiva podem ocorrer após a cirurgia e devem ser distinguidas da demência.
Demência é a síndrome causada por doenças no cérebro de natureza crônica e progressiva, havendo altos
graus de disfunção cortical, incluindo memória, orientação, compreensão, capacidade de fazer cálculos,
aprendizado, linguagem e julgamento. A disfunção cognitiva pode ser acompanhada ou precedida de deterioração do controle emocional, convívio social e motivação.
Capítulo X - Recuperação pós-anestésica
Anestesia Casos Clínicos - 191
4. Quais Grupos de Pacientes são mais Suceptiíveis?
Paciente com testes neurofisiológicos comprometidos, pós cirurgia cardíaca por mecanismos multifatoriais,
incluindo microembolos, podendo ocorrer também após cirurgias não cardíacas. Os mecanismos não são
tão claros ainda. O aumento da idade é fator de risco para a disfunção cognitiva pós operatória
5. Como Diagnosticar a Disfunção Cognitiva Pós Operatória?
Testes neurofisiológicos em pacientes cirúrgicos são importantes para o diagnóstico da função cognitiva,
avaliando a memória, concentração, atenção e habilidades motoras. A fadiga provocada pela cirurgia
pode comprometer os testes, sendo aconselhável não executá-los imediatamente. Recomenda-se fazer
os testes um dia antes da cirurgia para correlacionar com os que devem ser realizados uma semana pós
cirurgia.
Caso 9
Paciente de 4 anos, submetida a cirurgia para correção de estrabismo, anestesiada com etomidato, óxido
nitroso e sevoflurano. Foi admitida na SRPA referindo náuseas, seguindo-se por vômitos. Na sala de cirurgia
não foram administrados antieméticos.
1. Qual a Incidência de Náuseas e Vômitos no Pós Operatório?
O risco em mulheres, não fumantes, com história de NVPO ou uso de opióides intra-operatórios é de 10%,
20%, 40%, 60% e 80% respectivamente. A especificidade do paciente e os fatores relacionados à anestesia
são mais importantes que a cirurgia isoladamente.
2. Porque as Náuseas e Vômitos Devem Ser Evitadas no Pós Operatório?
Além de ser o evento que os pacientes mais temem em anestesias subseqüentes, produzem riscos médicos,
aumento da pressão abdominal e da PVC, aspiração do conteúdo gástrico e estimulação do sistema nervoso
simpático, com aumento da freqüência cardíaca. Provocam também um aumento da resposta parassimpática, podendo ocorrer bradicardia e hipotensão. Quando evitados propiciam maior satisfação e segurança ao
paciente e redução do tempo de permanência na SRPA.
3. Que Fatores Podem Aumentar a Incidência de Náuseas e Vômitos?
Dentre as cirurgias apontadas como predisponentes a NVPO, são citadas as oculares, de nariz e garganta,
do ouvido médio e cirurgias com manipulação de alças intestinais. São mais suscetíveis pacientes com história prévia de NVPO, mulheres no período menstrual, obesidade, extremos de idade e não fumantes. O efeito
dos anestésicos no centro quimiotáxico, o uso de opióides no período perioperatório, bem como o retorno da
alimentação também podem aumentar a incidência de NVPO.
4. Quais Agentes Anestésicos Têm Importância no Aparecimento de
NVPO?
O uso de opióides no período perioperatório, agentes inalatórios e anticolinérgicoos podem ter importância
no aparecimeno de NVPO.
192 - Anestesia Casos Clínicos
Capítulo X - Recuperação pós-anestésica
5. Como Tratar as Náuseas e Vômitos no Pós Operatório?
O tratamento de NVPO pode ser realizado com metoclopramida, bromoprida, dexametasona, antagonistas
da serotonina, (ondansetrom e congêneres), anti-histamínicos e droperidol. Mais modernamente, tem sido
dada ênfase a terapia multimodal, com associação destes agentes. É conveniente ressaltar que, para medicação de resgate, deve-se utilizar drogas com mecanismo de ação diferente das substâncias já utilizadas.
Caso 10
Paciente 43 anos, sexo masculino, programado para hipofisectomia, com clínica de acromegalia. Apresenta
aumento dos pés e mãos e apnéia do sono que vem se intensificando. A ressonância magnética (MRI) mostrou uma massa na região pituitária. Historia anterior inclui síndrome do túnel do carpo, glicemia de jejum de
170mg/dl. Sem alergias. Após 5 horas da admissão na SRPA apresentou diurese horária de 1.000ml por 2
horas seguidas
1. Qual a Causa do Diabetes Insipidus no Pós Operatörio de
Hipofisectomia?
Diabete insipidus é uma complicação potencial desse tipo de cirurgia causada por manipulação cirúrgica
transesfenoidal. O hormônio antidiurético é sintetizado no núcleo supraóptico do hipotálamo sendo a lesão cirúrgica causada por lesão hipotalâmica direta, edema peri-glandular e dissecção nas proximidades
da glândula, produzindo diabete inspidus, por carência de ADH, hormônio responsável pelo controle da
osmolaridade do liquido extracelular e facilitação da reabsorção tubular renal. O Diabetes insipidus ocorre
raramente durante o intra-operatório, tendo inicio 4 a 12 horas após ato operatório, e é tipicamente transitório.
2. Quais São as Outras Causas de Diabetes Insipidus (DI)?
O DI tem causas centrais, dentre as quais encontram-se trauma craniano, hipofisectomia, hipofisite, doença
metastática na hipófise ou hipotálamo, além de hipocalemia, hipercalcemia, mieloma crônico, terapia com
lítio e anemia falciforme.
3. Como a Acromegalia Interfere na Anestesia e no Pós Operatório?
O hormônio de crescimento estimula ossos, tecidos moles, provocando prognatismo, aumentando os tecidos
moles da boca, epiglote, cordas vocais, região subglótica e traquéia. O aumento do tecido conjuntivo pode
causar paralisia do nervo laríngeo recorrente, síndrome do canal do carpo e outras neuropatias periféricas.
Esses pacientes desenvolvem intolerância à glicose, fraqueza muscular, artrite, osteoporose, apnéia obstrutiva do sono, insuficiência cardíaca congestiva, arritmias. Há um aumento da incidência de doença coronariana e carcinoma de cólon. A posição do paciente deve ser criteriosa para evitar lesões por compressão. A
função cardíaca pode estar comprometida.
4. Como é Feito o Diagnóstico de Di no Pós Operatório de Hipofisectomia?
Os achados clínicos são: polidipsia, poliúria, urina diluída e alta osmolaridadee sérica, com diurese > 500ml/2
horas.
O cálculo de déficit de água total = (L)= (0.6 x peso (kg) X ( [ Na + ] ) – 140, tudo dividido por 140.
Capítulo X - Recuperação pós-anestésica
Anestesia Casos Clínicos - 193
5. Como Tratar o Diabete Insipidus?
Aumentar a ingestão oral de líquidos se paciente estiver acordado. Após o diagnostico, infusão venosa
de líquidos imediatamente. A escolha do liquido vai depender do estado eletrolítico. Como a perda liquida
é hiposmolar a solução de reposição deve ser hipo-osmótica. O débito urinário deve ser cuidadosamente
monitorado.
Vasopressina
DDAVP 1 a 2ug SC ou EV, em intervalos que podem variar de 6 a 24 horas
LEITURAS RECOMENDADAS:
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Capítulo X - Recuperação pós-anestésica
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