FUNGOS PATOGÊNICOS DE SOJA SÃO SENSÍVEIS A EXTRATOS ORGÂNICOS DE PLANTA “FRUTA-DO-CONDE” NATIVA DO CERRADO DO GÊNERO Annona sp. (FAMÍLIA Annonacea) Lindomar Joaquim da Silva1, Marilia Santos Silva1, Ludmila Natacha da Silva1, Aline Rodrigues Rabello1, Robson Santos Alves1, Laila Salmen Espíndola2, José Elias de Paula3, Eduardo Alano Vieira1, Thales Rocha Lima4, José de Ribamar Nazareno do Anjos1 (1Embrapa Cerrados, BR 020, Km 18, Lab. Fitopatologia, Caixa Postal 08223, 73310-970, Planaltina, DF. e-mail: [email protected] 2Universidade de Brasília, Faculdade de Ciências da Saúde, Lab. Farmacognosia, 70919-900, Brasília-DF 3Universidade de Brasília, Instituto de Ciências Biológicas, Lab. Anatomia Vegetal, 70919-970, Brasília-DF 4Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, PqEB-Final W5 Norte, Caixa Postal 02372, 70770-900, Brasília-DF ) Termos para indexação: Colletotrichum sp., Fusarium sp., Sclerotinia sp., Macrophomina sp., soja, algodão, estilosantes, etanol, hexano, caule, folha, raiz. Introdução A busca de fontes vegetais para uso como defensivos agrícolas naturais é promissora, pois as plantas produzem compostos com atividades de antibiose (Coelho et al., 2006). Por exemplo, das flores de Chrysanthemun (Asteraceae) foi obtido o piretro, inseticida do século XVI utilizado até 1950, quando foi substituido por seus análogos sintéticos; e da Physostigma venenosum (Fabaceae) foi obtido o alcalóide fisostigmina, que serviu de modelo molecular para o desenvolvimento dos carbamatos (Balandrin et al., 1985). O Cerrado, com alta biodiversidade e 44% da flora endêmica (Klink & Machado, 2005), permite buscas promissoras por substâncias vegetais com atividade antimicrobiana, tanto nematicidas, bactericidas quanto fungicidas. Dentre as doenças de plantas, as fúngicas são as que causam maiores perdas no Brasil, sobremaneira nas culturas estratégicas para a alimentação humana e economia. Neste contexto, sobressaem as grandes perdas de produção causadas pelos fungos Colletotrichum gossypii var. cephalosporioides (ramulose do algodoeiro), Sclerotinia sclerotiorum (podridão branca da haste da soja), Fusarium solani f. sp. glycines (podridão vermelha da raiz ou síndrome da morte súbita da soja), Macrophomina phaseolina (podridão de carvão da soja) e Colletotrichum gloeosporioides (antracnose de estilosantes). A soja é uma das principais commodities mundiais, e o Brasil é o segundo maior produtor mundial do grão. Apesar do aumento na área nacional cultivada, a ocorrência de doenças fúngicas contribuiu drasticamente para a redução na produção em várias safras. A podridão branca da haste e a podridão vermelha da raiz são doenças da soja amplamente difundidas no país, que causam danos economicamente e agronomicamente representativos no cultivo de soja (Freitas et al., 2004) e para as quais inexistem cultivares comerciais satisfatoriamente resistentes ou métodos de controles (químicos ou culturais) eficientes (Fronza, 2003; Gásperi et al., 2003). Outro agronegócio de grande importância no Brasil é o algodoeiro, sendo que a ramulose está entre as doenças mais importantes da cultura no país. A ramulose encontra-se disseminada em praticamente todo o Brasil, causando sérios problemas nos Estados do MS e MT e em localidades do Nordeste (Iamamoto, 2003). A ramulose não é satisfatoriamente controlada por meio da aplicação de fungicidas e continua sendo um fator limitante na maioria das regiões produtoras de algodão no Brasil. Também a forrageira leguminosa estilosantes é fundamental importância para a cadeia produtiva de gado bovino no país, no entanto, a ocorrência de antracnose pode ser desastrosa para a produção pecuária. Diante desse cenário, fica clara a necessidade de alternativas que contribuam para o controle de relevantes doenças fúngicas da soja, algodoeiro e estilosantes. Nesse sentido, o presente trabalho apresenta a avaliação da atividade de oito extratos orgânicos de diferentes órgãos da planta Annona sp. (mesmo gênero da fruta-do-conde, ata, araticum, pinha e graviola; família Annonaceae) nativa do Cerrado, contra o crescimento micelial in vitro de cinco fungos fitopatógenos relevantes em algodão, soja e estilosantes (C. gossypii var. cephalosporioides, S. sclerotiorum, F. solani f. sp. glycines, M. phaseolina e C. gloeosporioides). Material e Métodos Extratos orgânicos de folhas, raízes (cerne e córtex) e caule (cerne e córtex) de Annona sp., foram obtidos por maceramento em etanol ou hexano, decocção e soxhlet. Esses extratos foram subsequentemente concentrados e dessecados por rota-evaporação, e os sólidos resultantes foram ressuspendidos em DMSO para a concentração final de 200 mg/ml. Os extratos etanólicos e hexânicos finais, diluídos em DMSO, foram testados contra o crescimento micelial in vitro de cinco fungos: Colletotrichum gossypii var. cephalosporioides (isolado de algodão); Sclerotinia sclerotiorum, Fusarium solani f. sp. glycines e Macrophomina phaseolina (isolados de soja); Colletotrichum gloeosporioides (isolado de estilosantes). O efeito dos extratos finais sobre o crescimento micelial dos fungos foi avaliado por extensão do halo de inibição em bioensaios tipo antibiograma (placa de Petri de 9 cm de diâmetro com meio Batata-Dextrose-Ágar), incubados a 25°C por até 15 dias. Esses bioensaios foram feitos em triplicatas, aplicando-se 50 μL de cada extrato final na concentração de 200 mg/mL (em DMSO) em perfurações (de 5 mm de diâmetro) feitas no meio de cultura. O dia 0 (zero) do bioensaio foi o dia de aplicação do extrato no meio de cultura, quando o fungo alvo já ocupava cerca de 1/3 da área da placa. As placas dos bioensaios foram monitoradas diariamente e o raio médio a partir do centro da perfuração ([maior raio + menor raio]/2) de cada triplicata, quando presente, foi registrado. Resultados e Discussão Foram testados oito extratos orgânicos de Annona sp. contra cinco fungos fitopatogênicos de soja, algodão e estilosantes, a saber: extratos etanólicos e hexânicos de folhas, extratos etanólicos e hexânicos de cerne de caule, extratos etanólicos e hexânicos de córtex de caule, extratos etanólicos de cerne e de córtex de raiz (Tabela 1). Dentre esses oito extratos testados, apenas dois foram ativos contra crescimento micelial in vitro: o extrato etanólico de cerne de caule foi ativo contra M. phaseolina, enquanto o extrato hexânico de cerne de caule foi ativo contra S. sclerotiorum (Tabela 1 e Figura 1). Nenhum extrato de folha, cerne/córtex de raiz ou córtex de caule apresentou atividade contra os fungos testados, sugerindo que o(s) princípio(s) ativo(s) antifúngico(s) extraído(s) de Annona sp. com etanol e hexano deve(m) estar exclusivamente ou, pelo menos em maior concentração, no cerne do caule da planta. Por indisponibilidade de material, faltou apenas testar a atividade antimicrobiana de extratos hexânicos de cerne e córtex de raiz de Annona sp. Tabela 1. Avaliação da atividade in vitro de extratos etanólicos e hexânicos de diferentes órgãos vegetais de Annona sp. contra fungos fitopatogênicos. Órgão vegetal Solvente extrator etanol folha hexano etanol caule (cerne) hexano etanol caule (córtex) hexano raiz (cerne) etanol raiz (córtex) etanol Fungo alvo C. gossypii var. cephalosporioides C. gloeosporioides F. solani f. sp. glycines M. phaseolina S. sclerotiorum C. gossypii var. cephalosporioides C. gloeosporioides F. solani f. sp. glycines M. phaseolina S. sclerotiorum C. gossypii var. cephalosporioides C. gloeosporioides F. solani f. sp. glycines M. phaseolina S. sclerotiorum C. gossypii var. cephalosporioides C. gloeosporioides F. solani f. sp. glycines M. phaseolina S. sclerotiorum C. gossypii var. cephalosporioides C. gloeosporioides F. solani f. sp. glycines M. phaseolina S. sclerotiorum C. gossypii var. cephalosporioides C. gloeosporioides F. solani f. sp. glycines M. phaseolina S. sclerotiorum C. gossypii var. cephalosporioides C. gloeosporioides F. solani f. sp. glycines M. phaseolina S. sclerotiorum C. gossypii var. cephalosporioides C. gloeosporioides F. solani f. sp. glycines M. phaseolina S. sclerotiorum Extrato ativo não não não não não não não não não não não não não sim não não não não não sim não não não não não não não não não não não não não não não não não não não não Espera-se que esses extratos que foram ativos contra M. phaseolina e S. sclerotiorum no presente trabalho sejam também ativos contra fungos de outras espécies, porém dos mesmos gêneros sensíveis encontrados, isto é, Macrophomina spp. e Sclerotinia spp. que afetam outras culturas além da soja, como feijão, caupi, tomate, batata, dentre outros. Figura 1. Quantificação da atividade de extratos de Annona sp. contra o crescimento micelial in vitro de fungos fitopatogênicos. A. Bioensaio de 50 μL de 200 mg/mL (em DMSO) de extrato etanólico de cerne de caule de Annona sp. contra de M. phaseolina, dia 2. Asterisco indica o extrato em questão. B. Bioensaio de 50 μL de 200 mg/mL (em DMSO) de extrato hexânico de cerne de caule de Annona sp. contra de S. sclerotiorum, dia 1. Asterisco indica o extrato em questão. C. Quantificação do halo de inibição de crescimento micelial correspondente ao bioensaio em A. Raio do halo é a média de triplicatas. Média= 7,67 mm. Desvio padrão= ±0,58 mm. D. Quantificação do halo de inibição de crescimento micelial correspondente ao bioensaio em B. Raio do halo é a média de triplicatas. Média= 4,00 mm. Desvio padrão= ±1,73 mm. É importante ressaltar que outros extratores orgânicos e aquosos não testados devem extrair princípios ativos antifúngicos diversos dos extraídos por etanol e hexano, resultando em atividades antifúngicas também diferenciadas dos extratos aqui testados. Em termos de perspectivas futuras, os próximos passos serão: calcular a concentração mínima inibitória desses extratos ativos contra os fungos alvo sensíveis, identificar e caracterizar o(s) princípio(s) ativo(s) antifúngico(s) presente(s) no cerne de caule de Annona sp, entender seus mecanismos de ação, desenvolver metodologias para purificá-lo(s) ou sintetizar análogos químicos, além de avaliar a toxicidade desses extratos/princípio(s) ativo(s) sobre células de mamífero (ex. camundongo) em modelos celulares in vitro, tudo isso visando o desenvolvimento de métodos alternativos de controle de fungos relevantes nas culturas da soja, algodão e estilosantes, a partir da exploração inovadora e sustentável da biodiversidade de plantas nativas do Cerrado. Conclusões • O extrato etanólico de cerne de caule de Annona sp. foi ativo contra M. phaseolina; • O extrato hexânico de cerne de caule de Annona sp. foi ativo contra S. sclerotiorum; • Nenhum extrato de folha, cerne /córtex de raiz ou córtex de caule apresentou atividade contra os fungos testados. Agradecimentos Os autores agradecem o apoio financeiro da Embrapa e da FAPDF. Agradecem também a Dra. Maria José D’Ávila Charchar (Embrapa Cerrados-Planaltina-DF) pelo fornecimento dos isolados de M. phaseolina, S. sclerotiorium e C. gloeosporioides, a Dra. Leila Costamilan (Embrapa Trigo-Passo Fundo-RS) pelo fornecimento do isolado de F. solani f. sp. glycines, e ao Dr. Nelson Suassuna (Embrapa Algodão-Campina Grande-PB) pelo fornecimento do isolado de C. gossypii var. cephalosporioides. Referências Bibliográficas BALANDRIN, M.F.; KLOCKE, J.A.; WURTELE,E.S.; BOLLINGER W.H. Natural plant chemicals: sources of industrial and medicinal materials. Science, v. 228, p.1154-1160, 1985. COELHO, A.A.M.; DE PAULA, J. E.; ESPÍNDOLA L.S. Insecticidal Activity of Cerrado Plant Extracts on Rhodnius milesi Carcavallo, Rocha, Galvão & Jurberg (Hemiptera: Reduviidae), under Laboratory Conditions. Neotropical Entomology, v. 35, p.133-138, 2006. FREITAS, T. M. Q.; MENEGHETTI, R. C.; BALARDIN, R. S. Dano devido à podridão vermelha da raiz na cultura da soja. Ciência Rural, v. 34, p. 991-996, 2004. FRONZA, V. Genética da reação da soja a Fusarium solani f.sp. glycines. Tese de Doutorado em Agronomia, área de Concentração Genética e Melhoramento de Plantas. Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz. Universidade de São Paulo. 154 pp., 2003. GÁSPERI, A. C.; PRESTES, A. M.; COSTAMILAN, L. M. Reação de cultivares de soja à podridão vermelha da raiz causada por Fusarium solani f. sp. glycines. Fitopatologia Brasileira, v. 28, p.544-547, 2003. IAMAMOTO, M. M. Doenças foliares do algodoeiro. Fundação de Estudos e Pesquisas em Agronomia, Medicina Veterinária e Zootecnia - FUNEP, Jaboticabal. 2003. KLINK, C. A.; MACHADO, R. B. Conservation of the Brazilian Cerrado. Conservation Biology, v. 19, p.707-713, 2005.