APLICABILIDADE DA TERAPIA COGNITIVA NO TRATAMENTO DO TRANSTORNO OBSESSIVO COMPULSIVO Cíntia Maria Ramos de Castro Karla da Silva Nunes Prof. Dr. José Humberto da Silva Filho(1) Departamento de Psicologia RESUMO: Os transtornos mentais têm se configurado, ao longo dos anos, um dos mais sérios e desconcertantes problemas sociais e de saúde na população mundial. Ao contrário do que a maioria das pessoas imagina, os transtornos mentais atingem não uma parcela pequena e distante de indivíduos, mas sim a qualquer um de nós, em algum momento de nossas vidas. Alguns exemplos que corroboram a proeminência dos aspectos psicológicos disfuncionais é o número de norteamericanos atingidos por pelo menos um transtorno psicológico em sua vida: mais de 30%. Com relação à depressão, cerca de 5% da população mundial sofre com seus sintomas. Quanto ao transtorno mental pertinente a este trabalho, o Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC), sua prevalência é de 2,5% na população em geral, o que lhe confere o quarto diagnóstico psiquiátrico mais freqüente. O tratamento do TOC no modelo cognitivo propõe-se a identificar no paciente os pensamentos e crenças irracionais subjacentes aos sintomas, para, posteriormente, poder corrigilos. Para tanto, são aplicadas as técnicas cognitivas com exercícios ou tarefas utilizadas pelo terapeuta para modificar as convicções disfuncionais, os pensamentos automáticos negativos ou pensamentos de perigo que têm conseqüências emocionais, comportamentais e psicológicas. Geralmente, a presença de obsessões e/ou compulsões são, suficientemente, graves para causar extrema aflição e medo no indivíduo, acarretando desconforto ou prejuízo importante das atividades diárias e nas relações interpessoais. Este transtorno é considerado crônico e heterogêneo, caracterizado por pensamentos, idéias ou imagens intrusivas, em geral ameaçadoras (obsessões), que irrompem, involuntariamente, na mente, causando sofrimento e ansiedade. Também são, freqüentemente, acompanhados por atos repetitivos e estereotipados que, por sua vez, são realizados no sentido de aliviar as compulsões. O início dos sintomas tem sua predominância por volta dos 20 anos, porém há relatos de crianças, apresentando manifestações compulsivas. A característica principal da psicoterapia cognitiva reside na percepção e compreensão de como cada indivíduo vivencia a realidade que o cerca e nos pensamentos construídos nestas vivências. O modo como as pessoas organizam seus pensamentos, quando apoiados em interpretações negativas, podem gerar situações de adoecimento, causando prejuízos de ordem pessoal e social. É partindo dessa premissa que a terapia cognitiva reitera que nos diferentes transtornos mentais existem pensamentos disfuncionais, distorções cognitivas e que estes funcionam como ‘causas’ ou fatores coadjuvantes na manutenção dos diferentes quadros psicopatológicos. O procedimento inicial no tratamento do TOC é uma entrevista semi-estruturada com o objetivo de identificar os sintomas obsessivos compulsivos como os rituais mentais, obsessões, comportamentos reafirmação e concomitantes ruminações (esquiva, mentais), lentidão, postergação, busca pensamentos automáticos e de crenças disfuncionais, assim como a identificação de co-morbidades, incluindo uma história psiquiátrica (com medicamentos ou psicoterapia) se houver. Verifica, também, as situações, os locais ou os objetos que sinalizam o TOC; procura esclarecer o início dos sintomas, se moroso ou repentino, se precoce (na infância ou adolescência) ou tardio (na fase adulta); objetiva, também, reconhecer se há estabilidade ou flutuação dos sintomas e se estes estão associados ou não a alguma doença física ou agente estressor; se são provocados ou agravados por conflitos familiares; registra o grau de incapacitação e de influência no trabalho, na família e nas relações sociais. O paciente deve ser orientado de forma precisa e objetiva acerca do processo terapêutico, esclarecendo-se alguns tópicos do modelo cognitivo do TOC, inclusive sobre as situações que ativam crenças disfuncionais, sobre os pensamentos automáticos negativos ou catastróficos. Deve, também, ser informado sobre como as interpretações errôneas ou os significados atribuídos a essas convicções que têm conseqüências de conteúdos emocionais (ansiedade, depressão), comportamentais (rituais, evitações, busca de reasseguramentos) e psicológicas (atenção seletiva, hipervigilância) que, embora reduzam a aflição, eternizam o ciclo. As técnicas cognitivas estimulam o paciente à incerteza em relação às suas crenças disfuncionais e testam estas convicções. Identifica, também, interpretações e julgamentos errôneos mais comuns, crenças disfuncionais (fazer lavagens excessivas por supervalorizar o risco de contrair doenças; repetir tarefas por não admitir falhas etc.), tentando corrigi-las. Questiona as evidências que os confirmam ou não e procura explicações alternativas com base nos sintomas manifestos. Nesse modelo cognitivo, acredita-se que tais correções na forma de pensar alterem as emoções e o comportamento das pessoas. A terapia cognitiva é um método direcionado pelo terapeuta, com o qual se pretende auxiliar o paciente a substituir conclusões ilógicas e sem fundamento por pensamentos lógicos e baseados em evidências. Além disso, sua utilização serve para clarificar que os sintomas se mantêm, em grande parte, porque, com ele, nunca se testou certas convicções que se toma como verdadeiras e sobre as quais nunca parou para pensar. O tratamento psicoterápico irá auxiliá-lo nesta reflexão, disseminando dúvidas sobre estas crenças e regras que se constituíram num verdadeiro decálogo e do qual o paciente se tornou prisioneiro. Alguns exercícios são feitos no consultório como treinamento e prescritos para realização no domicílio do paciente. As atividades explicitadas podem ser feitas a partir da identificação de uma situação na qual o indivíduo tem pensamentos intrusivos ou realiza algum ritual. A estratégia central para a modificação de crenças errôneas é o questionamento socrático. Esta técnica visa focalizar os pensamentos automáticos e as crenças ativadas por diferentes circunstâncias ou elementos, geralmente, acompanhados da necessidade de executar algum ritual. Procura libertar o paciente de convicções, regras e suposições, que aceita sem questionar e das quais, aparentemente, não denota nenhuma dúvida, ainda que seja incapaz de apresentar qualquer evidência que garanta sua veracidade. Busca promover suspeitas a respeito de tudo aquilo que não foi comprovado, discutindo as evidências e buscando explicações alternativas, ou seja, auxiliando o paciente a construir e testar uma explicação alternativa coerente, menos ameaçadora e causadora de aflição, modificando a forma como a pessoa interpreta a ocorrência e o conteúdo dos pensamentos e impulsos intrusivos e, levando-o a encará-los de forma mais realística. Quando a maioria dos sintomas tiver sido eliminada, o terapeuta pode propor o espaçamento das sessões e, posteriormente, a alta do sujeito. Entretanto, como o TOC é um transtorno crônico sujeito a recaídas, ao final da terapia é conveniente dedicar algum tempo ao desenvolvimento de habilidades para preveni-las. Assim, é preciso lembrar, orientar e treinar o paciente em estratégias de prevenção de recaídas, que devem ser revistas e reforçadas em sessões periódicas de acompanhamento após a alta. O retorno dos sintomas, após a finalização do tratamento de forma mais persistente, depois de uma fase em que estavam diminuídos ou ausentes no paciente configuram a recaída, isso pela própria natureza crônica do transtorno, além do que a maioria dos pacientes, após o tratamento, apresenta sintomas residuais, sabendose que a intensidade deles pode continuar diminuindo no decorrer do tempo. Vale ressaltar, ainda, que o terapeuta deve explicitar ao paciente alguns recursos para prevenir as recaídas como, o enfrentamento das ocorrências desencadeadoras de risco através da utilização de um planejamento, listando as circunstâncias que provocam qualquer possibilidade de perigo, decidindo com antecedência o que tem de praticar, ou o que vai deixar de fazer, na ocasião, em termos de exposição e prevenção de resposta, antevendo como vai se comportar no enfrentamento dos acontecimentos temerosos, delimitando por quanto tempo, onde e que forma se dá a situações. E-mail: [email protected] [email protected] Site: www.lap-am.org ________________________________________ (1) Orientador