1 ENTREVISTA PSIQUIÁTRICA E EXAME DO ESTADO MENTAL Linda B. Andrews, M.D. Preparação Exigida do Médico Uma entrevista psiquiátrica efetiva permite que o médico estabeleça relação com o paciente e obtenha dados pertinentes. Embora a tecnologia médica tenha avançado tremendamente nos últimos anos, e a quantidade de informação de laboratório e neuroimagem disponível para auxiliar os psiquiatras a fazer diagnósticos mais precisos e a desenvolver planos de tratamento mais específicos para os pacientes tenha aumentado, esses aspectos não suplantam a importância de obter dados críticos por meio da entrevista psiquiátrica tradicional. A entrevista psiquiátrica é o método individual essencial para entender um paciente que exibe sinais e sintomas de uma psicopatologia (Scheiber, 2003). Os pacientes geralmente comunicam os aspectos mais importantes de suas doenças a seus médicos durante a entrevista. O psiquiatra escuta e, então, responde ao paciente na tentativa de entender seus problemas no contexto de sua cultura e seu ambiente (MacKinnon e Yudofsky, 1991; MacKinnon et al., 2006). A entrevista psiquiátrica é semelhante à entrevista médica geral, já que ambas incluem a queixa principal do paciente, a história de doença atual e anterior, a história social e familiar e a revisão de sistemas. Entretanto, ela difere da entrevista médica tradicional porque inclui um exame mais completo da história de desenvolvimento do paciente, envolvendo seus sentimentos sobre eventos de vida importantes, exploração dos 01a-Hales_00_01.pmd 31 relacionamentos interpessoais significativos, padrões de adaptação e traços de caráter (MacKinnon et al., 2006; Scheiber, 2003). A entrevista psiquiátrica engloba também um exame formal do estado mental do paciente. Estabelecer relação com um paciente e obter dados pertinentes por meio da entrevista psiquiátrica requer considerável preparação e prática. A entrevista psiquiátrica é uma habilidade baseada no conhecimento extensivo sobre o comportamento humano normal e anormal (MacKinnon et al., 2006). Para um psiquiatra em treinamento, o ideal seria, antes de clinicar de forma independente, observar outros profissionais entrevistando pacientes, bem como ser observado e criticado enquanto entrevista pacientes. Na educação médica, tal observação e supervisão deve ocorrer com frequência, tanto durante o curso de medicina como na residência psiquiátrica. De maneira ideal, oportunidades de observação semelhantes deveriam continuar ao longo da prática profissional do psiquiatra. Condução da Entrevista Psiquiátrica Objetivos e Propósito O psiquiatra deve considerar inúmeras questões importantes antes de conduzir uma entrevista com um paciente adulto. Deve estabelecer as metas e o pro- 14/10/2011, 17:26 32 TRATADO DE PSIQUIATRIA CLÍNICA pósito da entrevista. O que exatamente o psiquiatra espera realizar durante a entrevista psiquiátrica? Ele deve estar preparado para comunicar claramente os objetivos da entrevista ao paciente, bem como para averiguar os objetivos e as expectativas do paciente. Assim como o psiquiatra preparou-se para a entrevista, o paciente, muito provavelmente, também o fez. Se o entrevistador e o paciente desejam uma entrevista bem-sucedida, é necessário que ambos concordem com seu propósito. As perguntas relevantes para estabelecer as metas e o propósito da entrevista são as seguintes: • A entrevista está sendo conduzida para fins diagnósticos ou terapêuticos? • O psiquiatra abordará o paciente apenas para esta entrevista, com o objetivo expresso de estabelecer um diagnóstico psiquiátrico, ou a entrevista representa a primeira de muitas consultas, visando um relacionamento terapêutico recentemente desenvolvido? • O que o entrevistador psiquiátrico sabe sobre o paciente e suas expectativas para esta entrevista? • O que o paciente sabe sobre o psiquiatra ou seus objetivos para este encontro? • O que o paciente espera que aconteça durante e após a entrevista? Diretrizes para a Entrevista O entrevistador deve estar ciente a respeito de outros aspectos antes de começar a entrevista, a saber: • Sob que circunstâncias a entrevista psiquiátrica está ocorrendo? • Quem solicitou e quem fez os arranjos para a entrevista psiquiátrica acontecer? • Os resultados da entrevista psiquiátrica serão confidenciais? • O paciente está participando voluntariamente da entrevista? • De quanto tempo o psiquiatra dispõe para conduzir a entrevista? • A avaliação psiquiátrica envolve um ou mais encontros com o paciente? • Onde ocorrerá a entrevista? • O psiquiatra ou o paciente esperam que outras pessoas sejam entrevistadas como parte da avaliação psiquiátrica? 01a-Hales_00_01.pmd 32 • É esperado que o paciente pague pela entrevista psiquiátrica? Em caso afirmativo, como os honorários serão determinados e como a conta será paga? Respostas diferentes a cada uma dessas perguntas influenciam significativamente a forma como o psiquiatra conduz a entrevista, os resultados obtidos e o emprego desses resultados. Contato Pré-entrevista O psiquiatra deve decidir se telefona ou envia um e-mail ao paciente antes, durante ou após a avaliação formal. Atualmente, os pacientes podem preferir comunicar-se com seus médicos por meio eletrônico. Assim como na maioria das diretrizes para conduzir a entrevista psiquiátrica e no exame do estado mental, não existem regras absolutas sobre comunicações com os pacientes fora da entrevista psiquiátrica efetiva. Os pacientes devem ser instruídos claramente sobre como lidar com emergências médicas ou psiquiátricas que podem ocorrer antes ou após a avaliação formal ou entre as consultas, no caso de o psiquiatra e o paciente planejarem encontrar-se mais de uma vez. Sendo assim, o psiquiatra deve fornecer ao paciente um contato particular ou recomendar um hospital no caso de uma emergência médica ou psiquiátrica. No caso de questões não emergenciais, cada psiquiatra deve decidir como lidar com os telefonemas e e-mails de pacientes. Processo da Entrevista Psiquiátrica Uma vez que todas as perguntas tenham sido respondidas, o psiquiatra está pronto para começar efetivamente a entrevista e o exame do estado mental do paciente. A primeira – e talvez mais importante – tarefa é estabelecer rapport com o entrevistado (Tab. 1-1). O estabelecimento de uma relação de trabalho efetiva é necessário para realizar todas as outras tarefas discutidas neste capítulo. A criação dessa relação requer que psiquiatra e paciente colaborem um com o outro para aprender sobre o paciente e obter dados. Sem o relacionamento médico-paciente efetivo, o psiquiatra não 14/10/2011, 17:26 Parte I: ENTREVISTA E EXAMES 33 terá sucesso em obter a informação necessária para desenvolver um diagnóstico diferencial completo e preciso e para planejar e implementar um plano de tratamento eficaz. A aliança de trabalho é geralmente desenvolvida por meio de respeito e empatia pelo paciente. Expressar respeito envolve uma apresentação apropriada do psiquiatra ao paciente e um questionamento atencioso sobre como este deseja ser tratado durante a entrevista. A comunicação atenciosa e empática requer contato visual apropriado, observação de sinais não verbais e limitação de interrupções. Comunicações empáticas revelam que o psiquiatra está tentando escutar e observar considerando o ponto de vista do paciente. O psiquiatra tenta entender a experiência do paciente do ponto de referência deste. Isso frequentemente requer que o psiquiatra reconheça quando seus próprios pensamentos, sentimentos, percepções ou experiências diferem dos do paciente. O psiquiatra, então, deve escolher deliberadamente focalizar as experiências e necessidades do paciente em vez de suas próprias. No início da entrevista, o psiquiatra deve fazer perguntas que criem oportunidades para aumentar sua ligação emocional com o paciente. Por exemplo, uma resposta empática pelo entrevistador psiquiátrico a um paciente que revela que sua avó de 70 anos acabou de morrer devido a complicações cardíacas poderia ser: “Você e sua avó eram próximos?”. Exemplos de respostas menos empáticas: “Minha avó vai fazer 90 anos no mês que vem” ou “Mais alguém em sua família sofre de doença cardíaca?”. A resposta mais empática enfatiza a experiência emocional do paciente em relação à morte de sua avó. A primeira resposta menos empática recai no entrevistador em vez de focalizar o paciente, enquanto a segunda encontra-se fora da experiência emocional do paciente, pois visa a obtenção de dados. Se o psiquiatra dispor de um tempo muito restrito para completar a entrevista e/ ou se a aliança ocorrer no final da entrevista, a terceira resposta poderia ser aceitável e até necessária. Com base em uma ligação empática, o psiquiatra deve ser capaz de ajustar seu estilo de entrevista para satisfazer as necessidades de determinado paciente em qualquer ponto específico da entrevista. Essa ligação empática também deve permitir que o psiquiatra aceite as sugestões ou o sinal do paciente quando apropriado. Tal atitude demonstra ao paciente que o entrevistador está escutando e respondendo em tempo real. Sintonizações empáticas também permitem que o psiquia- 01a-Hales_00_01.pmd 33 TABELA 1-1. Tarefas para a condução da entrevista psiquiátrica 1. Estabelecer metas. 2. Estabelecer rapport. 3. Desenvolver um relacionamento médico-paciente colaborativo. 4. Comunicar-se empaticamente. 5. Manter fronteiras apropriadas. 6. Comunicar-se em uma linguagem que o paciente entenda e evitar jargões psiquiátricos. 7. Monitorar a intensidade emocional da entrevista e ajustá-la conforme necessário. 8. Obter dados pertinentes da história psiquiátrica. 9. Realizar um exame do estado mental. 10. Avaliar a confiabilidade do paciente. 11. Averiguar a segurança do paciente. 12. Desenvolver um plano para possíveis emergências. 13. Rever históricos anteriores e outros dados disponíveis. 14. Entrevistar terceiros se apropriado. 15. Documentar corretamente. 16. Gerenciar o tempo. tra focalize-se em temas emocionalmente mais relevantes. Perguntas abertas em geral ajudam nesse esforço e possibilitam que o paciente forneça respostas mais detalhadas e significativas emocionalmente. A comunicação empática também propicia ao entrevistador psiquiátrico reconhecer quando um paciente está sobrecarregado emocionalmente e reduzir a intensidade, usando perguntas fechadas, mais específicas. Esse tipo de pergunta frequentemente gera uma resposta breve, ou mesmo de “sim” ou “não”, do paciente. Essas perguntas em geral se focalizam mais na obtenção de dados factuais do que no entendimento do significado emocional deles para o paciente. Perguntas fechadas também são úteis ao entrevistar pacientes com transtornos de conteúdo, do pensamento ou perceptuais ou com déficits cognitivos. A sintonização empática também permite que o psiquiatra reconheça quando uma entrevista deve ser interrompida porque um paciente tornou-se muito agitado, perigoso ou medicamente comprometido. A obtenção de dados nunca deve suplantar a segurança de um paciente durante uma entrevista. A comunicação empática e atenciosa deve possibilitar ao paciente o entendimento das perguntas ou dos comentários do psiquiatra. Este deve ajustar seu vocabulário às capacidades intelectuais, ao nível educacional percebido, à língua e às necessidades culturais do paciente. Além disso, o 14/10/2011, 17:26 34 TRATADO DE PSIQUIATRIA CLÍNICA psiquiatra deve evitar o uso de jargões médicos e deve recrutar um intérprete quando necessário. O psiquiatra deve fazer perguntas adicionais para ajudar a esclarecer o significado de palavras ou gestos não verbais initeligíveis de um paciente. Ele pode demonstrar que está escutando ativamente o paciente, retomando e ratificando o que o paciente disse. Por exemplo, após a resposta de um paciente a uma pergunta sobre sua falta de adesão ao medicamento, o psiquiatra diz: “Então, você queria seguir a receita e tomar o remédio conforme prescrito, mas não o fez porque não teve dinheiro para comprá-lo? Foi isso que aconteceu?”. Esse tipo de esclarecimento e verificação permite ao psiquiatra demonstrar que está escutando cuidadosamente o paciente, aumentando a sua confiança e estabelecendo a natureza colaborativa do relacionamento médico-paciente. Isso também possibilita que o paciente corrija quaisquer erros no entendimento do psiquiatra, ocasionando uma melhora no cuidado global do paciente. Nesse exemplo, o entrevistador poderia usar tal esclarecimento para discutir um pouco a respeito das limitações financeiras do paciente. À medida que o psiquiatra obtém informações durante a entrevista, deve permanecer avaliando a confiabilidade do paciente. Os dados obtidos durante a entrevista psiquiátrica são tão válidos quanto a fonte de informação. O psiquiatra geralmente deve começar cada entrevista supondo que o paciente contará a verdade da melhor forma possível e, portanto, será confiável. Entretanto, conforme a entrevista progride – e especialmente se, ao entrevistar outros no decorrer da avaliação, o psiquiatra obtém informação que difere do relato do paciente –, ele precisará decidir se o paciente é uma fonte de informação confiável. Confirmar dados fornecidos pelo paciente com aqueles que podem ser verificados por registros médicos ou outras fontes válidas ajuda o psiquiatra a determinar a confiabilidade global do paciente. Embora o entrevistador nunca possa antecipar ou controlar as possíveis trocas com um novo paciente, ele deve começar o relacionamento com um novo paciente sob algumas diretrizes pessoais e profissionais estabelecidas a respeito da autorrevelação. Na maioria das entrevistas iniciais, o psiquiatra permanece focalizado em obter informações sobre o paciente e raramente é autorrevelador. Se o relacionamento progredir para o âmbito terapêutico, o psi- 01a-Hales_00_01.pmd 34 quiatra precisa julgar se e quando a autorrevelação pode ser benéfica para buscar uma ligação colaborativa com o paciente. Da mesma forma, se, durante uma entrevista psiquiátrica, um paciente tornar-se agitado ou ameaçador, o psiquiatra deve imediatamente ajustar o foco da entrevista para lidar com tal situação. Estratégias de entrevista flexíveis, como remanejar as cadeiras na sala de exame, abrir a porta, deixar o paciente em pé ou convidar um colega profissional ou um membro da família, possibilitam a continuidade da entrevista e oferecem mais segurança para ambos. A documentação é importante e necessária para o médico. Ao conduzir uma entrevista, o psiquiatra deve determinar antecipadamente se e como os registros serão mantidos. Se a entrevista está sendo realizada apenas para fins de exame do estagiário, os registros provavelmente serão destruídos ao final. Se a entrevista ocorre dentro de um contexto de treinamento, o estagiário em psiquiatria pode necessitar tomar notas, gravar ou filmar. Os pacientes devem dar consentimento informado nesses casos. Em um contexto clínico, o psiquiatra deve explicar ao paciente que tomará notas que se tornarão parte da sua história médica, mas que o conteúdo dessas anotações é coberto pela Lei de Portabilidade e Responsabilidade de Seguros de Saúde, de 1996, e sua privacidade será resguardada no âmbito mais amplo permitido por lei. Durante a entrevista em si, o psiquiatra deve fazer anotações para assegurar um registro preciso do diálogo, mas as anotações não devem ser extensas a ponto de interferir no estabelecimento e na manutenção de rapport ou na ligação empática com o paciente. Para a maioria dos médicos, a habilidade de tomar notas efetivamente durante a entrevista de um paciente desenvolve-se com o passar do tempo, após muita prática. Cada médico deve encontrar seu próprio equilíbrio entre registrar dados corretamente e permanecer sintonizado de forma empática com o paciente. Os médicos também devem determinar se as anotações feitas durante a entrevista psiquiátrica serão transformadas em dados do registro oficial ou servirão como notas de processo usadas para fins de supervisão. Após a supervisão, o entrevistador cria um resumo breve, o qual se torna a parte efetiva do prontuário do paciente. Na maioria das situações, o paciente tem o direito de ver seu prontuário. 14/10/2011, 17:26 Parte I: ENTREVISTA E EXAMES 35 De maneira ideal, o psiquiatra deve revisar todos os dados disponíveis do paciente antes de conduzir a entrevista. Se isto não for possível, ele deve, pelo menos, rever esses registros antes de estabelecer um diagnóstico final e desenvolver um plano de tratamento. Tal revisão inclui ler quaisquer histórias médicas ou psiquiátricas disponíveis, bem como os resultados de todos os exames laboratoriais, testagem neuropsicológica ou exames de neuroimagem. Uma entrevista psiquiátrica completa pode englobar também relatos de outros indivíduos que conheçam bem o paciente, como membros da família, professores, colegas, outros médicos ou provedores de assistência à saúde. Sempre que possível, o psiquiatra deve informar e obter consentimento do paciente para entrevistar essas pessoas. É melhor não manter segredos para o paciente, seja sobre a identidade dos entrevistados ou sobre que informações foram fornecidas. O psiquiatra deve permanecer ciente dos limites de tempo ao longo da entrevista. Além disso, antes de iniciar a entrevista, ele já deve ter em mente se as recomendações de diagnóstico e tratamento serão feitas nesta ocasião ou em um encontro subsequente. Se o entrevistador psiquiátrico decidir discutir o diagnóstico e o tratamento na primeira consulta, ele deve deixar um tempo adequado ao final da entrevista para perguntas do paciente e para debater questões significativas de diagnóstico e tratamento. Se o psiquiatra resolver abordar esses aspectos em um encontro subsequente, então os minutos finais da primeira entrevista devem ser reservados para perguntas do paciente e agendamento da próxima consulta. Conteúdo da Entrevista Psiquiátrica Uma vez que as introduções, as instruções e os consentimentos tenham sido completados, o psiquiatra pode focalizar-se em obter informações do paciente (Tab. 1-2). Se o tempo permitir, o entrevistador deve cobrir todos os elementos-chave da história psiquiátrica e do exame do estado mental. Esses elementos-chave para a história psiquiátrica incluem a queixa principal ou a razão primária da avaliação, a história de doença psiquiátrica atual e anterior, a história psiquiátrica familiar, a história médica, inclusive a familiar, a história social, a história do desenvolvimento e uma revisão de sistemas; para o exame do estado mental, incluem a 01a-Hales_00_01.pmd 35 TABELA 1-2. Resumo da entrevista psiquiátrica 1. Queixa principal 2. História da doença atual 3. História de doenças anteriores 4. História médica 5. História social 6. História do desenvolvimento 7. História familiar psiquiátrica e médica 8. Revisão de sistemas aparência geral, a orientação, a fala, a atividade motora, o afeto, o humor, a produção e o conteúdo do pensamento, as percepções, a ideação suicida/homicida, a memória/cognição, o insight e o julgamento. Queixa Principal e História da Doença Atual Em geral, é melhor começar a entrevista com uma pergunta não estruturada e relativamente aberta para evocar a queixa principal ou preocupação primária do paciente, por exemplo: “Como você está hoje?”, “O que o(a) traz à clínica hoje?”, ou “Você está com algum problema hoje?”. Esses tipos de perguntas permitem que o paciente dirija a conversa inicialmente e decida sobre o que discutir primeiro. Se possível, o psiquiatra pode conceder ao paciente tempo adequado para apresentar sua queixa principal, ou preocupação primária, de forma ininterrupta. Usando a informação aprendida inicialmente sobre o paciente, o psiquiatra deve conduzir as perguntas de forma lenta para obter mais detalhes sobre a queixa principal, a fim de expandi-la para incluir uma discussão mais completa da história da doença atual. O entrevistador supõe, e geralmente é o caso, que a queixa principal e a história da doença atual estejam ligadas de alguma maneira. É extremamente importante despender tempo e esforço adequados para buscar detalhes consideráveis sobre a história da doença atual. De outro modo, ao completar a entrevista, o entendimento do psiquiatra sobre o paciente se resumirá simplesmente a uma lista de fatos e porções de dados, sem a linha associativa pessoal para desenvolver e criar a história desse indivíduo neste ponto no tempo. Perguntas sobre a história da doença atual devem conter uma revisão de sintomas psiquiátricos recentes: o início, a frequência, a intensidade, a duração, os fatores precipitantes, os fatores de alívio ou agravamento e os sintomas associados. 14/10/2011, 17:26 36 TRATADO DE PSIQUIATRIA CLÍNICA História Psiquiátrica Passada A expansão da história da doença atual para investigar ocorrência anterior dos sintomas levará a perguntar sobre a história psiquiátrica passada do paciente. Essa discussão deve incluir frequência, intensidade e duração de sintomas anteriores; fatores precipitantes, amenizadores ou agravantes, e sintomas associados. A revisão da história psiquiátrica do paciente deve abordar perguntas sobre tratamento medicamentoso, terapia ou eletroconvulsoterapia; hospitalizações anteriores; intervenções devidas a abuso ou dependência de substâncias; e ideação ou tentativas de suicídio ou homicídio no passado. Com relação à farmacoteria anterior, o psiquiatra deve pedir que o paciente faça uma lista dos medicamentos tomados, incluindo as dosagens, os efeitos colaterais, a duração e a adesão ao tratamento e, se relevante, a(s) razão(ões) de sua interrupção. Com relação à psicoterapia, o psiquiatra deve pedir para o paciente descrever todas as experiências anteriores, relatando o tipo de terapia, o formato, a frequência, a duração e a adesão. No caso de abordagens relacionadas a substâncias, o psiquiatra deve solicitar ao paciente o relato de uso de substâncias, incluindo a quantidade; a frequência; a via de administração; o padrão de uso; as consequências funcionais, interpessoais ou legais do uso; os fenômenos de tolerância ou abstinência; e a experiência anterior em quaisquer programas terapêuticos, detalhando o tipo e a duração do programa e a adesão do paciente ou a conclusão de qualquer intervenção de adicção (Vergare et al., 2006). O entrevistador psiquiátrico deve tentar entender a opinião do paciente sobre a eficácia de todos os tratamentos no passado. Ademais, deve evitar recomendar uma abordagem terapêutica considerada malsucedida pelo paciente, prestando especial atenção a tratamentos que foram bem-sucedidos, pois o paciente tem mais probabilidade de responder a essas abordagens no futuro. Respostas positivas de membros da família a determinada intervenção também podem prognosticar uma resposta satisfatória ao paciente que está sendo avaliado. História Psiquiátrica Familiar O entrevistador deve obter informações detalhadas sobre a história psiquiátrica da família do paciente, incluindo a presença ou a ausência de psicopatologias em pais, avós, irmãos, tias, tios, primos e filhos. O paciente deve ser informado de que o risco para desenvolver certas doenças psiquiátricas, tais como 01a-Hales_00_01.pmd 36 esquizofrenia, transtorno bipolar, depressão maior, transtorno obsessivo-compulsivo e transtorno de pânico, aumenta se os membros da família têm ou tiveram essas doenças. O psiquiatra pode julgar necessário não usar jargões médicos ao indagar sobre a história psiquiátrica familiar do paciente, porque as histórias familiares e os fatos sobre experiências anteriores de parentes com doença mental variam muito. Por exemplo, após perguntar: “Há caso de esquizofrenia em sua família?”, o entrevistador pode prosseguir com uma pergunta como: “Alguém em sua família alguma vez teve um colapso nervoso ou foi internado em hospital ou instituição mental?”. O paciente pode ou não conhecer os termos diagnósticos formais das psicopatologias. História Médica O entrevistador deve indagar sobre problemas médicos passados e atuais do paciente. O psiquiatra precisa saber de forma específica que medicamentos o paciente toma regularmente e se ele é alérgico a algum fármaco ou a outros elementos. A investigação sobre medicamentos também deve incluir aqueles vendidos sem receita, suplementos herbáceos ou energéticos, vitaminas e tratamentos complementares ou alternativos (Vergare et al., 2006). O paciente deve informar sobre qualquer história de efeitos colaterais a fármacos consumidos. Mesmo se o paciente negar quaisquer problemas médicos, é importante que o entrevistador faça perguntas específicas sobre diversas doenças, como diabetes melito, convulsões, hipo ou hipertireoidismo e cardiopatias, porque a presença de uma dessas condições pode alterar as impressões diagnósticas ou os planos de tratamento do psiquiatra. Por exemplo, se um paciente com hipotireoidismo apresenta-se com energia diminuída e hipersonia, o psiquiatra deve descobrir se ele está tomando medicamento para tireoide e se fez um teste de hormônio tireoidiano antes de supor que esses sintomas poderiam estar relacionados a um transtorno depressivo primário. Além disso, se o psiquiatra suspeita que o paciente sofra de esquizofrenia e pretende prescrever um agente antipsicótico atípico, ele precisa pesquisar junto ao paciente sobre história de diabetes, doença cardíaca ou obesidade, porque vários antipsicóticos atípicos podem elevar a quantidade de açúcar no sangue, exacerbar uma condição cardíaca existente ou causar ganho de peso. O psiquiatra também deve investigar sobre casos de problemas médicos na família. Obter informação sobre a história social do paciente é uma parte extremamente 14/10/2011, 17:26 Parte I: ENTREVISTA E EXAMES 37 importante da entrevista psiquiátrica, porque estabilidade ou instabilidade em seu ambiente podem afetar drasticamente a situação da doença psiquiátrica do entrevistado. O psiquiatra deve indagar sobre a situação de vida do paciente: • O paciente tem disponível um lugar de residência estável e seguro? • Alguma coisa na situação de vida do paciente mudou recentemente? • É esperada alguma mudança no futuro próximo? • O paciente tem uma fonte de renda confiável? • O paciente está trabalhando? • O paciente conta com algum tipo de subsídio, como Medicare, Medicaid ou Previdência Social, para apoio financeiro? • O paciente tem um sistema de apoio adequado, incluindo família, amigos, vizinhos, etc.? • O sistema de apoio do paciente é confiável e encontra-se disponível nos momentos de necessidade? • O paciente é casado, solteiro, divorciado, separado? • O paciente tem filhos? • O paciente tem família próxima e disponível para ajudar? • Qual é a natureza do relacionamento do paciente com sua família – ou seja, a família o apoia e ajuda ou é intrusiva e difícil? Entreter o sistema e dinâmica familiares é de particular importância. Se os planos de tratamento prescritos exigirem que o paciente mude comportamentos, o psiquiatra deve entender como tais mudanças poderiam afetar outros membros da família. Mesmo se um paciente deseja mudar seus comportamentos problemáticos, a disposição da família em apoiar tal mudança será fundamental. A resistência da família a tal mudança pode prejudicar seriamente os esforços de mudança do paciente. O psiquiatra deve indagar sobre o nível de educação do paciente. Psiquiatras com prática frequentemente estimam o nível educacional de um paciente sem fazer perguntas específicas, baseado no uso do vocabulário e no cabedal de conhecimentos gerais dele. Entretanto, é prudente fazer perguntas específicas sobre o nível de educação do paciente para garantir que não haja uma interpretação equivocada das respostas de um paciente, tomando por uma indicação de déficits neuropsiquiátricos o que na realidade representa um nível de educação mais baixo. Similarmente, o entrevistador deve obter alguma informação sobre as crenças étnicas e culturais do paciente, porque sintomas considerados problemáticos e indicativos de doença psiquiátrica séria em culturas ociden- 01a-Hales_00_01.pmd 37 tais são frequentemente considerados comportamentos normais em outras culturas. O psiquiatra deve perguntar ao paciente se tem ligações fortes com ou recebe apoio de uma religião ou grupo espiritual em particular. O paciente tem alguma crença religiosa ou sobre psiquiatria e medicamentos psiquiátricos que poderiam influenciar a eficácia dos tratamentos prescritos? O entrevistador deve perguntar ao paciente se ele tem algum hábito que poderia afetar negativamente a eficácia de quaisquer tratamentos psiquiátricos prescritos, tais como uso de tabaco, uso de álcool ou promiscuidade sexual. Ao indagar sobre esses tipos de hábitos, o entrevistador deve fazer perguntas específicas para obter respostas significativas. Os pacientes geralmente não discutem fácil ou abertamente comportamentos sobre os quais eles têm alguma preocupação, constrangimento ou vergonha. Por exemplo, se o entrevistador tiver razão para acreditar que o paciente usa álcool em excesso, em vez de perguntar “Você bebe muito?”, ele pode fazer uma série de perguntas específicas que não permitam que o paciente generalize suas respostas ou evite responder às perguntas de forma direta, tais como: • Você bebe álcool diariamente? • Quantas doses você bebe por noite? • Alguma vez você pensou que deveria parar de beber? • Você já se sentiu incomodado devido a críticas em relação a seu hábito de beber? • Você já se sentiu culpado por beber? • Você já teve que beber de manhã para aliviar uma ressaca? • Você já perdeu a consciência por consumo de álcool? • Você já teve algum problema legal, como multa ou prisão por dirigir embriagado, devido ao abuso de álcool? Perguntas semelhantes a essas devem ser feitas se o examinador suspeitar de uso ou abuso de outras substâncias. O uso de tabaco pode alterar o metabolismo de diversos psicofármacos, portanto o examinador deve questionar todos os pacientes sobre tabagismo. Além disso, ele também deve inquirir sobre quaisquer problemas legais correntes ou pendentes do paciente, bem como se este está servindo ou já serviu no exército. Se positivo, o paciente deve descrever tal experiência. Indivíduos que fazem ou fizeram parte das forças armadas podem ser qualificados para serviços médicos ou psicológicos especializados por meio do governo federal. Perguntas sobre violência doméstica devem ocorrer em al- 14/10/2011, 17:26 38 TRATADO DE PSIQUIATRIA CLÍNICA gum momento durante a entrevista, e, para muitos psiquiatras, fazê-las concomitantemente com discussões sobre a história social passada parece mais apropriado. Assim como em outros temas delicados, o entrevistador provavelmente necessitará fazer perguntas muito específicas em relação a violência doméstica ou outros relacionamentos abusivos, porque muitos pacientes costumam ser reticentes em discutir tais assuntos, sobretudo na primeira sessão. Nesse âmbito, o psiquiatra deve considerar algumas das seguintes questões: • Sua casa é um lugar seguro para viver? • Alguém de sua família já bateu em você? • Você já foi a um pronto-socorro porque ficou ferido devido a uma briga com o cônjuge/companheiro (a)? • Alguém em sua família já manteve contato sexual com você contra sua vontade? História do Desenvolvimento Obter informações sobre a história do desenvolvimento do paciente é outro aspecto crítico da entrevista psiquiátrica, pois aumenta muito a probabilidade de contextualizar de forma correta seus sintomas psiquiátricos atuais. Uma história completa do desenvolvimento implica o questionamento de inúmeros aspectos do desenvolvimento, incluindo motores, de linguagem, físicos, sexuais, emocionais e morais. O psiquiatra deve perguntar sobre quaisquer eventos perinatais incomuns e se o paciente atingiu normalmente a maioria dos marcos do desenvolvimento, como falar, caminhar, ler, etc. Às vezes, o paciente não lembra, mas membros da família, especialmente pais e irmãos, podem ser muito úteis na obtenção de uma história do desenvolvimento completa e precisa. Os psiquiatras frequentemente focalizam mais o desenvolvimento emocional do paciente, porque problemas nesta área influenciam de forma considerável a sintomatologia psiquiátrica subsequente do paciente. Nesse sentido, a maioria dos entrevistadores dirige ao paciente algumas das seguintes perguntas: • Quem morava na casa com você na sua primeira infância? • Seus pais ainda estão vivos? • Para você, sua unidade familiar parecia segura e estável? Além disso, o psiquiatra precisa determinar a qualidade dos vínculos do paciente com figuras parentais, suas experiências em relação a várias separações 01a-Hales_00_01.pmd 38 na infância e a qualidade dos seus relacionamentos com amigos, considerando questões de vínculo, confiança e intimidade como de importância crítica. Na idade adulta, muitas condições clínicas ou transtornos da personalidade têm relação significativa com a presença ou a ausência, bem como com a qualidade, desses primeiros relacionamentos da infância. O psiquiatra deve perguntar ao paciente se ele sofreu algum abuso verbal, emocional, físico ou sexual quando criança ou adolescente. Visto que o desenvolvimento estende-se para além da infância, o psiquiatra precisa avaliar, conforme apropriado, o desenvolvimento contínuo do paciente ao longo da adolescência e da idade adulta jovem, média e tardia, incluindo a análise dos padrões de resposta a transições de vida normais e eventos de vida importantes, bem como a qualidade dos relacionamentos interpessoais presentes. Um aspecto importante a abordar recai em como o paciente lidou com os seguintes eventos: mudança de casa pela primeira vez, entrada na escola, casamento, nascimento de filhos, demissão, morte de um dos pais, etc. A maioria dos psiquiatras tembém pergunta sobre orientação sexual na parte da entrevista destinada à história social. Revisão de Sistemas O entrevistador psiquiátrico deve completar esta parte da avaliação revendo quaisquer sistemas médicos gerais ou categorias de psicopatologia que não tenham sido discutidos anteriormente. O entrevistador deve perguntar ao paciente sobre seus padrões de sono e apetite, regulação do peso e funcionamento sexual (MacKinnon et al., 2006). Ele também deve questionar o paciente, com pelo menos uma ou duas perguntas, sobre pensamento, humor, ansiedade, uso TABELA 1-3. Resumo do exame do estado mental 1. Aparência geral 2. Orientação 3. Fala 4. Atividade motora 5. Afeto e humor 6. Produção de pensamento 7. Conteúdo do pensamento 8. Alterações perceptivas 9. Ideação suicida e homicida 10. Atenção, concentração e memória 11. Pensamento abstrato 12. Insight/julgamento 14/10/2011, 17:26 Parte I: ENTREVISTA E EXAMES 39 de substâncias e transtornos cognitivos, se estas já não tiverem sido feitas em outra parte. tador pode decidir fazer novamente essas perguntas de orientação se a atenção ou o foco do indivíduo parecer ter mudado em comparação a encontros anteriores. Exame do Estado Mental Fala O psiquitra completa o exame do estado mental combinando uma série de observações com uma série de perguntas formais (Tab. 1-3). O objetivo do exame do estado mental é fornecer o quadro mais claro possível do estado mental real do paciente no momento da entrevista ou avaliação psiquiátrica. Na verdade, ele é mais um exame de “estado” do que de “traço”, uma vez que descreve a função mental do paciente em determinado momento e não representa necessariamente uma perspectiva histórica do transtorno do indivíduo. Portanto, é bastante comum, e provavelmente esperado, que o exame do estado mental do paciente seja diferente de uma entrevista para outra. Por esta razão, o psiquiatra pode usar as alterações no exame do estado mental de um paciente em múltiplas consultas para ajudar a esclarecer questões de diagnóstico e/ou atualizar decisões de tratamento. A documentação cuidadosa e o uso apropriado de terminologia-padrão do exame do estado mental podem permitir que as decisões diagnósticas e terapêuticas sejam tomadas mesmo quando diferentes médicos atendem o paciente ao longo do tempo. Além disso, devem ser incluídos comentários sobre a fala do paciente como parte do exame do estado mental formal. Por exemplo, o psiquiatra deve descrever a taxa, o volume, a articulação, a coerência e a espontaneidade da fala do paciente conforme observado durante toda a entrevista. Visto que várias doenças psiquiátricas podem afetar a fala do paciente, particularmente a taxa (desacelerando-a ou acelerando-a), a monitoração de tais aspectos continua sendo importante durante o curso terapêutico. Aparência Geral O entrevistador deve observar a aparência geral do paciente durante toda a entrevista. O relato do psiquiatra deve incluir algum comentário sobre postura, apresentação, vestuário e hábito corporal do paciente. Ao relatar esta parte do exame do estado mental, o entrevistador pode simplesmente afirmar que a aparência geral do paciente está dentro da normalidade ou pode incluir menção específica de qualquer alteração em particular. Após algum tempo de tratamento, o psiquiatra deve mencionar quaisquer mudanças na aparência geral do paciente, particularmente quando tais alterações podem estar correlacionadas a mudanças na saúde mental global. Orientação Na primeira entrevista, o psiquiatra deve realizar alguma avaliação formal de orientação, perguntando ao paciente seu nome completo, a data (dia, mês e ano) e o lugar onde a entrevista está ocorrendo (cidade, estado, prédio, andar, nome da clínica). Em consultas subsequentes com o mesmo paciente, o entrevis- 01a-Hales_00_01.pmd 39 Atividade Motora O exame do estado mental deve englobar especificamente o comportamento motor do paciente, contendo comentário sobre a marcha e a posição, os gestos, os movimentos anormais, os tiques e os movimentos corporais gerais do paciente conforme observado durante toda a entrevista. Algumas psicopatologias, como transtorno bipolar e fase maníaca, podem produzir movimentos exagerados, enquanto outras, como esquizofrenia ou transtorno depressivo maior, podem desencadear movimentos corporais lentos ou diminuídos. A monitoração de mudanças na atividade motora com o passar do tempo ajuda o médico a acompanhar a progressão da doença do paciente, incluindo adesão e resposta a psicofármacos. Afeto O psiquiatra deve observar e comentar sobre o afeto do paciente. Afeto refere-se ao estado emocional expressado pelo paciente durante a entrevista: pode ser descrito por palavras como triste, calado, alegre ou agitado. O entrevistador deve observar se o afeto do paciente muda durante a entrevista e, se mudar, precisa comentar se as alterações são congruentes com o conteúdo e adequadas ao ambiente da entrevista. O entrevistador também deve notar se as mudanças de afeto ocorrem de modo gradual ou abrupto. A ausência de responsividade afetiva pode caracterizar várias psicopatologias, como transtornos depressivos ou do pensamento. A labilidade e a instabilidade afetiva podem ocorrer em alguns trantornos, como durante a fase maníaca da doença bipolar ou a intoxicação com álcool. Do mesmo modo, o afeto de um paciente pode ser inadequado, por exem- 14/10/2011, 17:26 40 TRATADO DE PSIQUIATRIA CLÍNICA plo, quando não combina com o conteúdo da conversa atual (o paciente ri enquanto relata a morte de um amigo). Sendo assim, é necessário observar se o afeto do paciente e suas mudanças são apropriados. Humor O relato do humor do paciente é o único elemento do exame do estado mental que é verdadeiramente parte de uma história e não observado. O entrevistador deve pedir que o paciente descreva seu humor dos últimos dias e semanas. Sempre que possível, o entrevistador psiquiátrico deve registrar as palavras usadas pelo paciente, por exemplo: “O paciente declara que seu humor tem sido sombrio nas últimas semanas”. É útil que o psiquiatra compare o humor relatado pelo paciente com o afeto observado durante a entrevista psiquiátrica. Como o afeto é normalmente mais fluido e com tendência a oscilar em resposta a circunstâncias ambientais, o humor relatado e o afeto manifestado podem ou não coincidir. Entretanto, se o humor e o afeto nunca forem congruentes, o psiquiatra pode comentar com o paciente esta observação para conhecer o ponto de vista dele. Indivíduos que usam negação como mecanismo de defesa para evitar lidar com seus problemas ou que têm pouco insight podem não perceber que sua expressão afetiva exterior amável, até animada, não combina com seu humor deprimido relatado. Produção de Pensamento O processo ou produção de pensamento descreve como os pensamentos do paciente são expressos durante a entrevista. O psiquiatra deve comentar sobre a taxa de produção e o fluxo de pensamento do paciente, incluindo menções sobre se o pensamento é lógico, dirigido ao objetivo, circunstancial, tangencial ou apresenta afrouxamento de associações ou fuga de ideias (i.e., as ideias não estão conectadas). O fluxo de pensamento de um paciente geralmente pode ser descrito no continuum entre dirigido ao objetivo e desconexo. Psicopatologias desorganizadoras, como transtorno do pensamento e transtorno bipolar tipo maníaco, muito comumente causam produção de pensamento vaga ou desorganizada. A intoxicação por estimulantes ou os episódios maníacos também podem causar produção de pensamento excessivamente rápida. Conteúdo do Pensamento Em relação ao conteúdo do pensamento, o psiquiatra deve mencionar os temas importantes e a 01a-Hales_00_01.pmd 40 presença ou ausência de pensamentos delirantes, obsessivos, suicidas ou homicidas. O pensamento delirante inclui crenças falsas e fixas de conteúdo persecutório, erotomaníaco, grandioso, somático ou ciumento. Pacientes com delírios acreditam que suas crenças falsas e fixas são realidade. Os transtornos do pensamento, como esquizofrenia ou transtorno esquizoafetivo, são as causas mais prováveis de delírios bizarros durante um longo período. Intoxicação por álcool ou drogas pode ocasionar mudanças agudas no conteúdo do pensamento, incluindo ideação paranoide ou mesmo pensamento delirante. As obsessões são definidas como pensamentos recorrentes e persistentes que se intrometem involuntariamente na mente de uma pessoa. As obsessões parecem sem sentido e não são baseadas na realidade. Elas comumente ocorrem no transtorno obsessivo-compulsivo, mas também podem ser encontradas nos transtornos da alimentação ou do controle do impulso. Pacientes com obsessões reconhecem que seus pensamentos intrusivos não são normais. A consciência do paciente de que esses pensamentos são sem sentido, em oposição a acreditar que eles são realidade, diferencia as obsessões dos delírios. Alterações Perceptivas O psiquiatra deve indagar sobre as capacidades perceptivas do paciente. Fazer perguntas sobre alterações perceptivas pode ser particularmente desafiador para o entrevistador principiante, porque as questões podem parecer estranhas e até intrusivas ao próprio psiquiatra. O entrevistador deve perguntar se o paciente vê, ouve, cheira ou sente alguma coisa que não está baseada em um estímulo sensorial real. Obviamente, o entrevistador deve formular a pergunta de forma mais clara para o paciente, por exemplo: “Você sempre vê coisas que outras pessoas não veem?” ou “Você ouve vozes falando com você apesar de não haver ninguém no aposento?”. Alterações da percepção, como ouvir, ver, cheirar ou sentir coisas na ausência de um estímulo sensorial real, são denominadas alucinações. As alucinações tipicamente ocorrem como manifestação de uma doença psicótica, por exemplo, esquizofrenia, ou durante intoxicação ou abstinência de álcool ou drogas ilícitas. Durante uma entrevista, o psiquiatra pode perceber que o paciente reage a estímulos internos ao responder a uma pergunta que não foi feita ou vira-se para falar com alguém em outra parte da sala quando, na verdade, não há outra pessoa presente. O pacien- 14/10/2011, 17:26 Parte I: ENTREVISTA E EXAMES 41 te pode ou não reconhecer ou admitir ter essas alterações perceptivas. Frequentemente, o paciente está tão apavorado pelas alucinações auditivas ou visuais que nega ouvir vozes ou ver coisas, mesmo quando o entrevistador está convencido de que ele manifesta anormalidades perceptivas. Os pacientes em geral admitem essas alucinações somente após o estabelecimento de algum tipo de relacionamento terapêutico com o médico, depois de várias consultas. Ideação Suicida e Homicida Uma entrevista competente deve sempre incluir uma avaliação do potencial para suicídio e homicídio. A análise de suicídio é particularmente crítica para pacientes com história pessoal ou familiar de tentativas de suicídio ou suicídio consumado e deve incluir a investigação da presença ou ausência de ideação, intenção e plano suicida atual. A avaliação de homicídio é crucial sobretudo para pacientes com história anterior de violência ou problemas com a lei. Se o psiquiatra percebe que um paciente está ativamente suicida ou homicida, ele deve redirecionar o processo de entrevista para lidar com essa situação. Tal manejo pode requerer internação em hospital psiquiátrico para um paciente agudamente suicida ou acionamento da polícia para obter ajuda com aquele agitado ou homicida. O entrevistador deve ter conhecimento das leis em relação ao dever de informar caso o paciente ameace prejudicar terceiros. Atenção, Concentração e Memória Como parte do exame do estado mental, o entrevistador deve avaliar atenção, concentração e memória do paciente. Teoricamente, isso poderia ser feito sem qualquer pergunta específica, com base apenas na participação do paciente na entrevista psiquiátrica, sobretudo no caso de indivíduo com memória intacta ou de médico mais experiente. Entretanto, a maioria dos médicos faz perguntas de verificação antes de concluir que a atenção, a concentração e a memória do paciente estão normais, como: • “Por favor, soletre a palavra ‘mundo’ para mim. Agora soletre a palavra ‘mundo’ de trás para frente.” • “Comece com o número 100, subtraia sete, e continue a contar para trás de sete em sete até eu mandar parar.” 01a-Hales_00_01.pmd 41 • Quem é o atual presidente do país? Quem foi presidente antes dele? Quais foram os quatro anteriores a ele? O psiquiatra deve escolher cuidadosamente as perguntas para avaliar a atenção, a concentração e a memória a fim de adequá-las ao nível educacional e à formação cultural do paciente. Indivíduos com níveis educacionais mais baixos e com formação cultural não ocidental tendem a responder de forma insatisfatória. Para pacientes que parecem ter déficits cognitivos, é recomendado que a entrevista psiquiátrica inclua um Miniexame do Estado Mental (MMSE) formal, que inclui um conjunto específico de perguntas cujas respostas são pontuadas e comparadas a um escore máximo de 30 pontos. Indivíduos com transtornos cognitivos e/ou déficit cognitivo secundário a outras psicopatologias geralmente têm escores de MMSE baixos (Folstein et al., 1975). Diversas condições psiquiátricas, além de transtornos cognitivos genuínos, podem causar alterações de atenção, concentração e memória, além de outros déficits cognitivos. Essas alterações causadas por quadros psicopatológicos, como transtorno de déficit de atenção ou transtorno depressivo maior, podem melhorar com tratamento adequado. Portanto, no caso de escores baixos, o psiquiatra deve repetir o MMSE em cada consulta subsequente e acompanhar o desempenho do paciente ao longo do tempo para monitorar alterações cognitivas. Ao receber consentimento apropriado, o entrevistador pode ampliar seu entendimento dos possíveis problemas cognitivos do paciente junto a familiares próximos. Pensamento Abstrato Alguns quadros psiquiátricos, tais como transtornos do pensamento graves, lesão cerebral traumática e abuso crônico de álcool ou drogas, podem prejudicar a capacidade do paciente de ter pensamentos abstratos. Portanto, como parte do exame do estado mental, a maioria dos psiquiatras emprega alguma avaliação de capacidades de abstração. Frequentemente, o entrevistador pede que o paciente interprete provérbios, por exemplo: “Por favor, diga-me o que os ditados ‘Não chore sobre o leite derramado’ e ‘Quem tem telhado de vidro não deve atirar pedras’ significam, como se você estivesse explicando para uma criança”. Pacientes com nível educacional abaixo da oitava série ou que ainda não se adaptaram totalmente à cultura ocidental podem ter dificuldade com esse tipo de pergunta, indepen- 14/10/2011, 17:26 42 TRATADO DE PSIQUIATRIA CLÍNICA dentemente de qualquer psicopatologia sobreposta. Sendo assim, o psiquiatra deve ser cauteloso ao interpretar o significado das repostas concretas a essas perguntas, devendo considerar os dados de toda a entrevista ao determinar se o pensamento de um paciente é mais concreto do que o esperado para seu nível de educação ou aculturação. TABELA 1-4. Passos da formulação do diagnóstico e do plano de tratamento 1. Completar escalas de avaliação, se indicado. 2. Revisar resultados laboratoriais, de neuroimagem e de testagem neuropsicológica. 3. Levar em consideração achados de exame físico significativos. 4. Assimilar dados da história psiquiátrica em uma formulação biopsicossocial. Insight/Julgamento 5. Desenvolver um diagnóstico ativo. No final da entrevista psiquiátrica e do exame do estado mental, o entrevistador deve observar o grau com que o paciente entende e avalia o impacto de sua doença sobre sua vida, ou seja, o insight do paciente. Indivíduos com maior insight geralmente demonstram maior adesão às recomendações de tratamento. Pacientes com insight mais pobre tendem a se sujeitar menos às recomendações terapêuticas. A adesão também pode servir como medida de julgamento. Os psiquiatras supõem que pacientes com melhor julgamento costumam adotar mais as recomendações de tratamento. Alguns entrevistadores fazem perguntas para avaliar o julgamento mais formalmente. No passado, essas perguntas racaíam em situações hipotéticas, tais como: “O que você faria se encontrasse um envelope selado e endereçado na calçada?” ou “O que você faria se estivesse em um cinema e sentisse cheiro de fumaça?”. Entretanto, fazer perguntas que são pertinentes e mais prováveis de ocorrer talvez seja uma abordagem mais útil e provavelmente fornecerá uma melhor avaliação do julgamento do paciente. As perguntas sugeridas são: “O que você faria se seus remédios terminassem uma semana antes de sua próxima consulta com o médico?” ou “O que você faria se desenvolvesse uma diarreia grave dois dias após iniciar o uso de um novo medicamento para depressão?”. Essas questões permitem que o médico teste o julgamento do paciente e também estabeleça uma forma efetiva de discutir aspectos terapêuticos importantes, como adesão e efeitos colaterais do medicamento. 6. Determinar o ambiente ideal de tratamento. Formulação do Diagnóstico e Planejamento do Tratamento Os passos envolvidos na formulação do diagnóstico e no desenvolvimento de um plano de tratamento são apresentados na Tabela 1-4. Ao começar a consolidar o entendimento sobre o paciente, o psiquiatra pode decidir pelo emprego de 01a-Hales_00_01.pmd 42 7. Recomendar metas e plano terapêuticos biopsicossociais. 8. Garantir que o paciente entenda as metas e o plano de tratamento. 9. Assegurar que o paciente possa seguir as recomendações de tratamento pelo paciente. 10. Documentar recusa de tratamento por parte do paciente. 11. Fazer arranjos de acompanhamento. escalas de avaliação para ajudar a documentar a presença ou ausência de sintomas ou quantificar a gravidade de doenças específicas identificadas. Existe uma ampla variedade de escalas de avaliação, que devem ser escolhidas cuidadosa e especificamente para cada paciente (MacKinnon et al., 2006). A formulação biopsicossocial permite que o entrevistador assimile os principais fatores biológicos, psicológicos e sociais em um entendimento do paciente breve, mas integrado. A principal função da formulação biopsicossocial é fornecer uma conceitualização sucinta do paciente e, desse modo, orientar o plano de tratamento. A formulação biopsicossocial é uma hipótese ou um conjunto de hipóteses que tentam explicar os sintomas do paciente. As formulações biopsicossociais devem ser revisadas regularmente à medida que novos dados aparecerem (Kassaw e Gabbard, 2002; Perry et al., 1987). Apesar de curta, ela inclui os principais elementos biológicos, psicológicos e sociais da história psiquiátrica e do exame do estado mental para o entendimento do paciente no momento. Particularmente no âmbito psicológico, o psiquiatra não deve tentar tornar a formulação abrangente, mas, sim, focalizar-se em um ou dois temas-chave dos problemas do paciente e identificar experiências-chave do desenvolvimento e estressores relevantes, bem como usar os dados de transferência e contratransferência hic et nunc da entrevista para conectar os problemas passados e presentes do paciente (Kassaw e Gabbard, 2002). A seguir, um exemplo resumido de formulação biopsicossocial. 14/10/2011, 17:26 Parte I: ENTREVISTA E EXAMES 43 Um homem branco, forte, atlético, de 45 anos, presidente de uma importante empresa, apresenta-se quatro semanas após seu primeiro infarto do miocárdio relatando diminuição do sono, da energia e da concentração, aumento da irritabilidade e acessos de raiva com a esposa e o filho. Ele tem história familiar de transtornos do humor e abuso de álcool. Ainda não foi capaz de retornar ao trabalho devido a complicações médicas contínuas após o infarto. O paciente parece não ter consciência de seus sentimentos de medo e impotência para mudar sua situação. Ele começou a beber diariamente, apesar de seu cardiologista ter proibido a ingestão de álcool. O paciente provavelmente está desenvolvendo sintomas de depressão e abuso de álcool crescente porque perdeu duas de suas fontes mais consistentes de autoestima: o trabalho e a força física. Ele se sente impotente e incapaz de voltar a empregar sua estratégia antes bem-sucedida de lidar com estresse apenas trabalhando mais. Usando a formulação biopsicossocial como guia, o psiquiatra deve desenvolver um trabalho diagnóstico por meio do sistema de classificação de cinco eixos delineado no DSM-IV-TR (Tab. 1-5; American Psychiatric Association, 2000). O psiquiatra não precisa necessariamente explanar ao paciente em grandes detalhes toda a avaliação diagnóstica de cinco eixos. Entretanto, ele deve explicar ao paciente, em linguagem que este possa entender, um resumo de sua impressão juntamente com alguma discussão do prognóstico do(s) diagnóstico(s) estabelecido(s). Ao desenvolver um plano terapêutico, o psiquiatra deve incluir recomendações biológicas, psicológicas e sociais de tratamento. A primeira decisão de tratamento envolve a determinação do ambiente apropriado no qual a abordagem deve ocorrer. Especificamente, o paciente e sua doença podem ser tratados de forma ambulatorial? Se não, o entrevistador deve fazer os arranjos necessários para hospitalizar o paciente. Uma vez estabelecido o ambiente, o psiquiatra pode prosseguir para criar um plano de tratamento biopsicossocial. A parte biológica do plano terapêutico pode incluir a realização de um exame físico ou o planejamento para que esse exame seja feito. Em seguida, o psiquiatra deve determinar quaisquer testes laboratoriais, bem como quaisquer estudos de imagem que devam ser completados. A parte biológica do plano terapêutico biopsicossocial deve incluir também a lista de quaisquer psicofármacos que o paciente esteja tomando atualmente, com instruções explícitas sobre se os medicamentos serão conti- 01a-Hales_00_01.pmd 43 TABELA 1-5. Avaliação multiaxial e diagnóstico diferencial do DSM-IV-TR Eixo I Todos os transtornos primários de pensamento, humor, ansiedade, cognição, abuso de substâncias e outras condições que poderiam ser foco de atenção clínica. Eixo II Transtornos da personalidade e transtornos diagnosticados pela primeira vez na infância, incluindo retardo mental. Eixo III Condições médicas gerais concomitantes. Eixo IV Problemas psicossociais e ambientais. Eixo V Avaliação global do funcionamento baseada em um sistema de pontuação padrão de 1 a 100, com 1 sendo comprometimento grave de funcionamento e 100 sendo sem prejuízo de funcionamento. Fonte. Adaptada da American Psychiatric Association, 2000, p. 27-33. nuados e, nesse caso, como eles devem ser tomados. Deve conter instruções para quaisquer níveis sanguíneos do medicamento ou outros testes laboratoriais que o paciente realizará após a primeira consulta. Além disso, deve incluir também uma discussão sobre qualquer condição médica que precise ser tratada, como o encaminhamento a um internista para controlar a hipertensão ou o diabetes melito ou para um nutricionista no caso de perda de peso. A parte psicológica do plano terapêutico deve incluir recomendações para testagem neuropsicológica bem como discussão de todas as possíveis psicoterapias. A testagem neuropsicológica pode revelar informações importantes sobre as capacidades cognitivas e a personalidade do paciente. Ao recomendar uma psicoterapia, o entrevistador deve explicar, em linguagem que o paciente entenda, o motivo e o propósito da intervenção, e como é esperada a participação do paciente. As intervenções psicoterapêuticas devem englobar psicoterapia individual, psicoterapia de grupo, terapia de casal ou terapia familiar conforme a necessidade específica do indivíduo. As recomendações de psicoterapia individual podem incluir psicoterapia psicodinâmica de longo ou curto prazo; intervenções focalizadas breves, como terapia cognitivo-comportamental, psicoterapia interpessoal ou terapia do comportamento dialética; e psicoterapia de apoio de longo ou curto prazo. O plano psicoterapêutico deve ser talhado especificamente para cada paciente, e as recomendações de tratamento podem envolver mais de uma forma de psi- 14/10/2011, 17:26 44 TRATADO DE PSIQUIATRIA CLÍNICA coterapia. A chave para o sucesso do tratamento depende da seleção cuidadosa de pacientes adequados à psicoterapia particular escolhida. Dois aspectos principais devem ser considerados ao indicar psicoterapia: 1) os sintomas clínicos apresentam probabilidade de responder à terapia e 2) no caso de terapia psicodinâmica, se o paciente tem características psicológicas adequadas para tal abordagem (Gabbard, 2004). A capacidade do paciente de arcar com a psicoterapia recomendada, tanto do ponto de vista de finanças quanto de tempo, deve ser considerada no desenvolvimento do plano de tratamento final. Se os recursos financeiros do paciente são limitados, o psiquiatra deve familiarizar-se com serviços de psicoterapia de honorários baixos disponíveis dentro da área. A parte social do plano terapêutico também pode visar o melhoramento das situações de vida, trabalho, finanças ou rede de apoio do paciente. Por exemplo, envolver um assistente social para ajudar o paciente a obter novo treinamento profissional ou a requerer seguro por invalidez pode ser relevante. Ainda, o plano de tratamento social pode incluir um programa de tratamento-dia ou um programa de desenvolvimento de habilidades sociais para aumentar as oportunidades de interações sociais regulares. O psiquiatra poderia decidir que é importante ajudar um paciente a retomar o contato com a igreja de sua comunidade em busca de apoio. Além disso, ele deve fornecer ao paciente informações de grupos de apoio de saúde mental, como a National Alliance for the Mentally Ill. O plano de tratamento social também poderia incluir recomendações para o paciente parar de fumar ou frequentar os Alcoólicos Anônimos. Cada parte do plano terapêutico deve ser cuidadosamente planejada para satisfazer as necessidades específicas do paciente. A implementação de cada recomendação de tratamento deve ser plausível e praticável. A possível resistência do paciente a qualquer aspecto do plano terapêutico deve ser tratada o mais diretamente possível, para minimizar possibilidade de sabotagem por parte do paciente. O psiquiatra deve garantir que o paciente entenda totalmente cada aspecto do plano terapêutico. Para tanto, o paciente deve ter ampla oportunidade de fazer perguntas e considerar opções alternativas, se houver. O psiquiatra deve documentar a recusa do paciente a qualquer aspecto do plano terapêutico. Ele deve tentar entender por que um paciente não adere a uma determinada recomendação de tratamento e decidir se o aspecto dificultante pode ser descartado ou é fundamental para a resposta terapêutica ou para a recuperação da doença. Se o psiquiatra acreditar que a recusa de tratamento causará consequências graves ao paciente ou a outros, ele poderá estabelecer abordagem compulsória, designando alguém para assegurar a adesão, mesmo que forçada, do paciente. Finalmente, o psiquiatra e o paciente devem discutir e concordar com um plano de acompanhamento. Tal plano deve incluir uma discussão sobre quaisquer tarefas atribuídas ao paciente, como obter registros antigos ou fazer exames laboratoriais, e incumbências para o psiquiatra, como falar com o médico que já tratou o indivíduo ou revisar resultados laboratoriais pendentes antes da próxima consulta. Sempre que possível, a data e a hora da próxima consulta devem ser determinadas antes do paciente deixar o consultório. Finalmente, conforme já mencionado, o psiquiatra deve fornecer ao paciente informações para eventuais contatos e instruções sobre como lidar com quaisquer situações de emergência em relação à saúde mental que poderiam surgir antes da próxima consulta. Conclusão A entrevista, incluindo o exame do estado mental, continua sendo o instrumento mais importante para avaliação do paciente, mesmo com os recentes avanços tecnológicos da medicina. Como é o caso em todas as habilidades médicas críticas, os psiquiatras devem manter-se em constante aprimoramento por meio de educação contínua e prática regular. Pontos-chave • Estabelecer rapport e transmitir respeito. Apresentar-se, chamar o paciente pelo nome, fazer contato visual e limitar as interrupções. • Usar associações empáticas para guiar e ajustar a entrevista de acordo com o paciente e a situação. Seguir sinais/pistas e indicações do paciente sempre que possível, fazer perguntas abertas (menos temas aborda- 01a-Hales_00_01.pmd 44 14/10/2011, 17:26 Parte I: ENTREVISTA E EXAMES 45 • • • • dos, maior profundidade) e também focalizadas (mais temas abordados, menor profundidade) para aumentar a profundidade e a amplitude de entendimento e a obtenção de informação. Aumentar o foco de perguntas para pacientes com transtornos de conteúdo ou produção de pensamento, transtornos de percepção ou déficits cognitivos. No caso de pacientes agudamente agitados, perigosos ou medicamente comprometidos, a entrevista deve ser abreviada. Usar palavras que o paciente possa entender, evitando jargão médico; avaliar a educação, a linguagem e as necessidades culturais do paciente; e utilizar um tradutor se o caso requerer. Esclarecer e verificar se o paciente está entendendo o que você diz e vice-versa. Avaliar a segurança do paciente, incluindo avaliação de risco de suicídio. Mensurar a periculosidade desde o início e ao longo da entrevista no caso de indivíduo potencialmente perigoso. Fazer anotações para registrar dados necessários, mas não deixar que interfiram no estabelecimento e na manutenção de rapport com o paciente. Rever históricos médicos e resultados de testes disponíveis antes de completar a avaliação e desenvolver o plano de tratamento. Entrevistar pessoas relevantes na vida do paciente. Incluir todos os elementos-chave da história psiquiátrica e do exame do estado mental. A história psiquiátrica inclui queixa principal, história da doença atual, história psiquiátrica e médica, história social, história do desenvolvimento, histórias familiares psiquiátrica e médica e revisão de sistemas. Para o exame do estado mental, observar e avaliar os seguintes aspectos de comportamento e pensamento: aparência geral; orientação; fala; atividade motora; afeto e humor; produção de pensamento; conteúdo do pensamento; alterações da percepção; ideação suicida ou homicida; atenção, concentração e memória; pensamento abstrato; e insight/julgamento. Examinar os dados obtidos durante a entrevista e desenvolver uma formulação biopsicossocial e um diagnóstico diferencial completo, incluindo informação para todos os cinco eixos do DSM-IV-TR. Elaborar um plano de tratamento que contemple intervenções biológicas, psicológicas e sociais apropriadas e considerar o prognóstico global do paciente. Garantir que o paciente entenda as metas e o plano terapêutico e verificar se ele pode cumprir as recomendações de tratamento. Documentar a recusa de tratamento pelo paciente. Estabelecer planos de acompanhamento (p. ex., próxima consulta, exames a completar). Leituras Sugeridas MacKinnon RA, Yudofsky SC: Principles of the Psychiatric Evaluation, 2nd Edition. Philadelphia, PA, JB Lippincott, 1991 MacKinnon RA, Michels R, Buckley PJ: The Psychiatric Interview in Clinical Practice, 2nd Edition. Washington, DC, American Psychiatric Publishing, 2006 Referências American Psychiatric Association: Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, 4th Edition, Text Revision. Washington, DC, American Psychiatric Association, 2000 Folstein MF, Folstein SE, McHugh PR: “Mini-Mental State”: a practical method for grading the cognitive state of patients for the clinician. J Psychiatr Res 12:189–198, 1975 01a-Hales_00_01.pmd 45 Gabbard GO: Long-Term Psychodynamic Psychotherapy. Washington, DC, American Psychiatric Publishing, 2004 Kassaw K, Gabbard GO: Creating a psychodynamic formulation from a clinical evaluation. Am J Psychiatry 159:721–726, 2002 MacKinnon RA, Yudofsky SC: Principles of the Psychiatric Evaluation, 2nd Edition. Philadelphia, PA, JB Lippincott, 1991 MacKinnon RA, Michels R, Buckley PJ: The Psychiatric Interview in Clinical Practice, 2nd Edition. Washington, DC, American Psychiatric Publishing, 2006 Perry S, Cooper AM, Michels R: The psychodynamic formulation: its purpose, structure and clinical application. Am J Psychiatry 144:543–551, 1987 Scheiber SC: The psychiatric interview, psychiatric history, and mental status examination, in The American Psychiatric Publishing Textbook of Clinical Psychiatry, 4th Edition. Edited by Hales RE, Yudofsky SC. Washington, DC, American Psychiatric Publishing, 2003, pp 155–188 Vergare MJ, Binder RL, Cook IA, et al: Practice guideline for the psychiatric evaluation of adults, 2nd Edition. Am J Psychiatry 163:1–36, 2006 14/10/2011, 17:26