Artigo original Medicamento como risco no ambiente doméstico Medicine as risk in a domestic environment Lorena Ribeiro Silva1, Nádia Rezende Barbosa Raposo2, Francislene Juliana Martins3, Rita de Cássia Padula Alves Vieira4 Resumo Um dos mais relevantes problemas de saúde pública está relacionado ao uso inadequado de medicamentos. O fácil acesso aos mesmos traz riscos consideráveis à saúde humana, entre os quais, as intoxicações. Estas atingem principalmente crianças menores de 5 anos, mais vulneráveis a agentes tóxicos presentes no ambiente doméstico, devido à extrema curiosidade e ao desconhecimento dos perigos que as cercam. O presente trabalho teve por objetivo identificar atitudes por parte dos pais ou responsáveis por criança na referida faixa etária, sobre os (des)cuidados frente à utilização dos medicamentos no ambiente doméstico. Foi realizado um estudo descritivo, com amostragem por conveniência, entre os usuários de uma drogaria localizada no centro da cidade de Juiz de Fora (MG). Os resultados mostraram que os cuidadores tiveram atitudes inadequadas em relação aos medicamentos presentes em casa. Tal comportamento contribui para aumentar os riscos de intoxicação. Portanto, é necessário o acesso a informações seguras quanto ao manuseio desses produtos no ambiente doméstico. Palavras-chave: Atenção integrada às doenças prevalentes na infância, uso de medicamentos, fatores de risco Abstract One of the most important public health problems is related to inappropriate use of medicines. The easy access to them brings significant risks to the human health, including intoxication – which mainly affect children under 5 years old, more vulnerable to toxic agents in the home due to extreme curiosity and ignorance of the dangers that surround them. This study aimed to identify the attitudes of parents or people responsible for child at this age in relation to the care (or neglect) about the use of medicines in the household. We conducted a descriptive study with convenience sampling among users of a drugstore located downtown Juiz de Fora (MG), Brazil. The results showed that caregivers had inadequate attitudes in relation to these drugs at home. This behavior contributes to increase the risk of intoxication. Therefore, it is necessary to access secure information regarding the handling of these products at home. Key words: Integrated management of childhood illness, drug utilization, risk factors Graduada em Farmácia e Bioquímica. Departamento de Alimentos e Toxicologia da Faculdade de Farmácia e Bioquímica da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). End.: Sintoxfar – Serviço de Informação Tóxico-Farmacológica. Rua Eugênio do Nascimento, s/n, 1º andar – Dom Bosco – Juiz de Fora (MG) – CEP: 36038-330 – E-mail: [email protected] 2 Doutora em Toxicologia. Professora Adjunta da UFJF. 3 Mestre em Saúde. Farmacêutica responsável pelo Serviço de Informação Tóxico-Farmacológica do Centro de Atenção à Saúde do Hospital Universitário da UFJF. 4 Doutora em Saúde Coletiva. Professora Adjunta da UFJF. 1 Cad. Saúde Colet., 2010, Rio de Janeiro, 18 (2): 209-16 209 Lorena Ribeiro Silva, Nádia Rezende Barbosa Raposo, Francislene Juliana Martins, Rita de Cássia Padula Alves Vieira Introdução Atualmente, um dos mais relevantes problemas de saúde pública está relacionado ao uso inadequado de medicamentos. Em todo o mundo, mais de 50% de todos os medicamentos são prescritos, dispensados ou vendidos inadequadamente, e 50% dos pacientes deixam de tomá-los corretamente (WHO, 2006). A extensa variedade de fármacos presentes no Brasil favorece o uso inapropriado desses produtos pela população em geral (Margonato et al. 2008). Uma vez que o nível de informação adquirido pelo usuário sobre os mesmos não é proporcional ao seu consumo, isso torna-se um desafio à saúde pública. No Brasil, os principais agentes tóxicos envolvidos nas intoxicações foram os medicamentos, produtos domissanitários, agrotóxicos de uso agrícola e doméstico, produtos químicos industriais, mordeduras e picadas de animais peçonhentos e não-peçonhentos, raticidas, plantas e cosméticos (Sinitox, 2007a, Werneck e Hasselmann, 2009). O país é um dos dez maiores mercados consumidores de medicamentos (Menon et al., 2005). São necessárias medidas corretivas e educativas quanto ao uso indiscriminado dos mesmos, a fim de minimizar o quadro vigente. Os medicamentos são responsáveis por 30,9% das intoxicações ocorridas em diversas situações, tais como: acidente individual, coletivo e ambiental, uso terapêutico, prescrição médica inadequada, erros de administração, automedicação, tentativas de suicídio, entre outros (Sinitox, 2007a). Crianças menores de cinco anos são as maiores vítimas das intoxicações causadas por medicamentos e representam em torno de 24% dos casos registrados no Brasil (Sinitox, 2007b). A maioria das intoxicações ocorre acidentalmente, devido ao emprego e/ou armazenamento inadequado de produtos químicos e medicamentos no ambiente doméstico. Esses acidentes predominam nos primeiros anos de vida, sendo uma das principais causas de morbimortalidade (Souza e Barroso, 1999). Os índices de acidentes com crianças têm se mantido elevados, observando-se, no caso das intoxicações, um aumento da sua incidência (Vinagre e Lima, 1998). O termo acidente, utilizado para designar causa externa não-intencional, deve ser analisado como dependente da interação de fatores (do agente, da vítima e do ambiente) que têm uma ou mais causas, sendo, portanto, passível de prevenção (Gandolfi e Andrade, 2006). A população em geral não possui informações corretas sobre o acondicionamento dos medicamentos, o qual é feito em locais inadequados, aumentando o risco de intoxicações. Além disso, esse mau acondicionamento pode promover alterações físico-químicas nas substâncias, fazendo com que as mesmas tenham sua atividade farmacológica 210 Cad. Saúde Colet., 2010, Rio de Janeiro, 18 (2): 209-16 reduzida ou até mesmo produzam metabólitos tóxicos (Silva et al., 2005). Quanto mais nova é a criança, maior é a frequência de acidentes (Waisman et al. 2002). As menores de 5 anos, principalmente, são curiosas e o relacionamento delas com o meio ambiente se dá pelo contato oral com objetos e substâncias (Ramos et al. 2005). É uma fase caracterizada pela busca aguçada e contínuo aprendizado, de extrema importância para o desenvolvimento psíquico, motor e social do indivíduo. Ela consiste em uma sucessão de etapas de desenvolvimento, cada uma com suas particularidades, e cada criança tem seu próprio ritmo (Aleixo e Oliveira, 2002). Um fato relevante é que as crianças têm uma taxa de metabolização mais rápida e uma menor capacidade de neutralização orgânica dos produtos tóxicos (Santos, 2004). Estudos revelam que a maioria dos acidentes domésticos ocorre na presença do adulto, inclusive as intoxicações. Como são os pais que controlam esse espaço e definem as regras de segurança em casa, a prevenção desse tipo de acidente depende, sobretudo, da importância que eles atribuem a essa questão (Vinagre e Lima, 1998). Nesse sentido, o objetivo geral do presente estudo foi identificar atitudes por parte de usuários de medicamentos, especialmente aqueles que são cuidadores de crianças entre zero e cinco anos, em relação aos (des)cuidados tomados na utilização dos mesmos no ambiente doméstico, caracterizando o comportamento familiar e identificando fatores de risco e as variáveis socioeconômicas e culturais que contribuem para o acidente com medicamentos. Materiais e métodos Estudo exploratório, com amostra de conveniência da população de frequentadores de uma drogaria localizada no centro da cidade de Juiz de Fora (MG), que haviam visitado esse estabelecimento para comprar medicamento e que se declararam cuidadores de menor de cinco anos. Foram avaliados 100 (n=100) usuários dessa drogaria, no período de fevereiro a maio de 2008. Embora sabendo que a amostra obtida (por conveniência) pudesse apresentar limitações quanto à generalização, os autores consideraram que a mesma representou bem a opinião dos cuidadores de crianças pesquisados, assumindo que as características de importância para a pesquisa estão distribuídas uniformemente ou aleatoriamente na população estudada (Oliveira, 2001). Por localizar-se no centro da cidade, o estabelecimento atende a uma população variada e pertencente a todas as classes econômicas. Após a aprovação da pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Medicamento como risco no ambiente doméstico parecer nº. 397/2007 e CAAE nº. 0246.0.180.000-07, houve a autorização da direção da drogaria para sua realização. Na sala de assistência farmacêutica, após explanação oral e por escrito, os frequentadores da drogaria assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Os (des)cuidados no ambiente doméstico que contribuem para a ocorrência de intoxicações infantis foram avaliados por meio de questionário, composto de 25 questões (Anexo 1), respondido de forma individual e anônima, num período médio de 15 minutos, sob a supervisão da pesquisadora. Para participar da pesquisa, era necessário que o usuário de medicamentos fosse cuidador de criança. O questionário aplicado, composto por 25 questões, não apresentou dados de identificação pessoal, o que garantiu o sigilo das informações. O material coletado foi submetido à análise orientada para as respostas obtidas por meio do questionário aplicado. O software empregado para a análise dos dados foi o Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) para Windows (versão 14.0). Resultados e discussão No presente trabalho, observou-se que a maioria dos cuidadores era do sexo feminino (80%), demonstrando o papel preponderante da mulher como responsável pelo cuidado do lar e da família. A mulher, além de ser considerada a pessoa responsável pelo comando da casa do ponto de vista doméstico, é também executora dos principais cuidados da saúde familiar (Oliveira e Bastos, 2000). Dos cuidadores, 49% apresentaram uma faixa etária de 28 a 38 anos. O estudo da variável ‘estado civil’ mostrou que a maioria deles era casada (56%), revelando que o modelo tradicional de família foi o que predominou no grupo entrevistado, ratificado pela presença dos filhos morando com pai e mãe em 66% dos casos. Entre os respondentes, 54% possuíam o ensino médio completo e 42% das famílias apresentaram uma renda entre um a dois salários mínimos. Um fator determinante na qualidade de vida da criança e no grau de sua segurança é o nível socioeconômico de seus pais. Uma família com baixa renda possui menos acesso à informação e menor capacidade de escolha dos locais de habitação, assim como onde seus filhos brincam e estudam. Além disso, o grau de utilização da informação é proporcional ao grau de educação que os pais possuem (Santos, 2004). Dos entrevistados, 63% possuíam apenas um filho. A redução do número de filhos na família contemporânea é decorrente de diversos fatores, como o ingresso das mulheres no mercado de trabalho, a redução de níveis de renda familiar, a necessidade de formação contínua da mão-de-obra ativa e especializada devido à complexidade do trabalho, entre outros. Um número maior de filhos dificulta a conciliação entre trabalho e família. Dessa forma, em alguns casos, a mulher tende a transferir a tarefa de cuidar para outra pessoa (Machado, 2005). A maioria das crianças (57%) era do sexo feminino e 59% delas apresentavam entre dois a cinco anos, idade crítica e suscetível a acidentes domésticos. Um estudo realizado no Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), entre 1997-1998, demonstrou que os medicamentos, os produtos de uso doméstico e cáusticos foram os responsáveis pela maioria dos atendimentos por intoxicações. Estas últimas e os acidentes com corpos estranhos predominaram na faixa entre dois a cinco anos. A intoxicação foi a quinta causa mais frequente de acidente e também se concentrou na faixa acima referida (49,5%). Além disso, houve predomínio de intoxicação por medicamentos, enquanto que a intoxicação por produtos domésticos foi mais evidente em crianças de um a dois anos, as quais, pelo grau de desenvolvimento cognitivo, agem em uma área restrita do domicílio, como cozinha e lavanderia e, assim, encontram líquidos de limpeza, latas de tinta e outros produtos de uso doméstico. Já a criança mais velha interage mais com o seu meio e procura produtos em prateleiras, potes e vidros fechados, com líquidos coloridos e pastilhas (Baracat et al., 2000). Werneck e Hasselmann (2009) identificaram em seus estudos, na cidade do Rio de Janeiro, um total de 1.574 casos de intoxicações exógenas em crianças menores de 5 anos, dos quais 75% foram provocados por produtos químicos de uso doméstico ou medicamentos, o que corrobora a necessidade de cuidados especiais quanto ao armazenamento desses materiais a fim de se evitar, acidentes toxicológicos. A elevada incidência de intoxicação infantil leva a um esforço contínuo na prevenção da mesma. Nesse sentido, a utilização de embalagens com um design modificado, que garanta a segurança das crianças, é de extrema relevância na redução dos riscos relacionados a estes eventos. (Ozanne-Smith et al., 2001; Matos et al., 2002). Bortoletto e Bochner (1999) e Lourenço et al. (2008) observaram que as embalagens especiais de proteção à criança são importante mecanismo para reduzir o número de casos de intoxicação e que os envenenamentos ocorrem quando o sistema é violado. No entanto, no Brasil, a obrigatoriedade de utilização desses materiais ainda tramita sem aprovação no Congresso Nacional (Amador et al., 2000; Ramos et al., 2005). Além disso, a implantação de estratégias, como a de atenção integrada às doenças prevalentes na infância, dentro do conceito da integralidade, serve para avaliar os principais problemas de saúde que afetam crianças menores de cinco anos. Cad. Saúde Colet., 2010, Rio de Janeiro, 18 (2): 209-16 211 Lorena Ribeiro Silva, Nádia Rezende Barbosa Raposo, Francislene Juliana Martins, Rita de Cássia Padula Alves Vieira Assim, é possível o desenvolvimento de medidas de prevenção desses eventos e promoção de saúde (Felisberto et al., 2002). Diversas atitudes por parte dos cuidadores podem contribuir para a ocorrência de uma intoxicação medicamentosa infantil no ambiente doméstico. No presente trabalho, observaram-se comportamentos preocupantes dos cuidadores em relação aos medicamentos presentes no lar. Dentre esses, destacou-se a utilização de fármacos na frente da criança, atitude comum em 33% dos entrevistados. Como as crianças imitam o comportamento do adulto, reproduzindo os meios por ele utilizados para atingir determinado fim, esse comportamento torna-se potencialmente perigoso. Além disso, dizer às crianças que o medicamento é doce ou bala para facilitar a administração, atitude de 19% dos entrevistados, é um erro, pois elas, ao se depararem com estas substâncias, podem se lembrar de que os mesmos são simplesmente doces e, dessa forma, consumi-los sem medo. Outra atitude revelada por 15% dos responsáveis foi a de guardar os medicamentos em bolsas de mão. Estas são deixadas em qualquer local da residência, o que contribui para aumentar o risco da intoxicação infantil, já que, durante essa fase da vida, as crianças mexem em tudo ao seu redor. Dos cuidadores, 7% administraram medicamentos às crianças no escuro, enquanto elas dormiam. Essa atitude facilita um possível erro na dose, além de possíveis perdas do medicamento decorrente de algum acidente, acarretando doses extras, sendo esse aumento de dose confirmado por 15% dos entrevistados e, consequentemente, podendo acarretar intoxicações. Outra prática inadequada foi a ocorrência da automedicação dirigida a crianças, realizada por 11% dos cuidadores. Essa prática é potencialmente nociva à saúde individual e coletiva, pois nenhum medicamento é inócuo ao organismo. O uso indevido de determinadas substâncias pela população, como os antibióticos, os analgésicos, entre outros, pode acarretar diversas consequências, como resistência bacteriana, reações de hipersensibilidade, dependência, sangramento digestivo etc. Além disso, o alívio momentâneo dos sintomas encobre a doença de base que passa despercebida, levando, assim, ao seu progresso (Vilarino et al., 1998). Essa prática é decorrente de problemas econômicos e do difícil acesso aos serviços de Saúde, bem como do número elevado de farmácias e da propaganda indiscriminada de medicamentos nos diferentes meios de comunicação (Bochner, 2005). Um dado também a ser levado em consideração é a variedade de medicamentos presentes na maioria dos domicílios dos entrevistados. Em todos os domicílios (100%) foram encontrados algum analgésico, antitérmico ou anti-inflamatório. Além destes, 52% possuíam também vitaminas; 44%, antibióticos; 42%, anticoncepcionais; 36%, antialérgicos; 17%, 212 Cad. Saúde Colet., 2010, Rio de Janeiro, 18 (2): 209-16 sedativos de tosse e/ou expectorantes; 14%, antieméticos; 11%, tópicos cutâneos; 9%, descongestionantes sistêmicos; 6%, antidiarreicos e/ou sedativos e/ou anticonvulsivantes. A polifarmárcia é, em potencial, um risco para as crianças, pois aumenta a oferta de objetos a serem explorados por elas. Além disso, a presença de diversos medicamentos indica uma politerapia, que também possui determinados riscos quando não acompanhados por um médico, dentista ou não são devidamente orientados por um farmacêutico (atenção farmacêutica). Durante o tratamento, os pacientes estão sujeitos a sofrerem as consequências de interações medicamentosas que podem aumentar ou diminuir os efeitos farmacológicos ou exacerbar os efeitos tóxicos. A politerapia, além de onerar os custos com o cuidado ao paciente, ocasiona elevação da morbimortalidade (Melo et al., 2003). Os sentimentos de passividade e medo em relação às doenças, contrários a tomadas de atitudes preventivas, são determinantes na formação e manutenção das polifarmácias domésticas (Margonato et al., 2008). Dentre essas atitudes, o acondicionamento e o descarte correto dos medicamentos são fundamentais para evitar intoxicações e contaminações do meio ambiente. Um aspecto importante quanto à estocagem dos medicamentos é o fato de que os fármacos precisam manter preservadas suas condições de estabilidade para que suas características físicas, químicas e farmacológicas, durante seu período de vida útil, permaneçam dentro de limites estabelecidos. Esse espaço de tempo, no qual se assegura sua integridade, representa o período de validade (Marin, 2003). Os medicamentos devem ser armazenados ao abrigo da luz, calor e em ambiente seco, preferencialmente em armário próprio. Além disso, não devem ser estocados junto a outros produtos químicos ou em locais quentes e com incidência de luz solar direta. Um estudo realizado nas Unidades de Saúde de Divinópolis (MG) teve a finalidade de avaliar a postura da população divinopolitana frente a cuidados gerais com medicamentos. Nesse estudo, 86% dos entrevistados tiveram o cuidado de manter os medicamentos bem fechados na embalagem original e com bula. A bula traz informações corretas para a utilização do medicamento, embora possua termos técnicos que dificultam a compreensão dos usuários, daí a importância da orientação dispensada pelo farmacêutico. As administrações errôneas de doses, baseadas na memória, são geralmente maiores que as recomendadas e podem causar intoxicação. Apenas 22% dos entrevistados da população divinopolitana guardavam os medicamentos em armários com chave e 62% tinham o hábito de armazená-los juntos em um único local. O banheiro e a cozinha são lugares impróprios para se guardar medicamentos; no entanto, a referida pesquisa mostrou que Medicamento como risco no ambiente doméstico 55,9% das casas visitadas utilizam esses cômodos para tal fim (Ferreira et al., 2005). Dos entrevistados, observou-se que a maioria dos medicamentos eram mantidos estocados no dormitório (47%) e na copa/cozinha (34%), sendo que 46% dos entrevistados armazenavam-nos em caixas avulsas e 39%, em gavetas de mobiliários desses cômodos. O armário da cozinha foi reportado em 25% dos casos e móvel ou armário no dormitório, em 24 e 23%, respectivamente. Nenhum dos entrevistados desta pesquisa tinha o hábito de guardar os medicamentos em armários com chave, o que aumenta o risco de as crianças terem acesso a essas substâncias e, consequentemente, desenvolverem uma intoxicação. Esses resultados diferem dos achados de Silva et al. (2005), nos quais prevaleceram a estocagem dos medicamentos na cozinha (48%). O estoque domiciliar de medicamentos e domissanitários favorece as intoxicações infantis e tentativas de suicídio por meio desses produtos. O armazenamento inadequado pode ser um dos grandes motivos de intoxicação, pelo fácil acesso das pessoas e, principalmente, de crianças aos agentes tóxicos (Nogueira et al. 2009). Além disso, o descarte inadequado de medicamentos vencidos é um dos problemas ambientais que nossa sociedade enfrenta. Uma grande parcela da população (82,8%) usa o lixo doméstico para efetuar tais descartes. São crescentes as pesquisas que relatam haver contaminação de águas, esgotos, alimentos e lixo, devido ao uso e descarte de medicamentos. O extensivo emprego de antibióticos na criação de animais domésticos e o seu descarte têm sido referidos como causas do surgimento de micro-organismos resistentes aos medicamentos empregados na terapêutica (Schio, 2001). Quanto ao uso de medicamentos, em 40% dos casos, o cuidador adquiria fármacos sem orientação médica. Contraditoriamente, 89% afirmaram seguir a orientação desse profissional. Em 88% dos questionários, o entrevistado assegurou ter conhecimentos sobre a ação e efeitos adversos dos medicamentos e 9% já vivenciaram algum acidente doméstico envolvendo medicamentos. Entre os entrevistados nesta pesquisa, a maioria não demonstrou qualquer tipo de cuidado ou preocupação em relação ao descarte dos medicamentos. Os medicamentos sólidos eram descartados juntamente com os frascos de origem e jogados diretamente no lixo doméstico (96%). Os medicamentos líquidos também eram descartados junto com os frascos e diretamente no lixo (57%); porém, em relação a esse descarte, uma parcela significativa dos entrevistados (43%) teve o cuidado de descartar as substâncias na pia ou no vaso sanitário antes de jogarem a embalagem no lixo. As variáveis estudas podem ser verificadas no Quadro 1. Quadro 1 - Frequências obtidas a partir das variáveis de estudo. Variáveis analisadas Frequência (%) Caracterização do cuidador e filhos Cuidador do sexo feminino 80 Faixa etária de 28 a 38 anos 49 Estado civil casado 56 Cuidador com 2º grau completo 54 Renda familiar de 1 a 2 salários mínimos 42 Apenas 1 filho 63 Filhos moram com pai e mãe 66 Filhos do sexo feminino 57 Filhos de 2 a 5 anos 59 Tipo de medicamento existente na residência Analgésicos, antitérmicos ou anti-inflamatórios 100 Vitaminas 52 Antibióticos 44 Anticoncepcionais 42 Antialérgico 36 Sedativos de tosse e/ou expectorantes 17 Antieméticos 14 Tópicos cutâneos 11 Descongestionantes sistêmicos 9 Antidiarreicos 6 Sedativos e/ou anticonvulsivantes 6 Recipiente onde os medicamentos são estocados Caixas avulsas 46 Gavetas 39 Local onde os medicamentos são estocados Armário na copa/cozinha 25 Móvel no dormitório 24 Armário no dormitório 23 Dependências onde os medicamentos são estocados Quarto 47 Copa/cozinha 34 Descarte dos medicamentos Sólidos: com os frascos de origem e jogados no 96 lixo doméstico Líquidos: - descartados com os frascos e direto 57 no lixo - descartados na pia/vaso sanitário e 43 a embalagem no lixo Utilização de medicamentos Compra medicamento sem orientação médica 40 Conhece ação e efeitos adversos dos 88 medicamentos Segue orientação médica 89 Já teve acidente doméstico com medicamento 9 na família Atitudes que contribuem para intoxicações Utiliza medicamentos na frente das crianças 33 Diz que o medicamento é doce ou bala 19 Dá uma dose extra em caso de perda do 15 medicamento Guarda medicamento na bolsa 15 Pratica automedicação 11 Dá medicamento aos filhos com a luz apagada 7 Cad. Saúde Colet., 2010, Rio de Janeiro, 18 (2): 209-16 213 Lorena Ribeiro Silva, Nádia Rezende Barbosa Raposo, Francislene Juliana Martins, Rita de Cássia Padula Alves Vieira No Brasil, a circunstância acidental é particularmente prioritária, considerando-se a faixa etária até dez anos, tendose observado que as crianças de um a quatro anos estão mais expostas e vulneráveis. O evento toxicológico relacionado a medicamentos tem sido frequentemente associado a uma visão simplista do acidente na infância, atribuída à negligência familiar ou à “culpa da mãe” (Gandolfi e Andrade, 2006), sendo que qualquer responsável pela criança tem papel de extrema importância para a redução do índice de intoxicação infantil. Para definir um programa de prevenção dirigido a cada faixa etária, é essencial a identificação dos possíveis riscos a que a criança está exposta dentro de casa, relacionada ao seu estágio de desenvolvimento e seus hábitos comportamentais (Zuckerman e Duby, 1985). Fatores predisponentes, como baixo nível socioeconômico, supervisão inadequada, estresse familiar e condições impróprias de moradia devem ser sempre considerados no estudo dos acidentes infantis (Dougherty et al. 1990). Outras características, como, por exemplo, a personalidade infantil (hiperatividade, agressividade, impulsividade e distração) também devem ser observadas para melhor entendimento da ocorrência dos acidentes (Larsson e Aurelius, 1996). Torna-se fundamental o conhecimento dos pais quanto às limitações físicas e cognitivas específicas das crianças dessas faixas etárias, o que pode ajudar na elaboração de regras claras de segurança, evitando uma série de riscos desnecessários (Baracat et al., 2000). A falta de cuidado com os medicamentos presentes em casa, somada à curiosidade aguçada das crianças, está diretamente ligada aos acidentes domésticos. Portanto, o conhecimento ou a caracterização por parte dos cuidadores é fundamental para a orientação e a implementação de programas de prevenção, visando atingir essas pessoas. É importante que o usuário seja devidamente orientado, segundo os preceitos do uso racional de medicamentos (Aquino, 2008), e essas informações devem ser seguras, adequadas e atualizadas (Farias et al., 2007). As informações transmitidas a esses usuários devem ser livres do viés da publicidade produzida pela indústria farmacêutica e possuir um embasamento científico, para que o usuário de medicamentos seja orientado de forma correta e eficiente (Pepe e Castro, 2000; Rozenfeld, 2007). Conclusão O medicamento presente no ambiente doméstico é um fator de risco em potencial para a intoxicação infantil, o que confirma a necessidade de incentivo a práticas de cuidados domiciliares para a prevenção desses acidentes tóxicos e esclarecimento para as famílias sobre o uso da medicação infantil, incluindo o devido zelo com o armazenamento e o descarte. Guardar os medicamentos fora do alcance das crianças, conhecer as propriedades tóxicas e os efeitos adversos desses medicamentos, além do comportamento seguro das crianças, são passos importantes na prevenção dos acidentes. Agradecimentos À drogaria Beleza do Vale Ltda./Serve Mais, de Juiz de Fora (MG), por sediar a pesquisa. Referências Aquino, D. S. Por que o uso racional de medicamentos deve ser uma prioridade? Ciência e saúde coletiva. Rio de Janeiro, v. 13 (supl.), p. 733 - 736, 2008. Dougherty, G.; Pless, I. B.; Wilkins, R. Social class and the occurrence of traffic injuries and deaths in urban children. 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Saúde Colet., 2010, Rio de Janeiro, 18 (2): 209-16 215 Lorena Ribeiro Silva, Nádia Rezende Barbosa Raposo, Francislene Juliana Martins, Rita de Cássia Padula Alves Vieira Anexo 1 QUESTIONÁRIO 1- Sexo: ( ) Feminino ( )Masculino 2- Idade: _____ anos 3- Qual é o seu estado civil? ( ) Solteiro ( ) Casado ( ) Divorciado ( ) Viúvo ( ) Outro 13- O que o senhor(a) faz com as embalagens de medicamentos e substâncias tóxicas? 4- Escolaridade do cuidador: ( ) Analfabeto ( )1º a 4º série ( ) 2º grau ( ) Superior ( ) 5º a 8º série 5- Nível sócio - econômico: ( ) Menos de 1 salário mínimo ( ) 1 salário – 2 salários mínimos ( ) 3 salários – 5 salários mínimos ( ) Mais de 5 salários mínimos 6- Número de filhos: Sexo: ( ) Feminino ( )Masculino 7- Procedência: ( ) Os filhos moram com você (responsável). ( ) Os filhos moram com pai e mãe. ( ) Os filhos moram com pai ou com a mãe. Os filhos moram com quem? _____________________ 8- Idade dos filhos: ( ) Recém-nascido ( ) 1 mês – 12 meses ( ) 1 ano -2 anos ( ) 2 anos- 3 anos 12- Dependências onde são armazenados os medicamentos nas residências: ( ) Dormitório ( ) Copa/ cozinha ( ) Banheiro ( ) Sala de refeições ( ) Não especificado ( ) 3 anos- 4 anos ( ) 4 anos- 5 anos ( ) Mais de 5 anos 9- Tipos de medicamentos existentes em sua residência: ( ) Analgésicos, antitérmicos, antiinflamatórios ( ) Sedativos de tosse, expectorantes ( ) Antibióticos ( ) Vitaminas ( ) Anticoncepcionais ( ) Tópicos cutâneos ( ) Descongestionantes sistêmicos ( ) Antidiarreicos ( ) Antieméticos ( ) Antialérgicos ( ) Antiespasmódicos ( ) Sedativos, anticonvulsivantes ( ) Outros 10- Recipientes onde são colocados os medicamentos em sua residência: ( ) Caixa ( ) Gaveta ( ) Bolsa ( ) Não colocados em recipientes ( ) Vasilha ( ) Mala 11- Locais onde são guardados os medicamentos: ( ) Armário na copa/cozinha ( ) Prateleira na parede ( ) Móvel no dormitório ( ) Armário no dormitório ( ) Sobre a geladeira ( ) Armário no banheiro ( ) Sobre o armário no dormitório ( ) Sobre o armário na copa/ cozinha ( ) Armário em local não especificado ( ) Sobre o armário em local não especificado ( ) Outros 216 Cad. Saúde Colet., 2010, Rio de Janeiro, 18 (2): 209-16 14- E com os medicamentos que não estão em uso ou estão fora do prazo da validade? 15- Como é descartado o medicamento que não será mais utilizado: Medicamento, na forma de líquido. Medicamento, na forma sólida. 16- O senhor(a) compra medicamentos sem orientação médica? ( )Sim ( )Não 17- O senhor(a) possui conhecimentos sobre a ação e os efeitos adversos dos medicamentos que dá para seu(s) filho(s)? ( )Sim ( )Não 18- O senhor(a) segue corretamente a orientação médica dada em relação a utilização do medicamento para o tratamento de seu(s) filhos? ( )Sim ( )Não 19- Já aconteceu na sua família algum acidente doméstico envolvendo medicamento? ( )Sim ( )Não 20- Usa medicamento no escuro (com a luz apagada)? ( )Sim ( )Não 21- Você mantém cosméticos, perfumes, medicamentos e vitaminas na sua “necessaire” ou bolsa de mão? Onde você a guarda em casa? ( )Sim ( )Não 22- Você já tentou dar um medicamento para a criança dizendo que era “doce” ou “bala” para facilitar a administração desse à criança? ( )Sim ( )Não 23- Utiliza medicamentos na presença da criança? ( )Sim ( )Não 24- Administra medicamentos a crianças indicados por vizinhos ou parentes, ou prescritos para outra criança? ( )Sim ( )Não 25- Quando ao dar o medicamento para criança, ela vomita ou derrama um pouquinho, você dá uma dose extra? ( )Sim ( )Não