NANOPARTÍCULAS POLIMÉRICAS PARA LIBERAÇÃO SITIODIRIGIDA DE FÁRMACO PARA O TRATAMENTO DE ALZHEIMER I. M. F. CAMPOS1, H. C. FERRAZ1 e J. C. PINTO1 1 Universidade Federal do Rio de Janeiro, Programa de Engenharia Química E-mail para contato: [email protected] RESUMO – O desenvolvimento tecnológico de materiais poliméricos permite a sua aplicação na área biomédica e farmacêutica. As nanopartículas poliméricas, produzidas via polimerização em miniemulsão, podem ser utilizadas para a concepção de sistemas de encapsulamento e liberação de fármacos. A inserção de grupos reativos e funcionais à superfície destas partículas possibilita o seu direcionamento em sítios alvo, favorecendo o tratamento de doenças. Neste trabalho, avaliou-se a síntese de nanopartículas de poli(metacrilato de metila-co-ácido acrílico) (P(MMA-co-AA)) contendo clioquinol e sua posterior funcionalização pela imobilização química do peptídeo trans-activating transcriptor (TAT). Os resultados mostraram que foram produzidas partículas esféricas com tamanho médio de 60 a 100 nm e potencial zeta de 50 mV. Além disso, o fármaco clioquinol foi encapsulado com eficiência maior que 95%. Em relação à funcionalização, o peptídeo TAT foi covalentemente imobilizado à superfície das partículas. 1. INTRODUÇÃO Os polímeros são materiais versáteis que têm despertado a atenção de pesquisadores para sua utilização na área biomédica e farmacêutica (Kim et al., 2009; Tian et al., 2012). As nanopartículas poliméricas surgem como candidatas promissoras para o desenvolvimento de sistemas de encapsulamento e liberação de fármacos, constituindo uma alternativa para o tratamento de doenças. Estes sistemas fornecem proteção à substância ativa, permitem a sua liberação de maneira controlada, além de possibilitar o direcionamento a sítios específicos do organismo (Schaffazick et al., 2003; Patel et al., 2012). O sucesso do tratamento de doenças que acometem o sistema nervoso central, como a doença de Alzheimer, está atrelado à capacidade de transporte através da barreira hematoencefálica (BHE), uma membrana de proteção do cérebro (Kreuter, 2014). Acredita-se que o mecanismo de transporte de nanopartículas para o cérebro se dê por endocitose através de receptores na BHE, seguido por transcitose pelas células. Para atingir os receptores da BHE, a superfície das nanopartículas pode ser modificada pela inserção de proteínas (Malhotra e Prakash, 2011; Kreuter, 2014). A literatura descreve diversas técnicas para a produção de nanopartículas poliméricas contendo compostos biomédicos (Schaffazick et al., 2003). Dentre elas, a síntese via polimerização em miniemulsão destaca-se por apresentar vantagens, como a utilização de baixas concentrações de surfactante e permitir a incorporação do ativo durante a reação (Landfester, 2009). Um sistema básico de polimerização em miniemulsão consiste de uma fase orgânica, composta pelo monômero, coestabilizador e agente a ser encapsulado, e uma fase aquosa, que contém o surfactante. A emulsão é obtida por intermédio de um sistema de homogeneização eficiente, como sonicadores ou homogeneizadores de alta pressão. A polimerização ocorre dentro das gotas formadas, sendo que cada gota de monômero comporta-se como um único reator (Antonietti e Landfester, 2002). A funcionalização de um polímero é a introdução de grupos químicos desejados para criar uma estrutura específica com propriedades físicas, biológicas e farmacológicas diferenciadas (Pichot, 2004). A inserção dos grupos funcionais nos polímeros pode ocorrer durante a polimerização, com o uso de monômeros específicos, ou por meio de posterior modificação química no polímero (Tian et al., 2012). A presença destes grupos funcionais possibilita o direcionamento das partículas para sítios alvo, favorecendo o tratamento de doenças. O presente trabalho tem como objetivo a produção de nanopartículas de poli(metacrilato de metila-co-ácido acrílico) (P(MMA-co-AA)) contendo o fármaco clioquinol (CQ), por polimerização em miniemulsão, e sua posterior funcionalização pela imobilização química do peptídeo transactivating transcriptor (TAT), visando o desenvolvimento de um sistema de encapsulamento e direcionamento de fármacos. 2. METODOLOGIA EXPERIMENTAL 2.1. Síntese e caracterização das nanopartículas As nanopartículas de P(MMA-co-AA) foram produzidas por polimerização em miniemulsão. O sistema reacional consistia de uma fase aquosa, contendo o surfactante dodecil sulfato de sódio (SDS) e bicarbonato de sódio, utilizado como controlador de pH, e uma fase orgânica, composta pelos monômeros, fármaco e hexadecano, utilizado como co-estabilizador. Como iniciador da reação foi utilizado perssulfato de potássio (KPS). A Tabela 1 apresenta a receita experimental utilizada para as reações de polimerização. Tabela 1 – Receita experimental utilizada nas reações de polimerização Fase aquosa (80%) Composto Concentração (%massa)* Fase orgânica (20%) SDS NaHCO3 MMA AA 5 0,4 17 3 Iniciador Hexadecano Clioquinol 0,4 1 KPS 0,5 *Em relação ao monômero. A emulsão foi obtida com a utilização de um homogeneizador de alta pressão a 100 bar por 20 min. As reações foram conduzidas em um sistema de minirreator (EasyMax 102, Mettler Toledo) a 80 °C, sob agitação de 500 rpm e acompanhada por 2 h. Todos os reagentes utilizados foram adquiridos pela Sigma Aldrich, Brasil. Quando necessário, o látex obtido foi seco em estufa de recirculação. As partículas obtidas foram caracterizadas quanto à distribuição de tamanhos pela técnica de espalhamento dinâmico da luz, determinação do potencial zeta (Zeta Sizer Nano ZS, Malvern Instruments) e análise térmica por calorimetria diferencial de varredura (DSC 8500, Perkin Elmer). A eficiência de encapsulamento do fármaco foi avaliada pela técnica de filtração/centrifugação em membrana (AMICON Ultra-4 3 K, Millipore). Para avaliação morfológica utilizou-se microscopia eletrônica de varredura (MEV) (Quanta 200, Fei Company). 2.2. Funcionalização das partículas A metodologia experimental para imobilização do peptídeo TAT na superfície das partículas foi realizada conforme descrito por Hermanson et al. (1992), por meio de uma rota química que utiliza a reação prévia com 1-etil-3-(3-dimetil amino propil) carbodiimida (EDC), conforme esquema representado na Figura 1. O EDC permite o acoplamento de proteínas ou peptídeos à superfície da partícula pela formação de uma ligação amida, sendo este utilizado como um agente de ativação do grupo ácido previamente inserido durante a copolimerização. As amostras já contendo o grupo ácido, foram ativadas com solução de EDC 0,05 mol/L preparada em tampão fosfato (pH = 6,0). Após a ativação, o produto obtido foi levado a filtração centrífuga em membrana (AMICON Ultra-4 100 K, Millipore) a 3000 rpm por 15 min. As partículas retidas foram ressuspensas em 1,5 mL de tampão fosfato (pH = 6,0) e adicionou-se 1,5 mg do TAT. O produto final obtido foi também filtrado sob as mesmas condições anteriores. As duas etapas de funcionalização foram acompanhadas por 2 horas, sob rotação de 20 rpm e temperatura ambiente. Figura 1 – Esquema do procedimento experimental adotado para imobilização do TAT. As partículas finais retidas foram ressuspensas em água e secas em estufa de recirculação para verificação da ligação amida formada por meio de espectros de infra-vermelho (FT-IR) (Nicolet 6700, Thermo Scientific). A quantificação de TAT imobilizado foi realizada pelo ensaio de BRADFORD (Bradford, 1976). 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO A Tabela 2 apresenta um resumo dos resultados das caracterizações realizadas para as amostras produzidas. Tabela 2 – Caracterização dos materiais obtidos Amostra Tamanho médio (nm) PDI Potencial zeta (mV) Tg (ºC) P(MMA-co-AA) 99 ± 11 0,13 ± 0,02 -53 ± 4 106 P(MMA-co-AA) - CQ 61 ± 2 0,12 ± 0,04 -58 ± 6 108 Eficiência de encapsulamento (%) 97,6 ± 0,2 De acordo com a Tabela 2 foram obtidas partículas nanométricas, como esperado, com a metodologia proposta. O PDI, que fornece informações sobre a homogeneidade da distribuição dos tamanhos, apresentou valores baixos (< 0,2), indicando a formação de sistemas praticamente monodispersos. O potencial zeta das partículas apresentou-se negativo, devido ao surfactante aniônico utilizado. Este comportamento mostra que as moléculas do surfactante são direcionadas para a região de interface da gota de monômero, agindo como estabilizante. Durante a polimerização, esta orientação é mantida, estabilizando a partícula formada. Além disso, os valores apresentaram-se altos, maiores que 30 mV, em módulo, sugerindo que a estabilidade das dispersões se relaciona à repulsão de cargas. A análise térmica por DSC das amostras permitiu comparar os materiais quanto a sua temperatura de transição vítrea. Os homopolímeros precursores do copolímero em estudo apresentam as seguintes temperaturas de transição vítrea: conforme ensaio experimental, para o PMMA verificouse uma Tg de 123 °C, e para o PAA, o valor reportado por RODRIGUEZ et al. (2003) encontra-se na faixa de 75-106 ºC. Com a copolimerização esperava-se obter valores intermediários a estes, estando o resultado obtido de acordo. Além disso, a existência de uma única transição térmica para o material produzido sugere a ocorrência da copolimerização, e não somente a mistura dos homopolímeros. Em relação a amostra contendo CQ, o resultado sugere que a inclusão do fármaco no processo de polimerização não altera as propriedades térmicas do material produzido, uma vez que os valores obtidos para a Tg são similares. As amostras apresentaram elevada eficiência de encapsulamento, o que já era esperado devido à lipofilicidade do fármaco utilizado. Dessa forma, o ativo é completamente dissolvido nos monômeros (MMA e AA), evitando-se que haja migração do mesmo para a fase aquosa e consequente perda de eficiência de encapsulamento. Realizou-se ainda um ensaio de DSC constituído apenas pela primeira etapa de aquecimento, para avaliação do encapsulamento e possíveis interações entre o fármaco e o polímero. O termograma obtido, representado na Figura 2, mostra a ocorrência de um pico endotérmico em 180 ºC, que corresponde a temperatura de fusão do fármaco, verificado para as amostras de clioquinol puro e mistura física do clioquinol e nanopartículas. Para a amostra de nanopartículas, não é observado nenhum evento, mostrando que o fármaco se encontra encapsulado e disperso na matriz polimérica, sem formação de agregados do mesmo. Figura 2 – Termograma de DSC para avaliação do encapsulamento do fármaco clioquinol. As nanopartículas produzidas foram analisadas por MEV para caracterização morfológica. As imagens obtidas, apresentadas na Figura 3, confirmam a presença de partículas esféricas e com distribuição de tamanhos praticamente homogênea. Figura 3 – Imagens de MEV das nanopartículas. A funcionalização das nanopartículas pelo peptídeo TAT se deu pela formação de ligação amida entre os grupos ácido proveniente do AA e grupos amino do peptídeo, mediante ativação com EDC. A quantificação pelo ensaio de BRADFORD mostrou que cerca de 80% do peptídeo adicionado foi adsorvido à superfície das partículas, como mostrado na Tabela 3. Tabela 3 – Quantificação do TAT imobilizado nas nanopartículas Amostra P(MMA-co-AA) - CQ TAT imobilizado (mgTAT/gNP) TAT imobilizado (mgTAT/m2NP) TAT imobilizado (%) 40,8 0,39 81,5 A partir dos espectros de FT-IR das amostras, apresentados na Figura 4, é possível verificar a formação da ligação covalente pela rota química sugerida. O polímero inicial apresenta bandas em 1750 cm-1, característica das carbonilas (C=O) de grupos ácido e éster, e em 2900 cm-1, proveniente do grupo hidroxila do ácido. Para a amostra funcionalizada, tem-se um sinal em 1650 cm-1, da ligação amida, o que sugere que o TAT foi covalentemente ligado às nanopartículas a partir da rota proposta. Figura 4 – Espectros de FT-IR das amostras. 4. CONCLUSÕES A técnica de polimerização em miniemulsão possibilitou realizar a copolimerização dos monômeros MMA e AA e a produção de partículas de tamanho nanométrico e com carga superficial negativa. Além disso, esta técnica permitiu o encapsulamento do fármaco clioquinol durante a reação, com alta eficiência. As pesquisas recentes demostram a potencial utilização das nanopartículas poliméricas como veículos de transporte e entrega de fármacos para o tratamento de diversas doenças. No campo das doenças que acometem o sistema nervoso central, é necessário que estas partículas possam atravessar a barreira de proteção do cérebro, garantindo a passagem do princípio ativo. Uma forma de permitir a passagem das partículas é a funcionalização de sua superfície pela imobilização de biomoléculas, que são reconhecidas por receptores celulares. O peptídeo TAT foi covalentemente imobilizado à superfície das nanopartículas através da rota química proposta. 5. 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