75 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA GEOGRAFIA: BREVE DISCUSSÃO Milla Barbosa Pereira [email protected] Mestranda do Programa de Pós Graduação em Geografia da Universidade Federal de São João Del Rei – Bolsista da CAPES. Profª. Drª. Carla Juscélia Oliveira Souza [email protected] Doutora do Departamento de Geografia e do Programa de Pós-Graduação em Geografia pela Universidade Federal de São João Del-Rei. Introdução O presente texto é fruto de um levantamento preliminar sobre os termos alfabetização e letramento a serem retomados no contexto do ensino da Cartografia. A pesquisa tem como objetivo contribui para articular a discussão acerca dos conceitos de alfabetização/letramento e estabelecer sua relação com o processo de reconhecimento do espaço geográfico. No estudo, a ideia de alfabetização abrange um complexo processo de elaboração de hipóteses sobre a representação linguística e, portanto, verifica-se a necessidade dos estudos sobre letramento, que compreende a dimensão sócio cultural da língua escrita. Assim, o estudo entende a relação da construção da alfabetização/letramento no aluno através de uma visão de leitura do mundo em práticas e contextos sociais. O estudo parte do pressuposto que em Geografia, a leitura do espaço geográfico através dos mapas não é apenas uma técnica, porém utiliza desta com o objetivo de auxiliar a criança à ler e representar o fenômeno observado. Pois, instruir a Anais da 4ª Jornada Científica da Geografia UNIFAL-MG 30 de maio a 02 de junho de 2016 Alfenas – MG www.unifal-mg.edu.br4jornadageo criança a se apropriar da leitura de sua realidade, interpretar e compreender os conceitos que estão implícitos, faz parte do processo de alfabetização e letramento cartográfico. Como objetivos da pesquisa podemos citar: Conceituar e analisar Alfabetização e Letramento enquanto um aprendizado não só da escrita, mas também de práticas e contextos sociais; entender Letramento e Alfabetização Cartográfica e diferenciar e analisar o processo de alfabetização e letramento cartográfico. Metodologia O conteúdo apresentado neste artigo resulta de revisões bibliográficas, com destaque para autores considerados chave para a pesquisa. A saber: i) Para identificação e conhecimento do uso do termo alfabetização e letramento no campo da linguística utiliza de Emilia Ferreiro (Alfabetização e cultura escrita. 2003); Maria R.L. Mortatti (Os sentidos da alfabetização. 2000); Magda Soares (Letramento: um tema em três gêneros.1998); Angela Kleiman (Os significados do letramento, 1995); Emilia Ferreiro e Ana Toberoky (Psicogênese da língua escrita. 1999). ii) Para a discussão e entendimento dos termos alfabetização e letramento cartográfico utiliza se Elza Yasuro Passini (Alfabetização Cartográfica e o livro didático: uma análise crítica. 1998); Simielli, Maria Elena (O mapa como meio de comunicação – Implicações no ensino de Geográfica do 10 Grau.1986). Nessa etapa e neste texto, a pesquisa é puramente bibliográfica, passando pelo campo da linguística para o entendimento dos termos de alfabetização e letramento, seguida da aplicação de tais conceitos no ensino de cartográfica através da alfabetização e letramento cartográfico. Resultados parciais Os resultados apresentados referem-se à parte das leituras e discussões referentes à alfabetização e letramento, conforme apresentado nos parágrafos seguintes. No final do século XIX, a alfabetização era considerada como o ensino das habilidades de “codificação” e “decodificação”, mediante os métodos sintéticos (silábicos ou fônicos) e os métodos analíticos (global), padronizado a aprendizagem da leitura e da escrita (MORTATTI, 2000). A palavra alfabetizar, para o dicionário Aurélio, Anais da 4ª Jornada Científica da Geografia UNIFAL-MG 30 de maio a 02 de junho de 2016 Alfenas – MG www.unifal-mg.edu.br4jornadageo 76 significa ensinar a ler, tendo ainda alguns autores no campo da Educação e da Ciência Linguística1, que chama o ato de alfabetização de técnica em ler e escrever. Nesse estudo, ler e escrever está engajada em práticas sociais interligadas à cultura e uma sociedade centrada no sistema da escrita. Desta forma, o conjunto de técnicas e métodos não traduz o significado de alfabetização, já que está inseria em um sistema de concepção e construção de um resultado do esforço de diversas partes interligadas ao conhecimento ou um objeto cultural, ou seja, alfabetizar está ligada a prática social que abrange: família, aluno, professor, comunidade e todas as relações de produção do espaço (SOUZA, 2011). Ferreiro (2000), faz uma análise da psicogênese da língua escrita na qual a escrita se constitui em um objeto de conhecimento para a criança, transferindo o foco de diagnóstico do “como se ensina” para o “como se aprende”, tendo a escrita como objeto sociocultural, antecedendo e extrapolando os limites escolares no processo de alfabetização. De acordo com Teberosky (1997, p. 67), O conhecimento da escrita começa muito antes da criança freqüentar uma escola. Portanto, sua origem é extra-escolar. Esse conhecimento evolui, muda com a idade dos sujeitos, e não é possível estabelecer uma relação direta entre o ensino sistemático e essa evolução, porque entre outras razões não se ensinava a ler e a escrever. Para Ferreiro (2003), é necessária uma nova didática da língua, sem acúmulos de informações, uma alfabetização que se faça através da construção do conhecimento. Ao se propor essa nova perspectiva de alfabetização, Ferreiro e Teberosky (1999), contribuem para a reflexão sobre a condição oposta expressada pelo analfabetismo e que representa estado ou condição de quem está alfabetizado. A palavra letramento, segundo o dicionário Aurélio, é a capacidade de ler e de escrever ou de interpretar o que se escreve, evento que ocasiona consequências sociais, culturais, políticas, econômicas, cognitivas e linguísticas para o indivíduo. Porém o termo letramento, possui duas posições teóricas, a dos autores Soares, Mortatti, Kleiman e Tfouni – que consideram alfabetização e letramento desassociados ¹“É esse, pois, o sentido que tem letramento, palavra que criamos traduzindo ‘ao pé da letra’ o inglês literacy: letra – do latim littera, e o sufixo – mento, que denota o resultado de uma ação (como, por exemplo, em ferimento, resultado da ação de ferir). Letramento é, pois, o resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e escrever: o estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter-se apropriado da escrita. Nesse sentido já existem lugares, com em Portugal, quando se analisa os índices de analfabetismo, se diferencia o índice de alfabetização do índice de letramento, pois este último tem relação com as práticas sociais, ou seja, o uso que se faz da leitura e da escrita no cotidiano. Soares, Magda (2002) – Letramento: um tema em três gêneros – Belo Horizonte, Ed. Autêntica, p.18. Anais da 4ª Jornada Científica da Geografia UNIFAL-MG 30 de maio a 02 de junho de 2016 Alfenas – MG www.unifal-mg.edu.br4jornadageo 77 e a de Ferreiro, a qual reflete sobre o termo letramento, uma vez que se entende o processo de alfabetização sócio cultural, pode se compreender o conceito de letramento associado ao de alfabetização ou o contrário; alfabetização compreende letramento. Ferreiro e Teberosky (1999, p. 24) afirmam que, 78 [...] no lugar de uma criança que recebe pouco a pouco uma linguagem inteiramente fabricada por outros, aparece uma criança que reconstrói por si mesma a linguagem, tomando seletivamente a informação que lhe provê o meio. Quando usam da “informação que lhe provê o meio”, as autoras expressam o conhecimento prévio adquirido antes de ingressar na escola, são conhecimentos ligados ao meio social que o indivíduo vive. Os mapas, os jornais, as revistas e as cartas são instrumentos de comunicação textual e intermediação cultural (LIBÂNEO, 2010), que envolvem o autor e o leitor. O que separa esse linha de comunicação do entendimento cartográfico são as representações espaciais, que transpassam informações a partir de uma linguagem textual e icnográfica (FRANCISCHETT,2010), a partir do uso da linguagem, representação e significado. Segundo Simielli (1986, p.75): O signo é algo que representa o próprio objeto. Ele só é signo se tiver o poder de representar este objeto, colocar-se no lugar dele, e, então ele só pode representar esse objeto de um certo modo e com certa capacidade. O signo só pode representar seu objeto a seu intérprete, produzindo na mente deste um outro signo, considerando o fato de que o significado de um signo é outro signo. Por todo o disposto, justificado, a representação como forma de linguagem, através da alfabetização e do letramento, serve como elemento de mediação na aprendizagem de geografia. Pois o ser humano em sua natureza, é capaz de criar diversas representações sobre o mundo em que vive. Estas se constituem e são “oriundas das mais diversas formas de percepção tidas no interior e no movimento de sua existência social, psíquica e orgânica” (KIMURA, 2008, p. 133). Sobre o tema, ainda acrescenta: As representações feitas pelos homens, ao falarem do mundo do qual eles fazem parte, estão plenas de significado. Para sua elaboração, exercem um papel essencial a linguagem e a criação de signos que são suas expressões. A linguagem e a criação de signos, ao mesmo tempo, são inerentes à constituição dos homens e dos significados contidos em suas representações do mundo (KIMURA,2008, p. 133). Considerações finais Anais da 4ª Jornada Científica da Geografia UNIFAL-MG 30 de maio a 02 de junho de 2016 Alfenas – MG www.unifal-mg.edu.br4jornadageo Entender os termos de alfabetização e letramento, na matriz teórica de Ferreiro e Teberosky, permite considerar que no ensino de Geografia, especificamente em cartografia, a leitura da paisagem e dos mapas não é apenas uma técnica com métodos, mas se utiliza dela com o objetivo de dar ao indivíduo condições de ler e escrever o fenômeno observado. Dessa forma, se apropriar da leitura e da compreensão da realidade vivida, conseguir interpretar e compreender os conceitos que estão implícitos nele, ou seja, é identificar o uso do letramento cartográfico. O Letramento cartográfico permite a apropriação das habilidades de representação espacial, entendendo o mecanismo de leitura que envolve: o sujeito que produz, o usuário desta representação e os contextos espaciais e históricos envolvidos. No entanto, para que desenvolva habilidades e capacidades na leitura do espaço geográfico é necessário reconhecer o processo de alfabetização cartográfica, constituído de símbolos e significados (quer dizer “codificar” e “decodificar” métodos novamente). Porém, não basta todo o universo simbólico dos mapas, é necessário “criar condições para que o aluno seja leitor crítico de mapas ou um mapeador consciente”, conforme discutido por Passini (1998). Bibliografia FERREIRO, Emília. A Construção do Conhecimento. Revista Viver Mente& Cérebro, Coleção Memória da Pedagogia, Edição Especial Nº 5. Reflexões sobre Alfabetização. 25ª ed. São Paulo: Cortez, 2000. __________ “Alfabetização e cultura escrita”, Entrevista concedida à Denise Pellegrini In Nova Escola – A revista do Professor. São Paulo, Abril, maio/2003, p. 27 – 30. FERREIRO, Emília. TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artmed, 1999. p 300. FRANCISCHETT, Mafalda Nesi. A Cartografia no ensino de Geografia: abordagens metodológicas para o entendimento da representação. Cascavel: Edunioeste, 2010. KIMURA, Shoko. Geografia no ensino básico: questões e propostas. São Paulo: Contexto, 2008. p.133 KLEIMAN, Ângela. Os significados do letramento. Campinas: Mercado de Letras,1995. LIBÂNEO, José Carlos. Adeus professor, adeus professora? Novas exigências educacionais e profissão docente. São Paulo: Cortez, 2010 MORTATTI, Maria Rosário Lengo. Os sentidos da alfabetização (São Paulo: 18761994). São Paulo: Ed. UNESP; CONPED, 2000. Anais da 4ª Jornada Científica da Geografia UNIFAL-MG 30 de maio a 02 de junho de 2016 Alfenas – MG www.unifal-mg.edu.br4jornadageo 79 PASSINI, Elza Yasuro. Alfabetização Cartográfica e o livro didático: uma análise Crítica. Belo Horizonte : Editora Lê, 1998. SIMIELLI, Maria Elena Ramos. O mapa como meio de comunicação – Implicações no ensino de Geografia do 10 Grau. Tese de doutoramento apresentada no Departamento de Geografia da FFCLH. Universidade de São Paulo, 1986. SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte, Minas Gerais: Autêntica, 1998. SOUZA, Marlete Meira. Alfabetização e Letramento. 2011 Disponível em: http://www.webartigos.com/artigos/alfabetizacao-e-letramento. Acesso em: 08/02/2016. TEBEROSKY. Ana. Além da alfabetização: a aprendizagem ortográfica, textual e matemática. São Paulo: Ática, 1997.p.67 fonológica, TFOUNI, Leda Verdiani. Letramento e alfabetização. São Paulo, Cortez,1995. Anais da 4ª Jornada Científica da Geografia UNIFAL-MG 30 de maio a 02 de junho de 2016 Alfenas – MG www.unifal-mg.edu.br4jornadageo 80