Medidas de efeito e associação em epidemiologia Objetivo central da pesquisa epidemiológica: identificação de relações causais entre exposições (fatores de risco ou proteção) e desfechos (doenças ou medidas clínicas) Efeito vs Associação: efeito idéia de causa associação idéia de concomitância Teoricamente não seria possível observar diretamente o efeito de uma exposição porque o mesmo indivíduo não pode, simultaneamente, ser exposto e não exposto Exemplo: toda uma população é exposta a um agente químico. Ao final de um determinado período de tempo esta população apresenta incidência alta de câncer Poderíamos atribuir este resultado ao efeito da exposição? Não, sem antes responder qual seria a incidência de câncer nesta mesma população caso ela não tivesse sido submetida ao agente químico Isto é, só faz sentido falarmos do efeito da exposição se conhecermos a condição contrária à exposição (não exposição) condição contrafactual Na prática, não se dispõe de populações em condições contrafactuais. Como alternativa, são selecionados dois grupos populacionais, um exposto e outro não, e contrastadas as taxas de incidência de doença entre os grupos A quantificação deste contraste é feita através de medidas de associação Medidas da associação entre exposíção e desfecho são utilizadas para expressar quantitativamente estas possíveis relações causais Para que a medida deste contraste seja válida os grupos de comparação devem ser intercambiáveis Medidas absolutas e relativas As medidas de efeito e associação podem ser absolutas, do tipo diferença, ou relativas, do tipo razão Medidas do tipo diferença: medem, em termos absolutos, o excesso de freqüência da doença no grupo exposto em relação ao grupo não exposto Refletem o número absoluto de casos atribuíveis à exposição Se a freqüência de doença é igual nos grupos de expostos e não expostos, então, a diferença entre elas será igual a zero (valor nulo), indicando a inexistência de associação (se diferente de zero, sugere associação). Medidas absolutas podem variar de forte associação negativa (poucos expostos adoecem e muitos não expostos adoecem) a forte associação positiva (muitos expostos adoecem e poucos não expostos adoecem). Medidas do tipo razão: medem a força da associação entre um determinado fator de exposição e a ocorrência da doença quantas vezes a ocorrência da doença é maior no grupo de expostos em relação ao grupo de não expostos Se as freqüências de doenças entre expostos e não expostos são iguais, ou seja, não existe associação, as medidas relativas apresentam valor igual a 1 (valor nulo) Valores maiores que 1 (freqüência de doença maior nos expostos em relação aos não expostos), sugerem que a exposição seja um fator de risco para doença e valores entre 0 e 1 (freqüência de doença menor nos expostos em relação aos não expostos) sugerem fator de proteção. As medidas de associação relativas são mais utilizadas na pesquisa etiológica, enquanto as medidas absolutas são mais utilizadas para o planejamento de ações em Saúde Pública. Para situações mais simples onde os eventos são expressos como categorias dicotômicas (exposto/não-exposto e doente/não-doente) os dados são apresentados em uma tabela de contingência 2 x 2 Tipicamente as linhas representam categorias de exposição e as colunas categorias da doença D+ D- total a: doentes expostos b: não doentes expostos E+ a b a+b c: doentes não expostos d: não doentes não expostos E- c d c+d a+b: expostos c+d: não expostos total a+c b+d a+b+c+d a+c: doentes b+d: não doentes Medidas de associação em estudos de coorte Coorte: a condição de exposição dos indivíduos é conhecida no início do período de observação e após o seu término, calcula-se a incidência (risco, ou taxa) da doença. 1. Risco Relativo ou Razão de Risco (RR): O risco (proporção de incidência) no grupo exposto O risco no grupo de referência A razão de riscos ou risco relativo a IE = a+b c I_ = E c+d a IE = a+b RR = c I E c+d _ Exemplo: numa coorte de nascidos vivos deseja-se saber se o aleitamento materno exclusivo e a escolaridade da mãe (exposições) estão associados com o risco de ter diarréia (desfecho) nos primeiros três meses de vida. Pergunta (1): quantas vezes o risco de diarréia é maior entre os bebês de mães com baixa escolaridade (fator de risco) em relação aos de mães com maior escolaridade? Suponhamos que o risco relativo (RR) estimado para responder esta pergunta seja igual a 2 (RR=2). Como o valor do RR é diferente e “distante” da unidade, diz-se que há uma associação entre exposição e a doença. Interpretação: o risco de ter diarréia entre os bebês de mães com baixa escolaridade é 2 vezes maior do que entre os bebês de mães com maior escolaridade. Escolaridade está associada a um risco 2 vezes maior de desenvolver diarréia. Pergunta (2): quantas vezes o risco de diarréia é menor entre os bebês que amamentam exclusivamente de leite materno (fator de proteção) em relação aos que não o fazem? Suponhamos que o risco relativo (RR) estimado para responder esta pergunta seja igual a 0.2 (RR=0.2). Como o valor do RR é diferente e “distante” da unidade, dizse que há uma associação entre exposição e a doença. Um RR=0,2 indica que o risco entre os expostos é menor do que entre os não expostos. Então, pode-se dizer que o fator de risco para diarréia é não aleitar exclusivamente de leite materno. Aleitar exclusivamente no peito diminui o risco de desenvover diarréia em 5x (1/RR) ou em 80%, quando comparado aos que não o fazem 2. Razão de chances ou odds ratio (OR): Chance de doença no grupo de expostos é Chance de doença no grupo não exposto é a a + a b Chance D E = = b b a+b c c c d + Chance D = = E d d . c+d _ Então, a razão de chances (OR) de doença em relação a exposição será: a Chance D E ad b OR = = = c Chance D bc E d _ Ainda que a idéia de chance não seja tão intuitiva quanto a idéia de risco ou taxa, o OR é uma medida de associação legítima que expressa a força da associação entre exposição e desfecho e pode ser utilizada como subsídio para a inferência causal Mas o OR tem ainda outros atrativos que o fazem ser uma das medidas de associação mais utlizadas em epidemiologia: • Pode ser estimado diretamente em estudos caso-controle onde a razão de risco não é, em geral, possível; • OR tem propriedades estatísticas mais gerais que permitem a aplicação de técnicas estatísticas multivariadas • Quando a doença não é comum, o OR calculado de um estudo de coorte ou caso-controle provê uma boa estimativa para a razão de taxa. Vejamos os exemplos hipotéticos 1 e 2 (figura 2), onde foram fixados o tamanho da coorte e a freqüência de exposição, variando a freqüência da doença. Exemplo 1 – alta freqüência da doença D+ D- total E+ 1500 3500 5000 E- 250 4750 Total 1750 8250 Exemplo 2 – baixa freqüência da doença D+ D- total E+ 150 4850 5000 5000 E- 25 4975 5000 10000 total 175 9825 10000 1500 0.3 5000 RR1 = = = 6.0 250 0.05 5000 150 0.03 5000 RR2 = = = 6.0 25 0.005 5000 1500 0.4286 OR1 = 3500 = = 8.14 250 0.0526 4750 150 0.0309 OR2 = 4850 = = 6.14 25 0.0503 4975 3. Razão de taxa, razão de densidade de incidência, taxa relativa (RT) Se o tempo livre de doença que cada indivíduo “contribuiu” é conhecido, então pode-se estimar a taxa de incidência da doença (densidade de incidência). Então, poderíamos perguntar: quantas vezes a taxa de incidência foi maior no grupo de expostos em relação ao grupo de não expostos? Neste caso, é utilizada uma variação da tabela 2 x 2, onde a unidade de medida das marginais de exposição é pessoa-tempo (PT). D PT a: doentes expostos c: doentes não expostos E+ Etotal a PTE+ c PTE- a+c PTE+ + PTE- a+c: doentes PTE+: pessoa-tempo exposto PTE-: pessoa-tempo não exposto PTE+ + PTE-: pessoa-tempo total A taxa de incidência entre expostos é a TE = PTE c T = E PT A taxa de incidência entre não expostos é A razão de taxas será _ _ E a TE PTE RT = = c T E PT _ _ E Se a doença de interesse é de baixa freqüência, as estimativas da RT, RR e OR serão bem próximas. 4. Risco atribuível ou diferença de riscos (RA): O risco atribuível informa qual o efeito da exposição no excesso de risco de adoecer no grupo de expostos em relação ao grupo de não expostos O RA é a diferença entre a proporção de incidência do grupo de expostos em relação ao grupo não exposto. A proporção de incidência no grupo de não expostos estaria representando o risco de adoecer por outras causas que não a exposição em questão. Assim, o RA pode ser escrito como segue, RA = IE+ - IEO nome ATRIBUÍVEL expressa a idéia de que, se a exposição fosse eliminada, o risco observado nesta população seria aquele que observamos nos não-expostos. Portanto, este excesso de risco é dito atribuível à exposição 5. Risco Atribuível proporcional (RAP) ou fração etiológica nos expostos O risco atribuível proporcional expressa qual o percentual de doença entre os expostos que é atribuível à exposição: RAP = IE − I _ E IE x100 O RAP pode ser expresso em termos do risco relativo e tem como maior vantagem possibilitar a estimativa de RAP em estudos onde não foi possível estimar a incidência, mas sim o OR. Reescrevendo o RAP em termos de RR, teremos: RAP = IE − I IE _ E I I 1 E E − x100 = x100 = 1 − x100 IE IE RR _ Estudo caso-controle tradicional Imagine um estudo caso-controle tradicional, de base hospitalar, onde o pesquisador tem um grupo de casos (todos os casos ou uma amostra dos casos internados pela doença de interesse) e seleciona um grupo de pacientes internados por outra causa (amostra de pacientes sem a doença de interesse) para mensurar a freqüência de exposição em cada grupo e contrastá-las. Na tabela 2 x 2 as marginais das colunas, casos (doentes) e controles (não doentes), correspondem a 2 amostras (uma amostra de controles e uma amostra ou a totalidade de casos) cuja freqüência foi fixada pelo pesquisador no início do estudo. Admitindo que o desenho seja livre de confudimento e não enviesado, deseja-se saber se existe associação entre exposição e doença. Entretanto, este desenho de estudo não permite estimar a incidência da doença nem a prevalência da doença. O que podemos estimar é a razão entre doentes e não doentes segundo a condição de exposição, isto é, o odds ratio (OR) Exemplo: estudo caso-controle onde foram selecionados 117 casos e 871 controles e buscou-se informação sobre a freqüência de exposição. A estimativa do OR foi de 1,76, isto é, nos indivíduos expostos a chance de desenvolver a doença é aproximadamente 1,8 vezes maior do que naqueles que não foram expostos. caso controle total E+ 15 67 82 E- 102 804 906 Total 117 871 988 15 OR = 67 = 1.76 102 804 Sendo a doença de baixa freqüência na população, o OR pode ser uma boa estimativa do risco relativo num estudo caso-controle tradicional. Num estudo caso-controle aninhado a uma coorte onde estima-se a taxa de incidência e a freqüência de doença não varia nem a proporção da exposição na população muda com o tempo, o OR é uma boa estimativa da razão de taxa RT, independente da magnitude da doença. Medidas de associação absoluta (diferença) não podem ser estimadas diretamente nos estudos caso-controle tradicional, pois neste desenho não é possível estimar a incidência. Entretanto, quando a doença é de baixa freqüência (OR é um bom estimador do RR) podemos calcular o risco atribuível proporcional (RAP). 1 RAP = 1 − x100 OR Estudo seccional Razão de Prevalência (RP): a PE RP = = a+b c P E c+d _ . 2 fatores que diferenciam a razão de prevalência do risco relativo são: o a razão da duração da doença e o a razão dos complementos da prevalência (1 – prevalência) da doença entre expostos e não expostos. Razão de chances de prevalência ou prevalence odds ratio (OR): Não há qualquer diferença entre o cálculo do OR de casos prevalentes e o OR apresentado nos estudos anteriores. Interpretação do OR de prevalência: quantas vezes maior é a chance de estar doente entre os expostos em relação aos não expostos. pE a 1− pE ad OR prev = = b = c bc p E d 1− p _ _ E Diferença entre prevalências (DP): O excesso de casos prevalentes entre os expostos e não expostos pode também ser calculado nos estudos seccionais através da diferença entre as prevalências: DP = PE − P _ E Medidas de Impacto Do ponto de vista das ações em Saúde Pública, mais do que estimar a força de uma associação, pode ser mais importante estimar o excesso do risco que é atribuível à exposição na população geral que originou a população de estudo medidas de impacto. O risco atribuível (RA) e o RA proporcional ou fração etiológica (RAP) entre os expostos podem ser medidos em nível populacional: o risco atribuível populacional (RApop) e o RApop proporcional (RAPpop) ou fração etiológica populacional. Neste caso, a incidência entre expostos é substituída pela incidência na população geral, que é uma média ponderada das incidências no grupo de expostos e não expostos Incidência na população I pop = ( I E x p E ) + ( I x p ) _ _ E E O risco atribuível populacional estima a proporção do risco de adoecer na população total que é atribuível à exposição: RApop = I pop − I E O risco atribuível proporcional populacional ou fração etiológica na população pode ser expresso como: RAPpop = I pop − I E I pop x100 Exemplo: Considere dois estudos, A e B, onde a magnitude da associação entre exposição e doença é igual a 2 (RR=2), mas a freqüência de exposição na população é 0,1 no estudo A e 0,90 no estudo B. No estudo A, o RApop será muito pequeno (Ipop ~ IE-), enquanto que no estudo B, o RApop será consideravelmente maior, pois a incidência na população se aproxima da incidência nos expostos. Incidência segundo categoria de exposição e total, Risco atribuível entre exposto e populacional em 2 estudos com RR ≅ 2 Estudo A: Prevalência de exposição=0.10 Incidência por 100 100 80 RA exp 60 RA pop 40 20 0 população não expostos expostos Estudo B: Prevalência de exposição=0.90 incidência por 100 100 80 RA pop 60 RA exp 40 20 0 população expostos não expostos Eexposição rara a fração atribuível na população é pequena. Exceto se a exposição for uma causa necessária para o aparecimento da doença. 100 RApop (%) 80 RR=8 60 RR=4 40 RR=2 20 RR=1,2 0 0 0,2 0,4 0,6 0,8 1 prevalência de exposição FRAÇÕES DE PREVENÇÃO Fração de prevenção entre expostos (FP): é a proporção de casos expostos prevenidos pela exposição 1- RR Fração de prevenção total (FP+): proporção de casos novos potenciais que foram prevenidos pela exposição na população 1 - ( 1 / Σ (pi / RRi)) Regressão logística A regressão logística é um método estatístico para estimar a magnitude da associação (OR) entre exposição e doença (ou evento) de interesse após ajustar simultaneamente para o efeito de outras variáveis (confundimento) Este modelo é uma variante da regressão linear múltipla em que o logarítmo neperiano (ln) do odds (chance) de adoecer (variável dependente) é expresso como uma função de uma série de variáveis independentes (fatores de risco). Os coeficientes obtidos através de regressão logística indicam o efeito de um fator específico sobre o logarítmo do odds de adoecer quando todas as outras variáveis são mantidas constantes. A razão de odds para o fator em questão corresponde ao anti-logaritimo desse coeficiente e reflete a magnitude da associação investigada após controlar por um número de fatores de confundimento simultaneamente.