ASPECTOS ÉTICOS EM UTI 1 Santos, J. M. F, 1 Brito Filho, M.T, 2 . Brasil, L.M 1 2 Laboratório de Engenharia Clínica – LABEC Laboratório de Informática em Saúde – LABIS Mestrado em Engenharia Biomédica – MEB Núcleo de estudos e Tecnologia em Engenharia Biomédica – NETEB Universidade Federal da Paraíba - UFPB Caixa Postal 5095 - CEP 58.051-970 7368, Fax: (083) 216-7369 João Pessoa, Brasil, Fone (83) 216-7067. (merinha, toscano, lmb)@neteb.ufpb.br Resumo Nas atividades de atenção à saúde freqüentemente surgem situações de possíveis temas éticos. A ética tem também como objetivo, a identificação, análise e resolução de problemas morais que surgem no cuidado individual de pacientes. Este trabalho trata de algumas questões éticas que se apresentam em Unidades de terapia intensiva, enfocando a ética em situações de proteção, privacidade e respeito ao paciente intensivo. O objetivo da monitoração de pacientes por períodos prolongados é diminuir a mortalidade. Na UTI de um centro médico moderno, o processo da decisão ética pode envolver não apenas o paciente e médico, mas também a família, o diretor da UTI, a equipe de plantonistas, os enfermeiros, os fisioterapeutas, as assistentes sociais, o consultor ou o comitê de ética e o consultor jurídico do hospital. Todos devem concordar que o paciente crítico conserva todos seus direitos durante a estadia na UTI, bem como seus direitos devem ser especialmente protegidos. Os princípios éticos básicos devem ser seguidos para proteger os direitos dos indivíduos participantes na investigação médica. São eles: beneficência, não – maleficência; autonomia e justiça. Neste mundo de incertezas que circulam as decisões clínicas, também são afetadas as argumentações éticas. Uma metodologia bioética adequada permite reduzir a margem de erro. As questões éticas em uma UTI são delicadas e abrangentes e requerem um maior cuidado, pois são pacientes e não objetos que estão sendo levantados em questão. Neste trabalho foram levantadas estas e outras inúmeras questões, as quais devem ser resolvidas por uma equipe médica de modo que não haja possibilidade do não cumprimento dos princípios éticos que serão aplicados no benefício do paciente. Estas e outras questões a respeito de UTI’s serão analisadas numa pesquisa de campo onde serão colhidas amostras de hospitais públicos, privados e militares da cidade de João Pessoa, Paraíba - Brasil. Palavras – chave: UTI; Ética; Paciente Crítico; 1. INTRODUZINDO A TEMÁTICA O conceito de cuidados intensivos dedicados a pacientes em estado grave é antigo e começou a ser empregado sem o uso de equipamentos especializados, basicamente com uma enfermeira na beira do leito, observando o paciente de modo quase contínuo [1]. O grande desenvolvimento tecnológico observado nos últimos 30 anos modificou o conceito de cuidados intensivos, no sentido de que hoje ele se associa ao uso de equipamentos eletrônicos especializados, chamados genericamente monitores para executar tarefas de rotina na vigilância de vários parâmetros fisiológicos, com os quais é possível fazer um diagnóstico rápido e um tratamento imediato. Na década de 60 surgiram as primeiras unidades hospitalares de terapia intensiva, reunindo equipamento e pessoal especializado, em áreas hospitalares construídas especialmente para este fim. Tais áreas passaram a ser chamadas de Unidades de Terapia Intensiva (UTI) ou Central de Terapia Intensiva (CTI) [1]. Para alguns, UTI1 é uma nomenclatura para unidades voltadas para o tratamento de entidades clínicas mais especificas, atendendo a determinadas especialidades clínicas, enquanto que CTI é a designação de um centro para assistência a pacientes com as mais avançadas tecnologias [2]. A UTI pode assim ser considerada uma enfermaria especial, equipada para uma monitoração contínua, diagnóstico rápido dos desvios das variáveis fisiológicas vitais e também para um tratamento imediato, quando estes desvios ocorrem em pacientes em estado crítico, muitos dos quais sofrem iminente perigo de vida. Estes doentes podem ser pacientes enfartados, pacientes com insuficiência respiratória grave, pacientes em estado de choque, grandes queimados, pacientes que foram submetidos à cirurgias de grande porte, prematuros com problemas respiratórios graves, pacientes politraumatizados, entre outros [1]. A capacidade tecnológica de preservar e estender a vida na UTI é quase assustadora, mas para uma minoria de pacientes, aqueles cuja vida não pode ser mais estendida mas cuja morte pode ser apenas prolongada, a tecnologia da UTI veio a ter conotações mais sinistras e apavorantes. O que a maioria das pessoas teme, mais do que a própria morte, é um processo inevitável de morrer, prolongado sem sentido e agonizante, por meios artificiais. Na UTI de um centro médico moderno, o processo de tomada da decisão ética pode envolver não apenas o paciente e o médico, mas também a família, o diretor da UTI, a equipe de plantonistas, as enfermeiras, os fisioterapeutas, a assistentes sociais, o consultor, ou o comitê de ética, e o consultor jurídico do hospital [3]. Todos devem concordar que o paciente crítico conserva todos seus direitos durante a estadia na UTI e seus direitos devem ser especialmente protegidos [4]. A UTI possui uma dinâmica operacional e um ambiente bastante diferenciado de outros serviços do hospital. Esta diferenciação influi tanto no comportamento da equipe de trabalho como também 1 No presente texto será adotado o termo UTI para qualquer tipo de enfermaria de tratamento intensivo. nos pacientes e seus familiares. A atuação profissional em uma UTI requer um dimensionamento de várias questões éticas. Segundo Barreto [5], posturas e conceitos como as que serão comentadas a seguir devem ser levadas em conta no momento de agir. Situação Limítrofe O fato de o paciente estar em situação que poderá ser um evento final em sua vida deve ser encarado pela equipe; a dúvida estar em definir este acontecimento como terminal ou presumir que se possa modificar sua evolução. Reversibilidade Deve ser avaliada a possibilidade remota ou não do quadro se tornar reversível, o que muitas vezes define condutas imediatas que impedem o direito à autodeterminação por parte do doente. Riscos/Benefícios A indicação para tratamento intensivo deverá ser precisa e adequada a essa relação risco/benefício; a experiência tem mostrado inúmeros prejuízos emocionais e físicos para os pacientes e seus familiares quando os critérios de admissão e permanência no CTI não são respeitados. Autoridade, Julgamento e Onipotência Estes três aspectos éticos precisam ser pesados diariamente pelo médico que atua no serviço de medicina intensiva; os terapeutas tendem a tomar atitudes autoritárias e onipotentes em relação à vida do paciente. É necessário que o profissional faça auto-avaliação constante, julgando suas ações sob o ponto de vista ético. Autodeterminação e Dignidade Estes dois itens dizem respeito ao paciente que se encontra hospitalizado na UTI. Pois, o isolamento, a perda referencial, a desconsideração pela dignidade e pelo pudor têm sido temas considerados pelos intensivistas. A automatização da ação é mais uma postura que contribui para a iatrogenia da terapia intensiva. As punições e os demais procedimentos invasivos, o ruído constante dos equipamentos e do pessoal em serviço, a luz direta, a permanência no leito e a circulação de pessoas estranhas ao paciente contribuem, de forma não mensurável, com a morbidade. E esta é uma questão relevante no tratamento intensivo: enquanto ele se vale de recursos técnicos e de procedimentos quantificáveis para atingir seus objetivos, os fatores subjetivos, inerentes ao tratamento, podem ser relegados ao plano secundário. Na tentativa de reduzir o potencial iatrogênico das condutas intensivistas, deve-se comunicar ao paciente, sempre que possível: a) o motivo do ingresso no serviço e o funcionamento básico, além de apresentar a equipe responsável mais diretamente pelo caso; b) expectativas favoráveis quanto a sua recuperação; c) os procedimentos de diagnósticos e terapêuticos empregados em cada etapa do tratamento. 2. PRINCÍPIOS ÉTICOS A seguir serão anunciados alguns princípios éticos básicos pertinentes à decisão na UTI. 2.1 Pontencial de salvabilidade Segundo Cohen [6], nem todos que estão criticamente enfermos devem ser automaticamente admitidos na UTI. Uma condição necessária para admissão é que o paciente seja potencialmente salvável, o que significa que o paciente tem uma probabilidade de retornar a um estado no qual sua vida não está ameaçada. Os pacientes que estão imediata e irreversivelmente determinado que não existe nenhuma terapia conhecida, não são salváveis. Eles merecem conforto e apoio dentro do hospital, mas não são capazes de beneficiar-se com o tratamento intensivo. Quando a admissão em uma UTI está sendo considerada, usualmente é suficiente que o paciente seja considerado como tendo uma probabilidade de 50% de recuperação para que seja feita agressivamente a tentativa de preservar sua vida. Mas quando está se tornando evidente que o paciente não é mais salvável e que, portanto, conforto e apoio em vez de terapia intensiva são mais apropriados, é obrigatório um nível muitíssimo alto de certeza antes de concordar com a descontinuação da terapia de sustentação da vida. O intensivista deseja um grau de certeza aproximado-se de 100%, em vez dos 50%, que eram suficientes no início [7]. É inapropriado manter o tratamento em UTI de um paciente cujo prognóstico se resolveu para um estado vegetativo persistente e é similarmente inapropriado empregar recursos de UTI quando nenhuma finalidade será servida, a não ser um prolongamento dos processos naturais de morte. Não é medicamente adequado devotar recursos limitados de UTI a pacientes sem perpectiva razoável de recuperação. Seria ético negar o leito de uma UTI para um paciente jovem com possibilidade de recuperação? Ou continuar a ocupar os leitos com pacientes terminais? Esse tipo de questão deve ser levantado e ser resolvido levando em consideração o petencial de salvabilidade do paciente e todos os argumentos éticos necessários para uma tomada de decisão de grande importância. Esse questionamento deve ser solucionado pela equipe intensivista e não só por um médico intensivista. 2.2 Preservação da vida A terapêutica dos transplantes é de grande esperança para a medicina e para pacientes em estado crítico. Uma vez superados os desafios e as dificuldades da técnica dos transplantes, ela torna-se uma prática difundida e amplamente recomendada para algumas doenças. Essa falta de órgãos para transplantes é ocasião para o abuso de todo tipo, discriminações sociais e atentados à vida e à dignidade humana. Essa situação levou a necessidade urgente de levantar critérios éticos, formalizados em normativas jurídicas no sentido de incentivar a doação de órgãos, promover a pesquisa de alternativas e, por outro lado, coibir os abusos e discriminações [8]. Essas campanhas dependem, antes de mais nada, de vontade política, de opções de saúde e de estratégias apropriadas de divulgação [9]. Para que ocorra um procedimento ético correto em relação à preservação da vida com a utilização do procedimento do transplante, tanto o doador como o receptor do órgãos devem estar a par de todos os benefícios e de possíveis danos que poderão surgir. 2.3 Beneficência Este princípio é presidido da relação do médico com seu paciente na ética médica e tradicional e constitui a base do código de ética profissional mais antigo (Juramento de Hipócrates): Deve-se atuar sempre buscando o bem do enfermo [4]. A problematicidade do princípio da beneficência aparece com as crescentes potencialidades dos “interventos” médicos, a ponto de surgir uma oposição entre o bem concebido pelo médico e o bem para o doente. Para aplicar o princípio nestes casos é preciso distinguir os significados do bem do paciente para evitar tanto o paternalismo como o autonomismo. A beneficência inclui não apenas a atitude de impedir e remover danos e prover benefícios, mas também equilibrar os possíveis bens com os possíveis danos de uma ação. Assim, a beneficência, em geral, é composta de dois subprincípios: prover benefícios e ponderar benefícios e danos. A atitude positiva de beneficência refere-se principalmente a enfermos fragilizados. 2.4 Não – maleficência Traduzido ao terreno clínico, significaria atuar de forma que se evite qualquer dano físico, psíquico, que se possa realizar ao paciente, bem como minimizar os riscos que todo diagnóstico e terapêutica representa. 2.5 Autonomia Este princípio contempla a idéia que os pacientes devem ter suas vontades respeitadas, desde que estejam bem informados para a sua tomada de decisão e plenamente capazes do ponto de vista psicológico. Segundo Junges[7], O princípio da autonomia tem sua expressão no assim chamado consentimento informado. O direito ao consentimento informado quer proteger e promover a autonomia. A comunicação entre o profissional da saúde e o paciente deve prevenir a ignorância que leve a uma escolha constringida e deve suprir a falta de informação e compreensão. 2.6 Justiça Se fundamenta nos direitos que todos têm. Não podem ser discriminados por razões de raça, cor, ou sexo. Obriga a tratar todos com a mesma obrigação de respeito, sem estabelecer considerações de diferenças que reduzam o benefício do outro. Traduzido ao terreno clínico, implica que os recursos devem ser ao que necessitam. Portanto, os critérios de seleção para qualquer medida sanitária, incluindo procedimentos especiais de ingresso em uma UTI, devem estar baseados no princípio da justiça. Outra derivação da prática do princípio da justiça é a obrigação de conseguir o melhor benefício com o menor custo e decidir atuar de forma eficiente. 3. ÉTICA E FAMILIARES DE PACIENTES INTERNADOS EM UMA UTI Em uma UTI é vivenciada diariamente situações cuja resolução, em condições de urgência e precisão assistencial, podem criar conflitos éticos e legais: O paciente crítico possui direitos específicos que não perdem por sua condição. Podem surgir situações em que os exercícios desses direitos podem ser limitados e se observa uma série de direitos que os familiares podem assumir em exercícios dos mesmos. Os responsáveis (família) pelos pacientes internos em uma UTI, devem ter direito a: § Informação correta a respeito do quadro clínico do paciente; § Decisão. A família pode participar do processo de tomada de decisão em relação aos procedimentos realizados com o paciente; § § Os familiares podem reclamar caso medidas terapêuticas sejam interrompidas; É muito importante a informação clara à família sobre a morte cerebral, apesar do paciente ter a atividade cardíaca normal. Como em todas as questões a respeito da medicina intensiva, o ideal é melhorar a comunicação entre médicos e familiares de pacientes, pois só assim se poderá diminuir os conflitos éticos [10]. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS As unidades de terapia intensiva são setores hospitalares que requerem maior atenção e recursos por se tratarem de uma área onde a monitoração é o principal recurso na tentativa de reverter quadros clínicos graves. A ética aplicada a saúde , não pode deixar de estar aplicada fortemente nas UTI’s, onde as decisões clínicas são de extrema importância , se resolvidas através de uma equipe treinada e qualificada. Dessa forma, uma metodologia bioética adequada, neste ambiente hospitalar permite reduzir a margem de erro promovendo sempre a contínua recuperação do paciente crítico. Agradecimentos: § A primeira autora agradece a CAPES pelo auxílio financeiro para o desenvolvimento da pesquisa; § A primeira autora agradece à Administradora de empresas Lucidalva Freire de Oliveira Dantas. REFERÊNCIAS [1] CARVALHO, L.C. Textos Didáticos do Curso de Instrumentação Medico-Hospitalar. Mestrado em Engenharia Biomédica. Universidade federal da Paraíba, 2000. [2]ARRUDA, A . J. G., PESSOA, J.A. M. Levantamento estatístico de internações altas e óbitos em CTI de hospital público. CCS-Ciência, cultura, saúde, Vol XIII, nº 2, 1994. [4] RUBÍ, J.A.G & CAMPOS, R.A. Medicina crítica práctica. Bioética y medicina intensiva . Dilemas Éticos en el Paciente Crítico, Edikamed, 1998. [5] BARRETO, S.M. et al. Rotinas em terapia intensiva,1993. [6] COHEN, C.B. Ethical problems on intensive care. Anesthesiology 1977. [7] CIVETTA, J.M et al. Tratado de terapia intensiva . São Paulo. Manole, 1992. [8] JUNGES, J.R. Bioética; perspectivas e desafios . São Leopoldo. Ed. Usininos, 1999. [9] GARRAFA, V. Resposta ética ao mercado de órgãos humanos, 1998. [10] CAPLAN AL. Ethical and policy issues in the procurement of cadáver organs for transplantation. N Eng J Med, 1984.