A LINGUÍSTICA ANTES DE FERDINAND DE SAUSSURE – UMA

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A LINGUÍSTICA ANTES DE FERDINAND DE SAUSSURE – UMA RETOMADA
HISTÓRICA
Maria da Silva PEIXOTO 1
[email protected]
Resumo: Apresenta-se, neste trabalho, uma retomada histórica dos estudos linguísticos
anteriores à publicação póstuma do Curso de Linguística Geral, considerado o divisor
de águas dos estudos da linguagem. Esse percurso inicia-se com a descrição fonética e
gramatical feita pelos hindus, passa pelos estudos linguísticos dos gregos e dos
romanos, pela Idade Média, pelos estudos da época do Renascimento até o século XVIII
e finalmente, pelos estudos da linguagem no século XIX. Apesar de serem considerados
como uma preparação para os estudos linguísticos depois do advento de Curso, esses
estudos deixam clara uma característica: o estudo das línguas antes de Saussure tinha
motivações externas à própria língua.
Palavras-chave: Linguística. História. Ferdinand de Saussure.
Considerações Iniciais
Sabe-se que a linguística, enquanto ciência da linguagem, foi reconhecida a
partir do suíço Ferdinand de Saussure e da publicação póstuma de seu Curso de
Linguística Geral (1916). A sua contribuição deu condições efetivas para a construção
da linguística como uma ciência autônoma. Atualmente pode-se distinguir muitas
correntes ou escolas linguísticas, mas, segundo Lyons (1979, p.38), “[...] todas elas
sofreram, em vários graus, direta ou indiretamente a influência do Cours de Saussure”.
O interesse pelos fatos da linguagem é muito antigo e datam de séculos antes
da publicação dos escritos de Saussure. Porém, eram realizados estudos assistemáticos e
irregulares, de acordo com a necessidade de cada povo e de cada cultura. E, conforme
acentua Weedwood (2002, p.22):
No plano geográfico, é vão tentar ligar todas as tradições lingüísticas
numa única seqüência cronológica, saltando da Índia à China, à Grécia
e a Roma, aos povos semíticos e de volta ao Ocidente. Cada tradição
tem sua própria história e só pode ser explicada à luz de sua própria
cultura e de seus modos de pensamento. Cada uma tem sua
contribuição particular a dar à percepção humana da linguagem.
1
Mestre em Estudos de Linguagens pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul –
UFMS, Campus de Campo Grande. CEP: 79814340, Dourados-MS, Brasil.
[email protected].
A autora ressalta ainda que a tentativa de classificar cronologicamente esses
estudos seria frustrada, pois eles foram realizados de forma independente e não podem
ser relacionados historicamente uns com os outros. Deixa claro também que a tradição
linguística desses povos desenvolveu-se e ainda se desenvolve paralelamente aos
estudos lingüísticos modernos. Entretanto, no plano temporal, apesar de alguns modos
de pensamento e de análise da língua se desenvolverem de forma autônoma, outros
estudos se apresentam de forma sucessiva e com algum efeito cumulativo ou cíclico.
Diante disso, este trabalho consiste numa rápida de recuperação temporal dos
estudos mais conhecidos acerca da linguagem e que, anteriores a Saussure, são
considerados, de acordo com Faraco (2002, p. 28) como “um longo processo
preparador” para o que viria a ser a linguística a partir das concepções saussurianas.
Iniciando pela tradição hindu, passando pelas escolas grega e romana, passeando pela
Idade Média, pelo Renascimento e chegando até o século XIX, pretende-se aqui fazer
uma rápida retomada desses estudos.
A tradição hindu
Para que os textos sagrados não sofressem alterações ao serem recitados ou
cantados nos rituais de sacrifícios indianos, os antigos hindus começaram a estudar a
língua. Eles se preocuparam em descrever minuciosamente o sistema fonético e
gramatical dos hinos reunidos no Veda e, segundo Lyons (1979, p.22):
a classificação dos sons da fala feita pelos gramáticos hindus era mais
detalhada, mais precisa e mais firmemente baseada na observação e na
experiência do que qualquer outra realizada na Europa, ou em
qualquer outra parte que saibamos, antes do fim do século XVIII [...].
Em sua análise das palavras, os gramáticos hindus foram bem além
daquilo que se poderia julgar necessário ao seu objetivo original.
Os gramáticos hindus dedicavam-se ao estudo do valor e do emprego das
palavras. O mais conhecido deles foi Panini (século IV a. C.). Ele fez uma descrição
detalhada do sânscrito e sua obra consistiu-se num tratado em quatro mil regras ou
<sutras>. Mais tarde, este tratado foi explicado por Pantañjali (século II a. C.). Foram
estes dois que “estabeleceram as bases da gramática normativa do sânscrito, e os
tratados hindus que surgiram posteriormente nada mais eram que os comentários sobre
as <sutras de Panini> e sobre o <mahabahabsyja de Pantañjali>” (CÂMARA JR, 1986,
p.15). Foi estabelecida pelos hindus a distinção de “substantivos” e “verbos”, e também
daquilo que pode ser chamado de “preposição” e “partícula”, no sânscrito.
Esses estudos, entretanto, ficaram por muito tempo restritos aos hindus.
Somente foram descobertos no final do século XVIII. Deve-se considerar também que
se tratavam de estudos “puramente estáticos, relativos apenas ao sânscrito, efetuados,
ademais, por homens totalmente desprovidos de senso histórico, de acordo com o gênio
próprio da Índia” (LEROY, 1967, p.16). Acrescente-se, ainda, que os hindus se
limitavam a fazer a descrição e a classificação dos fatos lingüísticos sem, no entanto,
nenhuma explicação ou análise.
Os gregos
Os estudos gregos relacionados à linguagem baseavam-se em origens
filosóficas bastante fortes. Para os gregos o problema filosófico essencial relativo à
linguagem era a definição entre a noção e a palavra que a designa.
Lyons (1979, p. 4) destaca que
os filósofos gregos discutiam se o que regia a língua era a “natureza”
ou a “convenção”. Essa oposição da “natureza” e da “convenção” era
um lugar-comum da especulação filosófica. Dizer que uma
determinada instituição era natural equivalia a dizer que ela tinha sua
origem em princípios eternos e imutáveis fora do próprio homem, e
era por isso inviolável: dizer que era convencional equivalia a dizer
que ela era o mero resultado do costume e da tradição, isto é, de algum
acordo tácito, ou “contra o social”, entre os membros da comunidade
– “contrato” que, por ter sido feito pelos homens, podia ser pelos
homens violado.
Essa discussão prolongou-se por vários séculos e dominou todos os estudos
sobre a origem da língua, além da relação entre as palavras e o seu significado. Com
isso, surgiram várias investigações etimológicas que instigaram e provocaram outros
estudos que “pesquisavam a verdadeira natureza de uma palavra, não era a sua forma
original o que eles buscavam, mas seu sentido original” (WEEDWOOD, 2002, p. 47).
A controvérsia entre “naturalistas” e “convencionalistas” evoluiu, a partir do
século II a. C., para uma discussão sobre a regularidade da língua e, de acordo com
Lyons (1979, p. 6):
As palavras gregas para “regularidade” e “irregularidade”, no sentido
que nos ocupa, eram analogia e anomalia. Daí, os que sustentavam
que a língua era essencialmente sistemática e regular são chamados
geralmente analogistas e os que tomavam a posição oposta,
anomalistas.
O embate entre analogistas e anomalistas nunca foi resolvido em definitivo
pelos gregos e permanece até os nossos dias. Acrescente-se que essa não foi uma
disputa obstinada dos dois lados e que já se reconhecia que existiam tanto analogias,
quanto anomalias, ou seja, que se tratava de uma questão de regularidade ou
irregularidade da língua e, que ambas as correntes contribuíram grandemente para a
sistematização da gramática grega.
Destaca-se, ainda, que, apesar de ser um povo tão amante da história, os gregos
não deixaram nenhuma descrição das línguas e dos povos com os quais mantiveram
contato em suas inúmeras conquistas. Isso se justifica porque, convencidos de sua
“superioridade intelectual, consideravam com desprezo essas línguas estrangeiras que só
consentiam em estudar por razões práticas” (LEROY, 1967, p.16).
A língua grega, no entanto, foi muito estudada, principalmente nos
procedimentos de estilo e de adequação da linguagem ao pensamento. Porém, segundo
Lyons (1979, p. 10):
A análise particular refletida nas gramáticas escolares do grego estava
tão longe de ser clara que a sua elaboração exigiu uns seis séculos [...].
Além disso, não é essa a única análise possível e, talvez, nem mesmo,
a melhor. De qualquer modo, não será razoável dizer-se que os modos
ligeiramente diferentes de descrever a língua, preferidos por alguns
dos gramáticos gregos sejam necessariamente inferiores àquilo que foi
afinal padronizado e transmitido à posteridade como a gramática do
grego.
É inegável que foi bastante importante a contribuição que a gramática grega
deu aos estudos da linguagem e, que esses estudos, “calcados na Filosofia, abrangeram
a Etimologia, a Semântica, a Retórica, a Morfologia, a Fonologia e a Sintaxe”
(CARVALHO, 2000, p.17). Assim como é sabido que eles tinham finalidades práticas.
Era a gramática voltada para o fazer, para a ação e para a utilização da língua.
Em grego, a distinção dos três gêneros é atribuída a Protágoras (século V a.
C.), enquanto que Platão distinguiu claramente os “substantivos” e os “verbos”.
Segundo ele os “substantivos” eram termos que funcionavam nas frases como sujeito de
um predicado e os “verbos” eram termos que expressavam a ação ou afirmavam a
qualidade. No diálogo do Crátilo, ele discutia, além de outras coisas, a questão da
natureza x convenção.
Aristóteles, discípulo de Platão, conservou a distinção em substantivos e verbos
e acrescentou as conjunções (que designavam todas as outras palavras). Da distinção de
gênero de Protágoras, ele os classificou em masculino, feminino e neutro (para designar
nem uma coisa, nem outra). A ele é atribuído, também, o reconhecimento da categoria
de tempo no verbo grego.
De todas as escolas filosóficas gregas, a que mais se concentrou na língua foi a
dos estóicos, que eram em sua maioria anomalistas. Consideravam a língua
fundamental, especialmente para a lógica, mas que incluía o que chamamos de
epistemologia e retórica, assim como a gramática. Eles fizeram a distinção entre forma e
significado: o significante e o significado.
Os estóicos mais antigos distinguiam quatro partes do discurso: substantivo,
verbo, conjunção e artigo, enquanto que os mais novos distinguiam cinco: separavam
substantivos comuns e substantivos próprios e classificavam o adjetivo com o
substantivo. Eles também deram ao termo caso o sentido que tem até hoje e
distinguiram o caso reto do oblíquo.
Quanto aos verbos, os estóicos perceberam o caráter perfeito e imperfeito,
distinguiram a voz ativa da voz passiva e identificaram os verbos transitivos e
intransitivos.
Os gramáticos da escola Alexandrina (surgida com a implantação da grande
biblioteca da colônia grega de Alexandria) continuaram os estudos dos estóicos e foi
nessa fase que se convencionou o que chamamos hoje de gramática grega. Eles eram
analogistas e, ainda, estabeleceram métodos ou paradigmas de flexão das regularidades
da língua. Procuraram estudar a linguagem sob uma perspectiva mais filológica e
objetivavam estudar os textos dos antigos poetas. Queriam encontrar o “texto original”,
isso encorajou aquilo que perdura até os nossos dias: a idéia de que a “língua literária” é
mais pura e mais correta do que a fala coloquial.
Seus trabalhos, segundo Lyons (1979, p.9-10) tinham dupla finalidade: 1estabelecer e explicar a língua dos autores clássicos; 2- preservar o grego da corrupção
por parte dos ignorantes e iletrados.
No final do século II a. C. foi “publicada” a gramática de Dionísio, da Trácia.
Nela, acrescentou-se às quatro partes do discurso dos estóicos, o advérbio, o particípio,
o pronome e a preposição. Essa gramática não se ocupou da sintaxe (que seria estudada
uns três séculos mais tarde, por Apolônio Díscolo), mas todas as palavras gregas foram
classificadas segundo as categorias de caso, gênero, número, tempo, voz, modo, etc.
Os romanos
Os romanos aplicaram ao latim, em linhas gerais, os estudos e os avanços dos
helenos, porém dando uma perspectiva mais normativa, o chamado de “O Estudo do
Certo e do Errado”. Acrescente-se a isso que, de acordo com Lyons (1979, p.14):
o fato de serem bastante semelhantes as duas línguas em sua estrutura
geral, sem dúvida, levou-os a pensar que as várias categorias
gramaticais que os gregos haviam elaborados – as “partes do discurso”
[...] eram categorias lingüísticas universais e necessárias.
Os latinos também não se preocuparam com o estudo das línguas com que
tiveram contato e, segundo Leroy (1967, p. 19):
mesmo a confrontação constante do grego e do latim (em Roma, a
sociedade culta era, em grande parte, bilíngüe) foi estéril, esforçandose os latinos em adaptar servilmente o estudo de sua língua às “regras”
formuladas pelos teóricos gregos, cujas idéias nada mais faziam senão
retomar e propagar.
Entre os romanos a controvérsia entre analogistas e anomalistas continuou viva
e causando discussões. Dentre os estudiosos da língua no Império Romano, pode-se
destacar Marcos Terêncio Varrão (século II a. C.) autor dos vinte e cinco originais do
compêndio intitulado De Língua Latina, que apresentava forte influência dos estóicos.
Além de Varrão, pode-se mencionar o retórico Quintiliano (século I d. C.), Elio
Donato (século IV d. C.) que escreveu a gramática normativa latina Arte Menor e
Prisciano (século V d. C.). Ressalta-se que a obra desses gramáticos descreviam a
língua dos clássicos, dos “melhores escritores” e não se preocupavam com a língua do
seu tempo.
A Idade Média
Na Idade Média, o latim foi a língua mais estudada e expandida, por ser o
idioma da igreja ocidental. Lyons (1979, p.14) destaca que o latim não “era apenas a
língua da liturgia e das Escrituras, mas também a língua universal da diplomacia, da
erudição e da cultura”.
Surgiram, então, vários manuais do latim, considerando que era uma língua
estrangeira para tantos outros povos e que deveria ser aprendida nas escolas. Esse
contato com outras línguas e culturas poderia influenciar determinantemente o latim
mas, como ressalta Leroy (1967, p. 19), isso não aconteceu. Lembre-se aqui que o latim
era uma língua principalmente escrita e, na medida em que era falada, cada povo e cada
cultura a “reinventava”, “recriava”, dando-lhe outra sonoridade.
Muitos progressos aconteceram nos estudos gramaticais do latim na época
medieval e grande parte desses avanços permanece até os dias atuais. A velha
controvérsia entre analogistas e anomalistas, no entanto, continuou presente. Foi neste
período, também, que, segundo Leroy (1967, p. 19):
os modistae (nome que lhes vem do título Demodis Significandi dado
a numerosos tratados) consideravam que existe uma estrutura
gramatical uma e universal, inerente a todas as línguas, e que, por
conseguinte, as regras da gramática são, como regras perfeitamente
independentes das línguas particulares nas quais encontram sua
realização.
Os estudos sobre a linguagem concentravam-se no latim, mas havia certa
curiosidade acerca das línguas faladas. Isso se dava, principalmente, por causa do
avanço do cristianismo e da necessidade de comunicação para a evangelização de outros
povos. Esse foi, talvez, o embrião daquilo que hoje chamamos “estudo de línguas
estrangeiras”.
Destaca-se desses estudos a obra De Grammatica latino-saxonica, seguida de
um glossário ou um Dicionário latino-anglo-saxão. Dentre todos esses trabalhos, é
necessário lembrar a De vulgari eloquentia e seu autor, Dante. Deve-se a ele muito em
relação aos estudos da linguagem no período medieval e em sua posteridade.
Da Renascença ao fim do século XVIII
O final do século XV e primeira metade do século XVI é um período de
grandes transformações. É nessa época que acontece o movimento da Reforma
religiosa, a que a igreja romana reagiu com a Contra-Reforma e a Inquisição. Acontece
também uma crise muito grande na visão teocêntrica do mundo, há a ascensão do
pensamento antropocêntrico e o redescobrimento da arte e da literatura dos antigos
gregos. Nesse período também se pode perceber, segundo Weedwood (2002, p. 68):
duas abordagens bem diferentes da linguagem: a abordagem
“particular”, que se concentra nos fenômenos físicos que diferenciam
as línguas, e se aproxima muito das recém-surgidas ciências
biológicas em seus métodos e resultados; e a abordagem “universal”
que, concentrando-se nos princípios subjacentes à linguagem,
continuou a buscar muito de sua inspiração e de seu método na
filosofia e especialmente na lógica.
No entanto, segundo Lyons, “língua ainda era a língua da literatura: e a
literatura quando se tornou objeto de estudos acadêmicos em nossas escolas e
universidades, continuou a ser a obra do ‘melhores escritores’ que escreviam nos
gêneros tradicionais” (1967, p. 17).
No século XVII, já se percebia claramente a crescente atenção às línguas
modernas da Europa e o declínio de valorização do latim. Essa tendência atinge seu
auge com a publicação da Gramática de Port-Royal, de Lancelot e Arnoud, que
“demonstra que a linguagem se funda na razão, é a imagem do pensamento e que,
portanto, os princípios de análise estabelecidos não se prendem a uma língua particular,
mas servem a toda e qualquer língua” (PETTER, 2002, p. 12).
Essa foi a mais importante corrente do século XVII, surgindo daí o esforço de
comparar línguas e classificá-las de acordo com suas identidades, ganhando cada vez
mais destaque, os estudos históricos da linguagem.
E, como assegura Câmara Jr. (1986, p. 26) “no começo do século XVIII esta
corrente comparatista ganhou mais consistência e segurança”. O caminho para uma
ciência linguística, propriamente dita, está aí sendo preparado com o reforço dos
estudos históricos e comparativos da linguagem.
A linguística do século XIX
O conhecimento e a aceitação de um maior número de línguas vai
provocar, no século XIX, o interesse por aquelas que estavam sendo utilizadas, as
chamadas línguas vivas. Weedwood (2002, p. 103) afirma que:
a mais extraordinária façanha dos estudos lingüísticos do século XIX
foi o desenvolvimento do método comparativo, que resultou num
conjunto de princípios pelos quais as línguas poderiam ser
sistematicamente comparadas no tocante a seus sistemas fonéticos,
estrutura gramatical e vocabulário, de modo a demonstrar que era
“genealogicamente” aparentadas.
A descoberta do sânscrito, no final do século XVII, foi o principal mote
para que se chegasse a esses estudos comparados, pois foi percebida uma semelhança
bastante significativa do sânscrito com o grego e com o latim.
A partir daí, vários estudos foram surgindo nesse viés comparatista das
línguas. Jakob Grimm, por exemplo, “demonstrou na segunda edição de sua gramática
comparativa do germânico, que havia diversas correspondências sistemáticas entre os
sons do germânico e os sons do grego, do latim e do sânscrito em palavras de sentido
semelhante” (WEEDWOOD, 2002, p. 104)
O diplomata alemão Wilhelm von Humboldt destacou o vínculo entre
línguas nacionais e caráter nacional, além de formular a teoria sobre a forma “interna” e
“externa” da língua, ainda dizia, segundo Leroy (1967, p. 47) que
a linguagem é o órgão criador do pensamento [...]. Acreditava que a
forma interna da linguagem [...] é um constituinte fundamental do
espírito humano e que cada forma da linguagem pode pois ser
considerada como uma caracterização do povo que a fala [...]
acalentava a esperança de poder colocar a mentalidade e a língua de
um povo em relação tão íntima que bastaria que uma fosse dada para
que se pudesse deduzir a outra.
Havia nisso um esboço de uma psicologia das raças cujas
conseqüências Humboldt certamente não previra; sabe-se como essa
concepção de uma estreita relação entre a raça e a língua resvalou
insensivelmente do terreno científico [...] para o terreno de uma
filosofia da História assaz nebulosa, quando o Conde de Gobineau
dela fez um dos fatores de sua não célebre “desigualdade das raças”,
para rebaixar-se enfim ao papel de justificação pseudocientífica das
criminosas teorias racistas da Alemanha nazista.
Como se sabe, as línguas mudam, evoluem e, de acordo com Weedwood
(2002, p. 109), “a principal realização dos lingüistas do século XIX não foi apenas
perceber mais claramente do que seus antecessores a ubiqüidade da mudança
lingüística, mas também colocar sua investigação científica em base mais sólida por
meio do método comparativo”.
Franz Bopp é outro estudioso que se destaca nessa linha, Petter salienta
que “a publicação, em 1816, de sua obra sobre o sistema de conjugação do sânscrito,
comparado ao grego, ao latim, ao persa e ao germânico é considerada o marco do
surgimento da lingüística histórica” (2002, p. 12)
Outro estudioso que deve ser destacado nesta fase é Augusto Schleicher,
botânico que gostava de distinguir o linguista do filólogo. Comparava o aquele ao
naturalista – que abarca o conjunto de organismos vegetais; e este ao jardineiro – que se
preocupa com a estética e as espécies desses vegetais. Considerava, segundo Leroy
(1967, p.34) que as línguas são organismos naturais e, como tal, nascem, crescem, se
desenvolvem, envelhecem e morrem. Essa concepção, deve-se acrescentar, evidencia
uma forte referência à teoria da evolução das espécies, de Darwin, que começava a ser
mais divulgada naquela época.
Considerações Finais
Neste texto procurou-se fazer uma retomada histórica dos mais conhecidos
estudos referentes à linguagem antes da publicação da obra póstuma de Ferdinand de
Saussure, o Curso de Lingüística Geral. Esses estudos são importantes porque se
constituem numa preparação para aquilo em que a linguística se transformaria a partir
de Saussure: uma ciência autônoma.
Destacou-se que os hindus se ocupavam da descrição do sistema fonético e
gramatical de sua língua com o objetivo de que seus textos sagrados não sofressem
modificações ao serem entoados nos rituais religiosos.
Já os gregos estudavam a linguagem com a intenção de estabelecer a língua dos
clássicos e manter aquilo que consideravam como superioridade em relação aos outros
povos, a sua cultura. Entre os gramáticos gregos a grande discussão era a de se a língua
era um produto da natureza ou de uma convenção. Essa controvérsia persistiu e evoluiu
para outra oposição: analogia e anomalia – embate que não foi resolvido por aqueles
estudiosos.
Entre os romanos o objetivo dos estudos da linguagem não eram outros senão a
manutenção do latim diante das línguas dos povos por eles conquistados. Percebe-se
que os romanos também se ocupavam da descrição da língua dos clássicos, em
detrimento da língua efetivamente falada pelo povo.
Na Idade Média, os estudos lingüísticos objetivavam a evangelização tanto no
que se referia à manutenção do latim como língua oficial da igreja, quanto à necessidade
de comunicação entre os romanos e outros povos para que a fé cristã fosse difundida.
Com a chamada Reforma Religiosa essa postura foi modificada e a língua
estudada passa a ser aquela dos melhores escritores, dos clássicos. No século XVII,
como declínio do latim, cresce a atenção às línguas de outros povos, surgindo a
comparação entre línguas.
No século XIX é que o interesse pelas línguas vivas se estabelece mais
efetivamente. Os estudos comparativos ganham novo fôlego com a descoberta do
sânscrito e de suas semelhanças com outras línguas.
Com esta retomada histórica, procurou-se destacar a contribuição do Curso de
Linguística Geral, aos posteriores estudos acerca da linguagem, pois antes dele os
estudos sobre os fenômenos linguísticos, mesmo tendo sua importância, sempre tiveram
motivações externas à própria língua. Somente a partir de Ferdinand de Saussure é que a
língua por si mesma passa a ser objeto de estudo de linguistas e de estudiosos da
linguagem.
Referências Bibliográficas
CÂMARA Jr., Joaquim Matoso. História da lingüística. Trad. Maria do Amparo
Barbosa de Azevedo. Petrópolis: Vozes, 1986.
CARVALHO, Castelar de. Para compreender Saussure: fundamentos e visão crítica.
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fundamentos epistemológicos. São Paulo: Cortez, 2002.
LEROY, Maurice. As grandes orientações da lingüística moderna. São Paulo: Cultrix,
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WEEDWOOD, Bárbara. História concisa da lingüística. Trad. Marcos Bagno. São
Paulo: Parábola Editorial, 2002.
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