Reconstrução de assoalho de órbita com enxerto

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Mendonça JCG et al.
RELATO DE CASO
Reconstrução de assoalho de órbita com enxerto
autógeno de cartilagem auricular: relato de caso
Reconstruction of orbital floor with autogenous graft from the pinna
cartilage: case report
José Carlos Garcia de Mendonça1, Janayna Gomes Paiva Oliveira2, Helena Bacha Lopes3, Fernando Valente4
RESUMO
SUMMARY
Fraturas envolvendo a órbita são frequentes entre as
fraturas do esqueleto facial, atingindo até 40% do total.
Mediante a necessidade de reparo dos defeitos orbitários,
em especial os de assoalho orbital, este trabalho teve como
proposta elucidar o emprego dos enxertos autógenos de
cartilagem da concha auricular nas reconstruções de fraturas
de assoalho de órbita por meio de um relato de caso clínico,
e ainda revisar a literatura relativa aos vários tipos de enxertos autógenos empregados para reconstrução de assoalho
orbital. Os resultados obtidos demonstraram que o enxerto
de cartilagem do pavilhão auricular, além de restabelecer
a função e a anatomia orbital, não sofreu reabsorção no
pós-operatório de 14 meses.
Fractures involving the orbit are common among fractures
of the facial skeleton, reaching up to 40% of the total. Considering the need for repair of orbital defects, in particular of
the orbital floor, this study aims to elucidate the employment
of autogenous grafts from the pinna cartilage in the reconstruction of fractures of the orbit floor. In addition to reviewing
the literature on the various types of autogenous grafts used
for reconstruction of orbital floor we present a case report.
The results showed that the graft of ear cartilage succeed in
restoring function and orbital anatomy, and did not suffer
reabsorption in the postoperative period of 14 months.
Descritores: Fraturas orbitárias/cirurgia. Órbita/
lesões. Cartilagem/transplante. Procedimentos cirúrgicos
reconstrutivos.
Descriptors: Orbital fractures/surgery. Orbit/injuries.
Cartilage/transplantation. Reconstructive surgical procedures.
1. Especialista em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial (CTBMF)
/ Mestre e Doutor em Ciências da Saúde (CTBMF) pela Faculdade de
Medicina da UFMS / Professor Adjunto de CTBMF da FAODO-UFMS/
Coordenador do Programa de Residência em CTBMF do Núcleo de Hospital
Universitário “Maria Aparecida Pedrossian” – UFMS.
2. Cirurgiã Dentista Ex-Residente do Programa de Residência em CTBMF
do Núcleo do Hospital Universitário “Maria Aparecida Pedrossian” – UFMS.
3. Cirurgiã Dentista Residente do Programa de Residência em CTBMF do
Núcleo de Hospital Universitário “Maria Aparecida Pedrossian” – UFMS.
4. Cirurgião Dentista especialista em Radiologia Odontológica. Professor
colaborador do Programa de Residência em CTBMF do Núcleo de Hospital
Universitário “Maria Aparecida Pedrossian” – UFMS.
Correspondência: Helena Bacha Lopes
Rua Padre João Crippa, 76 - Monte Líbano - Campo Grande, MS - CEP 79.
004-540
E-mail: [email protected]
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Reconstrução de assoalho de órbita com enxerto autógeno de cartilagem auricular
direito, fratura da sutura fronto-zigomática direita, afundamento
do arco zigomático e integridade do pilar zigomático-maxilar.
A cirurgia foi realizada sob anestesia geral, com intubação
nasoendotraqueal. Os campos operatórios foram assepsiados
com PVPI 1% (polivinilpirrolidona iodo) e limitados com panos
operatórios esterilizados. O globo ocular foi protegido pela
tarsorrafia e as fraturas do rebordo infra-orbitário e assoalho da
órbita foram expostos através do acesso subtarsal. A fratura da
sutura fronto-malar foi exposta através do acesso superciliar.
As fraturas foram reduzidas com auxílio de gancho de Barros
e fixadas com miniplacas e parafusos de titânio do sistema 1,5
mm. Confeccionou-se um template (alumínio) no defeito ósseo,
que serviu de molde para a retirada do enxerto autógeno de
cartilagem auricular (Figura 1).
O acesso retroauricular foi realizado no ângulo céfaloconchal, com divulsão do tecido subcutâneo e exposição do
pericôndrio, este foi incisado e descolado. Em seguida, o template
foi posicionado sobre a cartilagem. O enxerto foi obtido abaixo
do pericôndrio, com uma incisão na cartilagem, respeitando-se
os limites do template. Vale salientar que o pericôndrio do lado
oposto do enxerto foi mantido intacto.
O enxerto foi posicionado sobre o defeito e fixado com fio de
sutura não-reabsorvível de poliamida 4-0, por meio de perfurações ósseas. As suturas por planos foram realizadas. A cavidade
conchal foi preenchida com algodão e sobre o pavilhão auricular
foi realizado um curativo compressivo, para prevenir hematoma
pós-operatório na região.
Aos exames radiográficos no pós-operatório imediato, pode
ser observado na incidência de Waters e Hirtz que havia satisfatória redução, fixação das fraturas orbitais e reconstrução do
assoalho de órbita.
Após uma semana de pós-operatório, o paciente apresentava
satisfatória cicatrização dos tecidos, com edema compatível
ao ato operatório. Durante todo o controle pós-operatório, o
paciente apresentava-se sem sinais de infecção, extrusão ou
mobilidade do enxerto, e sem queixas de dor ou desconforto
da região operada. A cicatrização das feridas encontrava-se em
bom processo de reparo e a projeção zigomática direita restabelecida. Os movimentos oculares estavam preservados, com
amplitude normal, sem nenhuma complicação oftalmológica. A
cicatrização dos tecidos moles do pavilhão auricular mostrou-se
normal, sem alteração ou deformidade pós-operatória.
A tomografia computadorizada com 14 meses de pós-operatório revelou integração do enxerto de cartilagem aos tecidos
moles periorbitários, com adaptação ao assoalho orbital. No
corte coronal, foi observado o seio maxilar sem evidências de
herniação do conteúdo orbital, e a partir desse corte foi obtida
uma reconstrução tridimensional, em vista frontal, demonstrando boa adaptação e ausência de reabsorção do enxerto no
assoalho da órbita (Figura 2).
O aspecto clínico da área doadora do enxerto apresentouse com ausência de deformidades, cicatriz hipertrófica ou
quelóide e com simetria de ambos pavilhões auditivos no
pós-operatório de 14 meses, demonstrando bom resultado da
reconstrução de assoalho de órbita com cartilagem conchal do
pavilhão auricular.
INTRODUÇÃO
Fraturas orbitais são extremamente comuns, sendo encontradas em quase metade de todos os traumas craniomaxilofaciais1.
Segundo Hammer2, essas fraturas respondem por até 40% do
total de fraturas do esqueleto facial. As fraturas blow-out isoladas
do assoalho orbital representam aproximadamente 21,4% das
fraturas do terço médio da face, necessitando de reconstrução
na maioria dos casos3.
O não tratamento das fraturas de assoalho de órbita pode
trazer sequelas, como enoftalmia e/ou diplopia. A diplopia
pode ser causada por disfunção de músculos extra-oculares,
encarceramento ou bloqueio nervoso, isquemia, hemorragia,
injúria a nervos motores, hipoestesia ou parestesia do nervo
infra-orbitário1,2,4,5. Pode haver aprisionamento dos tecidos moles,
resultando em distúrbios sensoriais, lesões do nervo óptico e
artéria oftálmica, podendo levar a complicações como amaurose,
dacriocistite e restrição dos movimentos do globo ocular3.
Dentre os materiais utilizados para a reconstrução do assoalho
orbitário, os enxertos autógenos são preferidos pela maioria dos
cirurgiões devido a sua eficácia e confiabilidade, com poucos
sinais clínicos de complicações na maioria dos casos2,6,7.
Para tal, muitos locais doadores de enxerto ósseo autógeno
têm sido indicados, incluindo sínfise mandibular8, processo coronóide9, parede anterior do seio maxilar10, calota craniana, crista
ilíaca11 e costela12, cada um com suas vantagens e desvantagens.
Além desses locais doadores, os enxertos de cartilagem retirados
de pavilhão auditivo e septo nasal também são indicados, apresentando bons resultados, apesar de serem pouco frequentes
quanto ao emprego, daí a importância de se publicar os resultados
obtidos neste relato de caso clínico6,7.
Mediante a necessidade de reparo dos defeitos orbitários, este
trabalho teve como proposta elucidar o emprego dos enxertos
autógenos de cartilagem da concha auricular nas reconstruções
de fraturas de assoalho de órbita por meio de um relato de caso
clínico, e ainda revisar a literatura sobre os vários tipos de
enxertos autógenos empregados para sua reconstrução.
RELATO DO CASO
Paciente J.B.R., 32 anos, sexo masculino, vítima de acidente
motociclístico, procurou o Serviço de Cirurgia e Traumatologia
Bucomaxilofacial do Núcleo de Hospital Universitário da UFMS,
com trauma de face, após 5 dias do acidente. Ao exame clínico,
apresentava edema, hematoma, equimose periorbitária, hemorragia subconjuntival e afundamento do complexo zigomáticoorbitário direito. O paciente relatava dor espontânea e parestesia
na região infra-orbitária direita, dificuldade na máxima abertura
de boca, ausência de epistaxe e dificuldade de respiração.
À palpação, observou-se degrau na região do rebordo infraorbitário, na sutura fronto-zigomática e afundamento do arco
zigomático direito, porém, no pilar zigomático-maxilar, não foi
percebida fratura. Ao exame oftalmológico, a acuidade visual,
a motilidade ocular e o reflexo fotomotor estavam preservados,
ausência de diplopia e enoftalmia.
Aos exames radiográficos, observou-se imagem sugestiva
de fratura do rebordo infra-orbitário, velamento do seio maxilar
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Mendonça JCG et al.
Figura 2 - A: Vista frontal da reconstrução computadorizada tridimensional, na qual se observa a manutenção do
enxerto aos 14 meses do pós-operatório (seta); B: Aspecto
clínico pós-operatório de 14 meses. Notar simetria facial,
boa projeção malar e discreta cicatriz dos acessos cirúrgicos (subtarsal e superciliar).
Figura 1 - A: Defeito ósseo em assoalho de órbita direita após a redução e fixação do rebordo orbitário inferior
com miniplaca e parafusos de titânio do sistema 1,5 mm;
B: Template de alumínio no local da fratura; C: Demarcação para a retirada do enxerto do pavilhão auricular; D:
Enxerto posicionado e fixado ao defeito ósseo.
A
B
C
D
A
DISCUSSÃO
O tratamento das fraturas orbitárias exige conhecimento
tridimensional das quatro paredes orbitais, de seu conteúdo,
anatomia dos ossos e de estruturas subjacentes, com a finalidade
de restauração da simetria e funcionalidade facial2. A reconstrução anatômica precisa da cavidade orbitária é essencial para
manter a aparência e a função normal do globo ocular.
Dentre as indicações mais frequentes para o tratamento
cirúrgico na fase aguda desses tipos de fraturas, considera-se
a presença de enoftalmia e da diplopia pós-traumática, sendo
a primeira causada pelo aumento do volume orbitário e consequente retroposicionamento do globo ocular e a segunda pelo
encarceramento do conteúdo orbital na linha de fratura em
direção ao seio maxilar2,4,5,13. Porém, Vieira et al.14 mencionaram que perdas de substâncias do assoalho orbitário devem
ser reparadas precocemente, mesmo sem evidências clínicas de
diplopia e/ ou enoftalmia pós-operatória, como ocorreu no caso
relatado. A herniação dos tecidos orbitais, através dos gaps no
assoalho orbital e pelo deslocamento dos fragmentos ósseos do
rebordo inferior da órbita, justifica o procedimento cirúrgico com
reconstrução do assoalho orbital.
A falha na identificação dessas alterações e no tratamento
da fase aguda dessas deformidades pode causar sequelas
tardias de difícil resolução, como distopia orbitária, enoftalmia
e diplopia por disfunção de músculos extra-oculares, sejam por
encarceramento ou bloqueio nervoso, isquemia, hemorragia,
injúria a nervos motores, hipoestesia ou parestesia do nervo
infra-orbitário2,4,5.
Na literatura há uma grande variedade de materiais autógenos, alógenos e aloplásticos relatados com considerável
sucesso em reconstruções de assoalho orbitário. O material ideal
deve ser fácil de cortar e manipular na sala de operação, devendo
B
ser capaz de modelar-se aos contornos orbitários, além de reter
sua nova forma sem que ocorra um efeito do tipo memória.
Deve permitir fixação ao osso com parafusos, fios de sutura ou
adesivo. Não deve permitir crescimento de microorganismos
e nem promover reabsorção ou distorção do osso e tecidos
subjacentes. Deve ser radiopaco para avaliação radiográfica.
Este material deve ser facilmente removido, se necessário, sem
causar prejuízo aos tecidos ao redor, ser permanentemente aceito,
se reabsorvível, deve ser completamente reabsorvido com nova
formação óssea no local e, por último, disponível em quantidade
suficiente2,9,14. Ainda não existe um único material que tenha
todos estes critérios preenchidos.
Osso autógeno é o material mais comum usado como enxerto
em reconstrução orbitária2,9,14. Porém, esse também possui
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Reconstrução de assoalho de órbita com enxerto autógeno de cartilagem auricular
desvantagens, como morbidade do local doador, aumento do
tempo cirúrgico, reabsorção variável e dificuldade de estabelecer
o contorno orbitário2,9,14. Por outro lado, os materiais aloplásticos apresentam complicações tardias e precoces ainda mais
complexas, incluindo infecção, extrusão, migração, diplopia
residual, edema da pálpebra inferior, ectrópio e reação inflamatória dos tecidos4.
Dentre os enxertos autógenos, os obtidos de cartilagem são
os menos vascularizados, assim, há aumento da sua sobrevida,
sendo a sua reabsorção menor do que ocorre nos enxertos ósseos.
As cartilagens nasoseptal e do pavilhão auricular são enxertos
com alta previsibilidade de duração e adaptação nos defeitos de
assoalho de órbita6,7. Além disso, as áreas de obtenção destas
cartilagens estão próximas ao campo operatório da cavidade
orbital, e podem ser alcançadas sem muito tempo adicional e
alterações do posicionamento do paciente, do cirurgião, ou de
equipe cirúrgica durante o ato cirúrgico7.
Apesar do acesso para retirada dos enxertos de septo nasal
ser escondido por estarem dentro da mucosa nasal, estão mais
susceptíveis à infecção, como criticou Kraus et al.15, no entanto,
os enxertos obtidos de cartilagem do pavilhão auditivo, embora
sejam incisados na pele, estes quando confeccionados na região
posterior do pavilhão auditivo, dentro do ângulo céfalo-conchal,
são imperceptíveis. Da mesma forma, a concavidade anatômica
natural da concha auricular é semelhante à convexidade que o
assoalho orbital também possui6.
O enxerto de cartilagem agrega tanto as vantagens dos materiais aloplásticos quanto dos enxertos ósseos autógenos. No que
tange à adaptação, maleabilidade e facilidade de conformação ao
assoalho orbital em menor tempo cirúrgico são equiparáveis aos
materiais aloplásticos, e se mostram melhores do que os enxertos
ósseos, porque além de apresentarem biocompatibilidade, resistência à infecção e à migração, como os enxertos autógenos,
os de cartilagem possuem menor morbidade cirúrgica, por não
necessitarem de osteotomias e nem da obrigatoriedade de fixação,
como ocorre com os enxertos ósseos6,7,15. Os enxertos de concha
auricular e os de septo nasal têm também a morbidade diminuída
porque a região doadora se encontra próxima do leito receptor15.
No caso relatado, realizou-se a fixação do enxerto de cartilagem com fio de nylon 4-0 ao rebordo orbitário, como defendem
Chang & Manolidis4, porém, vários autores, como Kraus et al.15,
Özyazgan et al.6 e Talesh et al.7 consideraram desnecessária a
fixação dos enxertos de cartilagem, pela satisfatória adaptação
ao defeito ósseo. No entanto, Özyazgan et al.6 observaram em
dois pacientes, após três meses de pós-operatório, que o enxerto
era palpável no rebordo infra-orbitário, o que não foi observado
no caso relatado nesse trabalho.
CONCLUSÃO
De acordo com o caso clínico apresentado, pode-se concluir
que a utilização do enxerto autógeno da cartilagem auricular
na reconstrução de assoalho de órbita mostrou-se eficaz e não
houve complicações. No período pós-operatório de 14 meses, a
tomografia computadorizada comprovou integração e adaptação
satisfatória do enxerto no leito receptor.
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Trabalho realizado no Núcleo de Hospital Universitário “Maria Aparecida Pedrossian” da Fundação Universidade Federal do Mato Grosso do Sul,
Campo Grande, MS.
Artigo recebido: 8/10/2009
Artigo aceito: 16/12/2009
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