0 UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO SEMI-ÁRIDO DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS ANIMAIS CLÍNICA MÉDICA DE PEQUENOS ANIMAIS LÍVIA SATHLER DE ABREU E SILVA TROMBOEMBOLISMO ARTERIAL EM FELINO DOMÉSTICO COM CARDIOMIOPATIA HIPERTRÓFICA: RELATO DE CASO. CURITIBA – PARANÁ 2013 1 LÍVIA SATHLER DE ABREU E SILVA TROMBOEMBOLISMO ARTERIAL EM FELINO DOMÉSTICO COM CARDIOMIOPATIA HIPERTRÓFICA: RELATO DE CASO. Monografia apresentada à Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA), como exigência final para obtenção do título de especialização em Clinica Médica e Cirúrgica de Pequenos Animais. Orientadora: Caminotto CURITIBA - PARANÁ 2013 MSc. Eriane de Lima 1 LÍVIA SATHLER DE ABREU E SILVA TROMBOEMBOLISMO ARTERIAL EM FELINO DOMÉSTICO COM CARDIOMIOPATIA HIPERTRÓFICA: RELATO DE CASO. Monografia apresentada à Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA), como exigência final para obtenção do título de especialização em Clinica Médica e Cirúrgica de Pequenos Animais. APROVADA EM ____/____/_______ BANCA EXAMINADORA ___________________________________________ Orientador – Presidente __________________________________________ Primeiro Membro ___________________________________________ Segundo membro 3 RESUMO A cardiomiopatia hipertrófica (CMH) é a cardiopatia mais comum em felinos domésticos, classificada como uma afecção primária ou secundária do músculo cardíaco, onde uma das principais causas primárias é a falha congênita nas estruturas contráteis de alguns miócitos que sobrecarregam os miócitos normais, provocando sua hipertrofia concêntrica ou pode ser secundária a outras doenças, como estenoses valvulares e hipertireoidismo. Episódios de tromboembolismo arterial também são descritos frequentemente associados à CMH. O objetivo do presente trabalho foi relatar o caso clínico de um felino doméstico, com tromboembolismo na artéria aorta abdominal na bifurcação ilíaca, secundário a cardiomiopatia hipertrófica. Palavras-chave: cardiomiopatia, cardiomiopatia hipertrófica, tromboembolismo arterial. 4 ABSTRACT Hypertrophic cardiomyopathy (HCM) is the most common heart disease in domestic cats, a condition classified as primary or secondary heart muscle, where one of the main root causes is the congenital failure of some myocyte contractile structures that overwhelm the normal myocytes, leading to its concentric hypertrophy or may be secondary to other diseases such as valvular stenosis and hyperthyroidism, for example. Episodes of arterial thromboembolism are also described frequently associated with HCM. The objective of this study is to report the case of a domestic feline, with thromboembolism in abdominal aorta iliac bifurcation, secondary to hypertrophic cardiomyopathy. Key words: cardiomyopathy, hypertrofic cardiomyopathy, arterial thromboembolism. 5 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 6 2 REVISÃO DE LITERATURA 8 2.1 CARDIOMIOPATIA HIPERTRÓFICA 9 2.1.1 Sinais Clínicos 10 2.1.2 Diagnóstico 11 2.1.3 Tratamento 12 2.1.4 Prognóstico 13 2.1.5 Complicações – Tromboembolismo Arterial 13 2.1.6 Achados de necropsia 17 3 DESCRIÇÃO DO CASO CLÍNICO 18 4 DISCUSSÃO 19 CONSIDERAÇÕES FINAIS 20 REFERÊNCIAS 21 6 1 INTRODUÇÃO Entre as cardiopatias de felinos, as doenças do miocárdio (cardiomiopatias) são as mais comuns. A cardiomiopatia ocorre quando há comprometimento funcional ou uma anormalidade no músculo do coração. Ela pode ser de origem primária (idiopática) ou secundária quando identificada uma alteração metabólica, sistêmica ou uma deficiência nutricional. Dependendo do aspecto morfológico e fisiopatológico, a cardiomiopatia pode ser classificada como hipertrófica (CMH), dilatada (CMD), restritiva (CMR), arritmogênica e cardiomiopatia não classificada para casos que não se encaixam perfeitamente em nenhuma das categorias acima (HAGGSTROM, 2006). Recentemente foi incluída na classificação a cardiomiopatia arritmogênica ventricular direita (NOBREGA, 2011). A cardiomiopatia hipertrófica felina é uma doença primária do miocárdio e de etiologia idiopática na maioria das vezes e é caracterizada pela hipertrofia concêntrica dos músculos papilares e das paredes do ventrículo esquerdo, sendo que esta hipertrofia pode ser de leve a grave, sem dilatação do ventrículo. É uma afecção inerente ao miocárdio, não sendo secundária à sobrecarga de pressão ou à estimulação hormonal (MARQUES, 2010). A CMH pode causar arritmias, insuficiência cardíaca congestiva e morte súbita devido à hipertrofia da parede ventricular, que pode ser simétrica ou assimétrica, com diminuição ou não da cavidade. A apresentação das manifestações clínicas é de forma bem variável, relatando casos de animais assintomáticos e que permanecem desta forma durante toda a vida, ou aqueles que apresentam sinais relacionados com insuficiência cardíaca congestiva como dispnéia, ortopnéia, anorexia, vômitos, demonstrando desta forma um acometimento da doença na forma moderada a grave e que muitas vezes poderá resultar em morte súbita, muitas vezes em gatos jovens (JORRO; MANUBENS, 2003). Este trabalho teve como objetivo esclarecer a cardiomiopatia hipertrófica felina e sua complicação mais comum, o tromboembolismo arterial, bem como apresentar um relato de caso 7 de tromboembolismo arterial felino atendido na Policlínica Veterinária da Universidade Estácio de Sá, em Vargem Pequena, no Rio de Janeiro 8 2 REVISÃO DE LITERATURA Cardiomiopatia é o nome dado às doenças que acometem o músculo cardíaco, que é composto por uma parte externa, chamada pericárdio e uma interna, chamada endocárdio, ambas formadas por células chamadas miócitos. As doenças do miocárdio podem ser classificadas de diferentes maneiras. Quanto à etiologia: Primária Idiopática ou Secundária a outras doenças cardíacas ou metabólicas. Quanto à morfologia: Cardiomiopatia Dilatada, Cardiomiopatia Hipertrófica, Cardiomiopatia Restritiva/ Intermediária. Quanto à função: Disfunção Sistólica na Cardiomiopatia Dilatada e Disfunção Diastólica na Cardiomiopatia Hipertrófica, Cardiomiopatia Restritiva e nas Neoplasias infiltrativas (FUENTES, 1993). A cardiomiopatia dilatada se caracteriza por diminuição da fração de ejeção do ventrículo esquerdo, remodelação cardíaca com dilatação do ventrículo esquerdo e insuficiência cardíaca congestiva (BICHARD et al., 2008). Os sinais clínicos que se desenvolvem na insuficiência do lado direito incluem distensão abdominal, em decorrência de ascites, ingurgitamento ou pulsação da veia jugular, hepatomegalia, efusão pleural, edema, efusão do pericárdio e aumento de peso devido à retenção de líquidos. No lado esquerdo incluem tosse decorrente do edema pulmonar, respiração difícil, taquipnéia e dispnéia. Alguns sinais podem ser observados em ambos os lados, como fadiga ou fraqueza, dispnéia de exercício, taquicardia, palidez, aumento do tempo de reposição capilar, cianose, esfriamento das extremidades e perda de peso (TILLLEY, 2003). A mais rara das cardiomiopatias é a restritiva, na qual as paredes do ventrículo tornam-se muito rígidas, diminuindo assim sua complacência, causando uma disfunção diastólica e, em casos mais avançados, sistólica. Na maioria das vezes, os átrios estarão aumentados, enquanto os ventrículos podem ter alteração ou não. Esta cardiomiopatia ocorre de forma idiopática ou devido a causas infiltrativas, causando danos ao miocárdio, que vai ficar espessado e com sua consistência aumentada e muitas vezes apresenta fibrose intersticial difusa ou focal. A 9 manifestação clínica predominante neste caso é a de insuficiência cardíaca congestiva, com dispneia e intolerância ao exercício proeminentes. Pode-se observar também edema postural, hipertensão e fígado aumentado. Em felinos, a cardiomiopatia que mais ocorre é a hipertrófica, e por este motivo será descrita sua fisiopatologia, sinais clínicos, diagnóstico, exames complementares e sua complicação mais comum, o tromboembolismo arterial. 2.1 CARDIOMIOPATIA HIPERTRÓFICA A cardiomiopatia hipertrófica (CMH) tem em sua fisiopatologia o envolvimento de anormalidades tanto sistólicas quanto diastólicas e também isquemia miocárdica. Acredita-se que a disfunção diastólica é o principal mecanismo fisiopatológico das manifestações clínicas da CMH (ABBOTT, 2010). Esta disfunção ocorre por consequência da rigidez do ventrículo e menor capacidade de relaxamento devido à hipertrofia ventricular. Dá-se o nome de disfunção diastólica à capacidade diminuída do ventrículo esquerdo em receber sangue ou preencher-se sem aumento compensatório na pressão do átrio esquerdo. Esta disfunção no ventrículo esquerdo vai retardar o fluxo normal do átrio esquerdo, podendo causar aumento atrial esquerdo, estase circulatória e tromboembolismo. Além disso, esse prejuízo ao enchimento do ventrículo esquerdo pode causar edema pulmonar, e a queda do volume sistólico pode provocar letargia, síncope ou morte súbita (BRIGHT, 2006). A fibrose do tecido cardíaco, o desarranjo dos miócitos e o aumento da massa muscular causam uma rigidez passiva no miocárdio, resultando no aumento da rigidez do ventrículo esquerdo. No caso da doença crônica ainda é possível encontrar danos ao desempenho sistólico, provavelmente devido à extensa fibrose do miocárdio (BRIGHT, 2006). Entre as anormalidades sistólicas, pode-se citar a regurgitação da válvula mitral, sendo que esta é possivelmente secundária à geometria do ventrículo esquerdo ou movimento sistólico 10 anormal da válvula mitral que ocorre por causa do fluxo de saída de alta velocidade no trato do ventrículo esquerdo (BRIGHT, 2006). Animais com cardiomiopatia hipertrófica apresentam menor luz na vascularização coronariana, propiciando a formação de isquemias do miocárdio, aumentando a demanda por oxigênio, causando arritmias (JORRO; MANUBENS, 2003). 2.1.1 Sinais clínicos Gatos com cardiomiopatia hipertrófica leve ou moderada podem ser assintomáticos, bem como alguns gatos com grau mais grave (SCHWARTZ, 2003). Geralmente as cardiomiopatias em felinos são identificadas em exames de rotina, quando na ausculta cardíaca, encontram-se sons de arritmia, sons de galope ou sopro ou quando apresentam sintomatologia tromboembolismo ou insuficiência cardíaca (BRIGHT, 2006). A manifestação mais comum da insuficiência cardíaca por CMH felina é a dificuldade respiratória, podendo apresentar-se por dispneia, ortopneia, anorexia e vômitos, devido ao edema pulmonar ou derrame pleural. Os sinais de insuficiência cardíaca em gatos, normalmente têm início súbito, diferente do observado em cães, que apresentam tosse relacionada a doenças cardíacas. A tosse é raramente observada em gatos (BRIGHT, 2006). Hipotermia e azotemia pré-renal também têm sido observadas em gatos com insuficiência cardíaca. São secundárias à ativação dos sistemas neuro-hormonais, diminuindo a taxa de filtração glomerular, assim causando alterações da função renal e perfusão sanguínea (GOUNI et al., 2008). As síncopes são pouco frequentes, e quando ocorrem, normalmente é devido a taquiarritmias ou a obstrução do trato de saída do ventrículo esquerdo, à situações de estresse ou insuficiência cardíaca congestiva grave. Pode resultar em morte súbita (FUENTES, 1993). 11 Entre outros sinais são encontrados: batimento apical esquerdo forte e um impulso precordial hiperdinâmico. Quando presente uma insuficiência cardíaca congestiva, podem-se observar taquipnéia, abafamento das bulhas cardíacas e/ou ruídos pulmonares ventrais. Também pode estar presente um galope cardíaco, que pode ser intermitente e ter uma intensidade variável. (GOLDSTON; HOSKINS 1999). Quando há tromboembolismo, as manifestações mais comuns são a paresia ou paralisia aguda do membro posterior, pulso femoral fraco ou inexistente, palidez ou cianose nas extremidades, rigidez dos músculos gastrocnêmicos e dor aguda à palpação (FUENTES, 1993). Caso haja insuficiência cardíaca congestiva direita, o pulso jugular será positivo, haverá distensão abdominal por ascite, esplenomegalia e hepatomegalia. Em fases crônicas, frequentemente encontra-se caquexia e desidratação (FUENTES, 1993). 2.1.2 Diagnóstico – exames complementares O exame radiográfico em gatos com cardiomiopatia hipertrófica é pouco sensível, e seus achados podem variar muito, principalmente para a identificação de hipertrofia concêntrica do ventrículo esquerdo. A principal função da radiografia nestes casos é identificar derrame pleural ou edema pulmonar na insuficiência cardíaca congestiva. Em algumas ocasiões pode-se ver a imagem do coração de “São Valentim”, ou “coração romântico” com ápice estreito e base alargada, típica mas não exclusiva da CMH (SCHWARTZ, 2003). A maior parte dos gatos com cardiomiopatia hipertrófica apresenta alguma alteração do eletrocardiograma, porém essas alterações não são suficientes para excluir, confirmar ou classificar as doenças cardíacas nos felinos. No gato, o eletrocardiograma é indicado para avaliar o ritmo dos batimentos cardíacos em condições normais ou quando efeitos de certas doenças sistêmicas entre as quais, doenças que provocam a hipercalemia pois dentre as alterações encontram-se arritmias ventriculares ou supraventriculares (COTE, 2010). 12 As arritmias ventriculares podem ocorrer na presença de hipertrofia ventricular grave, pois esta leva ao surgimento de isquemia, necrose miocárdica e fibrose de miócitos. Outro fator que predispõe à ocorrência das arritmias ventriculares é o infarto do miocárdio, secundário ao tromboembolismo coronariano oriundo de trombo localizado no átrio esquerdo ou aurícula esquerda Taquiarritmias atriais (supraventriculares) podem ser conseqüência do aumento atrial esquerdo (SCHWARTZ, 2003). Apesar de apresentarem alterações no eletrocardiograma, que podem ser úteis para o diagnóstico de CMH, ainda assim não providencia informação necessária capaz de excluir, confirmar ou classificar as doenças cardíacas nos felinos (NOBREGA, 2011). O ecocardiograma é, em termos práticos, o meio preferencialmente utilizado para o diagnóstico de gatos com CMH e na tentativa de sua diferenciação para as outras hipertrofias cardíacas secundárias a doenças metabólicas, infiltrativas, doenças sistêmicas e outras cardiomiopatias (BRANQUINHO et al., 2010). Este exame permite a avaliação anatômica, a medida das espessuras das paredes do septo interventricular e dos ventrículos e tamanho das câmaras cardíacas, existência de trombo cardíaco em átrio ou em aurícula e avaliação da função sistólica e diastólica (BRIGHT, 2006). Na ecocardiografia Doppler, a imagem que aparece em gatos com cardiomiopatia hipertrófica é fluxo sanguíneo turbulento, de alta velocidade na saída do ventrículo esquerdo e/ou direito, sendo os gradientes de pressão estimados pelo Doppler contínuo, com mensurações de velocidade. Através do Doppler (colorido), também pode-se confirmar se há obstrução dinâmica da saída do ventrículo esquerdo e/ou regurgitação de mitral, assim como podemos também quantificar a disfunção sistólica (SCHWARTZ, 2003). 2.1.3 Tratamento Em casos de gatos assintomáticos o uso de beta-bloqueadores como propanolol ou atenolol pode ser útil, bem como inibidores da enzima conversora de angiotensina (ECA). Já em 13 gatos sintomáticos, o tratamento é semelhante ao da insuficiência cardíaca congestiva, com diuréticos, beta-bloqueadores e os inibidores da ECA (CARO, 2008). 2.1.4 Prognóstico O tempo de sobrevivência em gatos com CMH é muito variável (McDONALD, 2010). Vários fatores parecem influenciar o prognóstico, incluindo a velocidade da progressão da doença, a ocorrência de tromboembolismo e/ou arritmias e a resposta à terapêutica médica. 2.1.5 Complicações (TEA) O tromboembolismo arterial (TEA) é definido como a obstrução total ou parcial de uma artéria por um coágulo sanguíneo formado distalmente (CHETBOUL; BIOURGE, 2009). É uma importante complicação da CMH felina e está associada com uma elevada taxa de mortalidade. Tromboembolismo ocorre em aproximadamente 20-50% dos gatos com cardiomiopatia. (MOORE et al, 2000). A patogenia da formação de trombos atriais provavelmente está relacionada à dilatação atrial, fluxo sanguíneo estagnado, redução da contratilidade atrial, exposição das plaquetas ao colágeno subendocardio e outras doenças definidas como fatores hemostáticos particulares dos gatos (BONAGURA; LEHMKUHL, 2006). Essa combinação de fatores tem sido proposta para explicar a razão pela qual os gatos com cardiomiopatia estão em maior risco para a formação do TEA. Em primeiro lugar, é que o dano endotelial secundário à dilatação do átrio esquerdo expõe o colágeno endotelial, que então induz à agregação plaquetária e ativação intrínseca da cascata de coagulação formando um coágulo no átrio esquerdo. Em segundo lugar, o átrio esquerdo aumentado pode causar uma estase sanguínea, finalmente, as plaquetas em gatos são mais sensíveis a serotonina induzindo agregação, tornando mais provável a formação do trombo (MOORE et al., 2000). Uma vez formado o trombo desloca-se do átrio esquerdo, prossegue através do sistema arterial sanguíneo 14 e recoloca-se numa artéria, dependendo do tamanho do trombo, sendo a localização mais frequente a trifurcação da aorta (71%) e a artéria subclávia do membro anterior direito (McDONALD, 2010). Mais importante que a obstrução física ao fluxo sanguíneo na artéria, o trombo liberta aminas vasoativas incluindo tromboxano e serotonina, que causam vasoconstrição massiva das artérias colaterais, comprometendo a perfusão adequada do membro (McDONALD, 2010) O mecanismo de coagulação do sangue implica na formação do ativador de protrombina. Esta substância pode ser formada por duas vias básicas: a via intrínseca (estimulada por traumatismo ou alteração no próprio sangue) e a via extrínseca (estimulada pela lesão vascular). Estas duas vias alcançam uma via em comum, a qual representa a produção de complexo ativador de protombina. A partir daí, ocorre uma série de eventos da coagulação sanguínea, os quais culminam com a formação do coagulo de fibrina (SPINOSA, 1996). No histórico, os sinais relatados no TEA, incluem a inabilidade ao andar, dor grave com vocalização e angústia e padrão respiratório rápido (BONAGURA; LEHMKUHL, 2006). Os sinais clínicos incluem dor, paresia e ausência de pulsos nos membros afetados. Extremidades são geralmente frias cianóticas e pálidas (MOORE et al., 2000). O resultado da auscultação cardíaca depende em parte da experiência do examinador, mas muitas vezes um sopro ou som de galope será detectado. Em alguns gatos, sons cardíacos são notavelmente normais. (BONAGURA; LEHMKUHL, 2006). O diagnóstico do TEA é simples e se baseia em anamnese usual e resultados dos exames físicos, demonstrando uma tríade de doença vascular periférica. (BONAGURA; LEHMKUHL, 2006). Ocasionalmente, identificam-se, pela ecocardiografia, trombos aderidos ao endocárdio do átrio esquerdo, que podem se desprender levando a obstrução da arterial aorta abdominal, na região da trifurcação ilíaca, isso cria o clássico “trombo em sela”. Tromboembolismo e infarto também podem ocorrer nos rins, cérebro, intestino e até no próprio coração (FOX, 2003). Na ultrassonografia abdominal os trombos apresentam-se como uma massa sólida intraluminal de ecogenicidade moderada. A terapia para doença tromboembólica baseia-se em cuidados críticos, o manejo da dor é a principal preocupação durante as primeiras 24 horas. A analgesia deve ser feita com opióides, o butorfanol pode ser administrado na dose 0.1-0.3mg, por via intramuscular ou endovenosa 15 (STRICKLAND, 2007). Se a pressão arterial estiver normal adiciona-se acrepromazina para sedação do paciente e favorecer a circulação colateral, devido a sua ação vasodilatadora. (AUGUST, 2001). A trombólise é a dissolução de trombos dentro do sistema vascular pela plasmina protease. Ainda existe alguma controvérsia no que diz respeito à relação benefício-risco da terapia trombolítica, muitas vezes optando-se por uma prevenção da extensão do trombo (FUENTES, 2009). Agentes farmacológicos incluem plasminogênio, estreptoquinase (anistreplase), uroquinase, ativador do plasminogênio tecidual t-PA (alteplase) e modificado recombinante tPA. Estes agentes variam nas suas propriedades farmacocin’rticas, trombolítica, atividade e especificidade de fibrina. A trombólise terapêutica envolve a administração de doses suprafisiológicas de ativadores de plasminogênio sistemicamente ou localmente no foco da trombose. Porém a experiência veterinária com trombolíticos até o momento é limitado, há relatos envolvendo a estreptoquinase, uroquinase e alteplase. Ensaios clínicos prospectivos são necessários para determinar a segurança e eficácia desses agentes em pacientes veterinários. A estreptoquinase tem sido utilizada tanto experimentalmente e clinicamente em gatos com tromboembolismo aórtico (TEA), embora seu uso foi associado a aumento da mortalidade. (GOGGS et al., 2009). A estreptoquinase não é específica de fibrina e prontamente se liga ao plasminogênio circulante induzindo um potente estado lítico sistêmico. A taxa de sucesso publicada da estreptoquinase no tratamento de gatos com TEA variou entre 0 e 33%. (REIMER, 2006). A Uroquinase converte diretamente o plasminogênio em plasmina, é mais fibrina especifico do que a estreptoquinase, mas tem risco associado de hemorragia. (GOGGS et al., 2009). Também tem diminuído o entusiasmo pela aplicação intravenosa do fator ativador de plasminogênio tecidual, pois é um tratamento caro e dificíl controle ocasionando alta taxa de mortalidade (BONAGURA; LEHMKUHL, 2006). A aspirina, heparina não fracionada (100 a 500 unidades/kg como dose inicial, por via endovenosa), e heparina de baixo peso molecular (mais caro e administrado por via subcutânea) são os fármacos de eleição (ATKINS, 2005; FUENTES, 2009). 16 A heparina ao contrário da estreptoquinase, tem pouca atividade anticoagulante mas combina com antitrombina para evitar mais formação de trombos e também evitar que os trombos já formados, caso ainda não tenham ocasionado, levem a obstrução total do fluxo (GOGGS et al., 2009). Os agentes antiplaquetários são mais adequado para usar a longo prazo para terapia de manutenção e eventualmente em combinação com outras drogas (GOGGS et al., 2009). A aspirina (5mg/gato, q72h) tem sido utilizada durante muitos anos com relativamente poucos efeitos secundários. O pimobendan também tem sido descrito como possível fármaco com propriedades antitrombóticas, o que pode ser pertinente para gatos com ICC. Finalmente, o clopidogrel (18,75 mg/gato, q24h, PO) é um fármaco novo e uma nova esperança na eficácia do tratamento antitrombótico (FRENCH, 2008; FUENTES, 2009; McDONALD, 2010). Dos fármacos antiplaquetários injetáveis apenas abciximab tem sido utilizado com segurança. Eptifibatide causa cardiotoxicidade fatal em gatos (GOGGS et al., 2009). No que diz respeito ao tratamento de eleição para a prevenção do TEA, não existe um consenso (BATY, 2004; FUENTES, 2009). A terapia de suporte inclui o oxigênio que deve ser dado a todo paciente dispnéico ou em hipóxia, utilização criteriosa de fluidoterapia, controle da temperatura corporal (BONAGURA; LEHMKUHL, 2006). Trombectomia tem sido usada com sucesso em pacientes humanos para remover trombos de extremidade e artérias coronárias e cerebral. E é também um meio prático e eficaz de tratamento TEA em gatos, com uma boa taxa de sucesso na dissolução de coágulos (83% dos gatos). Nos seres humanos, este sistema é mais bem sucedido de pacientes com trombose aguda. À medida que o coágulo amadurece, a fibrina, torna-se mais organizada e difícil de interromper (REIMER, 2006). A reperfusão do membro tanto espontânea quanto induzida por fármacos trombolíticos pode ocasionar hipercalemia fatal pela rápida reperfusão do músculo necrosado (BONAGURA; LEHMKUHL, 2006). O risco de um futuro TEA é muito alto (50%) em até seis meses (BONAGURA; LEHMKUHL, 2006). 17 2.1.6 Achados de necropsia A anatopatologia, nenhum padrão morfológico singular pode ser considerado típico ou específico de CMH, havendo uma variabilidade fenotípica extensa, que vai desde o espessamento geral de todo o VE com dilatação do AE ao espessamento relativamente leve de um segmento parietal do ventrículo. Na histologia uma característica típica da CMH é a desorientação das miofibras que aparecem com uma arquitectura celular bizarra e desorganizada (FOX, 2003), identificada como miócitos cardíacos desalinhados, orientados perpendicular ou obliquamente uns em relação aos outros, formando padrões enredados (McDONALD, 2010). 18 3 DESCRIÇÃO DO CASO CLÍNICO Um felino com histórico de dor, vocalização e possível trauma com paralisia dos membros posteriores, sem raça definida, fêmea, de 12 anos de idade, foi atendido na Policlínica da Universidade Estácio de Sá. Ao exame físico, observaram-se taquipneia, moderada desidratação, mucosas hipocoradas, tempo de preenchimento capilar aumentado, ausência de pulso e de sangramento no leito ungueal das unhas dos membros posteriores. Foi feita coleta sanguínea e acondicionamento em tubos de hemograma e bioquímica, devidamente identificados. O animal ficou internado durante 72 horas, quando veio a óbito por parada cardiorespiratória. Foi realizada ultrassonografia abdominal, não foi possível realizar ecocardiograma. No exame post mortem, foi observado um grande coágulo na bifurcação da aorta abdominal e hipertrofia do ventrículo esquerdo, a amostra de tecido cardíaco foi analisada microscopicamente. Entre os achados clinicopatológicos observados, destacaram-se azotemia (uréia = 141 mg/dL, creatinina = 2,0 mg/dL), hipoglicemia (62 mg/dL), hipopotassemia (2,0 mg/dL), hipercalcemia (12,4 mg/dL) e hiperfosfatemia (7,7 mg/dL)). A terapêutica instituída foi oxigenoterapia, fluidoterapia endovenosa com solução glicosada a 5%, heparina (220 UI/kg EV, depois, 100 UI/kg SC TID). O butorfanol para efeito analgésico associado a acepromazina para favorecer a circulação colateral. 19 4 DISCUSSÃO Conforme Bonagura e Lehmkuhl (2006) foi possível suspeitar da presença do TEA através do exame clínico no qual o animal apresentava dor intensa, ausência de pulso femoral, taquipneia, hipotermia, paralisia dos membros posteriores, ausência de sangramento no leito ungueal dos membros afetados. A terapêutica instituída foi oxigenoterapia, fluidoterapia endovenosa com solução glicosada a 5%, heparina (220 UI/kg EV, depois, 100 UI/kg SC TID), segundo Atkins, (2005) e Fuentes (2009) é um fármaco de eleição para o tratamento do TEA. O butorfanol para efeito analgésico associado a acepromazina para favorecer a circulação colateral, devido a sua ação vasodilatadora, onde August (2001) E Bonagura e Lehhmkuh (2006), consideram tal terapêutica. Não foi possível realizar a terapêutica trombolítica descrita por Goggs (2009) devido à inviabilidade de tais medicações na Instituição. A trombectomia citada por Reimer, (2006) também não foi viável uma vez que não havia disponível um profissional apto para tal intervenção. O exame ultrassonográfico abdominal com Doppler revelou ausência de fluxo sanguíneo na artéria aorta abdominal caudal e presença de linha hiperecóica não formadora de sombra acústica imediatamente cranial à bifurcação da aorta ilíaca abdominal, segundo Carvalho (2004), os trombos apresentam-se como uma massa sólida intraluminal de ecogenicidade moderada e ainda relata que, a avaliação ultrassonográfica em alguns casos, pode ser mais sensível que a avaliação clínica. O animal foi a óbito 72 horas após a internação. Ao exame necroscópico foi evidenciado, macroscopicamente, musculatura pálida dos membros posteriores, hipertrofia do ventrículo esquerdo, veia cava congesta, presença de obstrução completa por tromboembolismo arterial na bifurcação da aorta ilíaca abdominal. Gatos com CMH, principalmente os de meiaidade, frequentemente sofrem tromboembolismo arterial, tornando o prognóstico desfavorável. Microscopicamente observaram-se alterações como hipertrofia acentuada e desorganização de miocardiócitos no ventrículo esquerdo, de acordo com Macdonald (2010) e Fox (2003), o desarranjo de miocardiócitos identificado na parede ventricular esquerda é um dos principais achados microscópicos da CMH em gatos, sendo descrito raramente em outras formas de cardiomiopatia. 20 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS O tromboembolismo arterial (TEA) é uma complicação comum na CMH felina, ocorrendo em 20% a 40% dos casos. Esses trombos, normalmente se localizam na trifurcação aórtica distal, artéria braquial, artérias viscerais, como a mesentérica e as renais, e na região das artérias cerebrais. Muitas vezes essa obstrução, total ou parcial estimula a produção de tromboxano e serotonina, substâncias vasoativas, que vão causar constrição das artérias colaterais. Isso faz com que o fluxo sanguíneo para os membros posteriores seja diminuído ou interrompido, culminando em sinais de claudicação e/ou paresia ou paralisia dos membros pélvicos, como descrito neste caso clínico. Além dos locais previamente mencionados, esses trombos podem se alojar em qualquer outra parte do corpo do animal, ocasionando sintomas relacionados ao órgão afetado, às vezes até causando disfunção múltipla dos órgãos. A cardiomiopatia hipertrófica felina é uma doença silenciosa, que pode não apresentar sinais clínicos, e dependendo da localização da formação de trombos, pode levar a óbito rapidamente, como no caso descrito. 21 REFERÊNCIAS ABBOTT, J.A. Feline Hypertrofic Cardiomyopathy: Un update. Veterinary Clinic of North America Small Animal Practice, v. 40, p. 685-700, 2010. ATKINS, C.E. Feline Hypertrophic cardiomyophaty. Proceedings of the World Small Animals Association, 2005. AUGUST, J.R. Consultations in Feline Internal Medicine. 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