SOROS A administração de soros caracteriza a imunização passiva, por meio da qual o organismo humano recebe anticorpos prontos, produzidos artificialmente; Os soros heterólogos são assim denominados porque os anticorpos são obtidos a partir do plasma de doador (principalmente equinos) de espécie diferente do receptor (homem). Os doadores (animais) são previamente estimulados com antígenos (constituídos por pequenas quantidades de toxinas ou toxóides ou venenos) de onde são retirados os anticorpos; Os soros heterólogos em geral são utilizados contra infecções causadas por agentes infecciosos ou contra venenos de animais peçonhentos; São exemplos de soros heterólogos: soro antitetânico, soro antirrábico, soro antidiftérico e soro antipeçonhento. Procedimentos preliminares à administração dos soros heterólogos Atenção e cuidados com as reações nos pacientes São produtos cada vez mais purificados em razão do que se considera rara a possibilidade desses produtos virem a causar complicações graves, tais como o choque anafilático e a doença do soro; Mesmo assim, a administração de soros heterólogos só deve ser feita em Unidade de Saúde preparada para o tratamento de complicações, o que implica na disponibilidade de equipamentos de emergência e na presença de um médico. Quando o serviço não dispõe das condições mínimas de atendimento de emergência a pessoa deve ser encaminhada de imediato a outra Unidade, capaz de garantir a administração do soro com segurança; Antes da indicação de qualquer soro heterólogo deve ser procedida a anamnese, com interrogatório rigoroso dos antecedentes da pessoa, em que algumas informações são fundamentais para orientar a decisão sobre administrar o soro ou encaminhar para outros serviços, tais como: - Se a pessoa, anteriormente, apresentou quadros de hipersensibilidade; - Se a pessoa, em outra oportunidade, já fez uso de soros de origem equina; A equipe deve garantir que os procedimentos prévios a administração do soro sigam rigorosamente a orientação técnica preconizada e deve ficar alerta quanto à presença de reações graves de hipersensibilidade; As reações que podem ocorrer após a administração dos soros heterólogos são, basicamente, de três tipos: - Reações imediatas que se manifestam logo após a administração do soro ou num prazo de 30 minutos até 2 horas, sendo necessário, manter a pessoa na Unidade de Saúde, em observação; - Reações precoces que se manifestam nas primeiras 24 horas depois da administração do soro; - Reações tardias que se manifestam de seis a 12 dias depois da administração do soro (doença do soro). A maior preocupação do profissional de saúde deve recair sobre as reações imediatas de hipersensibilidade, que são estas: - O choque anafilático que ocorre, geralmente, nos primeiros 30’ até 2 horas depois da administração do produto, apresentando como principais sintomas: palidez, cianose, urticária, laringoespasmos, edema de face, hipotensão, choque dentre outros. - A doença do soro cujos sintomas, em geral, aparecem entre o 6º e o 12º dia após a administração do soro e apresenta-se como uma reação de hipersensibilidade, aparecendo, com frequência: cefaléia, febre, astenia, mialgia, dores articulares, exantemas com máculas e pápulas pruriginosas, enfartamento e inflamações ganglionar, nefrite, dentre outros. Os sinais e sintomas observados podem variar, ocorrendo desde manifestações restritas à pele até quadros mais graves de broncoespasmo, edema de glote, hipotensão e choque. Outra complicação relacionada aos soros é a chamada reação de Arthus (processo inflamatório próximo ao local da administração), geralmente em decorrência de múltiplas doses da vacina ou do soro aplicadas; Esta reação distingue-se pelo surgimento de eritema, edema, enduração e petéquias que podem aparecer cerca de 2 horas ou mais (até 12 dias) depois da injeção; Provoca dores intensas com repercussões nervosas e motoras ao longo do membro afetado, podendo causar necrose. Nestes casos, o tratamento é sintomático. Prevenção de reações anafiláticas São adotados alguns cuidados e tratamentos com uso de medicamentos específicos; Os procedimentos básicos para realizar estas atividades são os seguintes: - Lavar as mãos com água e sabão, - Organizar todo o material: seringa, agulha e outros materiais necessários ao tratamento preventivo da anafilaxia: antihistamínico, corticóide, oxigênio, adrenalina, aminofilina, soro glicosado e fisiológico, equipos de soro e material para assistência ventilatória; - Instalar o soro fisiológico na pessoa, garantindo adequado acesso venoso e a manutenção do gotejamento, mesmo depois da administração do soro heterólogo; - Controlar os SSVV, antes de iniciar a administração do soro; - Administrar, 10 a 15 minutos antes de iniciar a administração do soro: * Maleato de Dextroclorfeniramina IM ou IV ou Prometazina IM; *Hidrocortisona EV; *Cimetidina IM ou EV. Administrar o soro prescrito pelo médico, lentamente, por via EV ou IM; Observar continuamente o paciente, por mais ou menos 2 horas, após a administração do soro; Manter AVP com SF0,9%, controlando o gotejamento, SSVV, coloração e temperatura, sinais de inquietação, sudorese, dificuldade respiratória, queda de pressão arterial, pulso fraco, dentre outros. Soro antitetânico (SAT) O SAT é preconizado para a prevenção e o tratamento do tétano; A sua indicação depende do tipo e das condições do ferimento, bem como das informações relativas ao uso anterior do próprio SAT e do número de doses da vacina contra o tétano recebido anteriormente; É apresentado sob a forma líquida, em ampolas de 2,0 e 5,0 (5.000 UI) e 10 ml (10.000UI ou 20.000UI); A dose depende do motivo que justificou a sua indicação: se para uso terapêutico ou profilático; A dose profilática é de 5.000 UI para criança e para adulto. A dose terapêutica é de 20.000 UI. É administrado por via IM; Ao administrar o soro utilizar local diferente daquele utilizado para administração da vacina; A lesão deve ser rigorosamente lavada com água e sabão. A maior quantidade possível da dose prescrita do SAT deve ser administrada no músculo adjacente à lesão; Isso proporciona proteção local, pois impede a disseminação da bactéria (Clostridium tetani) para o SNC e neutraliza as toxinas por ela produzidas. Para administração da SAT e da vacina utilizar diferentes regiões do corpo; Nas crianças menores de 2 anos o soro é administrado na face lateral da coxa; Nas crianças maiores e nos adultos o músculo deltóide deve ser poupado, ficando livre para a administração da vacina; Quando o volume a ser administrado for grande dividi-lo entre os MMSS e a região do vasto lateral da coxa. Soro antirábico (SAR) É indicado para a profilaxia da raiva humana após exposição ao vírus rábico; Sua indicação depende da natureza da exposição e das condições do animal agressor; Na situação de reexposição ao vírus da raiva ou no caso de pessoas que já tenham feito uso do SAR anteriormente: a) não é necessário usar o SAR; b) e a vacina deve ser administrada, conforme descrito a seguir: O SAR é apresentado, sob a forma líquida, em frasco-ampola de 5.0 ml (1.000 UI); A dose é de 40 UI para cada quilo de peso, a dose máxima é de 3.000 UI; A dose pode ser dividida e administrada em diferentes músculos, simultaneamente; É administrado por via intramuscular. A lesão (ou lesões) deve ser rigorosamente lavada com água e sabão; A maior quantidade possível da dose prescrita do SAR deve ser infiltrada na lesão (ou lesões); A infiltração no local do ferimento proporciona proteção local importante, pois impede a disseminação e neutraliza as toxinas produzidas pelo vírus rábico para as terminações nervosas. Esta conduta é fundamental para neutralização local do vírus rábico e se constitui em um procedimento que evita falhas da terapêutica. Nas crianças menores de dois anos o soro é administrado na face lateral da coxa; Nas crianças maiores e nos adultos o músculo deltoide, deve ser poupado, ficando livre para a administração da vacina. Soros específicos contra venenos de animais peçonhentos Ocorrências que se caracterizam por envenenamentos causados por toxinas inoculadas no organismo através das presas de serpentes, de picadas de escorpiões, de aranhas, e por meio do contato de cerdas de lagartas com a pele; Essas ocorrências podem determinar alterações locais ou manifestações sistêmicas, sendo mais graves, de maneira geral, nas crianças com menos de sete anos e nos adultos com mais de 50 anos. Crianças e idosos, devem ser observados rigorosamente para detectar qualquer sinal ou sintoma que indique a necessidade de imediata intervenção; Estão disponíveis soros contra o veneno dos seguintes animais peçonhentos de importância para a saúde pública: a) as serpentes dos gêneros Bothrops (jararaca, jararacuçu, urutu, caiçara); Crotalus (cascavel); Lachesis (surucucu e surucucu picode-jaca); e Micrurus (coral verdadeira); b) os escorpiões do gênero Tityus; c) as aranhas dos gêneros Latrodectus (viúva-negra), Phoneutria (aranha armadeira) e Loxosceles (aranha-marrom); d) as lagartas do gênero Lonomia. O soro é composto de anticorpos prontos e a sua administração caracteriza a imunização passiva, constituindo-se, assim, em tratamento; A soroterapia não produz imunidade permanente e no caso de outro acidente com veneno da mesma espécie de animal peçonhento é necessário repetir a soroterapia; O soro utilizado para neutralizar venenos de animais peçonhentos é obtido a partir do sangue de cavalos hiperimunizados, ou seja, cavalos em que foi inoculado veneno de animal específico pertencente aos seguintes grupos: a) quatro gêneros de serpentes peçonhentas; b) três gêneros de aranhas; c) escorpião; e d) lagarta. Os soros antivenenos são apresentados na forma líquida e cada ampola corresponde a 10 ml; Na embalagem do soro está indicada a concentração neutralizante, ou seja, a quantidade de veneno que será neutralizada; A dose a ser administrada depende de cada acidente e do tipo de animal causador, sendo igual para criança e para o adulto. São fatores importantes na avaliação de cada caso: a) o tipo de animal peçonhento; b) a gravidade; c) as manifestações locais ou sistêmicas; e d) as circunstâncias do acidente. Quando o número de ampolas em estoque for inferior ao recomendado, iniciar a soroterapia com a quantidade disponível enquanto é providenciada a dose (ou doses) para complementar o tratamento. Para que o soro possa neutralizar o veneno e curar o acidentado é necessário que: - Seja específico para o tipo de veneno do animal que provocou o acidente; - Administrado dentro do menor tempo possível, após a picada/ferrada/contato; - Seja administrado na dose necessária de acordo com a gravidade, para neutralizar o veneno circulante; Acidentes causados por serpentes Os soros antiofídicos disponíveis são indicados para os casos de picadas provocadas por serpentes do gênero Botrópico, Crotalus, Lachesis e Micrurus; Os acidentes causados por essas espécies de animais, em geral, são graves, predominando os quadros com manifestações locais e sistêmicas; O tratamento dos pacientes com manifestações sistêmicas, com quadros graves e hemorrágicos, requer internação em UTI. Os soros polivalentes são indicados para os casos em que não foi possível identificar o animal agressor ou, ainda, quando o soro específico não estiver disponível; Na maioria dos casos é possível identificar o animal agressor por intermédio dos sinais e sintomas presentes; Atualmente, estão disponíveis soros polivalentes antivenenos: antibotrópico/ crotálico e antibotrópico/laquético. Acidentes causados por escorpiões O soro antiescorpiônico é indicado para os casos envenenamento causado pela introdução de toxinas através do aparelho inoculador (ferrão) de escorpiões, podendo determinar alterações locais (na região da ferrada) e sistêmicas; Algumas observações acerca desses acidentes são importantes, a saber: As crianças com menos de 7 anos e pessoas idosas devem ser rigorosamente observadas durante seis a 12 horas e, no caso do aparecimento de sinais e sintomas, administrar o soro antiescorpiônico; As crianças com idade entre 7 e 14 anos também devem ser observadas durante 6 horas, no mínimo; Os acidentes em adultos jovens raramente apresentam gravidade, com sintomas que se limitam à dor local, não havendo, na maioria dos casos, necessidade de tratamento específico com o soro, usando-se somente analgésicos. Os sintomas locais têm duração média de até 24 horas; Em crianças as manifestações sistêmicas aparecem até poucas horas depois do acidente (2 a 3 horas) com sudorese, agitação psicomotora, tremores, náuseas, vômitos, sialorréia, arritmia cardíaca, podendo progredir para ICC, edema agudo de pulmão e choque; O tratamento dos pacientes com manifestações sistêmicas e quadros graves requer internação em UTI. O tratamento nos casos leves objetiva tão somente reduzir os sintomas e sinais locais, com uso de anestésicos ou analgésicos sistêmicos; Acidentes causados por aranhas É indicado para os casos de acidentes por picada de aranhas do gênero Phoneutria, Loxosceles e Latrodectus; Os acidentes em geral, não são graves, predominando os quadros com manifestações locais; O tratamento consiste na adoção de medidas gerais para aliviar a dor e prevenir a infecção secundária no local da picada; O tratamento com manifestações sistêmicas com quadros graves e hemorrágicos requerem internação em UTI. Acidentes causados por lagartas O soro antialonômico é indicado para os casos de acidentes causados pelo contato de cerdas de lagartas do gênero Lonomia na pele do indivíduo; Esses acidentes são, em geral, graves, podendo provocar quadros com manifestações locais e sistêmicas que podem levar à insuficiência renal aguda e óbito. O tratamento dos pacientes com manifestações locais consiste na adoção de medidas gerais para aliviar a dor e prevenir a infecção secundária no local do contato; No caso de manifestações sistêmicas, com quadros graves e hemorrágicos, é necessária a internação em UTI; O uso do soro antilonômico deve ser imediato. Os soros antipeçonhentos são administrados por via endovenosa; Não devem ser administrados no local do acidente (picada, ferrada, e contato).