Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Letras e cognição no 41, p. 137-148, 2010 137 OS CAMPOS SEMÂNTICOS E O PROCESSAMENTO COGNITIVO Letícia Lemos Gritti RESUMO Este artigo faz uma revisão bibliográfica a partir da ideia dos campos semânticos, de Saussure (1972), dos protótipos, de Rosch (1978) e Dubois (1990 apud PAIS, 2003), para apontar diversas teorias que reafirmam a prevalência do hemisfério esquerdo e do hemisfério direito, principalmente, no que diz respeito ao armazenamento das associações semânticas. Palavras-chave: Cognição, processamento semântico, campos semânticos. 1 Introdução D esde muito se discute sobre o processamento semântico, o que o envolve, onde se desenvolve e qual teoria melhor se aplica a esse respeito. Embora o significado seja um evento mental, difícil é formalizar o significado. A solução para isso seria adotar a teoria saussureana do signo linguístico, pela qual cada significado corresponderia a um significante. Entretanto, essa “fórmula” traz problemas empíricos e teóricos no sentido de que não existe uma relação unívoca entre um conceito e sua representação linguística. Diante de tamanhos questionamentos, Bloomfield1 afirmou que a descrição linguística deveria ser feita a partir das formas e não dos significados, excluindo, assim, a semântica da linguística. 1 BLOOMFIELD, Leonard. Language. New York: Henry Holt, 1960, [1933]. 138 Gritti, Letícia Lemos Os campos semânticos e o processamento cognitivo Para Fodor2, o processamento linguístico é encapsulado ou vertical, já o significado dos verbos, substantivos e adjetivos se dá por diferentes modalidades, em paralelo, assim, somente os significados dos morfemas, que são puramente gramaticais, estariam no processamento modular e, portanto, dentro da investigação científica. Porém, em 1965, Chomsky passou a incluir a semântica nos estudos linguísticos, mostrando que a estrutura da frase pode ser estudada ao se adotar uma análise fonológica e semântica. Nessa perspectiva, a teoria semântica, nessa corrente, pode dar conta das regras gerais que condicionam a interpretação semântica dos enunciados e, sendo assim, inserida como ciência, tem o intuito de construir um modelo que reproduza a capacidade semântica que um falante tem. Nesse contexto, o presente artigo tem por objetivo fazer um percurso desde os campos semânticos, suas várias teorias e localização, bem como uma discussão da formação dessas associações, até chegar ao processamento semântico. 2 Campos semânticos Foi partindo do pressuposto de que todo item lexical envolve uma rede de traços semânticos, e de que, por isso, integra um determinado campo de significação, que, segundo Lyons3, alguns linguistas das décadas de 1920 e 1930, dentre eles, Ipsen (1934), Porzig (1934), Trier (1934) criaram a teoria dos campos léxicos. A definição dada por Trier apud Lyons4 diz que “os campos semânticos são realidades vivas intermediárias entre palavras (com status isolado) e a totalidade do vocabulário”. Posteriormente, princípios defendidos por Saussure5, tais como sistema, valor, relações paradigmáticas, relações sintagmáticas, fundamentaram a teoria sobre campo. 2 3 4 5 FODOR, J. The Modularity of Mind. Cambridge, Mass.: The MIT Press., 1983. LYONS, John. Semantics. Nova York: Cambridge University Press, 1977. ______. Introdução à Semântica. Lisboa. Presença / Martins Fontes. 1980. Id 1977, p. 253. SAUSSURE, Ferdinand. Curso de Linguística Geral. 3ª ed. São Paulo: Editora Cultrix, p. 135, 1972. Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Letras e cognição no 41, p. 137-148, 2010 139 No interior de uma mesma língua, todas as palavras que exprimem ideias vizinhas se limitam reciprocamente: sinônimos como recear, temer, ter medo só têm valor próprio pela oposição; se recear não existisse, todo seu conteúdo iria para os seus concorrentes. Para Dubois apud Pais6 “a combinação das latências, das saliências e das pregnâncias, três tipos de traços, conduz à construção de um protótipo” em que as pregnâncias seriam traços semântico-conceptuais ou atributos, resultados de escolhas do sujeito-enunciador ou do coletivo, as latências seriam os potenciais traços e as saliências os traços que se destacam por si mesmos. Lembrando que a criadora da teoria dos protótipos foi Rosch7. A prova empírica de que não são aleatórios os processos semânticos é o exemplo de que as pessoas ao lerem “carne” ao invés de “bife”, fazem associações não ao acaso, mas com palavras que levem ao significado da palavra que foi trocada. Da mesma forma, o fenômeno tip of the tongue8 que consiste em a pessoa, ao tentar pronunciar uma palavra, ter dificuldade em evocá-la, enunciando uma série de outras, porém, pertencentes ao mesmo campo semântico: a palavra parece estar na “ponta da língua”. Nesse caso, o indivíduo fica fazendo associações, utilizando quer super-ordenados, ordenados ou infra-ordenados, porém, pertencentes ao mesmo campo semântico, na tentativa de lembrar a palavra requerida. Esse é outro indício empírico para reafirmar a existência dos campos semânticos, pois as palavras buscadas na memória também não são aleatórias, do mesmo modo que na troca da leitura de “bife” por “carne”. Nessa perspectiva, um conjunto de traços, sejam eles semânticos ou conceituais, equivaleria a um modelo mental e, por conseguinte, é necessário entender como isso funciona no interior da mente. 6 7 8 DUBOIS, 1990 apud PAIS, Cidmar Teodoro. “Campos conceptuais, campos lexicais, campos semânticos: da cognição a semiose.”. In: VI Congresso Nacional de Linguística e Filologia, Cadernos do CNLF, ano VI, n.º 07. Rio de Janeiro, p. 75, 2003. ROSCH, Eleanor. “Principles of categorization”. In: E. Rosch e B. Lloyd (orgs.) Cognition and Categorization. Hillsdale, NJ, Erlbaum, 1978. Sobre esse fenômeno ver BROWN, Steven R. & MCNEILL, David. “The Tip of the Tongue Phenomenon”. In: Journal of Verbal Learning and Verbal Behavior. V. 5, p. 325-327, 1966. 140 Gritti, Letícia Lemos Os campos semânticos e o processamento cognitivo 3 Memória semântica É inegável que haja, de fato, campos lexicais ou semânticos, haja vista, que de distintas formas, inúmeros pesquisas comprovaram empiricamente sua existência. Contudo, é necessário ter mais claro onde tudo isso acontece e onde esses traços são estocados. Uma possibilidade seria a de que eles estariam na memória semântica, que, segundo Monteiro9, [...] constitui-se de proposições abstratas genéricas e também relacionais que estão ligadas à organização do léxico mental e ao conhecimento dos demais símbolos verbais. É essa memória que possibilita ao indivíduo a formação de conceitos e a sua atualização no discurso. Na busca por descobrir como os conhecimentos são armazenados na memória, Quillian10, o primeiro a fazer uma tentativa sistemática, pesquisou como estão organizadas as palavras na memória semântica. Para isso, o autor utilizou “o programa computacional de compreensão de linguagem chamado: Teachable Language Comprehender (TLC)”. O programa é baseado numa estrutura de redes e nós. Ele pode comparar palavras de um mesmo campo e localizar as informações semânticas, referentes a elas, determinando quais significações são convergentes ou divergentes. [...] pode-se dizer que o programa relaciona os conceitos associados entre as duas palavras. Por exemplo, utiliza-se o programa para relacionar as palavras “planta” e “humano”. O programa pode responder: “uma planta não é uma estrutura animal”, “o humano é uma estrutura animal. Nesse sentido, quanto mais longe as palavras (localizadas em nós) estiverem, maior seria o tempo de verificação das sentenças. 9 10 MONTEIRO, Rosemeire Selma. A estrutura da memória semântica: os desafios do letramento e da escolarização. Tese de doutoramento apresentada na Universidade Federal de Santa Catarina, p. 9, 2001. QUILLIAN (1968, 1969) apud MACEDO, Celina Maria Ramos Arruda Efeitos do letramento tardio sobre a organização do conhecimento semântico. Tese de doutoramento, Universidade Federal de Santa Catarina, p. 111, 2003. Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Letras e cognição no 41, p. 137-148, 2010 141 Porém, Wittgenstein apud Macedo11, no âmbito dos conceitos, achou que o programa era incompleto, pois a definição dos atributos não levava a considerá-los, ao mesmo tempo, individualmente, necessários e, suficientemente, conjuntivos para todos os conceitos e isso fez com que os modelos de Quillian fossem abandonados. Porém, no campo da Inteligência Artificial (IA), o modelo é considerado muito eficiente. Para alguns autores como Tulving12, a memória semântica, assim como a memória episódica estão contidas na memória proposicional. Para ele, a memória semântica é um repertório estruturado de conhecimentos que um indivíduo possui sobre as palavras e a significação de símbolos verbais. Ela abrange os conceitos, em geral, e a relação entre as palavras. Ou seja, quando se enunciam as palavras “sapato” e “chinelo” e se interroga qual a relação entre elas, obtendo a resposta que são “calçados”, isso faz referência a um conhecimento geral sobre a categoria do que se está enunciando e não uma descrição específica dos calçados. Além disso, também, para o autor, faz parte da memória semântica o conhecimento de regras e fórmulas linguísticas para manipulação dos conceitos. 3.1 Conhecimento semântico Em se tratando do conjunto de traços comuns às palavras, a respeito do conhecimento semântico do indivíduo nessa questão, é possível que isso seja passível de aprendizado ou do próprio conhecimento intuitivo do falante? Nesse sentido, baseada nas pesquisas de Luria apud LURIA13, Monteiro14, dentre outros, fez o teste de emparelhamento de palavras em que o comando era Eu vou te dizer uma palavra, você vai repetir a palavra que eu disser. Depois 11 12 WITTGENSTEIN (1953) Id., 2003. TULVING, Endel. Episodic and semantic memory. New York: Oxford. University Press, 1983. __________. et al. “Hemispheric encoding/retrieval assimetry in episodic memory”. Proceedin13 14 gs of the National Academy of Sciences, USA, 91, 2016-2020, 1994. LURIA (1931-1932) apud LURIA, Alexander R. Cognitive Development. Its Cultural and Social Foundations. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1976. MONTEIRO, Rosemeire Selma. A estrutura da memória semântica: os desafios do letramento e da escolarização. Tese de doutoramento apresentada na Universidade Federal de Santa Catarina, 2001. 142 Gritti, Letícia Lemos Os campos semânticos e o processamento cognitivo eu digo outras duas palavras e você vai me dizer qual delas tem mais a ver com aquela que você repetiu. Os entrevistados foram sujeitos que nunca frequentaram a escola (iletrados), que cursaram no máximo até a quarta série do primeiro grau (semi-letrados), que cursaram até a oitava série do primeiro grau, que cursaram até o terceiro ano do segundo grau e que cursaram o terceiro grau completo. A autora constatou que os sujeitos iletrados, para emparelhar, evocavam eventos de experiências pessoais práticas, funcionais e esquemáticas, enquanto os demais, letrados, utilizavam operações teóricas, taxionômicas, normalmente, aprendidas na escola. Da mesma forma, Macedo15 também desenvolveu uma pesquisa no sentido de descobrir se o conhecimento das associações semânticas estava no aprendizado ou no conhecimento intuitivo do falante. Para isso, a pesquisadora utilizou grupos de adultos iletrados rurais, adultos iletrados urbanos, adultos ex-iletrados, crianças iletradas e crianças em letramento. Dentre outros, os testes aplicados foram os seguintes: a) Teste de associação livre: a concepção desse teste é a de que uma ideia induz a uma outra, o que as torna, neste sentido, ideias associadas. O comando nesse teste foi a seguinte declaração diga o que a palavra, por exemplo, ‘casa’ te faz lembrar; b) Tarefa de seleção: dentre três palavras os sujeitos deveriam emparelhar duas. Nesse, o comando foi a palavra amigo vai melhor com companheiro ou vizinho?. Tanto no teste (a) quanto no teste (b) os adultos ex-iletrados, rurais bem como urbanos, tiveram melhor aproveitamento, assim como nos estudos de Luria e também Monteiro (2001), provando, dessa forma, que o letramento influencia no processo cognitivo da associação semântica. 4 Processamento semântico Aprendidos ou não no processo de letramento, os campos semânticos só se estruturam a partir do momento em que os traços são processados na mente. Na tradução adaptada de Dehaene16, Les neurones de la lecture, desenvolvida 15 16 Id., 2003. DEHAENE, Stanilas. Les neurones de la lecture. Paris: Odile Jacob, 2007. Tradução adaptada de SCLIAR, Leonor, 2009, manuscrito. Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Letras e cognição no 41, p. 137-148, 2010 143 por Leonor Scliar, os feixes das regiões cerebrais responsáveis pelo sentido das palavras localizam-se atrás da circunvolução temporal média, na face ventral anterior do lobo temporal e na parte triangular da região frontal inferior. Essas regiões são ativadas, fortemente, nos testes clássicos de associações semânticas. As regiões associadas ao sentido são consideradas de alto nível de abstração. Joe Devlin e seus colaboradores (apud tradução de Dahaene) fizeram experiências de gatilho para descobrir que regiões detectam que duas palavras tenham o mesmo sentido. Descobriram que, quando duas palavras de sentidos distintos são abordadas, como “mel” e “banco”, a região occípito-temporal média esquerda era mais ativada do que quando palavras sinônimas eram abordadas. É essa região, segundo Dahaene17 e também por estudos, em uma tentativa inicial18 de explicação neuropsicológica, a responsável por codificar o sentido das palavras, mostrando-se sensível, pois, à proximidade semântica das palavras faladas. Sendo assim, essa região “[...] consiste em recuperar, no seio do léxico semântico, os elementos do sentido associados a cada palavra”. Por outro lado, nesse mesmo estudo, o autor afirma que seria ingênuo pensar que o sentido se limita a um pequeno número de regiões cerebrais. A semântica ativa inúmeros neurônios, distribuídos por várias regiões do córtex. Em um momento de trabalho conceitual, feito por uma pessoa, as regiões frontais e temporais esquerdas são as que reúnem os sentidos das palavras para facilitar o acesso aos conhecimentos semânticos, localizados em regiões distantes do córtex, que, segundo o neurólogo Antonio Damásio apud Dahaene19 (tradução adaptada) “[...] trocam os sinais com regiões cerebrais muito numerosas do córtex associativo”. Ao encontro dessas afirmações vêm os estudos sobre demência, que é caracterizada por declínio de memória e déficit de uma ou outra função cognitiva (linguagem, gnosias, praxias ou funções executivas). Caramelli20 & Barbosa apontam que pacientes com demência semântica têm os lobos temporais (so17 18 19 20 Id., 2007 apud SCLIAR, 2009. “No domínio do sentido, a humildade se impõe porque ninguém, de momento, pode pretender ter um modelo neurológico preciso desse misterioso raio de compreensão que faz com que a atividade de um feixe de neurônios, num instante, ‘produza sentido’”. DAMÁSIO, Antonio apud Id., 2007 apud SCLIAR, 2009. CARAMELLI, Paulo & BARBOSA, Maira TONIDANDEL. “Como diagnosticar as quatro causas mais frequentes de demência?” In: Revista Brasileira de Psiquiatria. V. 24 , suppl.1, São Paulo, 2002. 144 Gritti, Letícia Lemos Os campos semânticos e o processamento cognitivo bretudo à esquerda) afetados. Isso foi comprovado pela tomografia por emissão de fóton único (SPECT cerebral) que evidencia a hipoperfusão das regiões acima descritas. O processo é degenerativo e é marcado por déficit de memória semântica. Dessa forma, quando realizados testes de nomeação, categorização semântica e fluência verbal em pacientes com demência semântica, o desempenho é muito baixo. Isso já fora comprovado também por Tulving21. Já para Pan e Berko Gleason apud Monteiro22, [...] a compreensão da linguagem é processada na parte da mente conhecida como área de Wernicke, que é próxima da área das associações auditivas da mente (ver Ranganath e Paller, 1999). Dessa forma, o som de uma palavra evoca uma imagem mental de seus referentes [...]. Porém, sabemos que há conceitos que não evocam nenhuma imagem, tais como os sentimentos. A esse respeito, há também a afasia de Wernicke, em que os indivíduos afásicos possuem dificuldades semânticas. Exemplo disso é o indivíduo que, quando quer expressar a palavra “mesa”, acaba por pronunciar a palavra “cadeira”, ou há a troca de “lua” por “sua” (esse último exemplo não é bom, porque não se trata de troca semântica e sim fonológica). Nesse mesmo sentido, com relação às áreas auditivas, há uma convergência de conclusões. Panagiotis Simos apud Dahaene23 e seus colaboradores da Universidade do Texas fizeram um teste com voluntários em que foram apresentadas palavras pseudo-homófonas, pseudo-palavras e palavras irregulares para evocar os percursos nos canais corticais. A conclusão foi a de que, para processar os três tipos de palavras, mesmo que umas em primeira instância e outras em segunda, foi ativada a região temporal superior, sede das áreas auditivas. Em 1988, pela primeira vez as áreas cerebrais da linguagem foram postas em evidência, através da câmera de pósitrons conforme Petersen et al, apud Dahaene24 (tradução adaptada): 21 22 23 24 Id., 1994. Id., 2001. Id., 2007. Id., 2007, p. 40). Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Letras e cognição no 41, p. 137-148, 2010 145 Pela relação com a fixação de um ponto, a leitura silenciosa (ao alto, à direita) ativa os processos de reconhecimento visual das palavras situadas na parte posterior do hemisfério esquerdo, particularmente as regiões occipitais e a região occípito-temporal ventral. A informação é em seguida transmitida, conforme a tarefa, às regiões implicadas na representação do som (ao alto, à esquerda), da articulação (embaixo, à esquerda) ou do sentido (embaixo, à direita). Por pertencer aos níveis mais altos, maiores são as discussões de como se dá o processamento semântico. Por hora, o acesso ao conhecimento semântico estaria relacionado a várias regiões cerebrais; frontais e temporais esquerdas. Contudo, através dos transtornos de linguagem, pode-se, através de outros testes, chegar a outras constatações. 4.1 Análise do processamento através das lesões Wernicke apud Kandel25 postulou que a seleção de palavras está na área do lobo temporal na sua junção com os lobos parietal e occipital. Também, ao encontro do que já foi dito, essa área é circundada pelo córtex auditivo, afirmando que compreensão e expressão são mediadas por regiões do cérebro distintas. Já Shields26 afirma, com base em experimentos, que crianças com o lado direito lesionado não conseguem compreender metáforas ou humor. A autora coloca em um mesmo grupo a semântica e a pragmática, afirmando que há uma desordem na linguagem, no campo semântico-pragmático. Em consonância, Leal et al, Champagne, Desauels, & Joanette apud Fonseca27, em estudos 25 26 27 WERNICKE, 1875 apud KANDEL, Eric.; SCHWARTZ, James; JESSEL, Thomas. Brain and Behavior. In: Essentials of Neural Science and Behavior. Elsevier, 1985. SHIELDS, James. Semantic-pragmatic disorder: A right hemisphere syndrome? In: International Journal of Language & Communication Disorders. v. 26, p. 383 – 392, december, 1991. LEAL et al (2005), CHAMPAGNE, DESAUELS, & JOANETTE (2001) apud FONSECA, Rochele Paz et al. “Alterações cognitivas, comunicativas e emocionais após lesão hemisférica direita: em busca de uma caracterização da Síndrome do Hemisfério Direito”. In: Psicologia. USP, v.17, n.4, dez, p. 27, 2006. 146 Gritti, Letícia Lemos Os campos semânticos e o processamento cognitivo sobre lesões no lado direito, constatam que os indivíduos com lesão nessa parte do cérebro têm dificuldades em compreender sentenças metafóricas. Nesse mesmo estudo, os autores afirmam que esses indivíduos têm problemas com o julgamento semântico, manifestando pouca identificação de relação semântica entre palavras conforme Nocentini, Goulet, Roberts, & Joanette apud Fonseca et al 28. Uma tecnologia utilizada para as pesquisas sobre o cérebro é a estimulação magnética transcraniana (EMT): trata-se de uma bobina que recebe corrente elétrica, colocada sobre a região do córtex, gerando corrente elétrica dentro do crânio, focalizada em determinadas áreas, podendo produzir uma resposta muscular no membro contralateral. Essa tecnologia, quando utilizada por Mottaghy apud Boggio29, cujo comando era de os indivíduos fazerem uma nomeação de figuras, permitiu constatar que a aplicação no hemisfério esquerdo resultou em diminuição do tempo de reação na nomeação em comparação com a EMT no hemisfério direito. Nessa mesma perspectiva, Martin et al apud Boggio30 estudaram a aplicação da EMT em pacientes que sofreram AVC com afasia crônica. A aplicação foi no hemisfério direito, diariamente, por dez dias. Dois meses após o término do tratamento, nos testes de linguagem sobre nomeação, os pacientes mostraram uma melhora significativa. Outra tecnologia utilizada para testes cerebrais é o Protocole d’Évaluation de la Communication, Protocole MEC, (desenvolvido por um grupo canadense) que, em uma versão adaptada ao Português Brasileiro, chama-se Bateria Montréal de Avaliação da Comunicação - Bateria MAC. O Protocole foi elaborado com o objetivo de avaliar quatro processamentos comunicativos: discursivo; pragmático-inferencial; léxico-semântico; prosódico. Essa bateria foi utilizada por Fonseca31 em sua pesquisa de doutoramento e no teste de julga28 29 30 31 NOCENTINI, GOULET, ROBERTS, & JOANETTE, (2001) apud FONSECA et al, 2006, id. MOTTAGHY, (1999) apud BOGGIO, Paulo, et al. “Estimulação magnética transcraniana na neuropsicologia: novos horizontes em pesquisa sobre o cérebro”. In: Revista Brasileira de Psiquiatria. v. 28, n.1. 2006. MARTIN et al (2004) apud BOGGIO, 2006, id. FONSECA, Rochele Paz et al. “Alterações cognitivas, comunicativas e emocionais após lesão hemisférica direita: em busca de uma caracterização da Síndrome do Hemisfério Direito”. In: Psicologia. USP, v.17, n.4, dez, p. 27, 2006. Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Letras e cognição no 41, p. 137-148, 2010 147 mento semântico32, no processamento de decisões lexicais entre duas palavras menos e mais relacionadas a um terceiro vocábulo alvo, sendo manipuladas as pistas contextuais [...] quanto maior a dependência de significado entre as palavras, maior era a ativação dos eletrodos localizados no hemisfério direito, o que demonstra o papel deste hemisfério no estabelecimento de relações semânticas entre uma ou mais palavras ligadas por um contexto global (por exemplo, relação entre finanças, banco e dinheiro). São as tecnologias a caminho das respostas com relação ao processamento semântico. 5 Considerações finais Inúmeros são os estudos que atribuem, genericamente, o processamento da linguagem somente ao hemisfério esquerdo do cérebro. Contudo, mais especificamente, pode-se perceber, através, dos estudos expostos aqui, que no tocante à semântica, o hemisfério direito também tem sua parcela de contribuição, principalmente, no que diz respeito às associações semânticas. Assim, desde que considerada a semântica uma ciência, refinando-a em direção aos campos semânticos e suas várias teorizações até chegar-se aos dados empíricos, que investigam onde estão estocados e se são ou não aprendidos, partiu-se para as várias discussões que permeiam o processamento semântico. Nesse sentido, foram relatados vários estudos e pesquisas que reafirmam a prevalência do hemisfério esquerdo, mas, também, foram mostrados, em contrapartida, estudos que, através de tecnologias, mostram a participação do hemisfério direito, principalmente, no que diz respeito às associações semânticas, sem poder deixar de destacar que a semântica ativa inúmeros neurônios, distribuídos por várias regiões do córtex e que as regiões frontais e temporais 32 “consiste na habilidade de julgar a relação semântica existente ou não entre duas ou mais palavras ou expressões linguísticas” (JOANETTE et al, 1990 apud FONSECA, 2006, p. 24). 148 Gritti, Letícia Lemos Os campos semânticos e o processamento cognitivo esquerdas são as que reúnem os sentidos das palavras para facilitar o acesso aos conhecimentos semânticos, localizados em regiões distantes do córtex. Ou seja, se há essa ligação, com base nos testes apresentados, é de se considerar que possa haver atividade nos dois hemisférios cerebrais no momento para ativar as relações semânticas. Abstract This article presents a bibliographical review, starting from the idea of semantic fields, by Saussure (1972), of prototypes, by Rosch (1978) and Dubois (1990 apud PAIS, 2003), to point out several theories that reaffirm the prevalence of the left hemisphere and right hemisphere, especially in relation to the storage of semantic associations. keywords: Cognition, semantic processing, semantic fields. Recebido em: 31/03/2010 Aprovado em: 17/06/2010