Afinal, o que é ser um profissional humanizado? Em razão do desenvolvimento tecnológico na medicina, em partícular, alguns aspectos mais sublimes do paciente, tais como suas emoções, suas crenças e valores, ficaram em segundo ou terceiro planos. Apenas sua doença, objeto do saber cientificamente reconhecido, passou a monopolizar a atenção do ato médico, portanto, com esse enfoque eminentemente técnico a medicina se desumanizou. Humanizar o atendimento não é apenas chamar a paciente pelo nome, nem ter um sorriso nos lábios constantemente mas, além disso, também compreender seus medos, angústias, incertezas dando-lhe apoio e atenção permanente. Humanizar também é, além do atendimento fraterno e humano, procurar aperfeiçoar os conhecimentos continuadamente é valorizar, no sentido antropológico e emocional, todos elementos implicados no evento assistencial. Na realidade, a Humanização do atendimento, seja em saúde ou não, deve valorizar o respeito afetivo ao outro, deve prestigiar a melhoria na vida de relação entre pessoas em geral. Entre os tópicos importantes na humanização do atendimento em saúde escolhemos alguns, poucos mas relevantes, para registrar aqui; o interesse e competência na profissão, o diálogo entre o profissional e o usuário e/ou seus familiares, o favorecimento de facilidades para que a vida da pessoa e/ou de seus familiares seja melhor, evitar aborrecimentos e constrangimentos e, por fim o respeito aos horários de atendimento. É claro que o tema aqui abordado é Humanização do Atendimento em Saúde, entretanto, tomandose por base esses cinco quesitos, quem não gostaria de vê-los humanizados em todas as dimensões da vida em sociedade e não apenas no atendimento em saúde. Não encontramos razões plausíveis para que o apelo de humanização seja exclusivo para área de saúde, já que essa área é tão carente em humanização quanto as demais. De modo geral algumas atitudes são diretamente relacionadas ao que se pretende com a Humanização do atendimento: 1 . - Aprimorar o conhecimento científico continuadamente é uma conseqüência do interesse e competência. Entretanto, o conhecimento continuamente adquirido deve o mais global possível, objetivando sempre atender as necessidades gerais dos pacientes, ao invés de se limitar exclusivamente à questão física ou específica da especialidade. Na oncologia, por exemplo, entre outras especialidades, a abordagem da dor e do conforto do paciente deve acontecer paralelamente à utilização dos mais recentes avanços terapêuticos. Deve-se atender também outros aspectos da qualidade de vida, como por exemplo, os efeitos colaterais do tratamento oncológico, a qualidade do sono do paciente, seu estado afetivo, sua sexualidade, apetite, estética, etc. Não se pretende, com isso, que o oncologista tenha todos esses conhecimentos, mas que seja sensível a ponto de facilitar para que o paciente conte com todos esses recursos. 2 . - Aliviar sempre que possível, controlar a dor e atender as queixas físicas e emocionais. A atenção emocional diz respeito à compreensão sensível das queixas do paciente, mesmo que estas não tenham base fisiopatológica ou anatômica. O que está em questão não são os limites dos livros de fisiopatologia, mas sim, a representação da realidade pelo paciente, suas vivências e seu estado existencial atual. O alívio global do paciente nem sempre se proporciona exclusivamente com analgésicos ou outras intervenções técnicas. Para o conforto global é imprescindível o bem estar afetivo, o qual pode envolver a companhia constante de familiares, a atuação de terapeutas, uso de medicamentos antidepressivos e ansiolíticos e outros recursos psicoterápicos e ocupacionais necessários. 3. - Oferecer informações sobre a doença, prognóstico e tratamento. Os profissionais da saúde não devem economizar palavras ou qualquer outra forma de comunicação. O silêncio do profissional é uma das mais importantes queixas dos pacientes e familiares em relação ao mau atendimento.Diante de um profissional calado e silencioso o paciente pode fantasiar para pior o seu estado de saúde, agravando assim seu estado emocional e, conseqüentemente, orgânico. As dúvidas e a carência de informações são as principais causas de não aderência ao tratamento e de procedimentos incorretos por parte dos pacientes, familiares e/ou cuidadores. A falta de diálogo com o profissional da saúde pode ser iatrogênico. Não raras vezes ouvimos de pacientes que o simples contacto com o médico (ou outro profissional da saúde) foi suficiente para que começasse a melhorar. Essa melhora deve-se ao diálogo, à empatia e à comunicação lenitiva do profissional da saúde. 4. - Respeitar o modo e a qualidade de vida do paciente. O tratamento médico deve, prioritariamente, ser uma atitude que visa melhorar a qualidade de vida do paciente, portanto, qualquer limitação ao seu estilo de vida imposta pelo tratamento deve ser evitada (desde que o estilo de vida em questão não seja o objeto do tratamento, como por exemplo, alcoolismo). Alguns profissionais costumam ser insensíveis à esses valores, priorizando seus tratamentos em detrimento da qualidade de vida do paciente. Eles exigem que o paciente seja adequado ao tratamento e não ao contrário, o que seria desejável. O paciente não tem problemas que contra-indiquem o uso social de uma taça de vinho. Então, o médico deve procurar preferir os medicamentos que não comprometam esse agradável e sadio hábito. Nunca me esqueço do hospital onde trabalhava, cujas enfermeiras acordavam os pacientes em sono profundo, às 23 horas, para tomarem o medicamento (sonífero) para dormir. Outro autoritarismo médico que costuma ignorar totalmente a qualidade de vida dos pacientes é o hábito de marcar exames que exigem jejum para os horários da tarde, submetendo o paciente a sofríveis horas de fome. Essas atitudes podem sugerir, às vezes, que a comodidade do médico acaba resultando em grave desconforto ao paciente. Também é o caso, por exemplo, das noções de horário e de desconforto que parecem não existir em alguns colegas médicos. Pacientes são submetidos a esperas intermináveis pelo atendimento, em franco desrespeito aos seus direitos. 5. - Respeitar a privacidade (e dignidade) do paciente. Tem sido tênue os limites entre tudo o que o paciente deve se submeter para melhorar e facilitar o trabalho do médico ou profissional de saúde e aquilo que o profissional quer que o paciente faça apenas para seu conforto e comodidade. Existem em determinados hospitais algumas roupas padronizadas para pacientes que aniquilam totalmente sua dignidade, deixando à mostra sua intimidade para pessoas que nem estão envolvidas na questão do diagnóstico e tratamento. Existem privações, proibições e restrições hospitalares que não resistem ao mínimo questionamento de um simples "porque não posso?". Nunca esqueço de uma conhecida minha que, estando prestes a ser operada de varizes no tornozelo, foi submetida à tricotomia pubiana (raspagem dos pelos) porque havia uma "norma" dizendo: para cirurgias de varizes, deve ser feita a tricotomia. Seria de se perguntar se para varizes do esôfago também deveriam ser raspados pelos pubianos. Ora, essa atitude corresponde a mandar raspar a cabeça de todos que forem submetidos à extração dentária. Algumas atendentes de laboratório mandam o paciente voltar no dia seguinte porque não obedeceram ao jejum e, portanto, não podem retirar o sangue para o exame. E adotam esse procedimento para qualquer exame, mesmo que a alimentação não interfira neste determinado exame. Muitas vezes percebemos que um pouco de disposição e boa vontade evitaria que o paciente perdesse a viagem, evitaria que ele voltasse mais uma vez para atendimento. 6. - Compreender a importância de se oferecer ao paciente um suporte emocional adequado. É alta a porcentagem de pessoas que pioram o quadro e as queixas depois de conversarem com profissionais da saúde, quando a conversa é destituída da sensibilidade necessária ao bem estar emocional e afetivo do paciente. Essa frigidez emocional, comum em ambientes que deveriam confortar, pode resultar em agravamento dos sintomas, desenvolvimento de depressão e ansiedade que comprometem enormemente a recuperação. Ficar lembrando que tal procedimento costuma ser muito doloroso, que tudo depende da biópsia, que isso não costuma ter cura, que as seqüelas são terríveis, e coisas do gênero não contribuem em nada, muito pelo contrário. Não é necessário mentir para que o paciente se sinta bem, mas escolher as palavras para transmitir a verdade é uma questão de vocação, sensibilidade e bom senso. O segredo para um bom diálogo, é imaginar como você gostaria que um profissional em seu lugar dissesse para a senhora sua mãe. Para o suporte emocional é importante favorecer algumas preferências do paciente que não comprometem em nada o andamento do tratamento, como por exemplo, em relação aos acompanhantes, às visitas e outros hábitos costumeiros. Isso tudo, ou seja, a introdução de recursos mais próximos do cotidiano das pessoas, tais como músicas, vídeos, filmes, apresentações, atividades artísticas, lazer, etc, suaviza a característica fria da atenção à saúde e melhora o estado emocional. São mundialmente reconhecidos os benefícios dos "hospitalhaços" e afins na convalescença dos pacientes internados. 7. - A instituição deve oferecer condições de trabalho adequadas ao profissional de saúde. O grau de ansiedade, frustração e descontentamento do profissional (em qualquer área) tende a repercutir em seu trabalho. Há instituições de atendimento à saúde já consideradas humanizadas, porém, algumas vezes essa humanização diz respeito exclusivamente à melhorias da estrutura física dos prédios. Evidentemente que a estrutura física dos imóveis é bastante relevante, mas a humanização da instituição vai além disso. Quando a instituição não oferece condições satisfatórias para seus profissionais, há um risco bastante aumentado do atendimento não se processar satisfatoriamente. Também todo o sistema está envolvido. O sistema deve atender a instituição em suas necessidades básicas administrativas, físicas e humanas. Perspectivas Institucionais de Humanização do Atendimento em Saúde Em 1995 houve uma publicação da revista Veja, matéria de capa, intitulada: UTI, o corredor da vida e da morte. A matéria chocou os profissionais da saúde, pois trazia depoimentos de pessoas que preferiam morrer a terem que se submeter a alguma terapia intensiva, como foi o caso do intelectual Darci Ribeiro. Alguns projetos de humanização vêm sendo desenvolvidos há alguns anos, em áreas específicas da assistência, por exemplo, na saúde da mulher, da criança, entre outros. Atualmente têm sido propostas diversas ações visando à implantação de programas de humanização nas instituições de saúde, especialmente nos hospitais, tal como o Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar (PNHAH) do Ministério da Saúde em 2000, com o objetivo de promover uma mudança de cultura no atendimento de saúde no Brasil (veja abaixo). São vários os projetos e ações que desenvolvem atividades humanizadoras ligadas a artes plásticas, música, teatro, lazer, recreação, incluindo iniciativas do Ministério da Saúde no sentido de valorizar atitudes humanizadas. Para que o trabalho de um profissional seja eficiente e ao mesmo tempo humanizado, em qualquer área e não apenas médica, são necessários conhecimento, qualidade técnica e, indubitavelmente, uma boa qualidade de inter-relação humana. Em medicina, a qualidade exige o desenvolvimento de conhecimentos e de capacidade técnica mas, para a qualidade de inter-relação humana o médico precisa reconhecer e lidar com os aspectos emocionais do paciente, isto é, precisa desenvolver atitudes eficientes e humanas em sua tarefa assistencial. As atuais condições do exercício da medicina não têm contribuído para a melhoria do relacionamento entre médicos e pacientes, nem para o atendimento humanizado e de boa qualidade. E esse quadro atual se estende também a outros profissionais da área de saúde. As dificuldades de humanização começam pelo lado do paciente. É fundamental considerar, para a humanização do atendimento, se o paciente está inserido em um contexto pessoal, familiar e social satisfatório. Esse contexto é indispensável até para a adesão ato tratamento, para a procura do serviço de saúde, para acompanhamento do tratamento. Em segundo, a assistência à saúde deve priorizar as necessidades pessoais e sociais do paciente. Há um bom número de médicos que diagnosticam muito bem e prescrevem tratamentos primorosos, entretanto, não têm a mínima noção (e pior, a mínima preocupação) em saber se o paciente pode adquirir os medicamentos. Como costumam dizer, esse problema não é deles. Ainda tem a questão primordial da instituição. Na instituição interatuam as necessidades de quem assiste e de quem é assistido e a satisfação de quem é atendido, infelizmente, depende, antes, da satisfação de quem atende. Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar Foi criado em 1997 pelo Ministério da Saúde um Programa Nacional de Educação Continuada em Dor e Cuidados Paliativos para os Profissionais da Saúde. Isso visava uma abordagem não apenas técnica, mas sobretudo humana para a questão do sofrimento. Essa preocupação era mais voltada aos pacientes oncológicos, pois, as dores oncológicas representam 5% das dores crônicas. Os estudos têm apontado que a dor oncológica não tem sido adequadamente controlada, não por falta de recursos terapêuticos, mas por avaliação imprecisa do quadro de dor e utilização inadequada do arsenal terapêutico disponível e subvalorização das necessidades do paciente. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que 4,5 milhões de pacientes em países em desenvolvimento e desenvolvidos morrem anualmente sem receber tratamento da dor e sem que lhes sejam considerados outros sintomas tão prevalecentes quanto a dor e que também causam sofrimento. Em 2000, o Ministério da Saúde, sensibilizado pelo número significativo de queixas dos usuários referentes aos maus tratos nos hospitais, tomou a iniciativa de convidar profissionais da área de saúde mental para elaborar uma proposta de trabalho voltada à humanização dos serviços hospitalares e de saúde. Estes profissionais constituíram um Comitê Técnico que elaborou um Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar (PNHAH), com o objetivo de promover uma mudança de cultura no atendimento de saúde no Brasil. O PNHAH propõe um conjunto de ações integradas que visam mudar substancialmente o padrão de assistência ao usuário nos hospitais públicos do Brasil, melhorando a qualidade e a eficácia dos serviços hoje prestados por estas instituições. Seu objetivo fundamental é aprimorar as relações entre profissionais de saúde e usuários, dos profissionais entre si, e do hospital com a comunidade. A implantação do Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar foi resultado do esforço integrado do Ministério da Saúde, Secretarias estaduais e municipais e entidades da sociedade civil. De 2000 ao final de 2002, o Programa deveria ter atingido um conjunto de cerca de quatrocentos e cinqüenta hospitais. Através de normas e orientações o PNHAH se propunha a promover uma requalificação dos hospitais públicos, valorizando assim a dimensão humana e subjetiva presente em todo ato de assistência à saúde. Com este intuito, o Ministério da Saúde concederia o título de "Hospital Humanizado", pelo prazo de um ano, aos hospitais cujo padrão de assistência e funcionamento global estejam em conformidade com os indicadores de humanização e os princípios e diretrizes do PNHAH. O Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais foi um dos primeiros hospitais a fazer parte, oficialmente e sistematicamente, do Programa Nacional de Humanização na Assistência do Ministério da Saúde. Ainda em 2000, foi formada no HC da UFMG uma comissão para sua viabilização e o Programa foi instituído pela Diretoria. Por outro lado, a despeito das elogiosas iniciativas institucionais em relação à humanização do atendimento em saúde, a maiores esperanças e expectativas não estão na intervenção do governo mas, sobretudo, nas escolas de formação dos profissionais da saúde. A formação de profissionais da saúde deve contemplar uma visão antropológica do ser humano, muito além do aspecto fisiopatológico, muito além da formação técno-científica vigente. Bibliografia Sugerida: Portal Humaniza: Psychiatry On-line Brazil http://www.portalhumaniza.org.br/ph/ http://www.portalhumaniza.org.br/ph/texto.asp?id=80 http://www.fhdf.gov.br/mostraPagina.asp?codServico=891