A Lava-Jato e o PIB - Instituto de Economia

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Valor Econômico, 01 de abril de 2016
A Lava-Jato e o PIB
Por: Armando Castelar Pinheiro
Moscou, anos 1980. O líder soviético assistia à parada militar com um
convidado: soldados em formação perfeita, tanques, mísseis balísticos, tinha
de tudo. Ao final, o convidado, visivelmente impressionado, pergunta ao
anfitrião: "Quem são aqueles dois civis ao final do desfile? ". "Ah", responde
o líder, "são dois economistas. Nada se compara ao poder destrutivo dos
economistas".
A piada é antiga, mas retrata bem a crise por que passa o Brasil.
Depois de anos de progresso na economia, bastaram três anos de políticas
heterodoxas para jogar o país na maior recessão de sua história
documentada. Milhares de empresas quebradas, milhões de trabalhadores
desempregados, centenas de bilhões de reais em produção perdida.
Foram dois erros principais. De um lado, adotar a Nova Matriz
Econômica, que preconiza ser possível melhorar o desempenho da economia
estimulando a demanda doméstica via juros baixos, aumento do gasto
público e expansão do crédito. Como se sabe, isso não funcionou, mas deixou
como herança uma situação fiscal muito deteriorada, significativas pressões
inflacionárias e preços relativos fora do lugar. De outro, adotar uma política
industrial que distorceu a alocação de recursos na economia, com impactos
negativos sobre a produtividade do capital e teve um elevado custo fiscal.
A Lava-Jato interrompeu a corrupção e a má gestão, evitando que a
Petrobras tivesse perdas ainda maiores conforme ficaram claras as
consequências dessa "brincadeira", na expressão do ex-ministro Joaquim
Levy, a confiança de empresários e consumidores despencou para níveis sem
precedentes na série histórica. O quadro complicou-se ainda mais quando se
viu que o governo não pretendia alterar a política econômica na direção e
com a intensidade que a crise exigia, como ilustra a decisão de pedir ao
Congresso permissão para ampliar ainda mais seus gastos e com isso
registrar outro déficit primário gigante em 2016.
A partir daí o país mergulhou em um círculo vicioso. A queda da
confiança derrubou os investimentos e o consumo privado, reduzindo o
emprego e elevando a informalidade. Isso diminuiu as receitas tributárias,
aumentando o déficit público, apesar da redução do investimento do
governo. A queda do PIB e a alta do déficit colocaram a dívida pública em
uma trajetória que, se mantida, vai levar ao calote ou à volta da
hiperinflação. A confiança caiu ainda mais, reiniciando o processo.
O governo justifica seu comportamento atribuindo a crise a fatores
fora de seu controle. Durante muito tempo, a culpa era da crise internacional.
Depois, do Congresso, como se este não tivesse aprovado a maioria das
medidas propostas pelo Executivo, inclusive várias que aumentaram
impostos. Mais recentemente, culpa-se a Operação Lava-Jato. Em julho de
2015, a presidente já afirmava que a Lava-Jato tinha causado "uma queda de
um ponto percentual no PIB brasileiro".
Não é só o governo que tem essa visão: várias consultorias atribuem à
Lava-Jato custos ainda mais elevados em termos de queda do PIB. Segundo
relatos na imprensa, a Tendências Consultoria avalia que a Lava-Jato tirou
dois pontos percentuais (pp) da queda de 3,8% do PIB em 2015 (mais da
metade, portanto) e deve subtrair mais 1,2 pp do PIB deste ano. A LCA
estima um impacto igual em 2015, enquanto para a GO Associados a
operação vai subtrair 3,6 pp do crescimento do PIB em 2015-19, sendo pelo
menos metade disso em 2015-16.
Será que então a culpa da crise não é da política econômica, mas
do combate à corrupção? Não, claro que não. Pense só: se amanhã a
Lava-Jato fosse suspensa, será que o PIB ia ter um desempenho bem
melhor do que o previsto? Será que os problemas da Petrobras ou da
economia iam desaparecer? Certamente que não.
As consultorias chegam a essas conclusões por, erradamente na minha
visão, atribuir à Lava-Jato a culpa pela retração dos investimentos da
Petrobras, cujo impacto sobre o PIB é depois potencializado por meio de
multiplicadores diversos.
Ora, a Petrobras cortou investimentos porque precisa poupar caixa, em
função do alto endividamento e dos grandes prejuízos que está tendo. Mas
isso não é culpa da Lava-Jato, mas de má gestão, corrupção, grandes perdas
com a venda de combustíveis abaixo do custo, e da queda do preço do
petróleo. Todos fatores que antecedem e/ou independem da Lava-Jato.
O custo dos malfeitos na Petrobras foi alto: segundo a empresa, a perda
com corrupção e má gestão entre 2004 e 2012 somou R$ 88,6 bilhões (1,6%
do PIB). A esse valor é preciso somar as perdas de 2013-14. O congelamento
de preços de combustíveis custou outros R$ 60 bilhões (1,1% do PIB).
Somando esses custos e usando o multiplicador estimado pela Tendências,
conclui-se que corrupção, má gestão e congelamento reduziram o PIB
brasileiro em 5,6 pontos percentuais, o equivalente a 12 anos de Bolsa
Família.
A Lava-Jato interrompeu a corrupção e a má gestão, evitando que a
Petrobras perdesse ainda mais. Não tivesse a Lava-Jato ocorrido,
provavelmente hoje a Petrobras estaria quebrada. É assustador pensar a
destruição que isso teria causado na economia brasileira.
Armando Castelar Pinheiro é coordenador de Economia Aplicada do
Ibre/FGV e professor do IE/UFRJ. twitter: @ACastelar. Escreve
mensalmente às sextas-feiras.
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