Texto 2 de Arte - Prof.ª Luciana Carvalho – 2ª série do Ensino Médio MANEIRISMO O maneirismo é empregado pela crítica moderna para designar a produção artística, especialmente a italiana, que tem lugar entre 1520 e 1600, isto é, momento que se inicia a crise do renascimento, até o início do século XVII, entre o fim do Alto Renascimento e o início do barroco. Todo esse período foi marcado por uma série de mudanças na Europa, que envolveram os movimentos religiosos reformistas e a consolidação do absolutismo em diversos países. A recuperação da noção como categoria histórica, referida a um estilo específico – que se observa no período entre guerras, sobretudo na década de 1920 – não deve obscurecer sua trajetória tortuosa, marcada por imprecisões e por uma série de conotações negativas. As guerras que envolvem a Itália e posteriormente a força da inquisição irão determinar um grande êxodo de artistas e intelectuais em direção à outros países: “Os grandes impérios começam a se formar, e o homem já não é a principal e única medida do universo”. O termo é popularizado por Giogio Vasari (1511 – 1574) – ele próprio um artista do período – que fala em maneira como sinônimo de graça, leveza e sofisticação, para se referir à maneira de cada artista trabalhar. Umas evidentes tendências para a estilização exagerada e um capricho nos detalhes começam a ser sua marca, extrapolando assim as rígidas linhas dos cânones clássicos. Nos escritos posteriores de Giovanni Pietro Bellori (1613 – 1696) e de Luigi Lanzi (1732 – 1810), a noção aparece ligada à elegância artificial e à virtuosidade excessiva. Essa chave crítica de leitura, que reverbera em diversos estudos posteriores, associa maneirismo à decadência em relação à perfeição clássica representada pelas obras de Michelangelo Buonarroti (1475 – 1564) e Rafael (1483 – 1520). De acordo com essa linhagem crítica, maneirismo aparece como imitação superficial e distorcida dos grandes mestres do período anterior, como abandono do equilíbrio, da proporção e racionalidade cultivados pelo classicismo. “Vácuo entre dois cumes”, “momento de cansaço e inércia que seguiu fatalmente, quase por reação ao esplêndido apogeu das artes na primeira metade do século XVI”, ou “fase de crise”, a história do maneirismo, indica o crítico Giulio Carlo Argan, é inseparável das avaliações negativas que rondam a noção. Nesse sentido se perceberá que o maneirismo tem características variadas, difícil de reuni-las em um único conceito. Muitos críticos consideram que o maneirismo representa a oposição ao classicismo e ao mesmo tempo, manteve-se como tendência artística até o desenvolvimento do Barroco, que marcaria a nova visão artística da igreja Católica, após o movimento de contra reforma. Alguns historiadores o consideram uma transição entre o renascimento e o barroco, enquanto outros preferem vê-lo como um estilo propriamente dito. Despida do sentido pejorativo a ela atribuído pela crítica até o início do século XX, a arte maneirista passa a ser pensada como um desdobramento crítico do Renascimento. O corte com os modelos clássicos se observa, entre outros, pelo rompimento com a perspectiva e com a proporcionalidade; pelo descarte da regularidade e da harmonia; pela distorção das figuras; pela ênfase na subjetividade e nos efeitos emocionais; pelo deslocamento do tema central da composição; pela criação de figuras abstratas, onde não havia relação direta entre o tamanho da figura e sua importância na obra. Criada nos ambientes palacianos para um público aristocrático, a arte maneirista cultiva o estilo e a elegância formais, a beleza, a graça e os aspectos ornamentais. Aspectos maneiristas podem ser encontrados tanto na fase florentina de Michelangelo, quanto no período tardio da produção de Rafael, indicam alguns comentadores, o que leva a pensar essa produção como um deslocamento de certos problemas postos pela arte renascentista. À primeira geração maneirista ligam-se os nomes de Pontormo (1494 – 1557) e Fiorentino Rosso (1494 – 1540), em Florença; o de Domenico Beccafumi (1486 – 1551) em Siena; e o de Parmigianino (1503 – 1540), no norte da Itália. Os murais realizados por Pontormo em Certos adi Val d’Ema, 1522 e 1523 são emblemáticos das opções maneiristas. Neles não se nota nenhum recurso à perspectiva. As figuras, de proporções alongadas e modo antinatural, encontram-se dissolvidas na composição, cujo movimento é obtido pelos contrastes acentuados. A falta de harmonia vem acompanhada por forte intensidade espiritual e expressão emocional, o que leva Erwin Panafsky (1892 – 1968) a localizar neles uma influência de certas obras de Albrecht Dürer (1471 – 1528). Procedimentos e influências semelhantes podem ser observados em trabalhos de Beccafumi, como Descent of Chris tinto Limbo, de 1528. Uma segunda fase do maneirismo aparece associada a trabalhos de Vasari (Allegory of the Immaculate Conception) – em que se notam influências de Michelangelo – e a obras de Agnolo Bronzino (1503 – 1572), como Descent into Limbo, 1552. Este trabalho, que comenta o anterior de Beccafuumi, conhece nova sistematização: mais firmeza dos contornos e ênfase acentuada nos aspectos plásticos da composição. Longe da harmonia clássica, a segunda fase maneirista, nos termos de Panofsky, expõe tensões – por exemplo, as derivadas do jogo entre realidade e imaginação – que são exploradas em seguida pelo barroco. Fora da Itália, o maneirismo é associado à obra de El Greco (1541 – 1614), célebre pelas figuras alongadas pintadas com cores frias que, em sua fase italiana, absorve as inspirações visionárias da obra de Jacopo Tintoretto (1519 – 1594). Os artistas franceses ligados à escola de Fontainebleau conhecem o estilo maneirista por Rosso, que trabalha na decoração da Grande Galeria Real do Palácio de Fontainebleau, entre 1531 e 1540. Nos Países Baixos, o maneirismo se desenvolve principalmente por meio das obras de Bartholomaeus Spranger (1546 – 1611) e Hans von Aachen (1552 – 1615). No campo da arquitetura, o maneirismo conhece a adesão de Giulio Romano, autor da decoração do Palazzo del Tè, iniciado em 1526, na corte de Frederico Gonzaga, Mântua, e de Andrea Palladio (1508 – 1580), responsável por diversos projetos, entre os quais, a Igreja de San Giorgio Maggiori, em Veneza, iniciada em 1566, e o Teatro Olímpico em Vicenza, começado em 1580. A arquitetura maneirista dá prioridade à construção de igrejas de plano longitudinal, com espaços mais longos do que largos, com a cúpula principal sobre o transepto (parte transversal da igreja, que se estende para fora da nave, formando com esta uma cruz), deixando de lado as de plano centralizado, típicas do renascimento clássico. No entanto, pode-se dizer que as verdadeiras mudanças que este novo estilo introduz refletem-se não somente na construção em si, mas também na distribuição da luz e na decoração. Na escultura, o maneirismo segue o caminho traçado por Michelangelo: as formas clássicas soma-se o novo conceito intelectual da arte pela arte e o distanciamento da realidade. Em resumo, repetem-se as características da arquitetura e da pintura. Não faltam as formas caprichosas, as proporções estranhas, as superposições de planos, ou ainda o exagero nos detalhes, elementos que criam essa atmosfera de tensão tão características do espírito maneirista. O espaço não é problema para os escultores maneiristas. A composição típica desse estilo apresenta um grupo de figuras dispostas umas sobre as outras, num equilíbrio aparentemente frágil, unidas por contorções extremadas e exagerados alongamentos dos músculos. A composição é definitivamente mais dinâmica que a renascentista, e as proporções da antiguidade já não são a única referência. O modo de enlaçar as figuras, atribuindo-lhes uma infinidade de posturas impossíveis, permite que elas compartilhem a reduzida base que tem como cenário, isso sempre respeitando a composição geral da peça e a graciosidade de todo o conjunto. É dessa forma que o grande gênio da escultura, Giambologna, consegue representar, numa só cena, elementos iconográficos tão complicados como a de sua famosa obra “O Rapto das Sabinas”. É na pintura que o espirito maneirista se manifesta em primeiro lugar. São os pintores da segunda década do século XV que, afastados dos cânones renascentistas, cria esse novo estilo, procurando deformar uma realidade que já não os satisfaz e tentando revalorizar a arte pela própria arte. Uma estética inteiramente original, distanciada dos cânones clássicos renascentistas, começa a se insinuar dentro das novas obras pictóricas. Pode-se tomar como exemplo uma composição em que uma multidão de figuras se comprime em espaços arquitetônicos reduzidos. O resultado é a formação de planos paralelos, completamente irreais, e uma atmosfera de tensão permanente. Nos corpos, as formas esguias e alongadas substituem os membros bem torneados do renascimento. Os músculos fazem agora contorções absolutamente improprias para os seres humanos. Rostos melancólicos e misteriosos surgem entre as vestes, de um drapeado minucioso e cores brilhantes. A luz se detém sobre objetos e figuras, produzindo sombras inadmissíveis. Os verdadeiros protagonistas do quadro já não se posicionam no centro da perspectiva, mas em algum ponto da arquitetura, onde o olho atento deve, não sem certa dificuldade, encontra-lo. No entanto, a integração do conjunto é perfeita. E é assim que, em sua última fase, a pintura maneirista, que começou como a expressão de uma crise artística e religiosa, chega a seu verdadeiro apogeu, pelas mãos dos grandes gênios da pintura veneziana do século XVI. A obra de El Greco merece destaque, já que, partindo de certos princípios maneiristas, ele acaba desenvolvendo um dos caminhos mais pessoais e únicos, que o transformam num curioso precursor da arte moderna. Ressurreição, 1597-1604 – El Greco Giambologna: O rapto da Sabina, 1582