As Contribuições de Michel Foucault para a Análise da

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As Contribuições de Michel Foucault para a Análise da Ética nas Organizações
Autoria: Luciano Mendes, Elisa Yoshie Ichikawa
Resumo: A intenção, neste ensaio, é explorar as contribuições que as ideias foucaultianas
possibilitam na análise sobre a ética nas organizações, enfatizando também as discussões
atuais sobre a business ethics. Para tanto, o texto tomou como base algumas das obras de
Michel Foucault, fazendo um contraponto com diversos autores, como De George e Lozano,
que trabalham business ethics sob perspectivas como a ética da convicção, a ética da
responsabilidade e a ética da virtude. Sendo assim, uma das primeiras iniciativas nessa linha é
compreender as diferenças e relações entre ética e moral, mostrando que para Foucault a
palavra moral é tributada de ampla ambiguidade, e que, na interpretação dada no presente
artigo, é a que prevalece nas discussões sobre business ethics. Os textos lidos e citados neste
ensaio na linha da business ethics normalmente citam filósofos como Aristóteles e Kant para
lhes dar suporte. No entanto, o que foi possível observar, a partir da exposição de algumas
ideias de Aristóteles e Kant é que, ao contrário da business ethics, não há nenhuma
preocupação explícita desses filósofos com prescrições, como acontece com as discussões
atuais sobre ética nos negócios; muito ao contrário, esses filósofos, ao falarem de ética e das
relações morais, buscam o tempo todo fugir dessas temáticas prescritivas. Além disso, a
preocupação, quando se fala de ética nas organizações, está sempre ligada aos códigos de
ética e regulação de comportamentos, que, na análise ora realizada sobre Foucault, estariam
mais congregados ao contexto moral ou à moralidade dos comportamentos. Isso não quer
dizer que ética e moral servem, na visão de Foucault, a duas temáticas divergentes; pelo
contrário, elas não estão dissociadas. Mas isso quer dizer que, ao analisar a ética e a ética nas
organizações, deve-se levar em conta, e principalmente, os modos de sujeição, pois sem essa
análise há sempre a marginalização do fator principal nas discussões sobre a ética: o sujeito. É
a partir desse ponto que o ensaio adentra mais fortemente nas ideias de Foucault, com
discussões sobre o cogito e o impensando, o duplo empírico-transcendental e os processos de
subjetivação. Para Foucault, observar a problemática da ética e da moral da forma como vem
sendo analisada nos dias atuais é ter a miopia de não evidenciar outras possibilidades, como
se a solução para os problemas éticos e morais fosse, simplesmente, tornar os códigos, leis e
regras de conduta, cada vez mais austeras e punitivas. Na visão de Foucault, a maneira
“moderna” de lidar com a ética e com a moral, é quase que uma subjetivação jurídica. Assim,
este ensaio, a partir de Foucault, mostra as possibilidades de discussões sobre ética que levem
também em consideração as práticas e os modos de subjetivação, pois somente com o acesso
ao sujeito é que a análise da ética nas organizações pode se efetivar, e não somente sobre os
atributos prescritivos que condicionam o seu comportamento.
Considerações Iniciais
Trazer à reflexão o problema da ética nas organizações e nos negócios é visualizar o quanto
esse assunto vem tendo destaque nas discussões acadêmicas, sociais e empresariais nos
últimos anos. Nesta linha, a ética cobre um espectro de temas e discussões infindáveis, que
vão desde os processos de corrupção na administração pública, passando pelas discussões
sobre o meio ambiente e a responsabilidade social, até os problemas financeiros das empresas
(ROBERTSON, 2008). O que se observa no contexto dessas discussões, por mais amplo que
seja a temática adotada em relação à ética, é sempre a transgressão às regras sociais
instituídas.
Neste contexto de transgressão às regras, a necessidade de constituir códigos de ética e ações
condizentes com a moral social se tornou quase que um imperativo nas discussões sobre as
práticas nas organizações e nos negócios. É aqui que surge a terminologia business ethics
(BE), como uma forma de articular a ética aos negócios empresariais. Se a sociedade, nos dias
atuais, sofre com o que se pode chamar de “crise dos valores sociais”, as discussões sobre a
ética nas organizações deixam de ser apenas reflexão sobre o comportamento dos indivíduos
nos negócios, para ser uma variável capaz de gerar também retornos financeiros.
Não obstante, a literatura em torno da business ethics vai produzir e disseminar modelos
elaborados de comportamentos nos negócios que possibilitam avaliar o desempenho ético.
Com a necessidade de permitir que a ética nos negócios se desenvolva no nível prático, ou
seja, estabeleça as discussões filosóficas para a ação nas organizações – como se as discussões
filosóficas fossem aquém ou distantes das discussões práticas – não são raras as prescrições
em tais modelos, como uma tentativa de (re)estabelecer as regras nas relações de negócios.
Apesar da ampla discussão que se tem nos dias atuais sobre a business ethics e dos mais
variados modelos de comportamento nos negócios, as ações antiéticas não pararam de
proliferar, o que faz com que se aumentem essas discussões cada vez mais. Com a intenção de
ir além dessas altercações e contribuir para ampliar a análise da ética nas organizações, é que
esse ensaio se efetiva. Isso, pelo fato de que muitos trabalhos focados na business ethics
marginalizam questões importantes para se entender o problema da ética nas organizações,
como: por que motivos os indivíduos nas organizações possuem uma propensão a agir de
forma antiética? O que faz com que os modelos de comportamento não consigam atingir os
objetivos propostos?
Foi com a intenção de subsidiar possíveis respostas a essas perguntas, que as discussões
produzidas por Michel Foucault sobre a ética, a moral e o sujeito foram importantes para
entender a dinâmica das relações sociais na sociedade moderna. Assim, o objetivo, neste
ensaio, é explorar as contribuições que essas discussões foucaultianas possibilitam na análise
sobre a ética nas organizações, enfatizando as discussões atuais sobre a business ethics. Mas,
antes de entrar nas considerações de Foucault, é necessário trazer à reflexão os pressupostos
em torno da ética e da moral, como forma de aclarar e, principalmente, problematizar essa
discussão sobre a ética nos negócios.
Ética, Moral e a Problematização da Business Ethics
Sendo assim, uma das primeiras iniciativas nessa linha é compreender as diferenças e relações
entre ética e moral. Numa atitude conceitual, Vázquez (1995) mostra que a ética é proveniente
do grego ethos e significa “modo de ser” ou “caráter” enquanto forma de vida conquistada ou
adquirida pelo homem. Já a moral vem do latim mos ou mores, que significa “costume” ou
“costumes”, no sentido de um conjunto de normas ou regras adquiridas por hábito. Essas
definições, já de início, apresentam as diferenças entre ambas. Enquanto a ética está ligada às
atitudes e às ações dos homens (particular ou em grupo) no âmbito social, a moral está ligada
às normas ou regras que regulam essas atitudes ou ações, no sentido de elucidar se elas são
boas ou más, certas ou erradas.
Na visão de Foucault (1984), a palavra moral é tributada de ampla ambiguidade, pois seu
entendimento pode ser diverso. Esse autor salienta que a moral pode estar ligada, por
exemplo, a esse conjunto de regras e valores que são propostos aos indivíduos, que pode ser
proveniente de aparelhos prescritivos diversos, como as escolas, a família etc. Essas regras e
valores podem ser transmitidas de forma explícita – através desses aparelhos prescritivos –
mas Foucault (1984) salienta ainda que elas podem ser transmitidas de forma difusa. Ao
elucidar esse fato, Foucault (1984) mostra que há um jogo complexo de relação no entremeio
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a essas normas e valores, que permite aos sujeitos maneiras diversas de compromisso ou
escapatória desses “códigos morais”.
Além desse entendimento, Foucault (1984) diz que a moral está ligada também ao
comportamento real dos indivíduos em relação a essas regras e valores, ou seja, a moralidade
dos comportamentos. Nesta vertente, a moral está ligada à maneira como os indivíduos ou
grupos se conduzem frente a essas regras e valores, com que margem de variação ou
transgressão eles se submetem aos códigos morais, dos quais eles têm uma consciência mais
ou menos clara.
Trazendo para reflexão o entendimento que Vázquez (1995) tem sobre a diferença entre moral
e ética, as considerações que esse autor faz sobre a moral estão diretamente ligadas ao
primeiro exemplo dado por Foucault (1984), ou seja, a moral vinculada a esse conjunto de
valores e regras. Já a ética, na visão de Vázquez (1995), está vinculada ao que Foucault
(1984) chama de moralidade dos comportamentos. A intenção de trazer essa reflexão é
mostrar que a ética, na visão foucaultiana, está ligada a algo diferente. Isso porque Foucault
(1984, p. 27) diz que:
Com efeito, uma coisa é uma regra de conduta; outra, a conduta que se pode
medir a essa regra. Mas, outra coisa ainda é a maneira pela qual é necessário
“conduzir-se” – isto é, a maneira pela qual se deve constituir a si mesmo
como sujeito moral, agindo em referência aos elementos prescritivos que
constituem o código. Dado um código de ação, e para um determinado tipo
de ação (que se pode definir por seu grau de conformidade ou de divergência
em relação a esse código), existem diferentes maneiras de “se conduzir”
moralmente, diferentes maneiras, para o indivíduo que age, de operar não
simplesmente como agente, mas sim como sujeito moral dessa ação. (...)
Elas concernem ao que se poderia chamar de determinação da substância
ética, isto é, a maneira pela qual o indivíduo deve constituir tal parte dele
mesmo como matéria principal de sua conduta moral.
Neste trecho, Foucault (1984) procura elucidar, inicialmente, diferenças significativas entre
regras, comportamento e maneiras de agir. Enquanto as regras e a moralidade dos
comportamentos, na visão de Foucault (1984), estão imbricadas no entendimento do que seria
a moral, a maneira de “conduzir-se” e de se constituir como sujeito moral é que possibilita o
entendimento da ética. A intenção de mostrar essas considerações é que, ao analisar os
comportamentos nas organizações e evidenciar a transgressão às regras, não se pode deduzir
aí a ética das ações, mas a moral ou moralidade dos comportamentos, pois o nível de análise
não é o sujeito, mas a ação que ele desenvolve em relação a esses códigos morais. Isso
porque, conforme salienta Foucault (1984), existem maneiras diversas de “ser fiel” a essas
regras e valores, maneiras diversas de se relacionar com esses códigos morais, maneiras
diversas de compreender o que seria a ação moral, enfim, maneiras diversas de se constituir
sujeito moral. Esse fato estaria ligado, na visão desse autor, aos modos de sujeição, ou seja, a
maneira que os indivíduos se relacionam com essas regras e como eles se vêem obrigados a
colocá-las em prática.
Aqui é necessário elucidar o contexto de discussão sobre a business ethics. Apesar de, como
salienta Robertson (2008), a business ethics ser um tema controverso e com amplitude e
níveis de discussões diferenciados – passível de ser aplicado a várias temáticas de análises nas
organizações (DAL MAS; PATRUS-PENA; TEIXEIRA, 2009; ALMEIDA, 2007; PANDEY;
GUPTA, 2007; WEMPE, 2007) – o que se torna visível é a prescrição dos comportamentos.
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Isso fica evidente no conceito dado por De George (1995), ao salientar que, num sentido
amplo, a ética nos negócios significa o estudo dos padrões morais e como esses padrões
podem ser aplicados ao contexto das organizações. Essa aplicação fica visível, por exemplo,
nos códigos de ética profissional, na instauração de comitês de ética e na possibilidade sempre
presente de transmitir valores morais através de treinamento nas organizações (modos de
sujeição).
Mas os problemas das discussões sobre business ethics e da afirmação sempre presente de
prescrições a esses modelos aplicados não param por aí. Com a intenção de ampliar o aporte
conceitual e os modelos de análises, autores como De George (1995), Lozano (1999) e
Velásquez (1998), recorrem, constantemente, a filósofos como Aristóteles, Platão e Kant. São
das discussões geradas nos escritos desses filósofos sobre ética e moral que esses autores (DE
GEORGE, 1995; LOZANO, 1999) alocam, ou permitem visualizar a ética sob perspectivas
como: ética da convicção, ética da responsabilidade e ética da virtude. Assim, a partir do
trabalho do Lozano (1999), Dal Mas, Patrus-Pena e Teixeira (2009) colocam que a ética da
convicção estaria expressa nos códigos, missões e valores organizacionais; a ética da
responsabilidade na detecção daqueles indivíduos interessados nas ações geradas pela
organização; e a ética da virtude manifestada na cultura organizacional, ou seja, nas ações
organizacionais cotidianas tomadas pelos valores sociais.
Somente a título de exemplo, vale retomar as concepções aristotélica de virtude e a kantiana
do imperativo categórico. Dois filósofos que viveram em épocas distintas e com questões ou
problemas sociais e individuais também diversos. As transformações geradas ou produzidas
no século XVIII e que influenciaram o pensamento de Emmanuel Kant não são as mesmas
que pronunciavam as reflexões de Aristóteles, mas ambas possuem importância central nas
discussões sobre a business ethics.
Na análise de Aristóteles sobre a virtude, duas coisas são sempre recorrentes: a justiça e a
temperança nas ações. Para esse filósofo, o “homem virtuoso” é aquele que consegue
estabelecer uma relação unívoca entre o prazer e a razão. Isso porque Aristóteles observa duas
faculdades da alma humana: a racional e a irracional. A irracional, que esse filósofo chama de
faculdade desiderativa, é guiada para um fim desejado, que aparece como agradável, ou evitar
o que aparece como doloroso. O homem intemperante, guiado por essa ação irracional,
Aristóteles compara aos animais, por ser conduzido pelo apetite e pelos prazeres sensíveis
(LEAR, 2006; AUBENQUE, 2003).
Ao contrário, os homens guiados pela faculdade racional, julgam o bem e o mal a partir do
que aparece imediatamente como agradável ou penoso. O problema, segundo Aristóteles, não
é o julgamento ou o desejo, mas o conflito que se instaura no desacordo entre eles. Nesta
linha, quando um fim é julgado mau diante da faculdade racional, mas pela faculdade
irracional aparece como agradável, gerando um apetite, é que surge o conflito. Assim, o
homem em sociedade, na análise aristotélica, pensa essas duas faculdades em desacordo,
como se aquilo que produzisse um bem (prazer) do ponto de vista da faculdade irracional,
fosse automaticamente um mal quando observado pela faculdade racional (razão). Mas como
resolver esse impasse? Para Aristóteles, é a através da educação que o homem consegue uma
relação unívoca entre a razão e o prazer. Na linha aristotélica, a educação possui uma
peculiaridade que difere dos modelos e modos de educação que temos hoje. Tanto que, para
esse filósofo, a busca da virtude deveria ser obtida através da gramática, da ginástica, da
música e do desenho (LEAR, 2006; AUBENQUE, 2003).
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Assim, a virtude não é algo natural em Aristóteles, mas ela surge através dos hábitos e da
educação que devem favorecer o que é belo e bom. O sucesso para uma ação virtuosa ocorre
quando o homem sente prazer pelo que é nobre e bom. Nesta linha, os fins desejáveis e
escolhidos por si mesmos, quando independe das circunstâncias ou utilidade que tenham, são
bons e belos (justiça e temperança). Mas Aristóteles não destitui a necessidade de regrar pelas
leis, particularmente na maneira de criar os homens jovens, pois esses homens podem
observar esse agir virtuoso como desagradável, mas deixará de sê-lo quando se tornar
habitual. Aqui, é necessário ressaltar que a lei, na concepção aristotélica, está voltada para
formas particulares de educação no contexto familiar (LEAR, 2006; AUBENQUE, 2003).
Já na concepção sobre os imperativos categóricos de Kant (1992) a ideia de dever é
importante. Antes de chegar a essa determinação sobre os imperativos categóricos, Kant
(1992) analisa o que ele chama de “boa vontade”, no sentido de mostrar que a vontade
humana não se constitui somente a partir dos aspectos negativos, influenciada por suas
inclinações sensíveis, mas por uma lei transcendental da razão que a determine e, assim,
possibilite observar os aspectos positivos. Por esse motivo, a boa vontade na concepção
kantiana não é boa por aquilo que promove ou realiza, nem aptidão para alcançar qualquer
finalidade, mas tão somente pela ação em si mesma. O que Kant pretende dizer – e isso fica
claro no texto de Pimenta (2004) – é que a razão constitui e deve determinar a vontade e isso
realizado através do dever. Assim, a razão ordena ao homem que sua ação seja pensada por
dever a ela, e não pautada por suas inclinações (ou desejos). Até parece que a intenção de
Kant (1992) é tornar a ação humana prescrita, mas isso não se constitui no seu pensamento.
O que Kant pretende, salienta Pimenta (2004), é retirar da causa da ação, da sua intenção
última, qualquer vinculação com o sensível. Isso fica claro num exemplo dado pelo próprio
Kant (1992), ao salientar que numa ação de caridade, quando a pessoa dá algo a alguém por
que isso a faz sentir-se bem ou mais feliz, há aí uma intenção egoísta, o que mostra que essa
ação não foi realizada com dever. Assim, tais ações não podem ser caracterizadas como livres,
pois estão ancoradas em inclinações, desejos e intenções. Aqui reside a dificuldade de
compreender o pensamento de Kant, pois a ação por dever não está fundamentada nessas
inclinações, mas deve estar submetida à lei da razão, que Kant (1992) chama de imperativo
categórico. Mas no que consiste essa lei?
Na ideia kantiana, a lei da razão não está submetida a qualquer fator empírico, mas é na
verdade independente dele, o que possibilita dizer que essa lei não permite qualquer conteúdo
predeterminado. Essa lei universal é obtida através da vontade geral, compreendida como um
procedimento racional de avaliação das ações humanas. Isso não é possível através da
instauração de leis e regras, pois o pensamento kantiano não é prescritivo, ao contrário,
somente na análise daquilo que é realmente válido para todos os seres racionais e que tenha
valor para eles é que se constitui essa universalização. Mas como essa lei universal é
possível? Através do princípio formal da vontade, expresso na frase kantiana de que: devo
proceder sempre de maneira que eu possa querer também que a minha máxima se torne uma
lei universal.
Assim, a lei universal é comparada a uma lei da natureza, pois a ação racional deve ser
entendida como um fim em si, e não como um meio para a obtenção de um fim qualquer
(imperativo hipotético). Nesta linha, o homem, a partir do imperativo categórico, representa
sua existência como um fim em si mesmo, onde as relações com os outros homens devem ser
vistas não como meios para obtenção de algo, mas como dotadas de um valor humano. Para
tanto, na visão kantiana, há a existência de um sujeito universal, mas também de um
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indivíduo, na medida em que somente o próprio sujeito pode avaliar se sua ação foi livre,
moral ou não, pois a vontade está vinculada a uma intenção acessível somente a esse
indivíduo (PIMENTA, 2004; RAWLS, 2005).
Essas duas incursões sobre o pensamento de dois filósofos importantes na discussão da ética e
da moral possibilitam algumas constatações quando esses pressupostos são remetidos para a
discussão da business ethics. Isso porque, como foi possível observar na breve exposição do
pensamento de Aristóteles e Kant, não há, em nenhuma das duas temáticas discutidas,
preocupações explícitas com as prescrições; muito ao contrário, esses filósofos, ao falarem de
ética e das relações morais, buscam o tempo todo fugir dessas temáticas prescritivas, pois só
haverá ação ética quando os comportamentos individuais estiverem condizentes com os
pressupostos sociais. Além disso, a preocupação, quando se fala de ética nas organizações,
está sempre sobre os códigos de ética, regulação de comportamentos etc., que, na análise de
Foucault (1984), estariam mais congregados ao contexto moral ou a moralidade dos
comportamentos. Isso não que dizer que ética e moral servem, na visão de Foucault (1984), a
duas temáticas divergentes, pelo contrário, elas não estão dissociadas. Isso que dizer que, ao
analisar a ética nas organizações, deve-se levar em conta – principalmente – os modos de
sujeição, pois sem essa análise há sempre a marginalização do fator principal nas discussões
sobre a ética: o sujeito ou sujeitos.
Apesar dos códigos de comportamento e dos modos de sujeição – que Foucault (1984) chama
também de formas de subjetivação, que será aprofundado no tópico seguinte – não estarem
dissociados, eles vão se desenvolver com certa autonomia, o que faz com que ao analisar a
ética nas organizações, se privilegie um fator em detrimento do outro. Neste caso, se
privilegia os códigos de comportamento às formas de subjetivação, como se os indivíduos
fossem acondicionados facilmente sob esses códigos instituídos, não restando maneiras de se
escapar ou de negá-los.
Trilhando por esse caminho, outro fator que Foucault (1984, p.28) procura salientar é sobre a
“teleologia do sujeito moral”, ou seja, uma ação não pode ser considerada moral em si
mesma, mas relacionada com o lugar que ocupa no conjunto de uma conduta. Isso que dizer
que, na visão desse autor, a ação, para ser considerada moral, não deve estar reduzida a uma
série de atos conforme as regras, leis e valores, mas ela implica também uma relação consigo,
uma relação com os modos de sujeição ou formas de subjetivação. Essa teleologia do sujeito
moral – corroborando com a discussão anterior – instaura limitações na própria análise dos
comportamentos morais, que elucidam apenas as regras, leis e valores.
Como fica evidente nas temáticas descritas anteriormente sobre o pensamento de Aristóteles e
Kant, a preocupação não está centrada sobre os códigos ou moralidades de comportamento,
pois – como salientado – a virtude em Aristóteles se apresenta como temática vinculada à
justiça e à temperança, assim como na possibilidade de o sujeito se constituir em um ser
moral, através da contemplação do bom e do belo. É isso que Foucault (1984) procura
retomar, ao dizer que:
Ora, parece, pelo menos numa primeira abordagem, que as reflexões morais
na Antiguidade grega ou greco-romana foram muito mais orientadas para as
práticas de si, e para questão da askesis, do que para a codificação de
condutas e para a definição estrita do permitido e do proibido. (...) Mesmo se
a necessidade de respeitar a lei e os costumes é frequentemente sublinhada, o
importante está menos no conteúdo das leis e nas suas condições de
aplicação do que na atitude que faz com que elas sejam respeitadas.
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Tomando a questão da askesis – como forma de entender e problematizar a ideia que Foucault
(1984) elucida nesse parágrafo – que acabou sendo compreendia, na nossa época, tão somente
como a renuncia a si, Foucault (2004) mostra que antes mesmo de ser uma renuncia, ela será a
constituição de si mesmo, como uma tentativa de se atingir uma forma de vida plena, acabada,
completa e auto-suficiente, que seja capaz de produzir a felicidade consigo mesmo. Somente
diante dessa forma de vida é que a renuncia a si vai se efetivar, ou seja, a renuncia de todos os
fatores que estão aquém a essa forma de vida, mesmo que para isso o indivíduo tenha que
renunciar a si.
Esse fato mostra que as práticas de si na Antiguidade grega e greco-romana possuem também
uma austeridade própria, da qual a sociedade atual vai enfatizar vários de seus atributos.
Foucault (2006) apresenta vários exemplos sobre essa austeridade, que numa leitura desatenta
ficará visível uma íntima relação com os códigos morais ou comportamentos prescritos que
conhecemos hoje, tão difundidos nas discussões sobre a business ethics. A análise que
Foucault (2006) faz sobre esses exemplos elucida possibilidades de condutas, que seriam
austeras quando o indivíduo constituía a si mesmo como sujeito moral no entremeio a essas
possibilidades. Aqui, salienta Foucault (2006), os códigos e regras são bastante rudimentares,
pois sua observação é secundária quando comparada ao que é exigido do indivíduo, na
medida em que esse indivíduo se constitui sujeito moral, ou seja, na relação que ele estabelece
consigo mesmo. Nas palavras de Foucault (2006, p. 215), a ênfase é posta então “nas formas
de relação consigo próprio, nos procedimentos e técnicas por meio dos quais ele a elabora,
nos exercícios pelos quais ele se propõe a si mesmo como objeto a conhecer e nas práticas que
permitem transformar seu próprio modo de ser”.
Se essas foram as prerrogativas estabelecidas numa ética grega ou greco-romana, onde as
práticas de si e as maneiras de se constituir sujeito moral eram, antes de tudo, o fator mais
importante do que os códigos morais ou regras de conduta, não é isso que se observa no
contexto de discussões sobre a ética e a moral em sociedade atual. Muito pelo contrário, vai
ocorrer o abandono sistemático dessas práticas de si em favor da leis, códigos e regras de
conduta. Aqui está o cerne da problemática geral em torno do pensamento de Michel
Foucault, pois a grande questão que permeia seus escritos é: o que aconteceu na sociedade
moderna para que houvesse uma mudança geral na maneira de conceber a ética, assim como
na maneira de conceber os sujeitos?
Neste ponto, é indispensável abrir um parêntese. Isso porque questões desse tipo são pouco
desenvolvidas nas práticas e estudos no contexto das organizações. Aceitar que a maneira
como se observa a problemática da ética e da moral nos dias atuais é a maneira que sempre
esteve estabelecida, seja entre os greco-romanos e os estóicos, seja no Cristianismo ou em
nossa sociedade, é ter a miopia para não evidenciar outras possibilidades, como se a solução
para os problemas éticos e morais fosse, simplesmente, tornar os códigos, leis e regras de
conduta, cada vez mais austeras e punitivas. Na visão de Foucault (2006), é essa temática que
domina a maneira “moderna” de lidar com a ética e com a moral, onde a subjetivação
acontece de forma quase que jurídica, em que o sujeito moral está submetido a um conjunto
de leis, sob pena de cometer faltas que o expõe a um castigo.
Sobre essa maneira de lidar com os preceitos morais e éticos, Foucault (1984) evidencia seu
surgimento no desenvolvimento da moral cristã, ou melhor, morais cristãs. Se Foucault
(1984) tem o cuidado de separar – ao mesmo tempo em que relaciona – os códigos morais e
as práticas de si, como dois campos que vão ter significativa autonomia, é com o intuito de
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analisar as modificações, as rupturas e as permanências daqueles fatores que foram se
desenvolvendo, desde o início do século, no interior do Cristianismo. E Foucault (2006,
p.216) coloca que:
Em vez de perguntar quais são os elementos do código que o cristianismo
pôde tomar emprestado do pensamento antigo, e quais são aqueles que ele
acrescentou por sua própria conta, para definir o que é permitido ou o que é
proibido numa ordem constante, conviria perguntar de que modo, na
continuidade, na transferência ou na modificação dos códigos, as formas de
relação consigo mesmo (e as práticas de si que a elas correspondem) foram
definidas, modificadas, elaboradas e diversificadas.
Não é simplesmente sobre uma história das representações ou do comportamento que
Foucault (2006) se debruça, mas sobre uma história dos pensamentos. Não é simplesmente
observar sobre que atributos tais pensamentos são possíveis, mas de questionar e evidenciar
suas definições, modificações, elaborações e diversificações. Se essa temática dos códigos
morais e regras de conduta foi constantemente definida, modificada, elaborada e diversificada
no contexto do Cristianismo, é certo que essas temáticas foram concebidas de formas diversas
pelos gregos e greco-romanos, como foi possível constatar anteriormente. A questão que
surge neste ponto é: como se constituem as práticas de si e os modos de subjetivação em
nossa sociedade, onde essa temática das leis e códigos morais – impulsionada pelo
Cristianismo – pôde obter seu ápice? Que tipo de modificações ocorreu na sociedade moderna
para que os problemas referentes à ética e à moral fossem colocados de forma diversa dos que
foi constatado nas práticas de si dos gregos?
Como forma de responder a essas questões, Foucault (2006) diz que num projeto de uma
historicidade do sujeito moral há a necessidade de trabalhar três eixos: (1) a formação dos
saberes, (2) os sistemas de poder que regulam suas práticas e (3) as formas nas quais os
sujeitos podem e devem se reconhecer como sujeito. Sobre esse último eixo é que as
discussões realizadas até este ponto se efetivam, pois foi possível constatar que, entre os
gregos e greco-romanos, essas formas de sujeições estiveram vinculadas às práticas de si,
enquanto na sociedade moderna esse reconhecimento está estabelecido sobre os códigos de
conduta e a moralidade dos comportamentos. Mas para entender o “porquê” esses códigos de
conduta tiveram êxito na sociedade moderna, é necessário entender a emergência do sujeito
moderno e as implicações sobre ele constituídas no que tange à ética e à moral.
O Sujeito Moderno, a Moral e a Ética na Modernidade
Aqui é importante trazer para a reflexão a problemática do sujeito moderno, que Foucault
(1999) desenvolve em sua arqueologia das ciências humanas. Na visão desse autor, o homem
é uma forma recente enquanto figura positiva no âmbito do conhecimento, pois antes do
século XVIII ele não existia. Para chegar a essa constatação, Foucault (1999) empreende uma
análise sobre os conhecimentos que possibilitaram o surgimento desse homem como figura
positiva, no sentido de buscar que conhecimentos dominaram cada época, vislumbrando a
epistéme que se formava a cada tempo. Nesta linha, Foucault (1999) vislumbra três grandes
épocas do saber: da semelhança, da representação e da história. Neste contexto, Foucault
(1999) analisa também a sucessão de três grandes domínios do saber, que vão se formar na era
da representação e vão se alterar radicalmente na era da história.
A mudança entre a era da semelhança para a era da representação, na visão de Foucault
(1999), ocorre a partir do século XVII e vai se estender até meados do século XVIII. Se na era
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da semelhança as formas de conhecimento procuravam buscar o que havia de relação entre as
coisas, na era da representação essa confusão vai ser “organizada”, pois o intuito do
conhecimento será buscar a identidade e a diferença, a medida e a ordem. É nessa dobra do
saber que se afloram três discursos sobre o saber: a gramática geral, a história natural e a
análise das riquezas. Nesta linha, o papel desempenhado pela gramática geral foi o de buscar,
através das palavras, a representação de cada coisa. Com essa separação entre palavras e
coisas, foi possível observar e recolher os seres pelos signos com os quais eles são
representados, permitindo à história natural descrever os animais e plantas, encaixando-os
num quadro geral classificatório. Se nesta época foi possível realizar a classificação e o
agrupamento de animais e plantas, então foi possível também a análise da riqueza constituir
signos para categorias como: moeda, troca, renda etc., permitindo avaliar o aumento ou não
da riqueza.
Essa ordem do saber sofre uma alteração radical em meados do século XVIII, que se constitui
numa nova era produzida pela história. Nesta era, salienta Foucault (1999), a história se
desenrola numa série temporal que permitiu avaliar as organizações distintas. Aqui, a
gramática geral, a história natural e a análise das riquezas dão lugar à filologia, à biologia e à
economia, respectivamente. No contexto de mudança da gramática geral para a filologia, a
linguagem já não será simplesmente um sistema de representação, mas vai designar ações,
estados, vontades etc. No deslocamento da história natural para a biologia, o saber constituído
já não será simplesmente de desenvolver o quadro geral classificatório, mas a vida será o fator
central, pois só há ser porque há vida. Na transição entre a análise das riquezas e a economia,
não será apenas a representação de categorias que vai permitir analisar a riqueza, mas a
história instituída no contexto da economia vai permitir analisar fatores de produção,
acumulação e crescimento dos custos reais.
Com a formação dessa ordem do saber e a mudança nesses três domínios, é o homem surge
como figura positiva. Isso porque, esses três domínios do saber, que permitiram pensar sobre
as coisas produzidas pelo homem, vão permitir também pensar também sobre o que é o
homem. A partir do século XIX, o homem desponta como figura positiva, e biologia, filologia
e economia vão possibilitar pensar o homem enquanto ser que vive, trabalha e fala. Diante
dessa discussão, o homem desponta com uma posição ambígua, enquanto sujeito que
conhece, assim como objeto de conhecimento. É nessa ambiguidade que é possível pensá-lo
como ser finito, marcado pela repetição, que coloca no mesmo plano a identidade e a
diferença, entre o positivo e o fundamental, ou seja, Foucault (1999) observa o sujeito
moderno como um duplo empírico-transcendental, um ser que nele se tomará conhecimento
do que torna possível todo conhecimento.
Ainda nessa posição ambígua, Foucault (1999) vislumbra também o problema do retorno e
recuo à origem, além do problema do cogito e do impensado. Na linha sobre o retorno e recuo
à origem, Foucault (1999) visualiza que os conhecimentos, que permitiram observar o homem
como figura positiva, surgiram numa época em que ele não existia. Assim, o homem se vê
ligado a uma historicidade a qual não pertence e, por esse motivo, quando busca sua origem,
não faz nada além do que encontrar seus conteúdos cada vez mais distantes, sem nem ao
menos descobrir essa origem.
No contexto do cogito e do impensado – discussão central para o problema da ética e da moral
em nossa sociedade – Foucault (1999) diz que o homem e o impensado são contemporâneos,
pois se não houvesse o que ser descoberto no homem, ele não teria surgido para o saber
moderno. Assim, o cogito moderno não será a descoberta iluminadora de que todo
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pensamento é pensado, mas a interrogação sempre recomeçada para saber como o pensamento
habita o impensado. Nesta vertente, Foucault (1999) se distancia das considerações kantianas,
pois não se trata mais das possibilidades de um conhecimento, mas daquele desconhecimento
primeiro, que coloca o homem numa retomada constante do impensado.
Nesta dinâmica, Foucault (1999) salienta que o “Eu penso” no cogito moderno já não conduz
a evidência do que “Eu sou”, pois o “Eu penso” está imbricado numa vigília sonolenta que
não permite dizer o que “Eu sou”. Nas palavras de Foucault (1999, p.452), “o essencial do
pensamento é ser, ao mesmo tempo, saber e modificação do que ele sabe, reflexão e
transformação do modo de ser daquilo sobre o qual ele reflete”. Se o “Eu penso” escapou ao
“Eu sou” é porque o pensamento coloca em movimento tudo aquilo que toca, não podendo
descobrir o impensado sem antes aproximá-lo de si. A retomada de Foucault (1999) sobre
essa relação entre o “Eu penso” e o “Eu sou” na sociedade moderna está intimamente ligada a
suas considerações e seu empreendimento de retorno a uma moral grega ou greco-romana,
como ficará claro mais adiante. Isso pelo fato de que, nestas sociedades antigas, a centralidade
das práticas de si e da austeridade com o sujeito estava diretamente alocada numa vigília
constante do próprio sujeito sobre aqueles fatores escolhidos na condução de suas atitudes,
atributo central para se falar da ética. Na sociedade moderna, essa forma de constituição do
sujeito a partir das práticas de si desvanece, pois o homem desenvolve uma série de conteúdos
acoplados sobre sua subjetividade que, para controlar essas manifestações, é necessário
instituir normas de conduta cada vez mais explícitas e austeras. Isso fica claro na seguinte
passagem do texto de Foucault (1999, p.452), ao salientar que:
O pensamento moderno jamais pôde, na verdade, propor uma moral: mas a
razão disso não está em ser ele pura especulação; muito ao contrário, desde o
início e na sua própria espessura, ele é um certo modo de ação. Deixemos
falar aqueles que incitam o pensamento a sair do seu retiro e a formular suas
escolhas; deixemos agir aqueles que querem, sem qualquer promessa e na
ausência de virtude, constituir uma moral. Para o pensamento moderno, não
há moral possível, pois, desde o século XIX, o pensamento já “saiu” de si
mesmo em seu ser próprio, não é mais teoria; desde que ele pensa, fere ou
reconcilia, aproxima ou afasta, rompe, dissocia, ata ou reata, não pode
impedir de liberar ou de submeter. Antes mesmo de prescrever, de esforçar
um futuro, de dizer o que é preciso fazer, antes mesmo de exortar ou
somente alertar, o pensamento, ao nível de sua existência, desde sua forma
mais matinal é, em si mesmo, uma ação – um ato perigoso.
Apesar de longa essa passagem da obra de Foucault (1999), sua importância é central para os
propósitos aqui. Mas, antes de adentrar especificamente sobre os fatores que podem ser
elucidados, é necessário retomar o problema do impensado, central para entender o que
Foucault (1999) está enfatizando nesse trecho. Se o pensamento estabelece uma relação com o
impensado, no sentido de uma reativação constante dos conteúdos colocados à reflexão pelo
homem, há sempre a possibilidade de descobrir novas formas de reconhecê-lo e que de tudo
lhe escapa. Foucault (1999) mostra que essas novas formas de reconhecer o homem são
provenientes do perigo que tem de descobrir no homem aquilo que jamais podia ser dado à
sua reflexão. Nesta linha de pensamento, Foucault (1996) diz que, se há maneiras diversas de
descobrir no homem sempre novas formas, então essas maneiras poderiam não passar de
invenções constantes sobre o que é homem.
Essa afirmação coloca o homem numa maquinaria dos “jogos de verdade”, que instaura
maneiras constantes de atualizar o que é o homem em seu ser. Isso faz com que apareça –
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também na era moderna – uma hermenêutica do sujeito, que longe de ser um conhecimento de
si para consigo, é um conhecimento sobre o que é o homem e quais são seus atributos. É aqui
que Foucault (1999) mostra o surgimento das chamadas ciências humanas, que vão se
empenhar para descobrir a verdade desse ser inacabado, sem nem ao menos pensar que essa
descoberta acaba colocando o homem num processo constante de subjetivação. Nesta linha, é
possível observar que essas são as formas de subjetivação instituídas em nossa sociedade, mas
não tem sido dedicada atenção nas discussões sobre a ética e moral.
Diante do surgimento da era moderna, Foucault (1999) mostra que o conhecimento científico
possui uma posição de destaque, no que tange a maneiras de produzir a verdade. Se esse
conhecimento tem posição de destaque, ela já não vai se estabelecer apenas como forma de
especulação, mas como forma de poder, pois é sobre essa dinâmica que se instituíram formas
diversas sobre a verdade do homem. Assim, ao descobrir essa verdade, há juntamente o
próprio processo de constituição do sujeito que, longe de ser uma constituição nos moldes dos
gregos e greco-romanos, será a reativação sempre colocada em destaque da subjetividade, que
acaba ganhando uma série de atributos.
Essas formas de constituição se desenvolvem a partir do século XIX, pois a partir de então, já
há conhecimento científico para a produção de verdades. Por exemplo, no caso de um
criminoso, um conhecimento que procura desvelar sua verdade, no sentido de uma
necessidade constante de descobrir o “porquê” ele age dessa maneira, na tentativa constante
de corrigir e controlar suas ações. Esse processo de procurar desvelar a verdade do sujeito
através de uma cientificidade, Foucault (1987) chama de objetivação do sujeito, que se
constitui, num segundo momento, em formas de subjetivação - por isso a ideia do empíricotranscendental. Nessa análise sobre os processos de objetivação e subjetivação, Foucault
(1987) mostra que o sujeito entra numa maquinaria de poder que procura sempre formas de
sujeitar e promover a disciplina dos sujeitos. Se no contexto de análise sobre o sujeito grego
ou grego-romano as formas de subjetivação eram, em grande medida, determinadas pelos
próprios sujeitos, que se constituíam a si próprios sujeitos morais, na análise do sujeito
moderno o foco vai ser outro, pois será a ciência que percorre a verdade do homem que irá
determinar suas formas de subjetivação, onde o sujeito está entrincheirado.
Nesse entremeio, observando que os “jogos de verdade” estão, em grande parte, imbuídos
dessas temáticas do poder, esse poder, na visão de Foucault (1988), longe de ser apenas
repressivo, frente a uma ordem jurídico-estrutural, é estratégico, pois produz coisas, produz
sujeitos, produz verdades. Nessa concepção estratégica, o poder não se furta apenas nas
formas de sujeição, mas possibilita formas de subjetividade, que implanta a descontinuidade
do sujeito.
Naquela passagem, Foucault (1999) diz que o pensamento moderno não pôde propor uma
moral, pois ele deixou de ser apenas teoria para ser uma ação. Antes disso, Foucault (1999)
mostra que o sujeito moderno não mais pode dizer que o “Eu penso” está em sintonia como o
“Eu sou”, pois o pensamento saiu de seu próprio domínio, produzindo uma reativação
constante na maneira de pensar. Depois disso, Foucault (1999) procura elucidar que as
ciências humanas é que produzem sempre novas formas de reconhecer o homem, desvelando
sua verdade. Diante dessas elucidações, se o pensamento deixou de estar vinculado ao que
“Eu sou” e se o que “Eu sou” está imbricado num processo constante de subjetivação, no
sentido de que existem mais coisas em mim do que “Eu mesmo”, a questão que surge é: será
possível falar de uma ética e uma moral na sociedade moderna? Por esse motivo, Foucault
(1999) enfatiza sobre essa impossibilidade, pois o que mais se produz no sujeito é a
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descontínua de sua verdade que, a partir dessa verdade desvelada, é que se pode pensar o que
fazer com o homem.
Essa discussão problematiza as relações entre ética e moral na sociedade moderna. Foucault
(2004), ao retomar essa problematização, salienta que a moral, num sentido amplo, comporta
os códigos de comportamento e as formas de subjetivação. Apesar de essas duas concepções
serem indissociáveis entre si, ainda assim elas possuem autonomia, que em certas morais, a
ênfase é posta, sobretudo nos códigos, em sua sistematização, riqueza, capacidade de ajustarse a todos os casos possíveis e de cobrir todos os campos de comportamento. Essas morais
são visíveis no contexto de discussão sobre a business ethics e, para tanto, salienta Foucault
(2004), deve-se buscar sua importância do lado das instâncias de autoridade que defendem
esse código, que impõem sua aprendizagem e obediência, que sancionam as infrações. Nestas
condições, completa o filósofo, a subjetivação se realiza basicamente de uma forma quase
jurídica, na qual o sujeito moral se refere a uma lei ou um conjunto de leis que ele deve se
submeter, sob pena de cometer faltas que o expõem a um castigo. É nessa temática da
subjetivação que Foucault (2006) expõe o problema da ética e nunca somente na existência
dos códigos morais. Isso fica claro na seguinte passagem, quando Foucault (2006, p.214)
analisa as diferentes realidades da história de uma moral, ao dizer que:
A história da maneira como os sujeitos são chamados a se constituírem como
sujeitos de conduta moral: essa história será a dos modelos propostos para a
instauração e o desenvolvimento das relações consigo próprio, para a
reflexão sobre si, para as transformações que se busca operar em si mesmo.
Eis aqui o que se poderia chamar de história da “ética” e da “ascética”,
entendida como história das formas de subjetivação moral e das práticas de
si que são destinadas a garantir-la. (...) Não há ação moral particular que não
se refira à unidade de uma conduta moral; não há conduta moral que não
exija a constituição de si mesmo como sujeito moral; não há constituição do
sujeito moral sem “modos de subjetivação” e sem uma “ascética” ou “prática
de si” que os fundamentem. A ação moral é indissociável dessas formas de
atividade sobre si, que não são menos diferentes de uma moral para outra do
que o sistema de valores, de regras e de proibições.
Nesta linha, o foco básico de Foucault (2006) – e aqui talvez a proximidade com o
pensamento kantiano – é que uma ação para ser dita “moral”, não deve se reduzir a um ato ou
a uma série de atos conformes uma regra, uma lei ou um valor. Por esse motivo, Foucault
(2006) salienta que toda ação moral implica uma relação com o real e também com o código
que se refere, mas implica também certa relação consigo mesmo, que não é somente
consciência de si, mas a constituição de si como “sujeito moral”. Nesta linha, o indivíduo
circunscreve a parte dele que constitui esse objeto da prática moral, determina para si certo
modo de ser que valerá como cumprimento moral dele mesmo, e para realizar-se, age sobre
ele mesmo, levando-o a se conhecer, a se controlar, a pôr-se à prova, a se aperfeiçoar e a se
transformar. Essas implicações, que foram importantes na ética grega e greco-romana, foram
marginalizadas na sociedade moderna e deram lugar aos códigos morais, como se os sujeitos
fossem facilmente acondicionados sob leis, as quais eles não produziram.
É a partir desta constatação que Foucault (2001) fala de uma ética da existência, praticada e
assumida nas relações estabelecidas entre os sujeitos gregos e greco-romanos. Aqui Foucault
(2001) problematiza os atributos difundidos na Antiguidade e no Cristianismo, ao salientar
que a busca, na Antiguidade, era de uma ética pessoal e da elaboração de sua própria vida,
mesmo que estivesse implícita a obediência aos cânones coletivos; enquanto que no
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Cristianismo, a ideia de uma vontade de Deus, de um princípio da obediência, colocou a
moral na forma de códigos de regras e de obediência a esses códigos. Para uma possibilidade
da ética, salienta Foucault (2006), é necessária a existência da liberdade, que se expressa
como condição ontológica da ética, mas nunca entendida como a possibilidade de
transgressão ou supressão às regras, como acontece constantemente no contexto de discussão
sobre a business ethics, mas de uma liberdade próxima ao que foi salientado nas
considerações de Aristóteles sobre a virtude e a pelo prazer gerado nas ações boas e belas.
Isso fica claro na seguinte passagem do texto de Foucault (2006, p.270),
Os gregos problematizavam efetivamente sua liberdade e a liberdade do
indivíduo, como um problema ético. Mas ético no sentido de que os gregos
podiam entende-los: o ethos era a maneira de ser e a maneira de se conduzir.
Era um modo de ser sujeito e uma certa maneira de fazer, visível para os
outros. O ethos de alguém se traduz pelos seus hábitos, por seu porte, por sua
maneira de caminhar, pela calma com que responde a todos os
acontecimentos etc. Esta é para eles a forma concreta da liberdade; assim
eles problematizavam sua liberdade. O homem que tem um belo ethos, que
pode ser admirado e citado como exemplo, é alguém que pratica a liberdade
de uma certa maneira. (...) Para que essa prática de liberdade tome forma em
um ethos que seja bom, belo, honroso, respeitável, memorável e que possa
servir de exemplo, é preciso todo um trabalho de si sobre si mesmo.
Diante deste amplo percurso e dessa discussão foucaultiana sobre o sujeito grego e grecoromano, além das críticas instituídas ao problema das ciências humanas e da constituição do
sujeito moderno, as questões que surgem – apenas como implicações para algumas
considerações finais – são: qual a importância dessa ampla discussão para os estudos sobre a
business ethics? Quais são as possibilidades dessa ética da existência nas ações
organizacionais?
Considerações Finais
O objetivo neste ensaio foi explorar os meandros das discussões realizadas por Michel
Foucault em temas como a moral, a ética e o sujeito, na tentativa de permitir reflexões
diversas sobre as altercações geradas no contexto da business ethics. Assim, uma das
principais constatações visíveis nos trabalhos de Lozano (1999) e De George (1995), é a
tendência à prescrição nos modos de comportamento, através da ênfase nos ditames culturais,
nos códigos de ética profissional, nas leis e normas organizacionais e nos negócios que
submetem as virtudes e a dignidade humana a esses propósitos. Esse fato mostra que, a partir
das considerações de Foucault (2006), as análises sobre a business ethics se configuram mais
como moralidade dos comportamentos do que como análises sobre a ética em si. Isso porque,
salienta Foucault (2006), a análise da ética tem que levar em consideração, principalmente, as
formas de subjetivação, permitindo entender como os sujeitos são chamados a se constituírem
sujeitos de conduta moral e como eles estabelecem as relações consigo próprios. Assim, essa
é uma primeira contribuição do pensamento foucaultiano, e nas análises sobre a ética nas
organizações, não há como se furtar, em valor dos códigos morais, a uma análise sobre as
formas de sujeição ou subjetivação dos sujeitos.
Uma segunda contribuição foucaultiana é de que, ao se observar a importância e a
centralidade dos códigos morais, deve-se buscar essa importância nas instâncias de autoridade
que prezam por esse código, que impõem a aprendizagem e a obediência, que sancionam as
infrações. Esse é um fato interessante, pois o que está em jogo nas análises sobre business
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ethics não é, em grande parte, quem produziu os códigos morais ou se tais códigos são
praticáveis pelo sujeito, mas a necessidade constante de alocar as condutas individuais a essas
regras prescritas. O que está em jogo não é a possibilidade de relações possíveis entre códigos
morais e sujeitos, pois desde o aflorar da Modernidade, salienta Foucault (2008), o homem
tem sido constituído – a partir dos discursos científicos – em um ser egoísta por natureza e
passível de realizar o mal. Esse fato fica visível, na análise de Foucault (2008), nas discussões
geradas no âmbito da economia e dos processos econômicos, assim como no contexto do
Cristianismo, com a ideia de renuncia a si mesmo. Se essa temática sobre homem é que
predomina, então a instauração constante de códigos morais permite controles diversos sobre
os sujeitos, assim como formas cada vez mais elaboradas pelos próprios sujeitos de se
furtarem a esses códigos.
Tendo em vista esse ponto, é que Foucault (1999) denuncia o homem moderno como um ser
empírico-transcendental, onde o “Eu penso” já não se constitui na forma manifesta do “Eu
sou”, pois há muito tempo o sujeito deixou de ser visto e reconhecido pelo ethos que ele
próprio constitui para si, para ser visto e reconhecido pelos códigos morais que determinam
seu comportamento. Se esses códigos são estranhos e mesmo divergentes do sujeito (“Eu
penso”), então o que se tem é a produção continuada de um “Eu sou” compatível a esses
códigos, mas que de uma forma ou de outra acaba por gerar formas diversas de se submeter a
esses códigos, formas diversas de reconhecer e mesmo se furtar desses códigos, formas
diversas de entender a moral, pois há muito as práticas da existência e do cuidado de si
deixaram de funcionar na sociedade moderna.
Neste sentido, aproximando-nos das considerações foucaultianas, é possível observar os
motivos que levam os indivíduos nas organizações a agirem de forma antiética, pois não
houve a possibilidade de uma ética na sociedade moderna, porque o pensamento moderno
sequer foi capaz de propor uma moral, pelo simples fato de que os “jogos de verdade” e a
retomada sempre corrente do pensamento sobre o impensado produziram e continuam
produzindo atualizações constantes sobre o que é o homem e quais são seus atributos. Esse
fato produz um descompasso entre os códigos morais (ou até mesmo modelos de
comportamento) e as ações geradas pelos sujeitos, pois como o próprio Foucault (1999)
salienta, antes mesmo de prescrever ou de dizer o que é preciso fazer, o pensamento é desde o
início uma ação – um ato perigoso.
Ainda nesta temática, uma terceira contribuição foucaultiana é a possibilidade de inserir nas
discussões sobre a business ethics a preocupação com os sujeitos. Isso ficou visível também
na tendência expressa em autores da área (DE GEORGE, 1995; LOZANO, 1999) em observar
formas ou modelos prescritivos no pensamento de filósofos como Aristóteles e Kant, na
tendência quase descontínua de avultar a importância dos códigos de ética, das moralidades
nos comportamentos, dos valores difundidos nas organizações etc. Quando Dal Mas, PatrusPena e Teixeira (2009) salientam as três possibilidades da ética nas organizações (convicção,
responsabilidade e virtude), a importância dos códigos e valores organizacionais, as
responsabilidades para com os stalkeholders, além das virtudes transmitidas a partir da cultura
organizacional, o que se observa é um entrincheiramento dos sujeitos sob uma série de
modelos e prescrições, muitas vezes difundidas no contexto social, mas que possuem
evidentes conflitos com os pressupostos organizacionais.
Mas como possibilitar essa confluência entre os pressupostos sociais e as ações dos sujeitos
nas organizações? Apesar de Foucault (1999) salientar que os sujeitos tomam formas
específicas nas situações em que se encontram – e essa é a quarta contribuição foucaultiana –
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não há possibilidades de um sujeito moral sem certo nível de liberdade. Para Foucault (2006),
somente com certa liberdade é possível falar de relações de poder, pois mesmo em situações
onde essas relações são amplamente desiguais, se não fosse permitido ao sujeito se matar,
então não haveria relações de poder. Portanto, na concepção foucaultiana, só há relações de
poder porque existe certa liberdade. Por esse motivo, é que as relações de poder geram
manifestações de resistências (no plural), expressas no subterfúgio a uma autoridade ou lei,
nas estratégias de manipulação, nos silêncios, nas relações com os códigos morais etc. Se a
constituição de um sujeito jurídico no contexto da business ethics é importante no contexto
das organizações, então não se deve esconder que diante dessas formas institucionalizadas, os
sujeitos não desenvolvam formas específicas de resistências, que colocam em xeque todo
empreendimento de possibilidades de uma ética nas organizações, quando observada a partir
da instauração dos códigos morais.
Uma quinta e última contribuição foucaultiana é a sua discussão sobre uma ética da existência
e seu retorno à Antiguidade e aos primeiros filósofos, na tentativa de mostrar as
possibilidades de uma ética que leve em consideração as práticas de si e os modos de
subjetivação, pois somente com o acesso ao sujeito é que a análise da ética nas organizações
pode se efetivar, e não somente sobre os atributos prescritivos que condicionam o
comportamento dos sujeitos. Para tanto, tendo como comparação as discussões sobre o sujeito
grego e greco-romano, assim como os modos de subjetivação do sujeito moderno, é que se
torna possível uma análise sobre a ética nas organizações, no sentido de ter acesso ao sujeito e
aos modos como ele se relaciona com os códigos morais. Assim, o acesso aos problemas
éticos deve partir dos sujeitos e nunca somente das regras prescritas. Essas regras prescritas
não deixam de ter importância na análise sobre a ética e a moral, mas como o próprio
Foucault (2001) salienta, os sujeitos nunca são facilmente acondicionados sob códigos dos
quais eles não foram os criadores. Por esse motivo, Foucault (1998) salienta que os sujeitos se
constituem através das práticas se sujeição e, numa forma mais autônoma, através das práticas
de liberação, de liberdade, a partir, obviamente, de certo número de regras, de estilos e
convenções que podem ser encontradas no meio cultural. Esse é o foco, na concepção
foucaultiana, de análise sobre a ética e a moral.
Além de todo esse empreendimento de contribuições, é necessário salientar a importância de
se pensar a ética da existência como possibilidade da ética na sociedade moderna. Isso não
quer dizer que o intuito é desenvolver, na sociedade ocidental, práticas semelhantes a dos
gregos ou greco-romanos. Seria impossível pensar nessa possibilidade. O fato é que
assistimos na sociedade atual uma série de movimentos de liberação e da possibilidade de
liberdade, que vem contribuindo para uma apreensão mais rica sobre os processos de sujeição
e de constituição do sujeito moderno. Somente com certa liberdade e possibilidades de
escolhas, os sujeitos são capazes de se constituírem sujeitos morais, nos limites das
convenções encontradas no meio cultural. Esses processos possuem amplas discussões no
contexto dos estudos organizacionais, que vem permitindo formas de análises sobre a
diversidade nas organizações. Mesmo que essas discussões ainda não tenham atingido seu
ápice, já produziram uma série de conquistas e possibilidades de acessos aos diferentes
sujeitos. É no entremeio dessas relações de poder e liberdade que surge a probabilidade de um
sujeito moral e, portanto, possível de uma discussão sobre a ética nas organizações. Para
tanto, é necessário a preocupação com as formas de sujeição e os modos de subjetivação, num
patamar de igualdade com as preocupações sobre os códigos morais.
Para finalizar, fica uma questão foucaultiana e algumas considerações possíveis a partir desta
questão. E Foucault (2006) questiona: o que é a filosofia hoje – ou o trabalho filosófico –
15
senão o trabalho crítico do pensamento sobre si mesmo? Assim, esse filósofo observa que sua
postura sempre esteve no extravio daquele que conhece, pois se não fosse permitido pensar e
ver de maneira diferente da que se vê e pensa, não seria permitida a reflexão.
Assim, num processo de análise sobre a ética nas organizações, o que mais deve ser
enfatizado, nessa linha instituída por Michel Foucault, senão um pensamento crítico sobre os
modos como essa temática nos é colocada nos dias atuais? Se não é permitido pensar e trazer
à reflexão o que faz com que esses problemas éticos e morais nos tenham sido colocados –
por mais que não sejamos filósofos, mas capazes de empreender um trabalho filosófico – não
é permitido entender porque realmente eles foram colocados, assim como não é permitido
instituir maneiras de solucioná-los, pois não entendemos sua dinâmica. Nesta linha, não é de
se espantar que, da mesma forma que os problemas éticos e morais vêm aumentando nos
últimos anos, uma série de empreendimentos que procura dar conta desse aumento cresça em
escala semelhante. Não é raro observar, por exemplo, como mostra Robertson (2008), que
após os “escândalos” da Enrol e da Word.com, houve um significativo aumento de trabalhos
acadêmicos desenvolvidos sobre essa temática ética e moral. Esse fato coloca o problema da
ética nas organizações de forma tópica, o que faz aumentar a ênfase nos códigos morais e de
conduta, mas todo esse processo instaura a miopia necessária na elucidação dos reais
problemas, que vão além da simples rigidez ou do aumento significativo de regras sociais,
pois não se entende a dinâmica das formas de sujeição e dos modos de subjetivação. Esse
empreendimento só é possível, na visão de Foucault (2006), com o pensamento crítico sobre
os modos como ética nas organizações nos é colocada nos dias atuais.
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