ENQUANTO EU BRINCO, EU APRENDO?! REFLEXÕES ACERCA DA NEUROCIÊNCIA Elane Cristina Machado de Sousa (1); Flávia Elizabeth Machado Costa Fernandes (2); Hugo Carlos Machado da Silva (3) (1)Universidade do Estado do Pará - [email protected] (2)Faculdade integrada Brasil Amazônia – [email protected] (3) Universidade do Estado do Pará - [email protected] RESUMO A brincadeira surgiu há muito tempo atrás na história da humanidade, não sendo propriedade exclusiva de humanos, mas comum entre outros animais. Concomitantemente a ela surgiram os estudos científicos que buscavam comprovações de descoberta sobre a relação da brincadeira com o desenvolvimento dos cérebros das crianças para fins de aprendizagem. Para a criança, até então, brincadeira é seu principal “trabalho” que traz à ela prazer e contentamento, além de liberdade, desde que seja respeitado seu direto de criatividade. Sob o ponto de vista da Neurociência, durante a brincadeira, transmissores que elevam o aprendizado são liberados, preparando a criança para apreensão de habilidades de aprendizagem quando necessárias. Assim, fortalece a ideia de que brincar é fundamental no desenvolvimento infantil e que pais e professores devem basear-se nesses conhecimentos para respeitar o direito da criança – o brincar – e se favorecer deste para o processo de aprendizagens significativas. A intenção do artigo é analisar as implicações do brincar para a aprendizagem e investigar o porquê da insistência que associa a brincadeira apenas a uma simples diversão. Para isso, buscou-se maior entendimento sobre o brincar na infância; a escola como mediadora do brincar e reflexões da neurociência sobre o brincar e a aprendizagem. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica do tipo qualitativa, baseada em diferentes referenciais teóricos, como Metring (2014), Horn et al (2012), Pearce (1989), Schmidt (1960), entre outros. Palavras-chave: aprendizagem, brincar, criança, neurociência, professores. 1. INTRODUÇÃO A infância simboliza um tempo de muitas construções e aprendizagens, marcada por ações divertidas durante variadas brincadeiras. No entanto, percebe-se que nem sempre o “trabalho” das crianças, o brincar, é valorizado e aproveitado de forma a considerar os benefícios para o processo de aprendizagem dentro das escolas, muito menos conhecimentos da Neurociência são abarcados nessa construção, rumo à maior qualidade na educação. Por isso, neste artigo apresenta-se um estudo ordenado sobre as implicações do brincar para a aprendizagem, segundo pesquisas da Neurociência e de que forma a ludicidade pode influenciar nesse processo de aprendizagem infantil. Este estudo trata-se de uma pesquisa bibliográfica, do tipo qualitativa, baseada em diferentes referenciais teóricos, como Metring (2014), Horn et al (2012), Pearce (1989), Schmidt (1960), entre outros. A intenção partiu da ideia de se discutir sobre a importância do brincar na infância, não apenas pela contribuição no desenvolvimento socioemocional, mas pelo ganho cognitivo que as crianças podem alcançar quando desempenham atividades divertidas e contextualizadas, dentro de um ambiente favorecedor, Justificando assim a necessidade de se resgatar o diálogo sobre o respeito à infância. Tendo como objetivo geral da pesquisa a investigação sobre o porquê da persistência nas considerações a respeito de que quando se brinca não se aprende, associando a brincadeira a simples diversão. Este trabalho está organizado da seguinte forma: a parte introdutória, três tópicos com o desenvolvimento do trabalho, as considerações finais e as referências. No tópico 1, Introdução, seguem as considerações iniciais sobre a organização da pesquisa. No tópico 2, O brincar na infância, o leitor encontrará um pouco do histórico da infância, bem como considerações acerca da brincadeira, do brinquedo e do jogo como elementos essenciais no desenvolvimento infantil. Prosseguindo, no tópico 3, A escola como mediadora do brincar, serão discutidas ideias referentes a defesa do brincar na escola como estratégia pedagógica de aprendizagem significativa e prazerosa. No caso do tópico 4, Reflexões da neurociência sobre a aprendizagem e o brincar, pretende situar o assunto dentro de uma reflexão neurocientífica, em que se assegura a relação necessária e proveitosa do brincar para o processo de aprendizagem. Por fim, serão vislumbradas algumas considerações a respeito do que se pretende com mais um estudo relacionado à ação do brincar e a aprendizagem, de acordo com os avanços dos estudos da Neurociência. 2. O brincar na infância Conforme assegura o historiador francês Philippe Ariès (1978), a criança e a família passaram por concepções diferenciadas desde a Idade Média aos dias atuais, fornecendo informações sobre como a criança passou por três períodos que marcaram identidades diferenciadas até que chegasse a ser protagonista de sua própria história. Na primeira identidade (séc. XIV-XV), a criança tinha sua infância negada e vivia sob precárias condições de higiene e saúde. Por outro lado, eram “mimadas” como animais de estimação e não se distinguia a criança do adulto. No período que compreendeu os séculos XVI e XVII, segunda identidade, a criança passou a ser considerada filho-aluno ou criança institucionalizada; esse sujeito foi tido como o centro do interesse educativo dos adultos. Assim, a criança deixou de aprender a vida por meio do contato direto com os adultos e a escola tornou-se o meio de educação. Nesse ínterim, a família foi organizada em torno de sentimentos de afeição com os filhos, acompanhando-os nos estudos. A terceira identidade (séc. XX), já observava a criança como sujeito social ou sujeito de direitos. Neste contexto, no ano de 1959, a Declaração Universal dos Direitos da Criança possibilitou ao menor o reconhecimento de todos os seus direitos, assegurando-lhe uma vida com dignidade e o pleno desenvolvimento de suas potencialidades, conforme dita a doutrina da proteção integral que não somente inspirou a nossa Carta Magna, como foi sintetizada no artigo 227: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com prioridade absoluta, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988). Assim sendo, nas últimas décadas, a criança e a infância têm sido objetos de estudo, com lugar de destaque, nas mais variadas áreas do conhecimento humano, na tentativa de entender o complexo processo de construção social da infância e a função da escola durante essa fase de desenvolvimento, tendo em vista que a escola carrega consigo um histórico de reprodutora de contextos excludentes e, por conta disso há a necessidade de que seja assegurado à criança o direito de ser ouvida sob o olhar de sua própria realidade, sem descartar as potencialidades da infância inerentes ao desenvolvimento humano, certa de que esta ação favorecerá os avanços das ciências (GIORA, 2010). A brincadeira, o brinquedo e o jogo, sem dúvida, são considerados elementos essenciais da infância, por também possibilitarem a construção do conhecimento e do desenvolvimento infantil. Os povos antigos da Grécia e do Oriente tiveram seus jogos baseados na tradicionalidade e universalidade, pelo fato de transmitirem para as gerações, através de conhecimento empírico, formas de brincar, como: empinar pipas, jogar pedrinhas, amarelinha etc., permanecendo até hoje na memória infantil. O brincar acaba sendo uma das necessidades básicas de uma criança, pois desenvolve músculos, a sensibilidade, a coordenação motora e habilidades mentais. Em todo o tempo, parece que a criança busca o brincar, tarefa necessária e imprescindível na infância; durante a brincadeira ela se relaciona e aprende com pessoas, objetos e tudo o que encontra ao seu redor, além de ensaiar as regras sociais. Daí, a importância da participação de adultos no que se refere ao conversar, brincar com a criança e dá-lhe a devida atenção. Schmidt (1960, p. 53) nos deixa uma reflexão interessante ao afirmar que “De modo geral, pode-se dizer que as crianças que mais amaram o brinquedo quando pequeninas são geralmente, mais tarde, as mais dotadas e as mais ajustadas”. Com esse breve histórico da infância, busca-se encontrar maiores explicações de suas relações com o brincar e a escola, tendo em vista a crença de que enquanto a criança brinca também está aprendendo e que a escola é o espaço institucionalmente formal onde se dá o processo de aprendizagem. 3. A escola como mediadora do brincar Geralmente, os professores são cientes da importância do brincar para o desenvolvimento humano. Contudo, parece tornar-se difícil, na maioria dos casos, convencêlos da relação de importância do brincar para a aprendizagem. Há, comumente, a oposição entre o brincar e o estudar, de forma equivocada a ideia vai sendo repassada entre os educadores, tanto que o brincar quase sempre é trabalhado de forma isolada e sem o real entendimento de sua funcionalidade, buscando-se sempre mantê-lo sob controle para que as crianças tenham o tempo suficiente para a aprendizagem e quanto maiores os infantes, menos brinquedos, espaço e horário para brincar reduzidos. O brincar dentro da escola, é disponibilizado, quase sempre, apenas durante o recreio e isso quando a criança consegue realizar tudo aquilo que é pré-definido pelo professor, caso contrário ainda pode perder o direito do “divertimento”. Lembrando que, o recreio escolar é o tempo destinado para o lanche, normalmente, quinze minutos, tendo esse tempo que ser dividido com o brincar, sem disponibilidade de brinquedos e/ou espaço devido para movimentar-se e extravasar. Daí pode surgir as diversas dificuldades comportamentais trazendo para a escola sérios problemas de violência, por conta de “brigas e agitação excessiva”. Existe a necessidade da defesa do brincar na escola, desassociando com a negligência quanto à responsabilidade sobre o ensino, a aprendizagem e o desenvolvimento, conforme nos relata Horn et al (2012). Não é mais cabível a ideia de que a aprendizagem precisa ser algo difícil, penoso e rígido. A escola incorporou de maneira efetiva a oposição entre trabalho e brincadeira: ninguém aprende brincando, só trabalhando. E aprender trabalhando é algo penoso, desprovido de sentido e prazer, com horários rígidos e grande controle; igualmente ao trabalho das classes populares. Trabalho é compreendido em seu sentido etimológico, como tripaliu (três paus), como instrumento de tortura. Brincar seria uma exceção à norma do trabalho, uma quebra na rotina diária, algo espontâneo e desorganizado que não se encaixa no dia-a-dia de um espaço que as crianças frequentam para ter acesso ao saber (BARATA, 1995, p. 8,9). Paradoxalmente, no livro “Pedagogia do brincar” se afirma que se deve aprender com o brincar para aprender brincando (HORN et al, 2012), sendo considerada a brincadeira uma atividade equivalente à aprendizagem, além de favorecer à educação o aprender com prazer. Entende-se que para o professor inserir a brincadeira no seu trabalho pedagógico, fazse necessária a vivência de situações lúdicas e a observação do brincar, saber e gostar de brincar, compreendendo o real significado dessa ação. Fortuna (2012) afirma: O que permite a superação desses dilemas e viabiliza a atividade lúdica na educação é a redefinição do papel que o adulto, o professor, a escola, a cultura desempenham, sem perder de vista o que, afinal, caracteriza o brincar (p. 28). Durante o brincar das crianças, o professor pode se apropriar de informações referentes à vida intelectual, social e afetiva dessa criança, favorecendo o processo de ensino e aprendizagem. Lembrando que, a espontaneidade e a criatividade precisam ser respeitadas e estimuladas. Assim sendo, a formação do professor sugere um novo olhar na perspectiva do desenvolvimento da aprendizagem humana para melhor atender as necessidades dos alunos, repensando que quando se permite participação ativa à criança, dentro de uma proposta pedagógica de natureza lúdica e prazerosa, a aprendizagem passa a ser bem mais significativa e enriquecedora. O novo caminhar dos professores deveria ser em busca de novos modos de estruturar a ação pedagógica. Horn et al (2012), nos deixa evidente as múltiplas funções e variados desejos que as crianças assumem durante as condutas lúdicas a que são expostas, como aprendizagem, aceitação, conquista, confronto, curiosidade, inserção no mundo de relação com o outro. Há vários estudos sobre o brincar na atualidade, percebendo-se a pouca iniciativa das crianças para o brincar ou elas não parecem felizes com qualquer coisa, diferentemente de tempos atrás em que boa parte das crianças tinham poucos brinquedos industrializados e utilizavam-se de outras criações para divertirem-se. Horn et al (2012) nos aponta: O aumento da violência responsável pela menor liberdade das crianças, o processo de urbanização e a poderosa influência da televisão alteraram a relação das crianças com os brinquedos. O prazer de construírem os próprios brinquedos, exercitando a criatividade, a imaginação, perdeu-se em parte diante dos brinquedos industrializados e da falta de espaço e liberdade para se expandirem (p. 87). O brincar espontâneo, ainda, não tem lugar dentro da escola, o que pode ser encontrado é a utilização de brinquedos pedagógicos e métodos lúdicos de ensino com objetivos pré-determinados e atividades controladas pelos professores, acreditando-se que isso facilitará a aprendizagem de conceitos formais, desprezando-se as dimensões psicomotoras e socioafetivas, como bem nos diz Horn et al (2012), há uma substituição da aprendizagem significativa pelo condicionamento, um treinamento mecânico, impedindo a criança de ser criança, enquanto criança. A espontaneidade fica de lado, deixando a desejar uma das características fundamentais do ato de brincar. A preocupação com o desenvolvimento da área cognitiva das crianças, na escola, faz com que boa parte dos professores dividam a hora do brincar, sendo que, na maioria das vezes, o tempo do trabalho é superior ao da brincadeira, sem considerar a brincadeira como o verdadeiro e prazeroso trabalho das crianças. Importante comentar, ainda, que a grande pressão familiar pela aceleração da aprendizagem de conceitos formais é o principal reforçador de ações equivocadas dentro da escola. Por isso, [...] salienta-se que não basta dar às crianças o direito de brincar. Não basta apenas ampliar o seu tempo no pátio ou aumentar os estoques de brinquedos na sala. É preciso despertar e manter seu desejo pelo brincar. O que implica numa nova postura de pais e professores diante da brincadeira e do espaço em que ela acontece (HORN et al., 2012, p. 145). O conhecimento, portanto, não deve se dar de forma sofrida. As novas pedagogias pretendem tornar as crianças mais felizes e desejosas de estarem na escola, aprendendo de forma prazerosa e utilizando o brincar como uma das estratégias pedagógicas que motivam as crianças a responderem com resultados, inclusive no caso de crianças com dificuldades de aprendizagem e/ou deficiências, despertando o interesse e as potencialidades, tendo em vista que o lúdico potencializa ao máximo o ato de aprender. Piaget (2004) tem seus estudos corroborados por outros estudiosos que trabalham a compreensão do sujeito cognitivo colocando a criança como ser capaz, mesmo muito pequena, de formular hipóteses, de testá-las e de criar sistemas interpretativos na busca de compreender o universo que a cerca, revolucionando as teorias tradicionais sobre o período de alfabetização. E, isso valoriza o sujeito criança no processo ensino-aprendizagem, oferecendolhe condições, dentro do seu tempo, de fazer a educação acontecer, argumento importante dentro de uma proposta “atual” de escola inclusiva. Portanto, a prática tradicional, ainda, é muito atuante no meio escolar, a importância que a maioria dos docentes dá a apropriação dos conteúdos por parte dos alunos é o indicativo de que a atuação pedagógica foi correspondida. Infelizmente, a acomodação do professor é um fato costumeiramente comentado pelo senso comum, de que a maioria dos professores inicia a carreira com entusiasmo e depois de um tempo se acomodam; embora, saiba-se que existam muitos educadores responsáveis e compromissados com o ofício de educar/aprender, acrescentando diariamente experiências inovadoras. O desejo incessante das crianças pelo brincar parece desafiar o desejo de pais e professores em que a criança desenvolva a aprendizagem. Pearce (1989) comenta em suas pesquisas que a intencionalidade da criança é brincar com o mundo, enquanto as intenções dos adultos é que ela obedeça a suas ideias e simplesmente trabalhe. Ele também relata que alguns psicólogos descobriram uma relação entre os jogos animais e os jogos humanos, concluindo que os jogos estão a serviço da sobrevivência para ambos os grupos. Para Schmidt (1960), na época de 1960, a recreação já era considerada uma das aspirações mais acentuadas do momento, pois suas possibilidades educativas trazem um maior colorido à vida e estabilidade à felicidade íntima, integrando o lazer dentro de um sistema de valores. Tanto que o lar deveria ser a zona de recreação por excelência. Contudo, infelizmente, essa não tem sido a realidade vivenciada, os lazeres têm sido tarefa difícil de se realizar diante de um mundo moderno repleto de atividades desgastantes e desprovidas de liberdade criativa. Desde 1960 já se discutia a relevância do educar pela recreação, entendida como entretenimento útil que corresponde à necessidade real e constante do ser humano, acreditando-se que a moderna pedagogia podia ser desenvolvida excelentemente por meio da recreação. Pois, esta corrige a aspereza da vida e desabrocha virtudes adormecidas no cotidiano, sendo que na vida adulta a recreação acaba se tornando um dos elementos principais de enriquecimento da personalidade e atribui-se a máxima importância da utilização dos lazeres na família e na escola. Considerando, ainda, a educação tradicional como um sistema de aprendizagem que anula as possibilidades criadoras das crianças. Schmidt (1960) já mencionava em seus escritos que a atividade da criança (o brincar) era gratuita e sem finalidade prática, causando prazer e criando uma situação de ampla liberdade, tida como laboratório de aprendizagem; sendo seu relato corroborado por Pearce (1989). Ou seja, há tempo que se estuda sobre a relação do brincar com a aprendizagem mas, parece que pouca credibilidade ou uso consciente desse benefício tem-se desfrutado. 4. Reflexões da neurociência sobre a aprendizagem e o brincar A Neurociência é uma área de conhecimento que estuda mais profundamente a compreensão do cérebro humano, bem como seu desenvolvimento e funcionamento, envolvendo diferentes profissionais e revolucionando assim os estudos científicos. Ela dá respostas confiáveis nas questões sobre a aprendizagem humana, auxiliando na compreensão daquilo que é comum a todos os cérebros. Sendo assim, esse conhecimento sugere novos caminhos para a educação, no entendimento das capacidades individuais e na reestruturação do ensino, unindo a educação com a Neurociência no estudo da aprendizagem. Existem diferentes teorias da aprendizagem que, geralmente, buscam respostas partindo da infância, justamente porque a criança passa a fazer associações entre as informações que recebe desde o nascimento e a “arrumação” dessas informações se caracteriza como aprendizagem, contudo, o mistério encontra-se na maneira como essa criança é conduzida a associação dessas informações, ou seja, como se dá a aprendizagem. A aprendizagem, então, é um processo difícil de se definir, exatamente, pois não deve ser considerada como fator isolado de entrada e saída de informações, mas sim um processo que engloba o cerebral, o psíquico, o cognitivo e o social. Assim sendo, cabem avaliar as diferentes experiências que o ser humano vivencia e que o acompanham a vida toda. Gómez e Teran (2014), afirmam: Os seres humanos precisam de contínuas aprendizagens que começam a ocorrer a partir da gestação. O aprender é o caminho para atingir o crescimento, a maturidade e o desenvolvimento como pessoas num mundo organizado; as interações com o meio nos permitem a organização do conhecimento. (p. 31) Durante o processo de aprendizagem acontecem inúmeras transformações físicas e químicas no cérebro, sendo influenciado também por fatores ambientais. Em relação às mudanças químicas, conhecidas como sinapses químicas, ocorrem quando um neurônio (principal componente do cérebro) comunica-se com um outro por meio de um neurotransmissor (substância química). Sendo que, os neurônios começam a se formar durante a gestação, ainda no embrião, chegando a aproximadamente 200 bilhões nos quatro meses de gestação. À medida que o bebê nasce os neurônios estabelecem milhões de conexões, por conta do que vai sendo assimilado do seu entorno. Ou seja, “quanto mais estimulante for o entorno, maior o número de sinapses que serão estabelecidas e, portanto, a aprendizagem ocorrerá mais facilmente e será mais significativa” (Gómez e Teran, 2014, p. 40). Novos estudos sobre o funcionamento do cérebro abordam também sobre a modificação da estrutura física do cérebro durante o processo de aprendizagem. Sendo que, o estímulo apropriado de acordo com a maturação do cérebro da criança é fundamental para que ela atinja seu maior desenvolvimento. Na espécie humana, o desenvolvimento cerebral é intenso nos primeiros anos de vida, reduzindo progressivamente, mas continuando por toda a vida do indivíduo. Por isso, durante o brincar diferentes áreas do cérebro se interconectam e formam novos caminhos neurais, proporcionando futuramente a tomada de decisões, antes exclusiva à ação comandada pelas emoções. Durante o brincar há um fortalecimento dos circuitos neurais que interligam o sistema límbico (responsável pelo processamento das emoções) ao neocórtex, proporcionando aos humanos a tomada de decisões, ou seja, habilidades racionais que favorecem a aprendizagem. Além disso, Piaget (2004) em seus estudos relata que o cérebro primeiro se prepara para as funções motoras, depois evolui para as funções cognitivas. E esse desenvolvimento se dá cada vez com maior rapidez quando estimulado devidamente. As crianças buscam o prazer, a alegria, a diversão porque o cérebro gosta de brincar e essa ação aciona o sistema límbico, responsável por essas sensações de bem-estar. As sinapses são fortalecidas na medida em que as informações sejam significativas para a rede neural. Metring (2014), afirma: O lúdico ainda é a melhor maneira de acessar o cérebro por várias vias sensórias, pois desde muito cedo nosso cérebro gosta de brincar. Isso vale para crianças, adolescentes ou adultos. Na brincadeira, o sistema límbico permite maiores impressões de prazer do que de desprazer. Portanto, ao lúdico podemos associar conteúdos importantes para a vida do aprendiz (p. 49). Importante lembrar que cada indivíduo tem uma forma particular no processamento das informações, que não depende apenas do cérebro, mas também da afetividade durante as relações e o indivíduo deve ser compreendido na sua totalidade, sendo que o processo de aprender no cotidiano escolar é facilitado quando há a atuação correta e eficaz na estimulação da plasticidade cerebral (capacidade de reaprender). Cada experiência nova nos primeiros anos de vida da criança é fundamental para o seu desenvolvimento e é possibilitado o surgimento de competências e habilidades quando as conexões sinápticas são realizadas no tempo oportuno, valendo-se da importância das emoções e da memória (registro de fatos experienciados e observados) no processo de aprendizagem. No aspecto escolar, para a construção individual do conhecimento, faz-se necessária a intervenção do professor, sendo ele considerado coautor do processo de aprendizagem, porquanto ele orientará o estudante a saber o que fazer, como fazer e porque está fazendo tal coisa; compreendendo o professor que as atividades devem favorecer o desenvolvimento das funções cerebrais, e quanto mais cedo as intervenções pedagógicas, maiores as possibilidades de modificar o funcionamento das conexões cerebrais, seja por compensação ou reparação. Diante do ponto de vista da neurociência, a característica de uma brincadeira está na liberação de transmissores que aprimoram o aprendizado sem provocar estresse, como forma de preparação para habilidades da aprendizagem mais formal. Quando se está brincando o cérebro libera tanto a dopamina (hormônio do prazer) quanto a noradrenalina e outros sistemas são ativados, auxiliando assim a plasticidade cerebral e facilitando o aprendizado. Portanto, compartilho das ideias de Metring (2014), ao mencionar que a escola precisa considerar as necessidades básicas das crianças, inclusive o brincar. Além do que, segundo Schmidt (1960), a assimilação mais duradoura e a aprendizagem mais rápida acontecem quando a criança se satisfaz plenamente no brincar. As escolas deveriam estar sempre atentas a essas necessidades, preparando ambientes e situações que provoquem o mínimo de aversão e estresse para pensar no melhor aproveitamento do cérebro para os processos de aprendizagem (METRING, 2014, p. 49). 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS As brincadeiras continuam tendo papel importante na vida das pessoas, principalmente das crianças, presente em toda a história da humanidade. Embora, atualmente, o incremento da indústria de brinquedos, que comercializam no mercado objetos cada vez mais atraentes, modifiquem as interações sociais, favorecendo que as brincadeiras privilegiem mais a velocidade de informações, por conta da tecnologia, do que a vivência motora propriamente dita, desassociando-a de aprendizagens formais. Diante de todas as exposições acima descritas, por que será que existe, ainda, a consideração de que quando se brinca não se aprende? Esta indagação remete ao ato de brincar associado apenas à simples diversão. Contudo, há estudos neurocientíficos que investigam a relação do desenvolvimento dos cérebros das crianças enquanto estão brincando, suscitando a liberação de hormônios que facilitam o processo de aprendizagem. As evidências neurocientíficas cada vez mais comprovam o aumento das conexões entre as células cerebrais e a relação de um ambiente enriquecido e contextualizado a realidade infantil. A ocorrência de estímulos adequados, que favorecem a plasticidade cerebral, contribui para um melhor desenvolvimento cognitivo. Por isso, a Neurociência fundamenta a prática pedagógica e quando há o respeito pela dinâmica de funcionamento do cérebro essa tende a ser mais eficaz, porquanto se aprende quando se é motivado e se faz com prazer aquilo que é significativo. A estimulação adequada nos primeiros anos de vida oportunizará ao cérebro a utilização de todo o potencial de reorganização de suas redes neurais. Portanto, torna-se evidente a necessidade de se utilizar as universidades para evoluir nos processos educacionais práticos, considerando que os alunos são diferentes entre si e por isso não cabe a mesma forma de ensinar para todos. Sendo que, compete ao professor favorecer-se dos conhecimentos neurocientíficos para enriquecer o processo de ensino e aprendizagem e privilegiar as etapas evolutivas das crianças. Por fim, reconhece-se que a presente pesquisa não esgota o assunto, não sendo essa sua pretensão, no entanto, objetiva-se que a mesma funcione como uma seta a indicar um caminho possível para um convívio familiar mais saudável e prazeroso e para uma educação que garanta um dos direitos básicos de cada criança – o brincar – apropriando-se dos benefícios dessa ação para uma vida mais feliz e uma aprendizagem mais eficaz. 6. REFERÊNCIAS ARIÈS, P. A História da Infância e da Família. Rio de Janeiro: Zahar, 1979. BARATA, D. Caminhando com arte na pré-escola. Revista Criança, Brasília, n.28, p.8-11, 1995. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. COSTA, V. R. da. Por que brincar é importante? Ciência Hoje. São Paulo, 2013. Disponível em: <http://cienciahoje.uol.com.br/alo-professor/intervalo/2013/10/por-que- brincar-e-importante> Acesso em 26/08/14. GIORA, R.C.F.A. (org.). Crisálida, o libertar da imaginação criadora. 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