INTERAÇÃO FÁRMACO-ALIMENTO/NUTRIENTE: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Anna Luiza Simioni Ferrari1 Camila Cabral Vidal1 Wanderson Cabral da Silva1 Ricardo Rodrigues Goulart2 INTRODUÇÃO O alimento é indispensável para vida humana, sendo um fator essencial para saúde e tem como objetivo dar sustento ao corpo humano. Assim, como grande parte dos medicamentos são administrados por via oral, que também é a via de ingestão de alimentos, espera-se que possa haver interações entre os alimentos e substâncias químicas provenientes de medicamentos. Adicionalmente, agravando esse quadro, a interação fármaco-alimento raramente é conhecida e lembrada pelos profissionais da saúde durante a prescrição e dispensação de medicamentos. (MOURA e REYES, 2002) A interação de medicamento com alimento pode levar a alterações na farmacocinética e na farmacodinâmica, podendo diminuir ou ampliar os efeitos dos fármacos, interferindo em fenômenos como a absorção, distribuição e biotransformação e excreção dos mesmos. Esse fenômeno também pode intervir na farmacocinética dos fármacos implicando em efeitos adversos ou toxicidade ao paciente. Considera-se também como interação, quando um fármaco altera a utilização de um nutriente pelo organismo, mas como esse fenômeno, na maioria dos casos, não é clinicamente relevante, o mesmo não será abordado. (LOPES et al, 2013) Portanto, o conhecimento mais amplo sobre o assunto permite um controle efetivo na administração do fármaco e dos alimentos, de forma a favorecer o emprego de terapias mais eficazes. OBJETIVO Essa revisão busca mostrar os principais casos de interações entre alimentos e fármacos relatados na literatura, com o intuito de expor tais fenômenos para a comunidade acadêmica de forma a orientar profissionais e estudantes da área da saúde. MÉTODOS Para a construção dessa revisão bibliográfica foram empregados artigos que fossem provenientes bases de dados como o Scielo, MEDLINE e PubMed, nas línguas portuguesa, espanhola e inglesa. As palavras-chave utilizadas na busca foram interação, fármaco e alimento. Foram selecionados aqueles com as interações mais relatadas na literatura para a formulação da revisão. RESULTADOS E DISCUSSÃO As interações entre nutrientes e fármacos podem ser classificadas como físicoquímicas, que ocorrem mediante formação de complexos entre fármaco e o alimento, fisiológicas, que incluem modificações induzidas por medicamento na digestão, no apetite, ¹Acadêmicos do Curso de Farmácia do Centro Universitário Luterano de Ji-Paraná CEULJI-ULBRA. 2 Professor orientador, docente do curso de Farmácia do Centro Universitário Luterano de Ji-paraná CEULJIULBRA. E-mail: [email protected] esvaziamento gástrico, na biotransformação e na depuração renal, e, por fim, as patofisiológicas, que ocorrem quando o fármaco prejudica a absorção do medicamento ou há interferência no metabolismo de nutrientes. (MOURA & REYES, 2002) A primeira interação pode ocorrer já no estômago e intestino, pois caso o medicamento seja administrado juntamente com o alimento, devido ao aumento da secreção gástrica e intestinal provocada pelo mesmo, a dissolução do medicamento pode ser aumentada, o que aumenta sua concentração no intestino e consequentemente sua biodisponibilidade. Outro aspecto a ser considerado é que muitos fármacos diminuem a motilidade gastrintestinal, o que aumenta o tempo de dissolução e de absorção, interferindo a ponto de fazer com que o fármaco alcance níveis tóxicos no organismo. (LOPES et al, 2013) Adiante, são mostrados os principais exemplos de interações fármaco-alimentos relatados na literatura. Para facilitar a compreensão, foram mostradas separados de acordo com as classes medicamentosas. Antibióticos De forma geral os antibióticos podem afetar a microbiota intestinal que é responsável pela síntese de vitamina K e B12, assim, durante o tratamento com tais fármacos é recomendado que o paciente utilize na sua dieta produtos lácteos fermentados ou iogurtes de forma a recompor a flora bacteriana intestinal. (LOPES et al, 2013) Levando em consideração grupos específicos de antibióticos, as tetraciclinas apresentam o caso clássico de interação fármaco-alimento com o leite. As tetraciclinas são capazes de formar compostos de coordenação com cátions divalentes e trivalentes, ocorrendo a excreção fecal do fármaco e dos minerais. Assim, a ingestão de leite, por exemplo, ou qualquer alimento rico em cátions di ou trivalentes pode prejudicar a absorção de tetraciclinas. (LOPES et al, 2013) Outros fármacos que apresentam interação com o leite é a ceftriaxona e o ciprofloxacino, que atua formando complexos com o Ca2+ presente no leite da mesma forma que as tetraciclinas. (LOPES et al, 2013) A eritromicina, por sua vez, é inativada por ácido gástrico e sofre absorção incompleta. Exemplos de alimentos que reduzem a disponibilidade do fármaco são o suco de laranja, limão, refrigerantes ou bebidas gasosas por terem em sua composição alta concentração de ácidos. (MOURA e REYES, 2002) Com relação à penicilina, somente 33 % de uma dose de penicilina administrada por via oral sofre absorção pelo trato intestinal, isso ocorre pelo fato do suco gástrico possuir pH próximo de 2, por isso ela deve ser administrada duas horas de diferenças com as refeições, pois os alimentos podem aumentar a ocorrência de inativação através da abertura do anel lactâmico. (MOURA e REYES, 2002) O cloranfenicol diminui a biodisponibilidade de ferro, ácido fólico, riboflavina, e das vitaminas A, B6 e B12. Assim, é interessante que o paciente se alimente de alimentos com alta concentração desses nutrientes. (LOPES et al, 2013) A rifampicina, a ampicilina e a isoniazida têm sua absorção diminuída por administração conjunta com refeições e as cefalosporinas têm seus níveis séricos retardados quando administrada juntamente com as refeições. (MOURA & REYES, 2002) ¹Acadêmicos do Curso de Farmácia do Centro Universitário Luterano de Ji-Paraná CEULJI-ULBRA. 2 Professor orientador, docente do curso de Farmácia do Centro Universitário Luterano de Ji-paraná CEULJIULBRA. E-mail: [email protected] Anti-inflamatórios Os anti-inflamatórios esteroidais provocam efeitos antinutricionais, diminuindo a absorção de vitaminas A, C, B6, ácido fólico, cálcio, potássio, fósforo e magnésio e aumenta a excreção de potássio, zinco, vitaminas C, B6 e tiamina. (LOPES et al, 2013) No caso de anti-inflamatórios não-esteroidais, que comumente diminuem a produção de prostaglandinas, que atuam produzindo muco para proteção gastrintestinal, seu uso pode desencadear lesões no estômago. Assim, recomenda-se que os mesmos, em geral, sejam administrados juntamente ou logo após as refeições, mesmo que sua absorção seja reduzida ou retardada. (LOPES et al, 2013) Antidepressivos Os Inibidores da monoaminoxidasse (IMAO) tranilcipromina, feniletilamina iproniazida, pargilina, clorgilina, selegilina, moclobemida, quando interagem com a tiramina presente no leite, queijo, vinho tinto, iogurte, chocolate e cerveja, atuam liberando noradrenalina nas terminações adrenérgicas, o que pode potencializar os efeitos dos inibidores de monoaminooxidase causando crises hipertensivas. (MOURA e REYES, 2002) Anti-hipertensivos O Captopril administrado por via oral sofre rápida absorção e tem biodisponibilidade de cerca de 75 %. Com o alimento, diminui-se a biodisponibilidade oral do captopril em 2530%. Por esse motivo o captopril deverá ser administrado 2 ou 3 horas antes das refeições. (MOURA e REYES, 2002) A nifedipina, quando administrada juntamente com uma dieta hiperlipídica apresenta aumento da velocidade e extensão de absorção, que, por sua vez, provoca maior incidência de efeitos colaterais. (MOURA e REYES, 2002) CONCLUSÃO Nessa revisão bibliográfica foram relatados os casos mais clássicos e comuns de interações entre fármacos e alimentos/nutrientes discutidos na literatura. A finalidade principal desse estudo foi de levar tal informação para acadêmicos e profissionais que muitas vezes negligenciam a importância de tal tema e que pode ser fundamental para o sucesso da terapia medicamentosa. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS LOPES, E. M.; OLIVEIRA, E. A. R.; LIMA, L. H. O.; FORMIGA, L. M. F.; FREITAS, R. M. Interações fármaco-alimento/nutriente potenciais em pacientes pediátricos hospitalizados. Rev. Cienc. Farm. Básica Apl. v. 34, n. 1, p. 131-135, 2013. MOURA, M. R. L.; REYES, F. G. R. Interação fármaco-nutriente: uma revisão. Rev. Nutr. v. 15, n. 2, p. 223-238, 2002. ¹Acadêmicos do Curso de Farmácia do Centro Universitário Luterano de Ji-Paraná CEULJI-ULBRA. 2 Professor orientador, docente do curso de Farmácia do Centro Universitário Luterano de Ji-paraná CEULJIULBRA. E-mail: [email protected] TRUVADA® - MEDICAMENTO APROVADO PARA PROFILAXIA PRÉEXPOSIÇÃO AO HIV (PrEP) Filipe Gomes Guimarães1 Samara Modesto dos Santos1 Ricardo Rodrigues Goulart2 INTRODUÇÃO O vírus da imunodeficiência humana (HIV) é um vírus que continua a alastrar-se em diversas partes do mundo, principalmente através de relações sexuais, mesmo com diversos meios de prevenção. Uma tática promissora para impedir a transmissão é a terapêutica profilática com os fármacos antirretrovirais previamente à exposição ao HIV.1 A profilaxia pré-exposição (PrEP) é uma abordagem para prevenção do HIV, que que os indivíduos não expostos ao vírus, utilizam medicamentos como ferramenta para reduzir o risco de infecção, caso forem expostos ao vírus.2 A PrEP foi recomendada para reduzir o risco de infecção pelo HIV, vírus que pode levar à síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS), podendo ser transmitido em relações sexuais de homens gays e bissexuais, mulheres transexuais e homens e mulheres heterossexuais.1-2 Atualmente, o Truvada é o medicamento aprovado pela FDA, mais indicado para o tratamento profilático do retrovírus HIV, podendo chegar ao índice de quase 100% de proteção contra o contágio do vírus no organismo.2 O desenvolvimento desta pesquisa tem por objetivo contribuir para a compreensão e exposição do que é a PrEP, seu funcionamento profilático, e os dados sintomáticos e biológicos verificados por pesquisas do medicamento Truvada, utilizado na profilaxia pré-exposição contra o HIV. METODOLOGIA Primeiramente, foi realizada uma revisão referente aos conceitos básicos de HIV, AIDS e profilaxia. Posteriormente, foram reunidas informações em sítios governamentais e de ONGs sobre o andamento de pesquisas envolvendo a PrEP no Brasil e em outras partes do mundo. Adicionalmente, realizou-se busca de artigos científicos que permitissem o embasamento teórico para apresentação e discussão sobre profilaxia pré-exposição ao HIV e sobre o recente medicamento aprovado pela FDA, Truvada. Para tanto, foram examinadas as bases de dados bibliográficos da Science Translational Medicine (stm.sciencemag.org), SciELO (www.scielo.org), PubMed (ncbi.nlm.nih.gov/pubmed), para o período de 2012 a 2016, utilizando termos de busca: Pre-Exposure Prophylaxis (PrEP), Prophylaxis, Truvada, HIV prevention. RESULTADOS E DISCUSSÃO A Truvada® foi aprovada em julho de 2012 pelo Food and Drugs Administration (FDA), o Truvada é um medicamento antirretroviral que atualmente mostrou-se ser o mais eficaz combinando dois antirretrovirais em um comprimido: o fumarato de tenofovir desoproxila (TDF, 300 mg) e a emtricitabina (FTC, 200 mg), para ser utilizado como PrEP. De acordo com pesquisas na área, constatou-se que com o uso diário do Truvada induz o indivíduo a uma proteção de quase 100% contra o HIV. Entretanto, o medicamento em questão não chegou ao Brasil para dispensação, porém a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) registrou o medicamento no Brasil.3-7 O funcionamento do medicamento Truvada ocorre bloqueando uma enzima chamada transcriptase reversa do HIV, ao bloquear esta enzima, evita o vírus HIV de se reproduzir no organismo.7-8 “O Truvada é para ser utilizado na profilaxia prévia à exposição, em combinação com práticas de sexo seguro, para prevenir as infecções do HIV adquiridas por via sexual em adultos de alto risco. O Truvada é o primeiro remédio aprovado com esta indicação”, afirmou o FDA.10 De acordo com o Center for Disease Control and Prevention, a utilização do Truvada como PrEP fornece redução de até 99% no risco de contaminação de HIV em indivíduos HIV negativos que ingerem as pílulas todos os dias.5-10 O nível de proteção contra o HIV pode ser reduzido caso o indivíduo não faça um uso diário do medicamento. Os indivíduos que usam PrEP de forma correta possuem níveis mais elevados de proteção almejada contra o HIV.6-8 De acordo com a análise dos dados das pesquisas do iPrEx, foi validado níveis de proteção estimada na eficácia do uso da PrEP:10 Tabela 1 - Quantitativamente o índice de proteção em porcentagem em relação à unidade de pílulas ingeridas na semana. Unidades/Semana Proteção estimada (%) 7 pílulas 4 pílulas 2 pílulas 99% 96% 76% Como expressado na tabela, pode-se analisar que para os indivíduos que tomam 7 pílulas de PrEP (Truvada) por semana, seu nível estimado de proteção é de 99%. Para os indivíduos que tomam 4 pílulas de PrEP por semana, seu nível estimado de proteção é de 96%. Já para as pessoas que tomam 2 comprimidos de PrEP por semana, seu nível estimado de proteção é de 76%.10 De acordo com o laboratório responsável pelo medicamento o uso de Truvada pode ocasionar como efeito colateral, vômitos, diarreia, náuseas e tontura. Há casos também de intoxicação do fígado, perda óssea e alteração da função renal.8-10 Esses sintomas tendem a desaparecer após o 3º mês de uso, pois a maioria foi relatada no inicio do tratamento. Em um estudo relatado no site da PrEP Brasil, realizado a fim de saber se esses efeitos colaterais interferiam na permanência ou abandono do tratamento, foi constatado que 2,7% do total de participantes desistiram por causa dos efeitos adversos e 50% dos que fariam o tratamento desistiram sem ao menos começá-lo, isso significa que a maioria abandonou o tratamento por receio de sentir esses efeitos.2 CONSIDERAÇÕES FINAIS PrEP é uma poderosa arma no arsenal de prevenção do HIV e pode ser combinado com preservativos e outros métodos de prevenção para fornecer uma proteção ainda maior do que quando usado sozinho. Contudo, as pessoas que usam PrEP deve se comprometer a tomar o medicamento todos os dias e receber acompanhamento médico a cada 3 meses. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. UNAIDS Brasil. Disponível em: <http://unaids.org.br/> Acesso em: 05 de abr. de 2016. 2. Profilaxia Pré Exposição Brasil - PrEP Brasil - LapClin - Fiocruz.. Disponível em: < prepbrasil.com.br/> Acesso em: 05 de abr. de 2016. 3. Ferreira, B. E. et al. - Qualidade De Vida De Portadores De Hiv/Aids E Sua Relação Com Linfócitos Cd4+, Carga Viral E Tempo De Diagnóstico – Revista Brasileira Epidemiol, 2012. Pag. 75-84. Disponível em: <http://www.scielosp.org/pdf/rbepid/v15n1/07.pdf> Acesso em: 05 de abr. de 2016. 4. US Public Health Service . Preexposure Prophylaxis For The Prevention Of Hiv Infection In The United States - 2014 A Clinical Practice Guideline. Disponível em: <http://www.cdc.gov/hiv/pdf/PrEPguidelines2014.pdf> Acesso em: 05 de abr. de 2016. 5. Garcia-Lerma, J. G. - Intermitente A profilaxia com Truvada Oral Protege Macaques de Rectal SHIV Infection. Disponível em: <http://stm.sciencemag.org/content/2/14/14ra4.full> Acesso em: 05 de abr. de 2016. 6. Gilead Sciences, Inc. Truvada. Disponível em: <truvada.com/> Acesso em: 05 de abr. de 2016. 7. AIDS Foundation of Chicago. What is PrEP?. Disponível em: <http://myprepexperience.blogspot.com.br/p/what-is-prep.html> Acesso em: 05 de abr. de 2016. 8. Azevedo, R. O “Truvada”, a AIDS e a lógica. Ou: Um remédio de combate à AIDS que pode induzir uma elevação dos casos de contaminação. Revista Veja Online. 16/07/2012. Disponivel em: <http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/o%E2%80%9Ctruvada%E2%80%9D-a-aids-e-a-logica-ou-um-remedio-decombate-a-aids-que-pode-induzir-uma-elevacao-dos-casos-decontaminacao/> Acesso em 07 de abr. de 2016 9. Daniel Reynolds. Study Shows 'On-Demand' PrEP to Drastically Reduce HIV Infection. Advocate, Outubro de 2014. Disponível em: <http://www.advocate.com/31-days-prep/2014/10/29/study-shows-demandprep-drastically-reduce-hiv-infection> Acesso em 07 de abr. de 2016 10. Anderson, P. L. et al. - Emtricitabine-Tenofovir Concentrations and PreExposure Prophylaxis Efficacy in Men Who Have Sex with Men. Disponível em: <http://stm.sciencemag.org/content/4/151/151ra125.full> Acesso em: 05 de abr. de 2016.