A TRANSAÇÃO COMO FORMA DE EXTINÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO: LIMITES, POSSIBILIDADES E RENÚNCIA FISCAL1 Márcia Franco Pires2 RESUMO: O presente artigo tem por objetivo analisar a transação como forma de extinção do crédito tributário, conforme disciplina o art. 171 do Código Tributário Nacional, Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966, cuja aplicabilidade exige a obediência à determinados requisitos formais, quais sejam: autorização prevista em lei, concessões mútuas, terminação de litígio e extinção do crédito tributário. O trabalho também tem por escopo investigar a relação entre transação e renúncia fiscal. PALAVRAS-CHAVE: Transação. Concessões Mútuas. Extinção do Crédito Tributário. Legalidade. Indisponibilidade do Erário. Interesse Público. Eficiência. Renúncia Fiscal. INTRODUÇÃO: A transação em matéria tributária é um assunto controverso. A doutrina jurídica brasileira tem dedicado poucas páginas à discussão sobre esta forma de extinção do crédito tributário e meio consensual de solução de controvérsias. A jurisprudência, a seu turno, refere-se com mais frequência à acepção de transação em seu sentido amplo (transação bancária, imobiliária, comercial, etc), pouco mencionando o instituto em sentido estrito, tributário no estudo em tela, mas acolhendo sua realização. A transação é modalidade de extinção do crédito tributário, mas modalidade especial, peculiar, uma vez que admite a autocomposição em lide tributária, ao invés da regra geral, de exigência unilateral de pagamento, pois o ato administrativo do lançamento é vinculado e obrigatório, não sendo possível o agente fiscal outorgar vantagens ao contribuinte devedor. A tentativa de diminuir a litigiosidade entre Fisco e contribuinte, por meio de medidas de conciliação, cresce paulatinamente. Neste contexto, cabe o desafio em conhecer essas formas consensuais de solução de controvérsias, e ponderar a aplicabilidade das mesmas, uma vez que o intuito é somente o de propciar uma Administração mais eficiente e cumpridora dos direitos e garantias fundamentais constitucionais. 1 Artigo extraído do trabalho de conclusão apresentado à banca examinadora, composta pela Orientadora, Profª. Ms. Magda Azario Kanaan Polanczyk, pelo Prof. Ms. Plínio Saraiva Melgaré e pelo Prof. Ms. Cláudio Lopes Preza Júnior, como requisito à obtenção do grau de Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais na Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Aprovado com grau máximo em 30 de novembro de 2010. 2 Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela PUCRS. Contato: [email protected] 2 1. TRANSAÇÃO 1.1 Significado do vocábulo no Direito Romano A palavra transação, do latim transactio, de transigere (verbo transigir), era aplicada pelos romanos de duas formas: em sentido amplo e definição vaga, compreendia toda a operação comercial, bancária, convenção, contrato ou qualquer espécie de combinação mercantil. Em sentido estrito, na esfera de ação do Direito, o termo transação referia-se a um ato jurídico onde as partes, mediante concessões recíprocas, extinguiam a obrigação ajustando certas condições, com a finalidade de prevenir ou terminar o litígio3. Ainda persiste nos dias de hoje esse sentido dúbio de significado do vocábulo transação. A transactio passa a existir documentada na legislação e na jurisprudência romana somente a partir da metade do século II d.c., seja pela escassez de fonte ou pela interpretação ambígua que o instituto apresentava, pois, ao longo do tempo, transitou dos acordos negociais não solenes para a zona ampla e frequentemente indeterminada dos contratos. A compilação de Justiniano é a fonte mais predominante sobre o regime da transação, dedicando na consolidação das leis romanas do Digesto e do Codex escritos jurídicos sobre o assunto. Nos textos legais do Digesto (publicado no ano 533 d.c.), a palavra vinha no plural, evidenciando a variedade de formas e de finalidades para se transigir4. No período Justiniano, com o intuito de tornar imperativo o que foi convencionado, celebrava-se a transação através da stipulatio5, o mais importante dos contratos inominados. Como consequência da expansão econômica, cultural e das relações pessoais da sociedade romana, o instituto da transação foi qualificado como uma espécie de contrato, determinando o vínculo jurídico entre os contratantes. Alguns autores mencionam a incerteza como o objeto principal da transação, constituindo a existência de direito incerto ou duvidoso na relação entre as partes e sendo a transação a forma de eliminar a coisa duvidosa por meio de concessões recíprocas. Nessa acepção, os romanos definiram a transação como uma convenção, onde a incerteza era extinta mediante obrigações mútuas entre as partes. A doutrina majoritária, entende que a transação, nesse contexto, referia-se à coisa duvidosa, predominando a teoria da res dubia, ao invés da teoria da res litigiosa, denotando que 3 SILVA, De Plácido e. Transação (verbete). Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p.1421. 4 MELILLO, Generoso. Transazione: diritto romano (verbete). Enciclopedia del Diritto. Vol. XLIV. Giuffrè, 1992. p. 771. 5 A stipulatio apresentava uma esfera de aplicação ampla no período clássico, dada a simplicidade e a natureza jurídica de negócio abstrato. Tinha eficácia obrigatória sobre qualquer convenção referente a coisa certa ou incerta, fato, abstenção ou acordo de vontades. Caracterizava-se por ser um contrato verbal por excelência, celebrado por meio de perguntas e respostas orais e solenes realizadas entre os futuros credor (stipulator; reus stipulandi) e devedor (promissor; reus promittendi). Exigia como requisitos a oralidade, a presença das partes, a unidade do ato (não ocorria a stipulatio se a resposta não viesse imediatamente após a pergunta) e a conformidade precisa entre a pergunta e a resposta. ALVES, José Carlos Moreira. Direito Romano. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 498-500. 3 o instituto poderia ocorrer não somente quando houvesse litígio, mas também na hipótese de incerteza sobre o direito ou sobre o resultado da contenda6. Como explica Adalberto Pasqualotto, a transactio romana não somente se referia a extinção ou término de litígios mediante a reciprocidade de concessões, mas também a superação de situações mal definidas. O autor comenta: À parte a imprecisão conceitual, parece induvidoso que, tanto na prática jurídica, especialmente nas conciliações judiciais – como testemunha a Lei das XII Tábuas -, como no comércio, as situações dúbias quanto à quantidade das prestações ou a certeza do direito eram resolvidas mediante instrumentos 7 negociais hábeis a realizar o equilíbrio dos interesses contrapostos . Os romanos foram insuperáveis no campo jurídico, sendo os responsáveis pela elaboração da Ciência do Direito. A definição do termo transação no período romano foi aprimorada ao longo do tempo, mas seus requisitos essenciais serviram de base aos sistemas jurídicos atuais, permanecendo como características fundamentais para a sua realização a onerosidade, a prevenção ou término de um litígio e a reciprocidade de concessões. A grandiosidade da obra que eles deixaram à humanidade ainda influencia poderosamente o direito ocidental contemporâneo. 1.2 Concepção de Transação no Código Civil 1.2.1 Definição A previsão da transação está expressa no art. 840 e seguintes do Código Civil, trazendo a mesma definição8 do diploma revogado de 1916. Na teoria civilista, o Código Civil de 2002 inseriu a transação como uma espécie de contrato, deslocando-a dos efeitos da extinção das obrigações, onde se localizava no Código anterior. Consoante orientação do autor De Plácido e Silva: No conceito do Direito Civil, e como expressão usada em sentido estrito, transação é a convenção em que, mediante concessões recíprocas, duas ou mais pessoas ajustam certas cláusulas e condições para que previnam litígio, que se possa suscitar entre elas, ou ponham fim a litígio já suscitado. Assim, a transação, sempre de caráter amigável, fundada que é em acordo ou em ajuste, tem a função precípua de evitar a contestação ou o litígio, prevenindo-o, ou de terminar a contestação, quando já provocada, por uma transigência de lado a lado, em que se retiram, ou se removem todas as dúvidas ou controvérsias, 9 acerca de certos direitos . (grifo do autor) 6 ROCHA, José de Moura. Transação Judicial (verbete). Enciclopédia Saraiva do Direito. Vol.74. São Paulo: Saraiva, 1982. p. 288. 7 PASQUALOTTO, Adalberto.Contratos Nominados III. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 277. 8 CC, Art. 840: É lícito aos interessados prevenirem ou terminarem o litígio mediante concessões mútuas. BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. 9 SILVA, De Plácido e. op. cit., p.1421. 4 Pontes de Miranda, elucida que a transação dá-se quando duas ou mais pessoas ajustam concessões recíprocas, com o intuito de encerrar a controvérsia sobre determinada relação jurídica, seu conteúdo, extensão, validade ou eficácia: Não importa o estado de gravidade em que se ache a discordância, ainda se é quanto à existência, ao conteúdo, à extensão, à validade ou à eficácia da relação jurídica; nem ainda, a proveniência dessa, se de direito das coisas, ou de direito das obrigações, ou de direito de família, ou de direito das sucessões, ou de direito público. Naturalmente, há de exigir-se a transacionabilidade de 10 cada interesse de que se abriu mão . Nesse contexto, a reciprocidade no conceder é fundamental à transação, pois se não há concessão, de uma e outra parte, não há que se falar em transação, o que pode haver é renúncia, desistência, perdão, liberalidade, mas não transação. 1.2.2 Natureza Jurídica A transação, por tratar-se de acordo bilateral, tem natureza jurídica contratual. O intuito da transação é evitar uma demanda ou a duração prolongada da lide, onde os interessados desistem, reciprocamente, de algum favorecimento ou proveito. Distinguindo a transação como contrato, segura é a sua força cogente, oriunda da própria vontade entre os transatores. A lição de Nelson Nery Júnior segue esse entendimento: a transação é um contrato que tem por finalidade encerrar ou prevenir um litígio mediante concessões recíprocas entre os contratantes11. Conforme Adalberto Pasqualotto, a transação é classificada como um contrato consensual, formal, sinalagmático, comutativo12 e oneroso, dados os seus requisitos essenciais, que são: a existência de uma relação jurídica insegura, origem de uma lide atual ou futura; o acordo com reciprocidade de concessões, onde cada parte compromete-se a dar ou prometer algo, mas também receber alguma coisa ou vantagem13. A doutrina não difere quanto ao entendimento de que a transação é contrato sinalagmático, pois o art. 840 do Código Civil, faz alusão à concessões recíprocas. Todavia, não é uniforme a opinião dos autores no que se refere a prestação que os contratantes trocam entre si. Rubens Miranda de Carvalho diz que o contrato não será fundamentalmente comutativo, pois uma das partes pode abdicar em mais situações ou valores do que a outra14. Acrescenta-se, nesse ponto, o que conclui a doutrinadora Maria Helena Diniz: 10 MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Tomo XXV.Campinas: Bookseller, 2003, p. 151. NERY JÚNIOR, Nelson. Código Civil Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 668. 12 O professor Pasqualotto explica que “a transação é sempre comutativa, pois as prestações, comutativas (prestações certas) ou aleatórias (situação de indeterminação, incerteza, acaso da contraprestação) são as do contrato transacionado. A troca que os transatores fazem envolve a incerteza jurídica, não fática como nos contratos aleatórios”. PASQUALOTTO, Adalberto. op. cit., p. 280. 13 PASQUALOTTO, Adalberto. Ibidem., p. 276. 14 CARVALHO, Rubens Miranda de. Transação Tributária, Arbitragem e Outras Formas Convencionadas de Solução de Lides Tributárias. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2008, p. 24. 11 5 A transação é um instituto sui generis, por consistir numa modalidade especial de negócio jurídico bilateral, que se aproxima do contrato, na sua constituição, e do pagamento, nos seus efeitos, por ser causa extintiva de obrigações, possuindo dupla natureza jurídica: a de negócio jurídico bilateral e a de 15 pagamento indireto . É conveniente referir os preceitos decorrentes da natureza jurídica da transação. São eles: 1) Indivisibilidade – dá-se justamente devido à vontade das partes, que estipulam as cláusulas do contrato, conforme disciplina o art. 848 do Código Civil: Art. 848. Sendo nula qualquer das cláusulas da transação, nula será esta. Parágrafo único. Quando a transação versar sobre diversos direitos contestados, independentes entre si, o fato de não prevalecer em relação a um não 16 prejudicará os demais . A exceção está no parágrafo único desse artigo, aplicável nos casos em que a transação envolva diversos negócios autônomos, sem relação entre si. Nesta hipótese, o contrato não perderá sua validade quanto à totalidade das estipulações se uma das disposições for nula, por não prejudicar os contratantes. 2) Interpretação restritiva – a orientação diretiva que determina ser a transação interpretada restritivamente está no art. 843 do Código Civil, 1ª parte: “A transação interpreta-se restritivamente [...]”17, e decorre do fato de ser um instrumento que implica em renúncia de direitos ou de prestações, que são substituídas por concessões recíprocas. Não cabe realizar interpretação analógica e nem abranger situações que extrapolem o que foi convencionado no instrumento contratual. 3) Negócio jurídico declaratório – a transação declara ou reconhece direitos, não transmite-os. O intuito é dirimir uma situação jurídica preexistente controversa e incerta, consoante art. 843 do mencionado código, 2ª parte, “[...] e por ela não se transmitem, apenas se declaram ou reconhecem direitos”. O entendimento de Pontes de Miranda é diverso. Para o doutrinador, a transação é um negócio jurídico bilateral modificativo e não apenas declaratório, pois pode resultar em efeito modificativo, ultrapassando a simples declaratividade, uma vez que os transatores podem renunciar a um bem de que dispõem ou até transferi-lo. Daí o doutrinador dizer que “a transação modifica a relação jurídica de direito das obrigações ou de direito das coisas, pois para se eliminarem litígios ou inseguridades, se fazem concessões”18. Por esta razão, exige-se dos transatores o poder de dispor livremente sobre os bens e direitos que envolvem a transação. Sendo assim, o contrato de transação, que é obrigacional, pode vir acrescido de um negócio real de implemento, por exemplo o de transmissão da propriedade, o de cessão de créditos, o de remissão de dívida, pois o acordo de transação, isoladamente, não transmite 15 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Volume II. Teoria Geral das Obrigações: São Paulo: Saraiva, 2007. p. 332. 16 BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. 17 BRASIL. ibidem. 18 MIRANDA, Pontes de. op. cit., p. 204. 6 direitos. Entretanto, como enfatiza Adalberto Pasqualotto, o efeito modificativo não é efetivamente reconhecido como sendo a posição majoritária, justamente pela expressa disposição do art. 843 do Código Civil19. 1.2.3 Objeto A regra é que a transação pode somente versar sobre direitos patrimoniais de caráter privado que sejam atuais e possam ser renunciados, consoante o art. 841 do Código Civil20, não sendo possível transacionar direitos patrimoniais titulados por pessoas jurídicas de direito público, bem como aquelas relações jurídicas de caráter privado que digam respeito à ordem pública. A controvérsia que motiva a realização da transação pode discutir sobre qualquer ramo do direito, sendo possível o objeto ser crédito, pretensões, obrigações, dívidas, entre outros. Porém, a superação da questão em foco dá-se somente no âmbito do direito das obrigações (direito material). 1.2.4 Modalidades É possível promover-se a transação no curso de um processo (judicial), extinguindo-o; ou preventivamente, com o intuito de evitar a lide, (extrajudicial), conforme disciplina o art. 842 do Código Civil21. Com efeito, a transação é um negócio jurídico solene, estando a sua eficácia submetida à forma prescrita em lei. a) Judicial A transação judicial se processa em juízo, durante o litígio já existente. Pode ocorrer no curso de ato processual, sendo, nesta hipótese, reduzida a termo nos autos, assinada pelos transatores e homologada pelo juiz, após o parecer favorável do Ministério Público. De igual modo, os interessados podem, por iniciativa extrajudicial, acordar em encerrar a lide. Esse acordo, firmado por escritura pública, deve ser levado a juízo, para que seja juntado aos autos e homologado pelo juiz, pois dessa homologação depende a produção do efeito extintivo da relação jurídico-processual, de acordo com o art. 269,III do Código de Processo Civil22, bem como constituir título executivo judicial, norma disciplinada no art. 475 – N, da mesma Lei23. 19 PASQUALOTTO, Adalberto. op. cit., p. 289. CC, Art. 841: Só quanto a direitos patrimoniais de caráter privado se permite a transação. BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. 21 CC, Art. 842: A transação far-se-á por escritura pública, nas obrigações em que a lei o exige, ou por instrumento particular, nas em que ela o admite; se recair sobre direitos contestados em juízo, será feita por escritura pública, ou por termo nos autos, assinado pelos transigentes e homologado pelo juiz. 22 CPC, Art. 269: Haverá resolução de mérito: [...] III - quando as partes transigirem. BRASIL. Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973. 23 CPC, Art. 475-N: São títulos executivos judiciais:[...] III – a sentença homologatória de conciliação ou de transação, ainda que inclua matéria não posta em juízo. BRASIL. Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973. 20 7 b) Extrajudicial Nesta modalidade preventiva, as partes acordam em não utilizarem o direito de ação que possuem, declarando, a termo, tal vontade. A lei determina que a transação extrajudicial seja firmada por escritura pública, quando o objeto implicar em direitos que exigem essa forma legal para serem alienados, (arts. 107 e 108 do Código Civil)24, ou documentada por instrumento particular. 1.2.5 Nulidade e Anulação As nulidades e anulabilidades que podem incidir na transação são de direito material e aplicam-se as determinações cabíveis a todos os negócios jurídicos. Como já visto, a regra geral do art. 848 do Código Civil dispõe sobre a indivisibilidade da transação, sendo nulo todo o contrato em caso de nulidade de qualquer de suas cláusulas. Acrescenta-se, neste ponto, o art. 850 da mencionada legislação: Art. 850. É nula a transação a respeito do litígio decidido por sentença passada em julgado, se dela não tinha ciência algum dos transatores, ou quando, por título ulteriormente descoberto, se verificar que nenhum deles tinha direito sobre 25 o objeto da transação . A disposição do art. 850 do Código Civil determina duas hipóteses de nulidade da transação: 1) caso de litígio já decidido por sentença transitado em julgado, sendo essa decisão desconhecida por algum dos transatores. É nula a transação, uma vez que não havia mais sobre o quê transigir; 2) nenhum dos transigentes tinha direito ao objeto da transação e somente depois dela realizada ficaram cientes, por descoberta posterior de título que indicou carência de direito sobre o objeto da transação em relação a qualquer uma das partes. O art. 849 do Código Civil demonstra as circunstâncias em que ocorre a anulabilidade: Art. 849. A transação só se anula por dolo, coação, ou erro essencial quanto à pessoa ou coisa controversa. Parágrafo único. A transação não se anula por erro de direito a respeito das questões que foram objeto de controvérsia entre as partes. A anulação de um contrato de transação pode ser motivada por vícios de manifestação de vontade, restritos às causas de dolo, coação ou erro essencial quanto à pessoa ou coisa controversa, referente aos próprios transatores, não atingindo terceiros. 24 CC, Art. 107: A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir. CC, Art. 108: Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País. BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. 25 BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. 8 Por fim, da lição de Adalberto Pasqualotto26, é prudente referir o fundamento da transação, que como qualquer contrato apresenta uma nítida função social: transigir supera desentendimentos, uma vez que dirime as desavenças entre os transatores, e propcia a harmonia dos interesses privados dos contratantes, bem como conveniência para toda a coletividade, por significar economia processual ao eliminar a lide judicial já existente, ou sequer instaurá-la. 1.3 Concepção de Transação no Código Tributário Nacional A aplicação da transação no direito tributário sofre limitações, se comparada com a sua utilização no direito civil, em face das regras restritivas que compõem o Direito Público e dos princípios existentes no Direito Constitucional, Administrativo e Tributário. O Código Tributário Nacional dispõe no art. 171: A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe determinação27 de litígio e consequente extinção de crédito tributário. Parágrafo Único: A lei indicará a autoridade competente para autorizar a 28 transação em cada caso . Conforme a redação do citado artigo, a disposição normativa não restringe o exercício da transação, estando a aplicação do instituto balizado pela Constituição, que, a seu turno, não impõe qualquer impedimento para a adoção de soluções conciliatórias em matéria tributária. Nesse sentido, transacionar é fazer um acordo, onde a Fazenda e o contribuinte inadimplente ajustam concessões mútuas. Todavia, pelas particularidades de sua aplicação, resta claro que somente poderá haver transação se existir previsão legal expressa autorizando o instituto, e prestando-se para a terminação do litígio que verse sobre a extinção do crédito tributário. Da lição de Paulo de Barros Carvalho refere-se: Os sujeitos do vínculo concertam abrir mão de parcelas de seus direitos, chegando a um denominador comum, teoricamente interessante para as duas partes, e que propcia o desaparecimento simultâneo do direito subjetivo e do 29 dever jurídico correlato . Alguns autores mencionam a dúvida e a controvérsia como elementos essenciais para a realização da transação, ideia que, como já visto, vem desde o direito romano. Consoante orientação de Bernardo Ribeiro de Moraes, entende-se: Encontrou-se, na transação, um instrumento para terminar litígios tributários, desde que estes apresentem dúvidas sobre certa relação jurídica. Inexistindo 26 PASQUALOTTO, Adalberto. op. cit., p. 304 - 305. A palavra determinação mantém-se na redação conforme publicação oficial. O correto seria terminação. Essa é a orientação registrada por algumas editoras. 28 BRASIL, Lei 5.172 de 25-10-1966. Código Tributário Nacional. 29 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 532. 27 9 dúvida, a transação perde o seu objeto ou finalidade. [...] A transação exige a existência de uma relação jurídica duvidosa, mesmo que seja o receio do resultado de um processo ainda não iniciado, e a existência de concessões mútuas, de parte à parte. De um lado a Fazenda Pública e de outro o sujeito 30 passivo. O crédito tributário, por sua vez, já deve estar formalizado . No mesmo sentido assevera Hugo de Brito Machado: Geralmente, da transação decorre a extinção da relação obrigacional que albergava o litígio, mas tal extinção não constitui o objetivo da transação. O que há de ficar extinto pela transação é o litígio, potencial ou já instalado, vale dizer, a incerteza quanto a relação jurídica, que era incerta e por isso mesmo abrigava pretensões opostas. Com a transação desaparece a lide, vale dizer, a pretensão 31 resistida. Não necessariamente a relação que dava ensejo às pretensões . Se é assim, desde logo reitera-se que o contexto de aplicação da transação em matéria tributária é restrito e tem por finalidade extinguir o crédito tributário por meio de acordo, em que a Fazenda Pública e o contribuinte cedem a algo entendido como controvertido para resolver o litígio ou a dúvida. A possibilidade de extinção do crédito tributário mediante um instituto consensual, como a transação, evidencia uma aparente contradição, pois há o confronto entre a obrigatoriedade da cobrança do tributo e a possibilidade de um acordo para a solução da pretensão resisitida pelo sujeito passivo, pois esse tem o dever legal de pagar tributos e o sujeito ativo tem a obrigação de arrecadar os valores pecuniários vinculados às hipóteses e discriminações constantes no Código Tributário Nacional. Interpretando o art. 171 do mencionado código, Nadja Araújo observa que a autorização da lei para que as partes transijam, é a busca pelo valor devido ao Fisco, e a finalidade almejada através do acordo, é o encerramento do litígio e a consequente extinção do crédito tributário, ficando a cargo do legislador, além de permitir, delimitar as condições concernentes às concessões mútuas entre o gestor fazendário e o contribuinte devedor, por meio da solução autocompositiva. Nessa ordem de considerações, a lei que permite a realização da transação deve fixar os limites de atuação de ambos os pólos, ativo e passivo, e indicar a autoridade administrativa competente, que estando diante de uma demanda sobre o crédito tributário já constituído e tendo por finalidade o encerramento das pretensões controversas, deve avaliar a possibilidade de concretização do ajuste para extinguir a dívida mediante concessões recíprocas. Essa autoridade administrativa, exerce, certamente, um juízo de conveniência e oportunidade, para restringir e concordar com o pactuado entre a Fazenda e o contribuinte, todavia, não pode extrapolar os interesses voltados à satisfação coletiva e as finalidades tuteladas em Lei. As decisões da autoridade fiscal devem obedecer às 30 MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de Direito Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 457. 31 MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional. Vol. III, São Paulo: Atlas, 2005. p. 512. 10 disposições do art. 141 do Código Tributário Nacional32 e avaliar a pertinência pela autocomposição na solução da questão com a consequente extinção do crédito tributário, conforme a permissão da lei, no art. 171. Quanto a iniciativa da proposta para a realização da transação, a doutrina não é uniforme. Alguns autores entendem que tanto o Fisco quanto o contribuinte podem fazer a proposição. Outros mencionam que a iniciativa cabe apenas à Administração Pública. Láudio Fabretti explica que a proposta de um acordo para transigir em matéria tributária é oferecida pela Administração Pública, por meio de lei, com o intuito de encerrar um litígio administrativo ou judicial, que trate de pagamento de crédito tributário. Seriam feitas concessões por parte do Fisco, visando o interesse público (por exemplo, diminuindo despesas desnecessárias para o Estado na cobrança de créditos de pequeno valor), e por parte do sujeito passivo, com a finalidade de atingir os interesses da coletividade. Se for aceita pelo devedor a proposta da Administração e as condições estabelecidas por ela, ocorrerá a extinção do crédito tributário na forma prevista em lei, referente à transação33. Hugo de Brito Machado, por outro lado, comenta que a proposta de transação cabe para ambos os pólos, passivo e ativo, do crédito tributário: A celebração da transação não poderia ser feita por qualquer agente do Fisco. A lei definiria o procedimento a ser adotado e o órgão competente para esse fim. O procedimento poderia ser da iniciativa do contribuinte, em face da exigência que considerasse descabida. A proposta do acordo não configuraria confissão, nem reconhecimento do direito da Fazenda, mas simplesmente uma tentativa de evitar o litígio em face de certas particularidades da situação de fato, ou das normas legais aplicáveis, capazes de ensejar fundada dúvida sobre a relação obrigacional tributária.[...] Assim, lavrado um auto de infração, o contribuinte poderia impugnar a exigência e também, simultaneamente, propor a transação. Ou propor a transação e reservar-se para impugnar a exigência no caso de não 34 ser a transação a final celebrada . Enfrentando-se a questão, uma vez apresentada pelo contribuinte a proposta para transigir, o processo administrativo seria interrompido temporariamente pelo órgão julgador, que o enviaria à autoridade competente para a celebração do acordo. Uma vez efetuada a transação, cumprindo-se as exigências do procedimento, o crédito tributário seria pago conforme o estabelecido entre os transatores e, assim, extinta a obrigação. Se, por hipótese, efetivamente não ocorrer a transação, o contribuinte teria assegurado o seu direito de impugnar a exigência da cobrança, como acontece usualmente. Pela disposição do Código Tributário Nacional, que autoriza as partes transigirem para a terminação de litígio, merece registro que a transação tributária dáse somente em âmbito judicial (terminativa). A modalidade extrajudicial (preventiva), não é admitida no direito tributário. Sacha Calmon Navarro Coêlho asinala que “pelo 32 CTN, Art.141: O crédito tributário regularmente constituido somente se modifica ou extingue, ou tem sua exigibilidade suspensa ou excluída, nos casos previstos nesta Lei, fora dos quais não podem ser dispensadas, sob pena de responsabilidade funcional na forma da lei, a sua efetivação ou as respectivas garantias. BRASIL, Lei n. 5.1172, de 25 de outubro de 1966. 33 FABRETTI, Láudio Camargo. Contabilidade Tributária. São Paulo: Atlas, 2000. p. 152. 34 MACHADO, Hugo de Brito. op. cit., p. 529 - 530. 11 sistema do CTN, portanto, a transação só pode ser terminativa do litígio, afastada a modalidade preventiva”35. A doutrina é pacífica quanto a essa classificação, entendendo que cabe a transação quando já instalada a controvérsia, mas não é unânime quanto a sua ocorrência, ou seja, se o instituto pode ser aplicado somente em lide já judicializada ou também na esfera administrativa. A obra de Bernardo Ribeiro de Moraes menciona que transigir em matéria tributária apenas é possível quando já existe uma lide judicial: Assim, verifica-se que a transação tem por objeto exclusivamente a terminação de litígio e o não litígio, dúvida ou controvérsia (como é no direito privado). Como litígio somente existe em processo contencioso, onde existe formação de juízo para a apreciação da causa, a transação somente pode ser realizada em 36 processos judiciais . De modo diferente afirma Paulo de Barros Carvalho, que entende ser possível o cabimento da transação na esfera administrativa: Ao contrário do que sucede no direito civil, em que a transação tanto previne como termina litígio, nos quadrantes do direito tributário só se admite a transação terminativa. Há de existir litígio para que as partes, compondo seus mútuos interesses, transijam. Agora, divergem os autores a propósito das proporções semânticas do vocábulo litígio. Querem alguns que se trate de conflito de interesses deduzido judicialmente, ao passo que outros estendem a acepção a ponto de abranger as controvérsias meramente administrativas. Em tese, concordamos com a segunda alternativa. O legislador do Código não primou pela rigorosa observância das expressões técnicas, e não vemos por que o entendimento mais largo viria em detrimento do instituto ou da racionalidade do sistema. O diploma legal permissivo da transação trará, certamente, o esclarecimento desejado, indicando a autoridade ou as 37 autoridades credenciadas a celebrá-la . (grifo do autor) Outro assunto que considera-se oportuno elucidar, é a divergência da doutrina quanto ao aspecto do parcelamento38 na aplicação da transação, pois há autores que associam o parcelamento com a transação. Manoel Álvares esclarece: 35 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p.739. 36 MORAES, Bernardo Ribeiro de. op.cit., p. 457. 37 CARVALHO, Paulo de Barros. op. cit., p. 532 - 533. 38 A moratória, prevista em lei, é gênero da espécie parcelamento e ambos são causas suspensivas da exigibilidade do crédito. Conforme Luciano Amaro, a moratória “consiste na prorrogação do prazo (ou na concessão de novo prazo, se já vencido o prazo original) para o cumprimento da obrigação.” O parcelamento é uma concessão dada pela autoridade administrativa, com permissão legal, onde o sujeito passivo poderá pagar o crédito tributário em um número determinado de prestações fixadas previamente. Enquanto perdurar o acordo, a Fazenda não pode exigir a totalidade do crédito, e, tampouco, dá-lo por extinto. AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro, São Paulo: Saraiva, 2010. p. 405 e 693. Sacha Calmon Navarro Coêlho menciona que “a moratória, lato sensu, não é transação, que no Direito Tributário brasileiro não pode ser preventiva (art. 171 CTN), mas tão-somente terminativa de litígio judicial. Pode, no entanto, decorrer de transação judicial, já que esta é, no fundo, modus operandi”. COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. op. cit., p. 739. 12 A transação não se confunde com o parcelamento. A primeira é causa de extinção, enquanto o segundo é causa de suspensão da exigibilidade do crédito tributário. Por isso, não cumprido o parcelamento, o crédito tributário pode voltar a ser exigido por inteiro ou pelo saldo remanescente relativo às parcelas não 39 quitadas . (grifo do autor) O entendimento de Ricardo Lobo Torres é diverso: Assim acontece, por exemplo, com o parcelamento da dívida fiscal, com a dação em pagamento, com a remissão parcial. Se a discussão sobre o crédito tributário já se tiver projetado para a esfera judicial, a transação consistirá no reconhecimento pelo sujeito passivo da liquidez a certeza do direito da Fazenda e na renúncia à interposição de recurso, e por parte do sujeito ativo, na concordância em receber o seu crédito parceladamente ou mediante a entrega 40 de bens . Acrescenta-se, contudo, o que observa Paulo de Barros Carvalho, sobre a efetiva extinção do crédito tributário mediante a realização da transação: Mas, é curioso verificar que a extinção da obrigação, quando ocorre a figura transacional, não se dá, propriamente, por força das concessões recíprocas, e sim do pagamento. O processo de transação tão somente prepara o caminho para que o sujeito passivo quite sua dívida, promovendo o desaparecimento do vínculo. Tão singela meditação já compromete o instituto como forma extintiva 41 de obrigações . A casuística dos tribunais, não seguindo a doutrina, assevera a distinção dos institutos da transação, que é modalidade de extinção do crédito tributário (art. 156, III CTN) e do parcelamento, que é forma de suspensão do crédito tributário (art. 151, VI CTN), como já mencionado, demonstrando que ambos não se confundem. O parcelamento prorroga o prazo para o pagamento do crédito tributário. A transação extingue a obrigação. Nesse sentido, ilustra-se com um julgado do TRF4. Em decisão recente, no sentido de demonstrar que os institutos da transação e do parcelamento não se confundem, foi o entendimento da Egrégia 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que negou provimento ao Agravo de Instrumento interposto por VERDE BRASIL CORRETORA DE SEGUROS DE VIDA LTDA, contra decisão que negou seguimento ao agravo de instrumento, com base no art. 557, caput, do Código de Processo Civil. No caso em tela, a empresa postulou pelo desbloqueio do valor penhorado on line, pois foi acertado parcelar a dívida, e a penhora, realizada em data anterior ao parcelamento dos valores. A ora agravante pediu pelo desbloqueio do dinheiro, uma vez que as parcelas vincendas já estavam determinadas. O tribunal entendeu que não houve adesão à transação ou à novação, por exemplo, o que resultaria na extinção do crédito, mas sim parcelamento da dívida, o que acarreta em suspensão da exigibilidade, persistindo, assim, o vínculo obrigacional e servindo de garantia o valor bloqueado. 39 ÁLVARES, Manoel. Código Tributário Nacional Comentado – Doutrina e Jurisprudência, Artigo por Artigo, inclusive ICMS e ISS. São Paulo: revista dos Tribunais, 2007. p. 746. 40 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 298. 41 CARVALHO, Paulo de Barros. op. cit., p. 532. 13 Ementa TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. SOLUÇÃO IMEDIATA. AGRAVO LEGAL. DECISÃO AGRAVADA. POSSIBILIDADE. PENHORA. ADESÃO A PARCELAMENTO. MANUTENÇÃO. 1 - Viável solver o agravo de instrumento por meio de decisão terminativa quando o seu objeto confronta jurisprudência dominante ou está em sintonia com precedentes dos tribunais superiores. Inteligência dos artigos 557 - caput e §1º-A -, do CPC e 5º, inciso LXXVIII, da CF. 2 - A adesão a parcelamento não implica novação ou transação do débito, apenas provocando a suspensão da sua exigibilidade pelo período em que perdurar a avença. Por isso, todas as garantias já prestadas mantém-se, não havendo como liberá-las antes da total extinção da dívida. (grifo nosso) 3 - Quando do pedido de parcelamento, já havia sido ordenada e efetivada a penhora on line, motivo pelo qual não há falar em liberação do bloqueio, o qual servirá de garantia a eventual e futuro prosseguimento da execução. 4 - Agravo legal improvido. Fonte D.E. 24/03/2010 Relator ARTUR CÉSAR DE SOUZA Decisão Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo legal, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado42. Assim como outras figuras previstas no Código Tributário Nacional, como a compensação e a remissão, a transação é um dos mecanismos permitidos pela legislação tributária para a extinção do crédito tributário. Tendo o administrador uma margem de discricionariedade para eleger os meios mais adequados à realização de um fim, os critérios para a sua orientação devem estar concernentes aos Princípios que regem a Administração, sem possibilidade de arbítrio. 2. PRINCIPIOLOGIA Os Limites de Controle Constitucional no Âmbito da Atividade Administrativa e Tributária Os limites de controle de constitucionalidade atinentes à atividade administrativa e tributária que considera-se oportuno enfrentar, sem aprofundar todos os postulados elencados no art. 37 da Constituição Federal, são as limitações concernentes à efetiva execução da transação, quais sejam, os Princípios da Legalidade, da Supremacia do Interesse Público sobre o Privado e o da Eficiência. Legalidade, pela óbvia razão de ser o art. 171 do Código Tributário Nacional uma norma excepcional, que determina a necessidade de lei que autorize a sua aplicação prática. O propósito do exame dos Princípios da Supremacia do Interesse Público sobre o Privado e o da Eficiência, é que, para transigir, a Indisponibilidade do Interesse Público contrapõe-se à Eficiência, na medida em que aquele princípio é o maior argumento dos que rejeitam a realização do instituto, e esse, é a principal defesa para a sua utilização. 42 Jurisprudência TRF4: AG 0002124-55.2010.404.0000, 2ª Turma, Relator Artur César de Souza, D.E. 24/03/2010). Disponível em: <http://gedpro.trf4.gov.br/visualizarDocumentosInternet.asp?codigoDocumento=3322836&termosPesquis ados=transacao|tributaria|parcelamento> Acesso: 3 set. 2010. 14 2.1 Princípio da Legalidade O Princípio da Legalidade adveio da necessidade de limitar o poder estatal, caracterizando a democracia republicana e significando a supremacia da Lei, fundamento e limite de validade da atividade administrativa, incluindo-se, neste contexto, a Administração Fazendária. Conforme Celso Antônio Bandeira de Melo: [...] o princípio da legalidade é específico do Estado de Direito, é justamente aquele que o qualifica e que lhe dá identidade própria. Por isso mesmo é o princípio basilar do regime jurídico-administrativo, já que o direito administrativo (pelo menos aquilo que como tal se concebe) nasce com o Estado de Direito: é uma consequência dele. É o fruto da submissão do Estado à lei. É em suma: a consagração da ideia de que a Administração Pública só pode ser exercida na conformidade da lei e que, de conseguinte, a atividade administrativa é atividade sublegal, infralegal, consistente na expedição de comandos complementares à 43 lei . A eficácia de toda atividade administrativa está condicionada ao atendimento à lei, ou seja, à Administração só é permitido fazer o que a norma autoriza. As leis administrativas são de ordem pública, cogentes, e seus preceitos não podem ser descumpridos, nem mesmo por acordo ou vontade conjunta de seus aplicadores e destinatários. A finalidade do Princípio da Legalidade é o de submeter os exercentes do poder em concreto a um quadro normativo que não se caracterize por favoritismos, perseguições, desmandos ou qualquer negociação que extrapole o balizamento que sofre o Estado. Pretende-se por meio da norma geral, abstrata e impessoal, qual seja, a lei, garantir que a atuação do Executivo nada mais seja senão a concretização da harmonia social. Roque Antônio Carrazza esclarece: O Estado de Direito limita os poderes públicos, isto é, concretiza-se numa proibição de agir em desfavor das pessoas. Por isso, nele, para a melhor defesa dos direitos individuais, sociais, coletivos e difusos, a Constituição vincula não só o administrador e o juiz, mas o próprio legislador. De fato, tais direitos são protegidos também diante da lei, que deve se ajustar aos preceitos constitucionais. A garantia disso está no controle da constitucionalidade, que, na maioria dos 44 ordenamentos jurídicos, é levado a efeito pelo Poder Judiciário . A Administração Pública, para alcançar os interesses da coletividade, precisa ter disponibilidade financeira, arrecadando receita, e essa é proveniente, principalmente, do pagamento de tributos que o particular realiza, entregando somas em dinheiro para o Estado manter em funcionamento seus mecanismos. Essa obrigação tributária é compulsória e nasce por lei, não se confundindo com penalidade por ato ilícito. Portanto, o Princípio da Legalidade é uma proteção ao cidadão contra 43 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 88 - 89. 44 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 240. 15 atos arbitrários da Administração e um comando para o legislador, que não pode, por exemplo, criar tributos por portarias, decretos ou atos normativos. Assim, a Administração Pública e a Administração Fazendária interagem, e estão submetidas à Reserva Legal, que determina suas ações e estabelece os seus limites. O Princípio da Legalidade, então, apresenta-se como uma barreira aos excessos e arbitrariedades45, restringindo a atuação estatal aos ditames legais e resguardando direitos pessoais e coletivos. A transação tributária difere da transação aplicada no direito civil justamente no que concerne aos princípios regentes do direito administrativo, contrários à autonomia da vontade e, principalmente, ao Princípio da Legalidade, expressamente previsto no art. 171 do Código Tributário Nacional. Para a realização da transação no âmbito tributário, as delimitações e condições de atuação da Administração Fiscal devem estar claras e só podem existir em conformidade com o Princípio da Reserva Legal. O administrador fazendário tem permissão para agir conforme a lei lhe faculte, mas não poderá extrapolar o que não lhe é permitido realizar. Essa é uma garantia que o cidadão contribuinte tem, conforme menciona Rubens Miranda de Carvalho, pois os atos praticados pela autoridade fiscal devem se submeter ao Princípio Constitucional da Legalidade, sob pena de nulidade ou anulabilidade. A prática da transação tributária por um lado é limitada, e por outro é autorizada, dentro dos termos normatizados, estando conservada à margem legalmente atribuída de discricionariedade administrativa46. Cumpre mencionar, nesse momento, a definição de discricionariedade administrativa, conforme Juarez Freitas: [...], pode-se conceituar a discricionariedade administrativa legítima como a competência administrativa (não mera faculdade) de avaliar e de escolher, no plano concreto, as melhores soluções, mediante justificativas válidas, coerentes e consistentes de conveniência ou oportunidade (com razões juridicamente aceitáveis), respeitados os requisitos formais e substanciais da efetividade do direito fundamental à boa administração pública47. A doutrina, todavia, concorda com o entendimento de que a principal cautela que o agente fazendário deve observar e considerar ao realizar a transação é o atendimento ao Princípio da Indisponibilidade do Interesse da Coletividade, pois não há 45 Ao agir arbitrariamente, conforme Celso A. B. Mello, o agente estará agredindo a ordem jurídica, pois terá se comportado fora do que lhe permite a lei. Seu ato, em consequência, é ilícito e por isso mesmo corrigível judicialmente. MELO, Celso Antônio Bandeira de. op. cit., p. 403. Juarez Freitas, diz que “o exercício da discricionariedade administrativa pode resultar viciado por abusividade (arbitrariedade por excesso) ou por inoperância (arbitrariedade por omissão). Em ambos os casos é violado o princípio da proporcionalidade, que determina ao Estado Democrático não agir com demasia, tampouco de maneira insuficiente, na consecução dos objetivos constitucionais.” O autor aponta como vícios no exercício da discricionariedade administrativa a arbitrariedade por ação (hipótese em que o agente público extrapola os limites impostos à sua competência, optando por decisão sem amparo legal ou sem destinação específica), e a arbitrariedade por omissão (hipótese em que o administrador não observa a escolha mais correta ou a exerce com inoperância, não atentando, inclusive, aos deveres de prevenção e precaução). FREITAS, Juarez. Discricionariedade Administrativa e o Direito Fundamental à Boa Administração Pública. São Paulo. Malheiros, 2009. p. 64. 46 CARVALHO, Rubens Miranda de. op. cit., p. 37 – 38. 47 FREITAS, Juarez. op.cit., p. 24. 16 hipótese de transigir com o que pertence a todos os cidadãos. A possibilidade de não observância a esse princípio é o principal argumento dos juristas contrários à aplicação da transação. 2.2 Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Interesse Privado O preceito constitucional atinente à Supremacia do Interesse Público sobre o Privado é a premissa maior que o legislador e os agentes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário devem considerar para orientar a atividade do Estado, tendo a Constituição como balizador. Tal princípio é inerente a condição de existência da sociedade, sendo um dos limitadores da discricionariedade administrativa, pois não há proveito maior a ser preservado do que o da coletividade, que é a titular do exercício do interesse público. A indisponibilidade do patrimônio coletivo vigora desde o momento da elaboração das leis até a aplicação efetiva da norma pela Administração Pública e vincula o administrador na prática da função administrativa. O interesse público está diretamente relacionado aos direitos fundamentais, e ambos precisam ser, necessariamente, compatíveis. Daí Marçal Justen Filho dizer: A atividade administrativa do Estado Democrático de Direito subordina-se, então, a um critério fundamental que é anterior à supremacia do interesse público. Trata-se da supremacia e indisponibilidade dos direitos fundamentais48. (grifo do autor) Na esfera administrativa, a supremacia do interesse público sobre o privado dáse, justamente, na função administrativa, que é o cumprimento a certas finalidades restritas à lei, por isso há a submissão ao propósito do que for conveniente para os interesses da coletividade. A Administração, nesse sentido, conforme Celso A. B. Mello, desempenha “deveres-poderes” que são irrenunciáveis e servem para atender a certos objetivos, pois o poder se subordina ao cumprimento, no interesse alheio, de uma dada finalidade49. O autor explica: Com efeito, por exercerem função, os sujeitos de Administração Pública têm que buscar o atendimento do interesse alheio, qual seja, o da coletividade, e não o interesse de seu próprio organismo, qua tale considerado, e muito menos o dos 50 agentes estatais . Em rigor, a Fazenda Pública não pode transigir com o interesse público administrado por ela. A transação somente pode ser celebrada para encerrar um litígio envolvendo questões tributárias, mediante rigorosos critérios e limites estabelecidos em lei, consequência inerente ao Princípio da Primazia do Interesse Público, que sugere a indisponibilidade do crédito de origem tributária, justamente por este ser a fonte dos recursos pecuniários necessários ao funcionamento operacional do Estado. 48 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 46. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. op. cit., p. 87. 50 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. ibidem., p. 88. 49 17 Em relação ao crédito tributário, é evidente a supremacia do interesse público sobre o interesse privado, situação oposta à da autonomia da vontade, típica do direito privado. Celso A. B. De Mello, leciona que: Como expressão desta supremacia, a Administração, por representar o interesse público, tem a possibilidade, nos termos da Lei, de constituir terceiros em obrigações mediante atos unilaterais. Tais atos são imperativos como quaisquer atos do Estado. [...] Bastas vezes ensejam, ainda, que a própria Administração possa, por si mesma, executar a pretensão traduzida no ato, sem necessidade de recorrer previamente às vias judiciais para obtê-la. É a chamada auto executoriedade dos atos administrativos. Esta, contudo, não ocorre sempre, mas apenas nas seguintes duas hipóteses: a) quando a lei expressamente preveja tal comportamento; b) quando a providência for urgente ao ponto de demandá-la de imediato, por não haver outra via de igual eficácia e 51 existir sério risco de perecimento do interesse público se não for adotada . A autoridade fazendária, conforme já dito, não pode renunciar aos poderes que a lei lhe confere, pois ela representa o interesse coletivo. Alguns autores, como Humberto Ávila e Juarez Freitas, por exemplo, defendem que o conceito de interesse público se submeta aos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade, por tratarse de um dever da Administração genérico, ou seja, o conceito de interesse público é indefinido e abrange, amplamente, a inspiração para um modelo de sociedade democrática. Nesse sentido é que a eficiência passa a ser uma das referências almejadas pela Administração. 2.3 Princípio da Eficiência O princípio da Eficiência agrega-se aos demais princípios consolidados expressamente à Administração Pública a partir da Emenda Constitucional n.19/98 no caput do art. 37 da Constituição Federal, mas, o postulado já estava previsto desde a Constituição de 1988, conforme o art. 74, II: Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de: [...] II - comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos 52 públicos por entidades de direito privado . (grifo nosso) A determinação desse dispositivo evidencia a exigência constitucional de eficiência por parte do poder público, incluída aqui a atividade do agente fazendário. Neste sentido, merece destaque o que esclarece Humberto Ávila53, pois o autor interpreta que as novas disposições da Emenda Constitucional n. 42/03 podem ser conjugadas à imposição de eficiência administrativa tributária, citando o art. 37, XXII e o art. 52, XV da Constituição Federal: 51 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. op. cit., p. 85. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. 53 ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 440 - 441. 52 18 Art. 37. [...] XXII - as administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, atividades essenciais ao funcionamento do Estado, exercidas por servidores de carreiras específicas, terão recursos prioritários para a realização de suas atividades e atuarão de forma integrada, inclusive com o compartilhamento de cadastros e de informações fiscais, na forma da lei ou convênio. Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: [...] XV - avaliar periodicamente a funcionalidade do Sistema Tributário Nacional, em sua estrutura e seus componentes, e o desempenho das administrações 54 tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios . Como assevera o citado doutrinador, apesar desses artigos de lei não mencionarem expressamente a palavra eficiência, sua interpretação leva a esse entendimento, pois buscam como finalidade o bom funcionamento e a eficácia da Administração Pública. A boa administração tem como valor agregado a eficácia, que, consequentemente, tem relação estreita com a realização das finalidades administrativas. Cita-se, novamente, Humberto Ávila, que enfrenta a questão comparando eficiência com proporcionalidade, exigências que norteiam a realização da boa administração: O postulado da proporcionalidade exige que a administração escolha, para a realização de fins, meios adequados, necessários e proporcionais. Um meio é necessário se, dentre todos aqueles meios igualmente adequados para promover o fim, for o menos restritivo para o administrado. E um meio é proporcional em sentido estrito se as vantagens que promove superam as desvantagens que provoca. [...] Essa exigência mínima de promoção dos fins 55 atribuídos à administração é o próprio dever de eficiência administrativa . Maria Sylvia Zanella Di Pietro tem o seguinte entendimento sobre o Princípio da Eficiência: O princípio da eficiência apresenta, na realidade, dois aspectos: pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores resultados; e em relação ao modo de organizar, estruturar, disciplinar a Administração Pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os 56 melhores resultados na prestação do serviço público . Ressalta-se que a eficiência econômica não é sinônimo de eficiência administrativa. Marçal Justen Filho esclarece: Quando se afirma que a atividade estatal é norteada pelo princípio da eficiência, não se impõe a subordinação da atividade administrativa à racionalidade econômica, norteada pela busca do lucro e da acumulação da riqueza. [...] A atividade da Administração pública é norteada por uma pluralidade de princípios, todos os quais devem ser realizados de modo conjunto e com a maior 54 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. ÁVILA, Humberto; op. cit., p. 445 - 447. 56 DI PIETRO, Maria Sylvia. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2004. p. 83. 55 19 intensidade possível. Veda-se o desperdício econômico precisamente porque a otimização dos recursos propicia realização mais rápida e mais ampla dos encargos estatais. Quando houver incompatibilidade entre a eficiência econômica e certos valores fundamentais, deverá adotar-se a solução que preserve ao máximo todos os valores em conflito, mesmo que tal signifique uma 57 redução da eficiência econômica . A possibilidade de haver um acordo entre o Fisco e o contribuinte, através de transação, arbitragem ou conciliação judicial, por exemplo, é uma tendência apontada por alguns autores como a mais coerente forma de obedecer ao Princípio da Eficiência, pois agiliza a gestão da Fazenda Pública, vindo ao encontro dos interesses da sociedade. A prática da transação tributária, para os que a defendem, traz a certeza da arrecadação, provinda do acordo entre a Fazenda e o sujeito passivo, e apresenta como consequência economia de tempo e de dinheiro. Registra-se o que assinala Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy: A ideia de eficiência, [...] vincular-se-ia, em princípio, à redução dos desperdícios de dinheiro público, mediante a execução dos serviços prestados à comunidade com presteza, perfeição e rendimento funcional. No entanto, a redução do desperdício do dinheiro público também pode ser obtida mediante alocação mais adequada dos recursos do Estado. Esta circunstância pode ser alcançada, entre outros, pela diminuição da litigância entre os entes e a Administração, o que 58 enseja a proposta do modelo de transação . Citando Nadja Araújo, a autora explica que para o cumprimento do Princípio da Eficiência, a oportunidade de o contribuinte entrar em consenso com a Fazenda sobre a cobrança fiscal, é um meio hábil de transformar a exigência controvertida, e por isso não arrecadada, em acordo e, consequentemente, em recebimento do crédito: O princípio da eficiência ganha especial relevo no estudo. É fato inconteste que a litigiosidade inerente à exação só resulta na postergação da materialização do crédito tributário, eximindo o contribuinte-litigante de deveres legais no intervalo da discussão. Nesse contexto, a permissão legal para a composição de litígios tributários é uma hipótese que anuncia um procedimento atento às diretrizes de eficiência e certeza para as partes envolvidas, em decorrência da arrematação 59 conjunta da exigência estatal, (re)inserindo o Particular no âmbito obrigacional . Favorável à transação, está o argumento de que a atividade administrativa não está imune a controle, mesmo em atos discricionários do administrador público. A vinculação aos princípios, garantias e direitos fundamentais é irrenunciável por parte da Administração Pública. Merecem registro as palavras de Juarez Freitas: 57 JUSTEN FILHO, Marçal. op. cit., p. 86 - 87. GODOY, Arnaldo S. Moraes.Transação Tributária: Introdução à Justiça Fiscal Consensual. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 129. 59 ARAÚJO, Nadja. Transação Tributária: Possibilidade de Consenso na Obrigação Imposta. Porto Alegre: Núria Fabris, 2009. p.13. 58 20 [...] o estado da discricionariedade legítima, na perspectiva adotada, consagra e concretiza o direito fundamental à boa administração pública, que pode ser assim compreendido: trata-se do direito fundamental à administração pública eficiente e eficaz, proporcional cumpridora de seus deveres, com transparência, motivação, imparcialidade e respeito à moralidade, à participação social e à plena responsabilidade por suas condutas omissivas e comissivas. A tal direito corresponde o dever de a administração pública observar, nas relações administrativas, a cogência da totalidade dos princípios constitucionais que a regem60. Heleno Taveira Torres é um dos maiores defensores da transação tributária e entende que a indisponibilidade do crédito público não é absoluta, pois o mesmo pode ser modificado por decisão judicial. Reconhece que pode acontecer, para a solução do conflito, a redução do recebimento do crédito devido em relação às multas e juros [não quanto ao montante do débito principal do contribuinte], mas, mesmo assim, é um procedimento técnico vantajoso61. Hugo de Brito Machado também é favorável a realização da transação, nos moldes em que é aplicada atualmente: Para aceitarmos a transação no Direito Tributário, realmente, basta entendermos que o tributo, como os bens públicos em geral, é patrimônio do Estado. Indisponível na atividade administrativa, no sentido de que na prática ordinária dos atos administrativos a autoridade dele não dispõe. Disponível, porém, para o Estado, no sentido de que este, titular do patrimônio, dele pode normalmente dispor, desde que atuando pelos meios adequados para a proteção do interesse público, vale dizer, atuando pela via legislativa, e para a realização dos fins públicos. Em algumas situações é mais conveniente para o interesse público transigir e extinguir o litígio do que levar este até a última instância, com a possibilidade de restar a Fazenda Pública a final vencida. Daí a possibilidade de transação. Em casos estabelecidos na lei, naturalmente, e realizada pela autoridade à qual a lei atribuiu especial competência para esse fim62. Os autores contrários à aplicação da transação enfatizam, além da hipótese de renúncia fiscal, que o Direito Tributário, como atividade estatal, é tutelado por princípios e garantias aos contribuintes e sofre uma limitação bifuncional, pois temos de um lado, limites à competência de tributar, e de outro, garantias ao cidadão contribuinte. Assim como a Constituição traz, em sentido amplo, os Direitos Fundamentais do Contribuinte, nos artigos 60, §4º e 150 (estando, nesse último, o Princípio da Legalidade, que se traduz na Reserva de lei - ou Estrita Legalidade Tributária, Isonomia, Irretroatividade e Anterioridade), em sentido estrito, a Fazenda não tem autonomia para proporcionar ou oferecer benefícios fiscais ao contribuinte com quem transaciona. Vittorio Cassone pondera pela devida cautela na aplicação do instituto: Na verdade, em nosso ver, a transação, instituto de direito privado adotado pelo direito tributário, somente ocorre em casos excepcionais, de extrema dificuldade 60 FREITAS, Juarez. op. cit., p. 22. TORRES, Heleno Taveira. Não haverá reforma tributária sem mudança de mentalidade. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2007ago25/nao_havera_reforma_tributaria_mudanca_mentalidade> Acesso: 24 ago. 2010. 62 MACHADO, Hugo de Brito. op. cit., p. 517. 61 21 econômico-financeira do sujeito passivo, situação que merecerá o devido exame para justificar a transação63. (grifo do autor) O exposto corrobora para o que destaca Ingo Sarlet, sobre a vinculação dos órgãos administrativos aos direitos fundamentais: O que importa, neste contexto, é frisar a necessidade de os órgãos públicos observarem nas suas decisões os parâmetros contidos na ordem de valores da Constituição, especialmente dos direitos fundamentais, o que assume especial relevo na esfera da aplicação e interpretação de conceitos abertos e cláusulas 64 gerais, assim como no exercício da atividade discricionária . Transacionar em matéria tributária pode ser uma opção válida para diminuir o número de demandas entre a Fazenda e o contribuinte. Verifica-se, inclusive, uma receptividade por parte da Administração em adotar mecanismos de conciliação para este fim. Todavia, é importante lembrar que trata-se de instituto especial, dada a sua particularidade em possibilitar algum grau de renúncia à receita, dentro da margem de discricionariedade concedida à autoridade competente para transigir. 3. RENÚNCIA FISCAL 3.1 Conceito Recolher tributos é condição para o Estado existir e manter as ações públicas que são da sua competência realizar, sendo inseparável tal arrecadação de qualquer sociedade juridicamente organizada. O objetivo que se almeja alcançar com o recolhimento da prestação de natureza tributária, todavia, pode não ser somente o de arrecadação (finalidade fiscal). Por meio da extrafiscalidade (finalidade regulatória), o Estado pode desobrigar, preterir ou diminuir o pagamento do tributo, baseado em critérios políticos, sociais ou econômicos, visando, assim, interferir na economia, desestimulando ou influenciando certos comportamentos. A prática desses benefícios fiscais, contudo, somente é válida se estabelecida por lei de ente federativo competente65 para realizar a cobrança desse tributo, pois a concessão de vantagens importa em renúncia fiscal, uma vez que a arrecadação assegurada por lei não entrará nos cofres públicos. Láudio Fabretti, citando-o novamente, define renúncia fiscal da seguinte forma: [...] consiste no fato do Executivo, mediante lei, abrir mão de parte da arrecadação de determinado imposto para incentivar certas atividades ou regiões. Em contrapartida, a renúncia fiscal do Executivo constitui um benefício 63 CASSONE, Vittorio. Direito Tributário. São Paulo: Atlas, 2004. p. 327. SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria Editora do Advogado, 2004. p. 357. 65 “Renunciar à receita vinculada a tributos federais é competência da União e somente pode ser exercida por meio de dispositivos constitucionais legais, vedado o embasamento em normas infralegais. Os demais entes políticos competentes para instituir tributos (estados, Distrito Federal e municípios) também tem legitimidade para renunciar a receitas decorrentes das imposições tributárias que lhes são próprias”. ALMEIDA, Francisco Carlos Ribeiro. Uma Abordagem Estruturada da Renúncia de Receita Pública Federal. Revista do Tribunal de Contas da União, Brasília, v. 31, n. 84, abr./jun. 2000, p. 19. 64 22 fiscal para o contribuinte, desde que este observe com rigor os requisitos que a lei exige para o direito de utilizá-lo66. Alguns autores sugerem que a renúncia de arrecadação fiscal possui a natureza de um gasto tributário, afinal, o ente público deixa de receber o valor que seria arrecadado, abrindo mão do resultado social que esta receita poderia proporcionar, em obras e serviços à população. Ricardo Lobo Torres explica: Gastos tributários ou renúncias de receita são os mecanismos financeiros empregados na vertente da receita pública (isenção fiscal, redução de base de cálculo ou de alíquota de imposto, depreciações para efeito de imposto de renda etc.) que produzem os mesmos resultados econômicos da despesa pública 67 (subvenções, subsídios, restituições de impostos etc.) . Ainda nesse contexto, Kiyoshi Harada comenta sobre a limitação da concessão que importe em renúncia fiscal, pois é impositiva a obediência ao Princípio da Legalidade por parte do agente público: Renúncia de receitas públicas só pode ocorrer nas hipóteses e nas condições da lei. O exercício total da competência tributária não é compulsório, mas, uma vez exercitado e instituído o tributo, somente a lei poderá dispensar sua arrecadação. Por razões de política fiscal, a lei pode conceder incentivos fiscais consistentes em isenções, reduções de alíquotas, reduções de base de cálculo, 68 bem como instituir hipóteses de moratória, de remissão e de anistia . Luiz Emygdio F. da Rosa Júnior diz que a renúncia de receita pode ser conceituada com base no art. 14 da Lei Complementar n. 101/2000 como: [... ] a concessão, pelo ente político titular da competência tributária, de incentivos fiscais, compreendendo isenções em caráter não geral, redução de alíquota ou base de cálculo de impostos, subsídios, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado. As renúncias de receita são também denominadas de gastos tributários porque produzem os mesmos resultados econômicos da despesa pública, em razão de implicarem na não percepção de receita tributária 69 pelo Estado, provocando o desequilíbrio orçamentário . (grifo do autor) O art. 14, § 1o da Lei Complementar n. 101/2000 define e especifica algumas das modalidades de renúncias de receitas. 3.3 Previsões Legais na Constituição São pertinentes as orientações de Luiz Emygdio F. da Rosa Júnior, que elenca alguns artigos de lei referentes ao controle sobre as renúncias de receita presentes na Constituição Federal e expressas nos seguintes dispositivos: 70 66 FABRETTI, Láudio Camargo. op. cit., p. 302. TORRES, Ricardo Lobo. op. cit., p.194. 68 HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. São Paulo: Atlas, 2005. p. 111. 69 ROSA JÚNIOR, Luiz Emygdio F. da. Manual de Direito Financeiro e Direito Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 48. 70 ROSA JÚNIOR, Luiz Emygdio F. da. Ibidem., p. 49. 67 23 a) art. 70, pelo qual a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto a legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder; (grifo nosso) b) art. 150, § 6o, que exige lei específica do ente político titular da competência tributária e que regule exclusivamente a matéria, para a concessão de renúncia de receita, relativas a impostos, taxas ou contribuições; (grifo nosso) c) art. 155, § 2o, XII, g, exigindo lei complementar para regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais em matéria de ICMS serão concedidos e revogados; d) art. 156, § 3o, III, dispõe da mesma forma no que toca ao ISS; e) art. 165, § 6o, determina que o projeto de lei orçamentária será acompanhado de demonstrativo regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrente de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia. Cumpre observar que a transação tributária tem como semelhança, a essas espécies de renúncia fiscal, a obediência à lei, ou seja, para aplicar a transação é necessária lei específica, condição também exigida para a realização da anistia, da isenção, da alíquota zero, da imunidade e da remissão. Há diferença no tocante aos benefícios recebidos pelo sujeito passivo, pois na transação o beneficiado é um particular, e não uma coletividade, mesmo que difusa. Dentre as modalidades que se caracterizam como renúncia fiscal, a transação é uma das que pode ocorrer no campo administrativo, e essa, justamente, é a principal questão, pois a Administração não tem autonomia para gerir e decidir sobre o Erário, senão conforme disposição legal. 3.4 Transação como Possibilidade de Renúncia Fiscal A transação tributária admite o consenso na cobrança fiscal, a partir do momento em que o Fisco torna-se receptivo ao diálogo com o contribuinte, como já comentado, buscando solucionar a controvérsia e tornando realizável a arrecadação, diminuindo, dessa forma, a litigiosidade. São pertinentes as observações de Hugo de Brito Machado, que analisa a possibilidade da transação ser considerada renúncia de receita, podendo estar incluída nas limitações do art. 14 da Lei Complementar n. 101/2000: Atento ao elemento literal, o intérprete há de considerar que o § 1º do art. 14 da aludida lei define a abrangência do conceito de renúncia fiscal, afirmando que esta “compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação da base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado”. A transação é instituto jurídico previsto no próprio Código Tributário Nacional, tem características próprias, entre as quais a bilateralidade, de sorte que não pode ser considerada abrangida pela expressão outros benefícios. Não estando especificamente referida, como não está, nem cabendo na referência genérica a outros benefícios, até porque a rigor não é propriamente um benefício, tem-se de 24 concluir que o elemento literal desautoriza a aplicação do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal às transações71.(grifo do autor) O doutrinador não associa transação com renúncia fiscal, enfatizando que a finalidade da limitação que abrange a redação do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal é apenas impedir que o legislador conceda vantagens a determinados contribuintes sem motivo razoável, deixando, por essa razão, a Fazenda Pública de arrecadar a exação devida. Conforme Nadja Araújo, a lei de Responsabilidade Fiscal, em seu art. 14, demonstra ser a transação um procedimento que pode resultar em renúncia fiscal, entendimento contrário ao de Hugo de Brito Machado, e assinala a responsabilidade do legislador competente em realizar uma avaliação cuidadosa das circunstâncias de aplicação do instituto antes da efetiva normatização, observando as regras que positivam essa decisão política, que deve ser instituída por meio de igual instrumento legislativo usado na criação do crédito pelo ente competente na circunstância específica, geralmente por lei ordinária, que deve indicar os tributos e os benefícios, e também delimitar a (in)disponibilidade de renúncia, determinando, assim, os modos admissíveis e o intervalo temporal para a efetivação das concessões. A autora explica: Estabelecido que o legislador seja detentor de uma prerrogativa de avaliação para estipulação de uma prognose, uma lei de renúncia à receita de crédito tributário deve considerar as diretrizes da gestão fiscal responsável apontadas no art. 14 da Lei Complementar n. 101, de modo a positivá-las na moldura que apresenta para a atividade administrativa subsequente. O quantum para a renúncia de receita é critério a ser considerado na ponderação entre as concessões intersubjetivas e materialização das finalidades públicas da 72 tributação para resolver (des)autorizar o ajuste . O argumento de alguns autores, por outro lado, é o de que na transação tributária não se renuncia ao crédito, mas a incerteza sobre este, que é substituída pelo acordo entre Fisco e contribuinte. Assim, a Fazenda pode substituir a dúvida sobre o valor devido (que será transacionado), por outro, menor, porém, certo (que será irrenunciável). Heleno Taveira Torres, da mesma forma, entende que a transação cabe apenas nos casos de efetiva incerteza, geradora do litígio, podendo ser aplicada quando a Administração não tenha segurança73 da ocorrência ou interpretação dos fatos jurídicos tributários, ou seja, nos casos submetidos a presunções, quando existir 71 MACHADO, Hugo de Brito. op.cit., p. 521. ARAÚJO, Nadja. op.cit., p. 53. 73 Rubens Miranda de Carvalho comenta que devido à subordinação que a Administração Pública sofre pelos Princípios constitucionais da Legalidade e da Indisponibilidade do Interesse Público, essa não tem, desde que ocorrida objetivamente uma hipótese de incidência tributária, a faculdade de escolher entre tributar ou não, o que não significa uma certa margem de discricionariedade de atuação permitida em lei, não quanto ao seu poder e dever de tributar (que trata-se de atribuição constitucional), mas no que se refere às circunstâncias atinentes à liquidação do crédito tributário (que pode incluir a discussão sobre a base de cálculo, ou até mesmo do critério material da obrigação tributária, como acontece em relação ao IPTU, por exemplo, na apuração de que se trate, ou não, de imóvel construído), como também em relação à arrecadação, que pode vir a indicar a conveniência de uma solução convencionada entre a Administração e o contribuinte, ou até mesmo uma renúncia fiscal pontual e parcial por parte do Fisco, na composição de um recebimento parcial do crédito. CARVALHO, Rubens Miranda de. op. cit., p.128. 72 25 dificuldade de delimitação dos conceitos fáticos ou quando não houver provas, ou estas sejam insuficientes. O autor observa: Não se daria qualquer espécie de “renúncia” de crédito tributário, ao contrário, serviria para reforçar o princípio da verdade material, como meio para se alcançar, conjuntamente, solução célere e econômica para controvérsia que 74 poderia ocupar lustros em pendências administrativas ou judiciais . A questão que se enfrenta é que a autoridade fiscal ao efetuar a transação pode fazer concessões, renunciando à parte do crédito devido pelo agente passivo. Nessa ordem de considerações, a lei que autoriza a transação deve ser detalhada, reduzindo ao máximo a discricionariedade do agente fazendário competente para celebrá-la, bem como dispor sobre os critérios que tornem o crédito tributário transacionável, indicando em que limites a exigência fiscal pode ser reduzida em cada caso e de que forma é possível estabelecer condições mais favoráveis para que o contribuinte, efetivamente, liquide a dívida tributária. Assinala Nadja Araújo: O estágio inaugural do procedimento transacional delineado pelo art. 171, CTN, deve ser realizado no campo político do ente tributante – no âmbito da competência tributária – com o julgamento sobre a (in)disponibilidade do crédito tributário: a decisão sobre a admissão, os limites para a renúncia de receitas tributárias e a indicação da autoridade administrativa condutora da interação com o particular75. A autora observa que as possibilidades jurídicas que resultam na desobrigação, total ou parcial, ou na exclusão da prestação do crédito tributário (subsídio, isenção, anistia, remissão, transação, compensação, concessão de crédito presumido, redução de base de cálculo) oferecem ao legislador um certo grau de juízo da (in)disponibilidade do tributo, estando a sua decisão renunciante embasada por lei específica, conforme disciplina o art. 150, § 6º da Constituição Federal. Embora a compensação e a transação não estarem expressamente elencadas no citado artigo, tais institutos envolvem uma potencial renúncia de receita tributária, sendo adequada, portanto, a sua inclusão na análise acerca da exoneração (lato sensu)76. A Constituição Federal determina que o legislador se submeta ao Princípio da Indisponibilidade dosTributos, moldado, esse, à luz do Princípio da Legalidade. A legitimidade jurídica para a renúncia à receitas, portanto, deve estar antecipadamente prevista e (in)validada pelo sistema normativo de controle de (in)constitucionalidade das leis, balizando a discricionariedade do detentor da competência para transacionar. A possibilidade de extinguir o crédito tributário mediante transação em litígio, novamente, é competência do ente federativo responsável pelo respectivo tributo. Trata-se de decisão política sobre a renúncia de receita tributária autorizada através 74 TORRES, Heleno Taveira. Transação, Arbitragem e Conciliação Judicial como Medidas Alternativas para Resolução de Conflitos entre Administração e Contribuintes: Simplificação e Eficiência Administrativa. Biblioteca Digital Revista Fórum de Direito Tributário – RFDT, Belo Horizonte, ano 1, n. 2, mar./abr. 2003. Disponível em: <http://www.editoraforum.com.br/bid/bidConteudoShow.aspx?idConteudo=12926> Acesso: 22 set. 2010. 75 ARAÚJO, Nadja. op. cit., p. 39. 76 ARAÚJO, Nadja. ibidem., p. 46. 26 de lei, pois a transação não tem aplicabilidade em todas as circunstâncias de incidência. Nadja Araújo explica que o motivo para a aplicação da transação (disputa sobre crédito tributário) e a finalidade a ser alcançada através do acordo (determinação de litígio e extinção do crédito tributário), estão estabelecidos na norma geral, art. 171 do Código Tributário Nacional77, e em seu parágrafo único está a exigência de indicação da autoridade competente para autorizar a transação em cada caso. O art. 171 do mencionado código, está de acordo com o disposto constitucionalmente no art. 150, § 6º, que evidencia claramente a necessidade de lei específica para a regulação da transação em litígio tributário. Nesse sentido, a transação pode adequar pagamento, conversão de depósito em renda, dação em pagamento, remissão parcial e compensação, por exemplo. A regra que dispõe sobre a possibilidade de solução consensual é especial, e justamente por essa razão, demanda maior atenção do legislador, bem como a indicação precisa dos critérios do juízo de discricionariedade que será normatizado. Conforme a autora: Com uma lei específica, o legislador competente pode avaliar a conveniência e oportunidade para eventual disponibilidade de receita tributária. Os elementos da circunstância são confrontados com os princípios reitores da tributação e com diretivas da responsabilidade fiscal estabelecidas pela Lei Complementar n. 101, de 04 de maio de 2000: a exigência para a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente da federação (art.11) e os condicionantes explícitos para a concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de 78 receita (art.14) . Uma boa gestão tributária é fator importante para se alcançar uma adequada administração estatal, sendo uma das formas de se atingir tal intento a transparência na concessão dos benefícios e sua efetiva avaliação, mensurando-se, cuidadosamente, quais serão as consequências dessa não arrecadação, possibilitada pela renúncia de receita, pois, reitera-se, impera a impossibilidade de a Administração dispor sobre o dinheiro público. A possiblidade de acordo, nos moldes da transação tributária legalmente realizada, deve ser transparente, como entende Hugo de Brito Machado, inclusive e especialmente no que se refere às razões pelas quais a Fazenda Pública está transigindo, bem como a exigência de publicidade à respeito da proposta, do procedimento e da celebração da transação79. A transação pode configurar-se como a solução mais adequada em determinados casos, e sua realização é compatível com os postulados regentes da Administração Pública, elencados no art. 37 da Constituição Federal. As condições para a transação concretamente ocorrer, todavia, não podem afrontar direitos ou garantias fundamentais, tampouco proporcionar vantagens ao contribuinte inadimplente em detrimento daquele que honra seus compromissos fiscais e que não recebe nenhum privilégio pela pontualidade, pela óbvia razão de que a permissão por parte do 77 ARAÚJO, Nadja. ibidem., p. 55. ARAÚJO, Nadja. ibidem., p. 50. 79 MACHADO, Hugo de Brito. op. cit., p. 528 - 529. 78 27 legislador em aplicar a regra excepcional do art. 171 do Código Tributário Nacional deve estar delimitada pelos princípios do sistema tributário nacional, conforme preceitua o art. 150, § 6º da Constituição Federal. 4. LEGISLAÇÃO E JURISPRUDÊNCIA A aplicação da transação, no Brasil, está normatizada no regime jurídico tributário em várias leis federais, estaduais e municipais, como forma de extinguir o crédito tributário, indicando, assim, o crescimento da prática de um novo modelo de execução fiscal. Em abril de 2009, foram entregues pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional, quatro anteprojetos de lei, denominados Quarto Pacto Republicano. Dois deles disciplinam sobre a transação em âmbito tributário; o Projeto de Lei Ordinária n. 5082/2009, (que dispõe sobre a transação tributária, seguindo o modelo já existente e dando outras providências, como possibilitar a celebração da transação entre contribuinte e Fisco Federal, que importem em composição de conflito ou de litígio, visando a extinção do débito tributário), e o Projeto de Lei Complementar n. 469/2009, (que altera e acrescenta dispositivos ao Código Tributário Nacional). Tais propostas, estão gerando discussões e manifestações severas por parte de instituições como a OAB, de advogados e de doutrinadores, por ignorarem alguns dispositivos constitucionais, bem como transferir do Judiciário para a Administração Pública boa parte do trabalho de cobrança de dívidas tributárias e não tributárias, com a justificativa de serem propostas indispensáveis à modernização da Administração Fiscal de forma a tornar sua atuação mais transparente, célere e eficiente, devido à morosidade do Judiciário e permitindo, assim, uma maior eficiência no processo de arrecadação dos tributos. Todo e qualquer vício no procedimento transacional origina a inexigibilidade do cumprimento do ajustado entre os transatores, resultando em invalidade da lei permissiva da transação, bem como dos atos jurídicos praticados. Nadja Araújo, a esse respeito, comenta: A conformação da lei de permissão pode conter invalidade formal ou material – inconstitucionalidade(s); a autorização expõe-se aos vícios do ato administrativo – incompetência do administrador, inexistência dos motivos, ilegalidade do objeto, desvio de finalidade ou vício de forma; e a autocomposição bilateral condicionada pode encerrar irregularidades pronunciadas por incapacidade dos agentes, ilegalidade(s) no conteúdo ou na informalidade do ajuste. Uma irregularidade na lei de permissão caracteriza inconstitucionalidade pela infringência de preceito constitucional regente do processo legislativo (vício nos requisitos de formação) ou da matéria legalizada (vício substancial ou de 80 conteúdo) . O controle de constitucionalidade das leis infraconstitucionais em desacordo com a Lei Maior, podem resultar em anulação ou declaração de nulidade, total ou parcial. Havendo declaração de inconstitucionalidade da lei permissiva da transação, o ajuste firmado está comprometido e deverá ser restaurada a obrigação tributária e a integralidade do crédito. Acrescenta-se, ainda, conforme a autora, que “o alicerce da 80 ARAÚJO, Nadja. op. cit., p.171. 28 transação deve estar fincado na decisão do legislador de permitir a renúncia de receitas para a solução autocompositiva”81. Em face do exposto, a lei que autoriza a aplicação da transação pode ser fiscalizada através de controle constitucional, passando também pela própria Administração Pública (que tem poder de autotutela), pela verificação pelos Tribunais de Contas, pelo Ministério Público e pelos próprios cidadãos, por meio da Ação Popular. CONSIDERAÇÕES FINAIS O que se percebe claramente são duas posições antagônicas por parte da doutrina pátrea; há os que defendem a prática da transação e os que a rebatem veementemente. Contrário à transação está o raciocínio de que a Administração Pública, através de um ato discricionário da autoridade fiscal, não pode dispor do que é interesse da coletividade, ou seja, da receita tributária. Da mesma forma, impera o Princípio da Legalidade, que determina a submissão do Estado à lei. Favorável a tal modalidade de extinção do crédito tributário, é o argumento de ser esta uma forma vantajosa de eliminar conflitos, pois o sujeito passivo tem a oportunidade de corrigir suas pendências fiscais e obter sua regularidade, e a Fazenda, a seu turno, receber o seu crédito efetivamente, ao invés de prolongar uma controvérsia ou uma demanda judicial, adiando, assim, a entrada de seus recursos e o cumprimento do que determina o Princípio da Eficiência. A nova Administração Pública não estimula a litigiosidade e está aprimorando o seu processo de funcionamento, promovendo soluções negociadas antes de iniciar o litígio e até mesmo depois da lide já instaurada. As formas de composição tributária, põe frente a frente credor e devedor para discutirem um plano de pagamento das dívidas. É um mecanismo eficaz para equacionar um passivo fiscal, sob as condições econômico-financeiras do contribuinte, e que sejam minimamente aceitáveis ao Fisco, para que não se transforme em um débito eterno, pouco significativo em termos de arrecadação a ponto de desestimular a adimplência daqueles outros contribuintes que honram com regularidade suas obrigações fiscais, mas precisa respeitar os limites impostos pela Constituição Federal, bem como não comprometer a arrecadação tributária, destinada ao cumprimento das despesas inerentes às necessidades e compromissos do Estado para com os cidadãos. As respostas encontradas com o término do presente trabalho, não comportam uma única compreensão. A utilização da transação em matéria tributária está consagrada, e a mesma é juridicamente possível, mas trata-se de exceção e não da regra. No que tange ao administrador, este está submetido à obediência aos princípios e garantias constitucionais fundamentais, devendo respeitar os limites e exigências da lei que autorize o emprego do instituto, uma vez que estão determinados seus parâmetros, tanto para o pólo passivo quanto para o ativo, decorrência do Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Interesse Privado e do Princípio 81 ARAÚJO, Nadja. ibidem., p.179. 29 da Indisponibilidade dos Bens Públicos. Por esta razão, o interesse em a Administração submeter-se a fazer concessões mútuas para terminar o litígio não é discricionário. Convém assinalar, que o motivo para a composição do litígio (para os seguidores da teoria da res dubia) gira em torno da dúvida ou incerteza na origem da obrigação. Os que entendem vigorar a teoria da res litigiosa, apontam que transigir é admissível quando a controvérsia versar sobre direito disponível. Observa-se, contudo, que as partes, em que pese acordarem pela autocomposição, não contratam, como acontece no direito privado, pois as regras de direito público são indisponíveis. A decisão do administrador é vinculada. De outra parte, percebe-se que, apesar de alguns doutrinadores mencionarem que na transação não se renuncia à receita e sim a incerteza sobre o crédito, observase pelas legislações que empregam a transação como forma de extinção do crédito tributário, a redução e até mesmo a exclusão dos valores acessórios, configurando-se, assim, a renúncia fiscal. Nessa ordem de considerações, a justificativa sobre essa renúncia deve ser baseada na eficiência e na razoabilidade em se adotar a solução consensual. Daí ser a lei autorizadora da transação submetida ao controle de constitucionalidade. Por último, há de se apontar que a aprovação dos anteprojetos de lei que tramitam no Congresso Nacional irão trazer modificações significativas ao instituto. O intuito dessa reformulação da legislação, é encontrar medidas alternativas para solucionar as controvérsias tributárias, oferecendo ao contribuinte opções para discutir sobre o débito fiscal e criando políticas públicas orientadas à redução da litigiosidade. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Francisco Carlos Ribeiro. Uma Abordagem Estruturada da Renúncia de Receita Pública Federal. Revista do Tribunal de Contas da União, Brasília, v. 31, n. 84, p. 19 - 62, abr./jun. 2000. AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. ÁLVARES, Manoel. Código Tributário Nacional Comentado – Doutrina e Jurisprudência, artigo por artigo, inclusive ICMS e ISS. Coordenação: Vladimir Passos de Freitas. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. ALVES, José Carlos Moreira. Direito Romano. Rio de Janeiro: Forense, 2008. ARAÚJO, Nadja. Transação Tributária: Possibilidade de Consenso na Obrigação Imposta. Porto Alegre: Núria Fabris, 2009. ÁVILA, Humberto. 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