Os Riscos da Dívida Externa - Auditoria Cidadã da Dívida

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Os Riscos da Dívida Externa
Ceci Vieira Juruá / Marcos Arruda
Uma série de equívocos tem sido propagada pelas autoridades financeiras
e pela imprensa em torno da dívida externa. São equívocos recorrentes, são os
mesmos três argumentos que tiveram audiência na segunda metade da década de
1970 e que nos conduziram à crise de início dos anos 1980. Proponho aqui respostas
aos principais deles.
A dívida externa não precisa ser paga, pode ser rolada?
Para os defensores dessa posição, a dívida pode ser rolada indefinidamente
com novos empréstimos para cobrir as amortizações (são mais de US$ 30 bilhões/ano)
e com afluxo de capitais estrangeiros para compensar o pagamento de juros (em torno
de US$ 20 bilhões/ano). Este argumento é improcedente e ignora conhecimentos
mínimos de história, de geografia e de matemática.
Os trustes financeiros internacionais não colocam dinheiro nos países periféricos
: eles se apropriam das riquezas desses países por meio das rendas e privilégios que
aí lhes são concedidos : taxas elevadas de lucro, juros da dívida pública e nacional,
empréstimos públicos subsidiados e evasão fiscal. O dinheiro ganho aqui é
internacionalizado por meio de um grande banco global ou vai para paraísos fiscais, e
para aqui volta como capital estrangeiro! Mas este circuito é finito, tem um limite
dado pelo crescimento da economia e das exportações, crescimento ao qual não temos
acesso na atual conjuntura internacional. Além do mais, o modelo adotado de
crescimento para fora com endividamento externo conduz inexoravelmente
ao fracasso e à dependência.
A dívida pública externa é pequena e está sob controle?
Ninguém sabe exatamente quanto é a dívida pública externa, menos ainda quanto será
em futuro próximo. Os números fornecidos pelo governo referem-se apenas à dívida
do setor público não financeiro, excluem as garantias dadas pelo Governo e não
explicitam a parcela que foi feita com taxas variáveis de juros. Além do mais existe
sempre a possibilidade de estatização de parcelas cada vez maiores da dívida externa
privada, por razões muito semelhantes às que foram utilizadas nos decênios de 1970 e
1980.
Esse argumento de que a dívida está sob controle é tanto mais falacioso quanto mais
fraco for o governo perante o capital internacional. No Brasil, não dispomos mais de
empresas públicas exportadoras (a Vale do Rio Doce e outras foram privatizadas, a
Petrobrás é alvo da cobiça internacional e já tem papeís negociados em Wall Street !) e
o governo só tem acesso a dólares fornecidos pelos bancos, dólares que devem ser
comprados a preços de mercado .... É por isto que a dívida do governo também
está sendo rolada no mercado internacional de bônus, com taxas de juros
altíssimas, mas até quando?
Os credores externos não têm interesse em uma crise econômica brasileira?
A dívida externa, e a crise que dela decorre, é sempre nacional, quer se
trate de dívida pública ou privada. Até a dívida de agentes econômicos
estrangeiros com estatuto de “residentes no Brasil” é considerada dívida do país, dos
brasileiros. E ela não pode ser paga com moeda nacional. A dívida externa e seus
encargos só podem ser quitados com a receita das exportações e do saldo comercial,
que tem sido ínfimo e não cobre, neste momento, nem 25% dos encargos anuais do
endividamento externo. As exportações não crescem há algum tempo e enfrentam
dois grandes problemas.Dependem majoritariamente de decisão de empresas e trustes
multinacionais e estão sujeitas à queda de preços : entre 1995 e 2001 o índice de
preços das commodities caiu de 120 para 69, acusando redução superior a 40 % !
Em razão das considerações anteriores, e dada a inexistência ou pequeno montante
do saldo da balança comercial, um bom indicador do nível de endividamento
externo, neste momento, é a relação entre Dívida Externa e Exportações. O
valor atual desse indicador é 4, e coincide com os níveis de meados da década de
1980, às vésperas de mais uma moratória ! As reservas internacionais, por seu lado,
não sustentam 1 ano de importações, nem os encargos anuais da dívida externa
incluídas amortizações.
Na fase atual de extrema fragilidade das contas externas, do Brasil e de outros
países periféricos, o Fundo Monetário, o G-7 e as altas finanças internacionais
estão pressionando pelo endurecimento das medidas que devam ser tomadas
em caso de inadimplência. Para o setor privado, defendem eles que os credores
possam assumir imediatamente o caixa das empresas em situação de “default”
(insolvência) Para o setor público a linha dura estrangeira está exigindo uma
intervenção na economia, por meio de um Comitê de Especialistas, com
renúncia da soberania do país endividado ! O FMI está estudando ainda
adaptações da lei de falências norte-americana aos casos de falência soberana.... Há
em curso também propostas de troca de dívida externa por território !
Novas dívidas e dólares clonados são úteis ou improdutivos?
É no mínimo surpreendente que, dada a situação atual de grande
vulnerabilidade externa da economia brasileira, novas dívidas estejam sendo
contraídas, com o apoio – e quem sabe o aval – do governo brasileiro e das agências
internacionais de financiamento.
Mas estão!
O Banco Central, por sua vez, age com a maior independência e com muito
pouca transparência. Desde 1998 ele vem ampliando progressivamente a dolarização
de uma outra dívida enorme – a dívida pública interna. E até já se fala que a Petrobrás
vai lançar debêntures indexadas à variação cambial, no Brasil ! Para que servem esses
dólares clonados ? O BNDES, por sua vez, faz dívida em dólares no exterior para
emprestar no mercado interno, em reais ! Também grandes empresas e bancos,
nacionais e estrangeiros, tomam dinheiro no exterior para emprestar no mercado
interno, em reais ! Muitas delas fazem seguros caros ou penhoram, antecipadamente,
suas receitas de exportação.
Este processo complexo, pouco transparente, dificilmente será detido sem
uma ampla participação da sociedade. Se há uma lei de responsabilidade fiscal, que
garante o sobrelucro dos agiotas e prioriza as dívidas financeiras em detrimento das
obrigações sociais, porque não podemos ter uma Lei de Responsabilidade
Nacional que coloque limites à dívida externa e à transferência para o exterior
do excedente econômico produzido pelos brasileiros, assegurando de forma
permanente a soberania da Nação?
* economista, pesquisadora com especialização em Finanças Públicas
** economista do PACS (Rio de Janeiro) e da equipe global de animação do
Polo de Sócioeconomia Solidária
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