Julio Cesar_entrevista com gente morta

Propaganda
CLIO História - Textos e Documentos
O populista romano
Júlio César era um homem controverso:aristocrata e
líder popular, ditador e ídolo das multidões, represe
representante da elite romana e odiado pelos ricos. Enfim,um
dos personagens mais polêmicos da História
Pedro Paulo Funari, Rev. Aventuras na História, junho 2005
Filho de uma família tradicional e
endinheirada, Caio Júlio César (100-44
a.C.) passou a infância, digamos, com
o povo. O contato com a plebe se deu
graças ao casamento de sua tia Júlia
com o líder popular Mário, um sujeito
de origem humilde que se tornou
general e foi responsável pela profissionalização do exército romano.
Inspirado no tio, Júlio César também resolveu seguir a
carreira militar, sempre metido
o no meio da tropa e co
cortejando as massas.
Em pouco tempo no posto de general (58
(58-51 a.C.), ele
conquistou toda a Gália e violou a Constituição romana
ao levar suas tropas para a Itália, iniciando uma guerra
civil contra os aristocratas até sua vitória e entrada triunfal em Roma (45 a.C.). Em fevereiro de 44 a.C., rec
recebeu o título de ditador perpétuo, mas foi assassinado
pelos senadores no dia 15 de março.
A morte, no entanto, não pôs fim à fama de Júlio César.
Ele se tornou um dos personagens mais polêmic
polêmicos da
História. Seu nome acabou virando até sinônimo de
imperador – kaiser e tsar eram os imperadores alemães
e russos, assim como “cesarismo” passou a referir
referir-se ao
poder político derivado da mistura da força militar com
a popularidade. Nesta entrevista, regada por um bom
vinho tinto, o aristocrata comenta algumas das muitas
controvérsias sobre sua vida, obra e legado.
História – O senhor assistiu ao filme Alexandre? O Pl
Plutarco diz que o senhor chorou, ao comparar
comparar-se com
Alexandre, pois ele aos trinta e poucos anos já havia
conquistado o mundo e o senhor nada...
Júlio – Sobre o filme, melhor nem comentar... A verdade
é que estava no fim do mundo. Naquela época, a Esp
Espanha não era nem parte da Europa, como hoje – e não
me parecia descabido comparar-me
me a Al
Alexandre, como
minhas conquistas posteriores confirmaram.
História – Por falar em conquistas, após anos de comb
combate, a vitória final sobre o líder gaulês Vercingetorix deve
ter sido um alívio!
Júlio – Encontrei no comandante gaulês um rival à alt
altura, grande general, que preferiu render
render-se a sacrificar
ainda mais o seu povo. Ele, como eu, prezava a liberd
liberdade e, ao final, o resultado foi uma amizade entre gaul
gauleses e romanos. Ainda durante a guerra, vi muitos filhos
de soldados romanos com gaulesas.
História – Esse é um tema fascinante: a atração pelas
mulheres. O senhor enamorou-se
se de muitas damas, mas
todos se perguntam se foi mesmo o nariz de Cleópatra
que o encantou. Ela era mesmo tão bela?
Júlio – Foi Pascal, esse gaulês do século 17, que inventou
essa história
tória do nariz. Conheci Cleópatra já cinqüentão,
ela com vinte aninhos, enrolada em um tapete... Mas o
que me encantou mesmo foi sua presença, sua converconve
sa, muito madura para a idade. Atirada, me disse no
primeiro encontro a sós que eu tinha fama de superexsupere
periente no amor... Em suma, uma bela mulher.
História – Bem, deixando um pouco de lado esses detadet
lhes íntimos, os seus adversários o acusaram de ter
desobedecido a Constituição, ao marchar armado para a
Itália, após sua vitória na Gália. E depois, não hesitou
h
em
levar adiante uma guerra civil...
Júlio – O que queriam? Que aceitasse voltar como simsi
ples cidadão privado, após ter ampliado o domínio ror
mano para uma imensa área ao norte, antes fora da
civilização? Foi só uma provocação dos reacionários,
mas que
ue permitiu que meu programa político de reconreco
ciliação fosse levado adiante. Por resistência dos aristoarist
cratas, não tive como evitar a guerra.
História – A ditadura, então, não foi negativa? As acusaacus
ções de que o senhor queria ser rei, tudo mentira?
Júlio – Mas veja só: a ditadura me foi conferida, justajust
mente, para evitar as lutas entre facções. Nada a ver
com as ditaduras posteriores, quem me concedeu isso
foi o senado. No entusiasmo que se seguiu à concessão
da ditadura perpétua, em14 de fevereiro (44 a.C.),
a.
no
dia seguinte me ofereceram, em praça pública, a coroa
real e eu não aceitei. Mas achava que era necessário
mudar a república, dando mais poder ao governante,
para que houvesse o consenso... Este era, desde havia
muito, meu programa político para salvar
sa
o estado das
lutas civis.
História – Em um mês, o senhor seria assassinado. Por
que dispensou a escolta? Não desconfiou do bom afiaf
lhado Brutus, só percebeu a traição na hora da facada...
Ou pensou como Getúlio Vargas, que era melhor morrer
e deixar que
ue seus seguidores voltassem nos braços do
povo?
Júlio – Foi tudo muito sórdido. Aqueles que eu havia
poupado, com os quais havia sido clemente – essa era
minha palavra de ordem, a clemência –, mostraram-se
insensíveis ao avanço que havíamos todos tido, graças
gr
ao fim das guerras civis. Até Cícero, que me havia elogielog
ado, comemorou o complô. Quando Brutus se aproxiaprox
mou para desferir seu golpe, ele que eu havia sempre
ajudado como a um filho, reagi e disse: “Até tu, seu
piralho”. Mas não foi essa a versão que se
s espalhou.
Havia dispensado a escolta justamente porque sabia
que, se ousassem me matar, o povo se levantaria, como
se levantou. O Getúlio sabia do meu assassinato quando
se suicidou... Outro que se inspirou em mim!
História – O senhor também foi autor de
d uma obra
literária e militar das mais lidas de todos os tempos, A
Guerra da Gália, e desenvolveu uma política cultural
liberal, tolerante com seus críticos. Foi fácil conciliar
cultura e ditadura, uma mistura um tanto incomum?
CLIO História - Textos e Documentos
Júlio – Nunca separei poderr e saber... Freqüentei as
melhores escolas, me senti sempre mais à vontade com
o grego do que com o latim. Não é pedantismo, é a ve
verdade. Me acusaram de escrever A Guerra da Gália como
propaganda política, mas apenas queria mostrar minha
folha corrida de serviços ao povo romano, minhas faç
façanhas militares em prol da república romana. Mas é uma
obra sem pretensões... Quando pedi que reformassem o
calendário, era porque estava uma balbúrdia e precis
precisávamos de algo prático. Meu programa era o consenso e,
por isso
so mesmo, nunca me importei com as críticas dos
poetas e os incentivava, mesmo quando falavam beste
besteiras sobre mim.
História – Uma questão permanece controversa: quem
deveria ser seu herdeiro, Marco Antônio ou Otávio?
Júlio – Outra discussão inútil. Marco Antônio foi grande
companheiro, desde as campanhas da Gália, um grande
general em campo de batalha. Era um homem de briga.
Mas Caio Otávio era meu sobrinho, um rapaz franzino
em cuja formação me empenhei e a quem adotei. Ot
Otávio admirava minha busca de consenso
senso e era meu leg
legítimo herdeiro. Não foi à toa que deu continuidade à
minha obra.
Download