CLASSIFICAÇÃO DE ENZIMAS| INTRODUÇÃO A Comissão de Enzimas da União Internacional de Bioquímica definiu critérios para a classificação e denominação das enzimas. 1- A cada enzima foi atribuído um “número EC” (de Enzyme Commission) que contém 4 números separados por pontos (EC W.X.Y.Z). Os números W, X e Y referem-se, respetivamente, à classe, subclasse e sub-sub-classe e o número Z é específico de cada enzima. CLASSIFICAÇÃO E NOMENCLATURA DE ENZIMAS 2- No dia 7-10-2012 estavam classificadas 4938 enzimas que podem ser consultadas em http://www.expasy.ch/enzyme/ 3- Em geral uma mesma enzima tem vários nomes e a nomenclatura não é isenta de ambiguidade; a atribuição de um número E às enzimas é uma tentativa de resolver essa ambiguidade. Foram definidas 6 classes: Classe 1: oxi-redútases Classe 2: transférases Classe 4: líases Classe 5: isomérases Aulas a cargo de Ana Correia-Branco e Rui Fontes Departamento de Bioquímica Ano lectivo 2012/2013 Classe 3: hidrólases Classe 6: lígases ou sintétases 4- A classificação é de tipo funcional: diferentes proteínas (com estrutura diferente) mas com a mesma atividade catalítica (como as isoenzimas) têm o mesmo nome e número E. CLASSIFICAÇÃO DE ENZIMAS| ISOMÉRASES 2 CLASSIFICAÇÃO DE ENZIMAS| HIDRÓLASES FOSFOGLICOMÚTASE As isomérases (EC 5.x.y.z) catalisam a interconversão de dois isómeros: A↔B P C6 C1 Isómeros: dois compostos com a mesma fórmula molecular mas com diferente fórmula estrutural. P Glicose-6-fosfato Glicose-1-fosfato Em rigor, as isomérases são as únicas enzimas em que se pode falar do substrato da enzima no singular. Exemplos: fosfoglicomútase mútase do fosfoglicerato isomérase das hexoses-fosfato isomérase das trioses-fosfato epimérase da UDP-galactose (Glicose-1-P ↔ Glicose-6-P) (3-fosfoglicerato ↔ 2-fosfoglicerato) (Glicose-6-P ↔ Frutose-6-P) (gliceraldeído-3-P ↔ dihidroxiacetona-P) (UDP-Galactose ↔ UDP-Glicose) Em geral, nas reações catalisadas pelas isomérases as Keq têm valores não muito diferentes de 1 ( ∆G° não muito diferente de 0) e são fisiologicamente reversíveis. 3 Nas reações catalisadas pelas hidrólases (EC 3.x.y.z) um dos reagentes é a água e o substrato rompe-se nas suas partes constituintes: AB + H2O → A + B Exemplos de ligações que podem sofrer rotura hidrolítica: 1- éster (produtos = álcool + ácido) ou tioéster (produtos = tiol + ácido) 2- lactona (produtos = álcool + ácido; notar que neste caso, porque a lactona é “um éster interno”: A + H2O → B) 3- anidrido (produtos = ácido + ácido) 4- amida (produtos = ácido + amina ou amónio) 5- osídicas (produtos = semi-acetal + álcool ou semi-acetal + semi-acetal ou semi-acetal + ácido ou o semi-acetal + amina) Em geral, quando à frente do nome de um composto se coloca o sufixo “ase” a enzima é uma hidrólase (maltase, amílase, fosfolípase, lípase, ATPase, glutamínase ...). 4 Quase sempre catalisam reações fisiologicamente irreversíveis. CLASSIFICAÇÃO DE ENZIMAS| HIDRÓLASES CLASSIFICAÇÃO DE ENZIMAS| TRANSFÉRASES As fosfátases são hidrólases em que um dos produtos é o fosfato inorgânico (Pi). As reações catalisadas pelas fosfátases chamam-se desfosforilações. Nas reações catalisadas pelas transférases (EC 2.x.y.z) um substrato dador cede um grupo químico ou um resíduo a um outro substrato (o substrato aceitador) que o aceita: XT + Y → X + YT Alguns exemplos de fosfátases: Glicose-6-fosfátase P (glicose-6-P + H2O → glicose + Pi) H2O P + Glicose-6-fosfato Fosfato inorgânico Glicose ATPase (ATP + H2O → ADP + Pi) Uma transférase catalisa uma reação em que um resíduo T é transferido de XT para Y (ou, tendo em conta a reação inversa, de YT para X). Pirofosfátase inorgânica (PPi + H2O → 2 Pi) São exemplos de transférases: 1- cínases 2- fosforílases 3- pirofosforílases 4- transférases de uridilato H2O P O P Pirofosfato inorgânico P + P 2 Fosfato inorgânico CLASSIFICAÇÃO DE ENZIMAS| TRANSFÉRASES (ATP + Aceitador → ADP + Aceitador-P) (Dador-T + Pi → Dador + T-P) (Aceitador-T + PPi ← Aceitador + T-PP) (dador-UMP + aceitador → dador + aceitador-UMP) CLASSIFICAÇÃO DE ENZIMAS| TRANSFÉRASES As cínases são fosfotransférases que catalisam reações do tipo: ATP + Y → ADP + Y-P. As reações catalisadas pelas cínases chamam-se fosforilações. Cínase da glicose ATP Numa reação enzímica do tipo: ATP + Y → ADP + Y-P a enzima denominar-se-ia cínase do Y sendo Y o substrato que aceita o fosfato γ do ATP. Glicose Nas reações catalisadas por cínases o resíduo transferido é um fosfato e, em geral, o dador de fosfato é o ATP (ou o GTP) que cede o fosfato γ (o terceiro) a um aceitador. P ADP Glicose-6-fosfato Cínase da frutose-6-fosfato P ATP Frutose-6-fosfato ADP P ADP ATP P Fosfoenolpiruvato P Frutose-1-6-bisfosfato Cínase do piruvato 7 A denominação das cínases não têm em linha de conta o sentido em que a reação ocorre nos seres vivos: Piruvato (1) a cínase do piruvato catalisa in vivo a fosforilação do ADP pelo fosfoenolpiruvato. (2) a cínase do adenilato (=AMP) catalisa a fosforilação do AMP pelo ATP (mas também a reação inversa; é fisiologicamente reversível): ATP + AMP ↔ 2 ADP CLASSIFICAÇÃO DE ENZIMAS| TRANSFÉRASES CLASSIFICAÇÃO DE ENZIMAS| TRANSFÉRASES Numa reação enzímica do tipo: ATP + Y ↔ ADP + Y-P a enzima denominar-se-ia cínase do Y e a regra mantém-se mesmo quando o aceitador é outra enzima. Exemplo: a cínase da desidrogénase do piruvato catalisa a fosforilação da desidrogénase do piruvato (PDH) pelo ATP Cínase da glicose As ações das cínases e das fosfátases não são reações inversas. v = 100 ATP A cínase da glicose e a fosfátase da glicose-6-fosfato têm papeis metabólicos opostos, mas as Glicose ADP Glicose6-P J= 90 Piruvato reações que catalisam não são a inversa uma da outra. NAD+ CoA NADH CO2 v = 10 Pi H2O Fosfátase da glicose-6-P = Glicose-6-Pase Acetil-CoA A reação inversa da fosforilação da glicose por ação da cínase da glicose seria a fosforilação do ADP (a ATP) pela glicose-6-P… Em geral, quando existe uma cínase que catalisa a fosforilação de um substrato A existe também uma fosfátase (hidrólase) que catalisa a desfosforilação do substrato A fosforilado … e ambas as reações são (quase sempre) fisiologicamente irreversíveis Quando uma cínase e a fosfátase que se lhe opõe estão simultaneamente ativas a reação soma é a hidrólise de ATP 9 A + ATP → ADP + A-P A-P + H2O → A + Pi Quando isto acontece falamos em “ciclos de substrato”. 10 CLASSIFICAÇÃO DE ENZIMAS| TRANSFÉRASES NOTA: Alguns recetores celulares, têm actividade catalítica, e são portanto enzimas. As fosforílases são transférases em que o substrato aceitador é o fosfato inorgânico (Pi): XT + Pi → X + T-P. As reações catalisadas pelas fosforílases denominam-se fosforólises O recetor da insulina é uma cínase que, quando a insulina está ligada, catalisa a fosforilação de proteínas citoplasmáticas chamadas “substratos do recetor da insulina”. Numa reação do tipo: XT + Pi → X + T-P Algumas cínases (como a PKA; cínase de proteínas dependente do AMP cíclico) são relativamente inespecíficas catalisando a fosforilação de muitas enzimas e essa fosforilação pode ativar ou inibir essas enzimas. ATP + síntase do glicogénio (ativa) PKA (ligada ao AMPc) ADP + síntase do glicogénio fosforilada 11 (inativa) a enzima denominar-se-ia fosforílase do XT (T é o resíduo transferido) ...e XT sofre uma fosforólise: XT rompe-se (lise) por ação do fosfato inorgânico (Pi). Exemplo de fosforílase: A fosforílase do glicogénio catalisa a fosforólise do glicogénio Glicose-glicose-glicose...+ Pi → glicose-glicose...+ Glicose-1-P CLASSIFICAÇÃO DE ENZIMAS| TRANSFÉRASES CLASSIFICAÇÃO DE ENZIMAS| TRANSFÉRASES As pirofosforílases são transférases em que o substrato aceitador do resíduo transferido é o pirofosfato inorgânico (PPi): XT + PPi → X + T-P-P. As reações catalisadas pelas pirofosforílases denominam-se pirofosforólises. As transférases de uridilato (uridil-transférases) são enzimas em que o resíduo transferido é o UMP (e não se forma nem se consome PPi inorgânico): X-UMP + Y « X + Y-UMP. Numa reação do tipo XT + PPi → X + T-P-P Glicose-PP-uridina a enzima denominar-se-ia pirofosforílase do XT ...e XT sofre pirofosforólise: rompe-se (lise) por ação do pirofosfato inorgânico (PPi). Exemplo de pirofosforílase: Pirofosforílase do UDP-Glicose Galactose-1-P UDP-Glicose Uridiltransférase da galactose-1-P Para compreender porque se denomina pirofosforílase do uridina-difosfato de glicose (UDP-glicose) à enzima que catalisa a reação Glicose-P Galactose-PP-uridina Glicose-1-P + UTP →UDP-glicose + PPi, temos de pensar na reação inversa àquela que, de facto, ocorre nas células dos seres vivos. A reação inversa é a pirofosforólise do 13 UDP-glicose. Galactose-P Glicose-1-P UDPGalactose O UMP (uridina-monofosfosto) também se designa de uridilato. 14 CLASSIFICAÇÃO DE ENZIMAS| LÍGASES CLASSIFICAÇÃO DE ENZIMAS| LÍGASES As lígases (ou sintétases) (EC 6.x.y.z) catalisam reações que podem ser lidas como sendo o somatório de duas reações: uma de hidrólise do ATP e outra de combinação de duas substâncias. Nalgumas lígases o nucleosídeo trifosfato envolvido na reação não é ATP mas o GTP. ATP + A + B ↔ ADP + Pi + AB ou ATP + A + B ↔ AMP + PPi + AB Nas reações catalisadas pelas lígases a energia libertada no processo de hidrólise do ATP permite a combinação de dois reagentes A e B. Ou, considerando o sentido inverso, que a energia libertada na cisão de AB permite a síntese de ATP. No ciclo de Krebs a reação catalisada pela sintétase de succinil-CoA (uma das isoenzimas) evolui no sentido da rotura do succinil-CoA e síntese de GTP: GDP + Pi + succinil-CoA → succinato + CoA + GTP Sintétase do AB Podemos considerar, conceptualmente, que a sintétase de succinil-CoA faz a acoplagem de duas reações: 15 Succinil-CoA + H2O → Succinato + CoA (reação exergónica) ∆G1<0 GDP + Pi → GTP + H2O (reação endergónica) ∆G2>0 ∆G(1,2)=∆G1+∆G2 GDP + Pi + Succinil-CoA ↔ GTP + Succinato + CoA 16 CLASSIFICAÇÃO DE ENZIMAS| LÍASES CLASSIFICAÇÃO DE ENZIMAS| OXI-REDÚTASES Nas reações catalisadas pelas líases (EC 4.x.y.z) um dos reagentes que contém uma dupla ligação combina-se com um segundo reagente de tal maneira que o produto já não contém a dupla ligação: A=B + C « ABC As oxi-redútases (EC 1.x.y.z) catalisam reações de oxi-redução Ou, pensando na reação inversa: são líases as enzimas que catalisam reações em que um composto se rompe dando origem a dois produtos sendo que um destes produtos contém uma dupla ligação que não existia no composto que lhe deu origem: ABC «A=B + C Exemplos de nomes associados a oxi-redútases: Desidrogénases Oxídases Catálase 17 NAD+ NADP+ FAD FMN NADH NADPH FADH2 FMNH2 desidrogénase de AH2 A+ RED RED Piruvato Desidrogénase do lactato NAD+ NADH NAD+ NADH Ubiquinona Ubiquinol redútase do A AH2 + Exemplo: redútase do glutatião; NADPH + dissulfureto de glutatião (GSSG) → NADP+ + 2 glutatião (2GSH) NADP+ CO2 Acetil-CoA Piruvato NAD+ NADH NADPH FADH2 FMNH2 OX NADPH Coenzima A Desidrogénase do piruvato catalisam reações de dismutação Dismútases 18 2) As redútases também são oxi-redútases. A maioria das redútases catalisa reações do mesmo tipo das desidrogénases mas o redutor é o NADPH... A+ lactato o H2O2 é reduzido a água... Peroxídases 1) As desidrogénases são oxi-redútases que catalisam reações do tipo: OX O2 é o oxidante direto Oxigénases Frequentemente o composto C é a água mas aqui, ao contrário do caso das hidrólases, a reação de C com A=B não resulta na lise de A=B. AH2 + dinucleotídeos são substratos Redútases 2 e- H+ NADH Desidrogénase do NADH (não se chama desidrogénase do ubiquinol) 19 H+ NAD+ NADP+ FAD FMN 3) As oxídases também são oxi-redútases. Catalisam reações em que o O2 é um dos reagentes que se reduz a H2O, a peróxido de hidrogénio (H2O2) ou a superóxido (O2• -). 2 cyt. c (Fe3+) + H2O 2 cyt. c (Fe2+) + ½ O2 5) As peroxídases também são oxi-redútases. Catalisam reações em que o H2O2 é o agente oxidante direto de um composto orgânico. Exemplo: a peroxídase do glutatião é a mais conhecida 2 Glutatião (2 GSH) + H2O2 → dissulfureto de glutatião (GSSG) + 2 H2O oxídase do citocromo c NADP+ + 2 O2• - NADPH + 2 O2 oxídase da NADPH 4) As mono-oxigénases (também chamadas oxigénases de função mista) também são oxiredútases. Catalisam reações em que o O2 é o oxidante direto, sendo que um dos átomos de oxigénio se vai incorporar num composto orgânico que é oxidado e o outro vai formar água. São frequentemente chamadas hidroxílases; neste caso seria hidroxílase do VH (no exemplo está a reação catalisada pela hidroxílase da fenilalanina) VH O2 WH2 fenilalanina VOH H2O W O2 tetrahidrobiopterina 2 e- tirosina H2O dihidrobiopterina 21 A palavra síntase (não confundir com sintétase) está popularmente associada a algumas enzimas e as síntases podem pertencer a diferentes classes. Algumas vezes o nome que foi originalmente atribuído a uma enzima (síntase do composto X), embora fora da nomenclatura sistemática, manteve-se o mais popular ao longo dos anos. 1- A síntase do glicogénio é de facto uma transférase. 2 - A síntase do ATP é de facto uma hidrólase (e, simultaneamente um transportador de protões). ADP + Pi → ATP + H2O A componente exergónica do processo é o transporte de protões através de um componente da enzima que está mergulhado na membrana interna da mitocôndria. Os protões deslocam-se a favor do seu gradiente electroquímico. 2H+ 23 H2O2 2 H2O