parte 1 - LARPSI

Propaganda
PARTE 1
Conceitos gerais
1 As principais psicoterapias:
fundamentos teóricos,
técnicas, indicações e
contra-indicações
Aristides Volpato Cordioli
O presente capítulo apresenta um breve panorama das psicoterapias na atualidade, incluindo a origem, a evolução, o conceito e os elementos que caracterizam esse importante
método de tratamento dos problemas emocionais e dos transtornos mentais. Serão descritos
os principais modelos, seus fundamentos teóricos e técnicas, bem como suas indicações e
contra-indicações.
Originalmente chamada de cura pela fala, a
psicoterapia tem suas origens na medicina antiga, na religião, na cura pela fé e no hipnotismo. Foi, entretanto, ao final do século XIX que
passou a ser utilizada no tratamento das assim
denominadas doenças nervosas e mentais, tornando-se uma atividade médica inicialmente
restrita aos psiquiatras. No decorrer do século
XX, outros profissionais passaram a exercê-la:
médicos clínicos, psicólogos, enfermeiros, assistentes sociais, entre outros, ultrapassando as
fronteiras do “modelo médico”. Houve uma
grande proliferação de modelos e métodos
apoiados em diferentes concepções sobre os sintomas e o funcionamento mentais, muitas vezes conflitantes e até antagônicas. Escolas surgiram, especialmente no pós-guerra, e sociedades científicas organizaram-se promovendo seus
congressos, cursos de formação e estabelecendo regras para a prática do modelo que preconizavam, em uma convivência nem sempre
pacífica. Uma babel de linguagens e métodos
instalou-se na área, confundindo tanto os profissionais como as pessoas necessitadas de tratamento. Conservaram-se, contudo, na maioria das vezes, os termos relacionados com sua
origem médica: paciente, diagnóstico, doença,
etiologia, plano de tratamento, prognóstico,
indicações e contra-indicações (Wampold,
2001).
A proliferação de teorias nem sempre foi
acompanhada da correspondente preocupação
em comprová-las e em avaliar a efetividade dos
métodos propostos, seus alcances e limites. Essa
preocupação começou a surgir a partir da década de 1950, em particular, a partir da propo-
20
Cordioli e cols.
sição do psicólogo inglês Eysenck de que os
efeitos das psicoterapias eram devidos à simples passagem do tempo, e não decorrentes das
técnicas utilizadas, o que acabou representando um desafio para os praticantes dos diversos
modelos. Na mesma época, Carl Rogers afirmava, ainda, que os efeitos da terapia não eram
devidos às técnicas específicas de cada modelo, e sim decorrentes de fatores intrínsecos à
relação humana que se estabelecia em qualquer
terapia.
Esses e outros desafios, além da competição entre os diferentes modelos, representaram
um forte estímulo para a realização, a partir da
década de 1960, de pesquisas de grande porte,
como o Projeto Menninger e outros, com a finalidade de comprovar a efetividade das diferentes modalidades de terapia. De qualquer
forma, existe, na atualidade, um relativo consenso de que as terapias são efetivas. Há uma
concordância, também, de que boa parte dos
seus efeitos devem-se a um conjunto de fatores
que envolvem as técnicas específicas utilizadas,
próprias de cada modelo, e, ainda, um complexo conjunto de elementos que inclui, além
das referidas técnicas, os chamados fatores não
específicos, comuns a todas as psicoterapias.
Tais fatores abrangem o próprio contexto interpessoal da terapia: a pessoa do terapeuta e, em
particular, algumas qualidades, como empatia,
calor humano e interesse genuíno; a qualidade
da relação terapêutica (a aliança terapêutica e
o vínculo); além de fatores pessoais do próprio
paciente, como a capacidade de vincular-se ao
terapeuta, seu nível educacional, sua cultura,
suas crenças, suas expectativas, sua motivação
para efetuar mudanças em sua vida, e a maior
ou menor flexibilidade para adaptar-se a cada
método específico. Parece complexo e, de fato,
é. O quanto cada um desses fatores influencia
os resultados é uma questão que gera muito
debate. E, apesar das inúmeras tentativas de
explicar o que leva o paciente a realizar mudanças em psicoterapia, e qual a verdadeira
natureza dessas mudanças, ainda são grandes
as controvérsias sobre essas questões.
De qualquer forma, os avanços foram notáveis. Novos modelos e técnicas têm sido propostos; muitos deles com protocolos (manuais),
permitindo a padronização e, conseqüentemente, a reprodução das pesquisas. Instrumentos
mais acurados foram desenvolvidos tanto para
o estabelecimento do diagnóstico como para a
avaliação da gravidade dos sintomas e a aferição dos resultados. Por outro lado, a maior
especificidade e confiabilidade dos diagnósticos psiquiátricos permitiram reunir amostras
mais homogêneas de pacientes, diminuindo a
quantidade de fatores que podem influenciar
os resultados e criando um cenário promissor
para testar a efetividade de diferentes protocolos de psicoterapia, procurando responder à
pergunta: qual o melhor método de tratamento para cada paciente? Esses avanços permitiram ainda a comparação da eficácia relativa
entre as diferentes psicoterapias e em relação
aos psicofármacos. Como conseqüência, temos
métodos mais padronizados e um panorama
bem mais definido da eficácia, dos alcances e
dos limites das diversas modalidades de psicoterapia.
Na atualidade, existem mais de 250 modalidades distintas de psicoterapias, descritas de uma
ou de outra forma em mais de 10 mil livros e em
milhares de artigos científicos relatando pesquisas realizadas com a finalidade de compreender
a natureza do processo psicoterápico e os mecanismos de mudança e de comprovar a sua efetividade, especificando em que condições devem
ser usados e para quais pacientes. Apesar de todo
esse esforço, evidências convergentes são escassas. A controvérsia ainda é grande, e o reconhecimento da psicoterapia como ciência é tênue
(Wampold, 2001). Como é um campo pertencente a várias profissões, inexiste qualquer tipo
de fiscalização oficial ou de exigência mínima
para quem a pratica.
Psicoterapia
O que é a psicoterapia:
um conceito
Existe uma grande controvérsia sobre até
que ponto a psicoterapia se distingue de outras
relações humanas, nas quais uma pessoa ajuda
Psicoterapias
outra a resolver problemas pessoais. Apesar
disso, há um consenso de que a psicoterapia é
um método de tratamento mediante o qual um
profissional treinado, valendo-se de meios psicológicos, especialmente a comunicação verbal
e a relação terapêutica, realiza, deliberadamente, uma variedade de intervenções, com o intuito de influenciar um cliente ou paciente, auxiliando-o a modificar problemas de natureza
emocional, cognitiva e comportamental, já que
ele o procurou com essa finalidade (Strupp,
1978). O termo “paciente” está relacionado ao
modelo médico e é o mais utilizado, particularmente em serviços de saúde. Levando-se em
conta essas características, poderíamos dizer que
a psicoterapia é um tratamento primariamente
interpessoal, baseado em princípios psicológicos, que envolve um profissional treinado e um
paciente ou cliente portador de transtorno mental, problema ou queixa, o qual solicita ajuda.
O tratamento é planejado pelo terapeuta com
o objetivo de modificar o transtorno, problema ou queixa e é adaptado a cada paciente ou
cliente em particular (Wampold, 2001).
A psicoterapia envolve, portanto, uma
interação face a face. Outras formas de ajuda,
como a biblioterapia, a exposição virtual, o uso
de computador, a conversa de amigos ou o
aconselhamento por telefone ou virtual, quando utilizadas fora de um contexto interpessoal
e de uma relação profissional, não são consideradas psicoterapia no sentido estrito. Métodos
baseados em crenças religiosas (cura pela fé,
rituais mágicos, etc.) também são excluídos,
mesmo que provoquem alívio de sintomas.
Na verdade, a psicoterapia distingue-se de
outras modalidades de tratamento por ser muito mais uma atividade colaborativa entre o paciente e o terapeuta do que uma ação predominantemente unilateral, exercida por alguém sobre outra pessoa, como ocorre com outros tratamentos médicos (p. ex., cirurgia).
CARACTERÍSTICAS DA PSICOTERAPIA
• É um método de tratamento realizado por um
profissional treinado, com o objetivo de reduzir ou remover um problema, queixa ou
•
•
•
•
21
transtorno definido de um paciente ou cliente que deliberadamente busca ajuda
O terapeuta utiliza meios psicológicos como
forma de influenciar o cliente ou paciente
É realizada em um contexto primariamente
interpessoal (a relação terapêutica)
Utiliza a comunicação verbal como principal
recurso
É uma atividade eminentemente colaborativa entre paciente e terapeuta
As psicoterapias distinguem-se quanto aos
seus objetivos e fundamentos teóricos, bem
como quanto à freqüência das sessões, ao tempo de duração, ao treinamento exigido dos
terapeutas e às condições pessoais que cada
método exige de seus eventuais candidatos.
O termo abrange desde as psicoterapias breves de apoio ou intervenções em crise, destinadas a auxiliar o paciente a superar dificuldades
momentâneas, até formas mais complexas,
como a psicanálise ou a terapia de orientação
analítica, que se propõem a modificar aspectos
mais ou menos amplos da personalidade. Embora todas utilizem a comunicação verbal no
contexto de uma relação interpessoal, os diferentes modelos divergem quanto ao racional
ou quanto à explicação que oferecem para as
mudanças que almejam obter com seus pacientes. Para as terapias psicodinâmicas, o insight é
considerado o principal ingrediente terapêutico;
para as terapias comportamentais, são as novas aprendizagens; para as terapias cognitivas,
é a correção de pensamentos ou as crenças disfuncionais; para as terapias familiares, é a mudança de fatores ambientais ou sistêmicos; e,
para as terapias de grupo, é o uso de fatores
grupais, para mencionar alguns exemplos.
Elementos comuns
às psicoterapias
Embora exista toda essa pluralidade de
modelos e concepções, as psicoterapias têm alguns elementos em comum. De acordo com
Jerome Frank (1973), três componentes seriam
comuns a todas as psicoterapias.
22
Cordioli e cols.
ELEMENTOS COMUNS
A TODAS AS PSICOTERAPIAS
• A psicoterapia ocorre no contexto de uma relação de confiança emocionalmente carregada em relação ao terapeuta
• A psicoterapia ocorre em um contexto terapêutico, no qual o paciente acredita que o
terapeuta irá ajudá-lo e confia que esse objetivo será alcançado
• Existe um racional, um esquema conceitual
ou um mito que provê uma explicação plausível para o desconforto (sintoma ou problema) e um procedimento ou um ritual para ajudar o paciente a resolvê-lo (Frank, 1973)
O que é um modelo de
psicoterapia consolidado?
Apesar das grandes dificuldades e da confusão preponderante, alguns modelos de terapia
vêm se consolidando, inicialmente, através da
prática clínica e, mais recentemente, pela comprovação de sua efetividade mediante a realização de pesquisas empíricas bem conduzidas.
CRITÉRIOS PARA QUE UM MODELO
PSICOTERÁPICO SEJA CONSIDERADO
CONSOLIDADO
• Deve estar embasado em uma teoria abrangente, que ofereça uma explicação coerente
(um racional) sobre a origem, a manutenção
dos sintomas e a forma de eliminá-los
• Os objetivos a que se propõe modificar devem ser claramente especificados
• Devem existir evidências empíricas da efetividade da técnica proposta
• Deve haver comprovação de que as mudanças
observadas são decorrentes das técnicas utilizadas e não de outros fatores
• Os resultados devem ser mantidos a longo
prazo
• Deve apresentar uma relação custo/efetividade favorável na comparação com outros
modelos ou alternativas de tratamento (Marks,
2002; Wright; Beck; Thase, 2003)
As psicoterapias são efetivas?
A terapia é eficaz e custo-efetiva (CritsChristoph, 1992; Wampold, 2001; Lambert;
Archer, 2006). Smith e Glass (1977), em uma
das primeiras utilizações da metanálise como
recurso estatístico para aumentar o tamanho da
amostra, agruparam os dados de 375 estudos,
publicados e não-publicados, e encontraram um
tamanho de efeito de 0,68. Em uma segunda
metanálise, na qual foram incluídos 475 estudos, Smith, Glass e Miller (1980) encontraram
um tamanho de efeito de 0,85. No tratamento
psicoterápico dos transtornos de personalidade, uma outra metanálise que incluiu 15 estudos, dentre os quais três eram randomizados,
encontrou tamanhos de efeito que variaram de
1,11 a 1,29, calculando que a melhora obtida
com a psicoterapia era sete vezes maior do que
a obtida com a evolução natural da doença, na
ausência de tratamento (Perry; Banon; Ianni,
1999). Wampold (2001) afirma que as várias revisões de metanálises encontraram tamanhos
de efeito que, na maioria das vezes, variaram
entre 0,75 e 0,85, e que uma média razoável do
tamanho do efeito das psicoterapias seria de
0,80. Portanto, a afirmativa de Eysenck de que
os efeitos da psicoterapia não seriam maiores
do que os obtidos com a simples passagem do
tempo não se sustenta. Em mais de um século
de existência, a psicoterapia vem conquistando cada vez mais a credibilidade da população
em geral, dos pacientes e dos profissionais em
particular.
A psicoterapia como arte
Como atividade humana, a psicoterapia é
também uma arte, na medida em que depende das características pessoais do terapeuta, das
habilidades adquiridas em prolongados treinamentos e supervisões e do tipo de par paciente-terapeuta que se estabelece em cada
psicoterapia. Além do conhecimento do instrumental próprio de cada modelo de terapia,
o bom senso e o timming são essenciais para o
uso otimizado de tais recursos. Utilizá-los é
uma arte.
Psicoterapias
A seguir, são descritos os fundamentos teóricos, as técnicas, as indicações e as contra-indicações das psicoterapias mais comuns.
Psicoterapias baseadas
na teoria psicanalítica:
psicanálise, psicoterapia
de orientação analítica
e psicoterapias de apoio
Várias modalidades de psicoterapia fundamentam-se na teoria psicanalítica: a psicanálise, a psicoterapia de orientação analítica, a psicoterapia de apoio, a psicoterapia breve dinâmica, além da terapia de grupo e de algumas
formas de terapia familiar. A psicoterapia psicodinâmica é freqüentemente referida como
psicoterapia expressiva-suportiva, dependendo
de cada situação específica ou de cada paciente. É mais exploratória e expressiva quando seu
objetivo preferencial é a análise das defesas, da
transferência e a obtenção de insight sobre conflitos inconscientes; é mais suportiva (de apoio)
quando se propõe a fortalecer as defesas e a
suprimir os conflitos inconscientes. Em um extremo expressivo, situa-se a psicanálise, e, no
extremo oposto (suportivo), a terapia de apoio,
embora ambas tenham por base a mesma teoria do desenvolvimento da personalidade e da
formação dos sintomas.
Psicanálise e psicoterapia
de orientação analítica
Fundamentos teóricos
O termo “psicanálise”, literalmente, significa dividir a mente em seus elementos constitutivos e nos seus processos dinâmicos. Na prática, ele é utilizado com, pelo menos, três significados diferentes:
•
Um conjunto de teorias psicológicas sobre o funcionamento mental, sobre a formação da personalidade e de aspectos
•
•
23
do caráter, tanto aqueles considerados
normais como os psicopatológicos (sexualidade infantil, inconsciente dinâmico, conflito psíquico, mecanismos de
defesa e formação dos sintomas são alguns dos conceitos-chave);
Um método ou procedimento de investigação dos conteúdos mentais, especialmente os inconscientes (livre associação, análise dos sonhos, análise da
transferência);
Um método psicoterápico que se propõe
a efetuar modificações no caráter (ou em
aspectos focais do caráter) por meio da
obtenção de insight mediante a análise
sistemática das defesas, na chamada neurose de transferência.
A psicanálise teve seu início nas experiências de Breuer e Freud que, ao tratar pacientes
com sintomas conversivos por meio de hipnose,
observaram o desaparecimento dos sintomas
durante o transe hipnótico. Eles propuseram,
como hipótese explicativa, que o afastamento
de impulsos inaceitáveis da consciência, por
meio da repressão, era o responsável pelo seu
caráter patogênico, e o fato de trazê-los à
consciência fazia com que perdessem tal característica e desaparecessem. Freud desenvolveu
outras formas de acessar os conteúdos mentais
inconscientes: a livre associação, também chamada de regra fundamental da psicanálise, a interpretação dos sonhos e a análise da transferência, até hoje utilizadas para tal fim.
No campo teórico, as idéias iniciais de Freud
tiveram inúmeros desdobramentos, destacando-se
a chamada psicologia do ego, liderada por Anna
Freud; a teoria das relações de objeto, liderada por
Melanie Klein; a psicologia do self, desenvolvida
por Heins Kohut; a teoria do apego, de Bowlby e
Bion; o processo de separação e individuação, de
Margareth Mahler, entre outras (Gabbard, 2005).
De acordo com a psicologia do ego, o mundo intrapsíquico é caracterizado por conflitos
entre três instâncias: o ego, o id e o superego.
O conflito se manifesta pela ansiedade que, por
sua vez, mobiliza os mecanismos de defesa do
ego. Os sintomas representam soluções de compromisso entre a expressão plena dos impulsos
24
Cordioli e cols.
(ou sentimentos) e sua repressão ou manejo
pelos mecanismos de defesa e moldam o caráter da pessoa. A análise das defesas que surgem como resistência ao tratamento é o foco
da psicoterapia à luz da psicologia do ego
(Gabbard, 2005).
A teoria das relações de objeto parte do princípio de que as relações são internalizadas muito
precocemente, a partir dos primeiros meses de
vida, e envolvem as representações do self, do
objeto e dos afetos que ligam essas representações. Dissociação e projeção são os mecanismos de defesa mais utilizados nessa fase primitiva do desenvolvimento (Gabbard, 2005).
Para Kohut (psicologia do self), os pacientes
narcisistas, em vez de conflitos, teriam déficits
de uma relação empática com a mãe, o que os
deixaria muito vulneráveis em questões de autoestima. Em sua formação, o self começaria sob
a forma de núcleos fragmentados que adquiririam coesão como conseqüência de respostas
empáticas dos pais (Gabbard, 2005).
Além desses, outros teóricos fizeram importantes contribuições para a teoria psicanalítica,
como Bion, Winnicott, Margaret Mahler, entre outros. Dependendo da orientação teórica
à qual é afiliado o analista, pode ser dada uma
ênfase maior ou menor a cada um desses
enfoques.
A técnica da psicanálise
Na psicanálise, o analista adota uma atitude
neutra, sentando-se às costas do paciente, não
havendo, portanto, um contato visual direto.
O paciente é orientado a expressar livremente
e sem censura seus pensamentos, sentimentos,
fantasias, sonhos, imagens, assim como as associações que lhe ocorrem, sem prejulgar sua
relevância ou significado (regra fundamental da
livre associação). O terapeuta senta atrás do
divã, mantendo uma atitude de curiosidade e
de ouvinte atento. De tempos em tempos, interrompe as associações do paciente, fazendoo observar determinadas conexões entre fatos
de sua vida mental (interpretação), particularmente emoções ou fantasias relacionadas com
a pessoa do terapeuta (transferência), que passam despercebidas, e refletir sobre o seu significado subjacente (inconsciente).
Em virtude da neutralidade, da repetição
freqüente das sessões e do divã, se estabelece
uma regressão e uma relação transferencial por
parte do paciente, que passa a deslocar para a
pessoa do terapeuta pensamentos e sentimentos voltados, originariamente, para pessoas importantes do seu passado, repetindo padrões
primitivos de relacionamento. Dessa forma, o
passado se torna presente, na chamada neurose de transferência. Por intermédio das interpretações, centradas na análise e na resolução
da referida neurose transferencial, o paciente
poderá obter insight sobre tais padrões primitivos e desadaptados de relações interpessoais,
compreender a origem de traços patológicos de
seu caráter, reviver emoções perturbadoras associadas a figuras do passado (pai, mãe, irmãos),
modificá-las e livrar-se dos sintomas. Um princípio básico da psicanálise é a elaboração. A
interpretação repetitiva, a observação, a confrontação e a verbalização permitirão ao paciente elaborar seus conflitos, isto é, adquirir domínio sobre conflitos internos e sobre emoções
avassaladoras a eles associadas.
O terapeuta é neutro na medida em que evita fazer julgamentos sobre os pensamentos, desejos e sentimentos do paciente, procurando
compreendê-los. É abstinente na medida em
que evita gratificar os desejos transferenciais do
paciente, de que se comporte como pessoas do
seu passado. Não revela detalhes de sua vida
pessoal ou de sua família. A proposição tradicional de que o terapeuta deveria ser uma tela em
branco evolui para a proposição atual, segundo a qual ele deve ser natural e espontâneo,
facilitando a relação terapêutica, e não frio, distante e silencioso (Gabbard, 2005; Person;
Cooper; Gabbard, 2007).
A psicanálise utiliza habitualmente quatro
sessões por semana, podendo variar para três
ou até cinco sessões semanais, que duram de
45 a 50 minutos. As sessões ocorrem sempre
em horários preestabelecidos, podendo o tratamento durar vários anos.
Psicoterapias
A técnica da psicoterapia
de orientação analítica
Na terapia de orientação analítica, as associações não são tão livres como na psicanálise, pois
habitualmente são dirigidas pelo terapeuta para
questões-chave da terapia, a qual, a princípio,
busca intervir em áreas circunscritas ou problemas delimitados. Dentro da área selecionada
(foco), o paciente é estimulado a explorar seus
sentimentos, suas idéias e suas atitudes por meio
de suas relações com figuras importantes de sua
vida atual, do seu passado, e com o próprio terapeuta, com vistas ao insight. São interpretadas as
defesas, mas as interpretações transferenciais são
menos freqüentes. É feito um uso maior de esclarecimento, sugestão e, até mesmo, de técnicas comportamentais (sugestão e reforços), do
que na psicanálise. Sem a utilização do divã, com
o uso menor da associação livre e com sessões
menos freqüentes, a regressão é menor, e a transferência não se desenvolve com a mesma intensidade, primitivismo e rapidez que a psicanálise
(Ursano; Silberman, 2003; Person; Cooper;
Gabbard, 2007).
A psicoterapia de orientação analítica utiliza de uma a três sessões semanais, com o paciente sentando-se em uma poltrona de frente
para o terapeuta, podendo o tratamento durar
vários meses ou até anos.
Como ocorrem as mudanças
na psicoterapia psicodinâmica?
As terapias psicodinâmicas buscam a mudança essencialmente por meio do insight e da
relação terapêutica. O insight é obtido em conseqüência das interpretações, tornando conscientes impulsos, sentimentos, medos, fantasias
e desejos, especialmente quando se manifestam
na relação transferencial.
Além do insight, algumas mudanças podem
ser consideradas conseqüência da própria relação terapêutica. Em um tratamento prolongado como a psicanálise, com vários encontros
semanais, é inevitável que o paciente internalize,
na relação com o terapeuta, aspectos reais de
25
sua pessoa, especialmente os aspectos idealizados e com os quais se identifica, e, como conseqüência, sejam modificadas representações (de
objeto e do self) das figuras parentais internalizadas na infância.
Um outro efeito do tratamento é o aumento
da capacidade de refletir sobre si mesmo, de
identificar sentimentos ligados a pessoas do
passado e deslocados para pessoas da vida presente, adquirida com a ajuda do terapeuta
(internalização de uma capacidade do terapeuta), permitindo distinguir melhor os fatos do seu
mundo interno, as interpretações desses fatos e
a realidade externa.
É inevitável que, em uma relação prolongada, atitudes como dar atenção a certos temas e
demonstrar satisfação em razão de progressos
obtidos acabem funcionando como reforçadores, assim como a correção de pensamentos e
de crenças distorcidas em razão do uso de confrontações e de clarificações. É inevitável, portanto, a utilização de estratégias, mesmo que
de forma não deliberada, que na verdade são
típicas de outros modelos de terapia.
Objetivos e indicações
das terapias psicodinâmicas
As terapias psicodinâmicas destinam-se ao
tratamento de problemas de natureza crônica,
cuja origem situa-se em dificuldades ocorridas
na infância, em especial nas relações com os
pais. Podem ser úteis, em princípio, para pessoas com traços ou transtornos da personalidade que causam prejuízo a suas relações interpessoais, familiares ou profissionais, ou para tratar
problemas caracterológicos mais graves ou com
atrasos em tarefas evolutivas, como, por exemplo, aquisição e consolidação de identidade
própria, independência e autonomia. Seus objetivos, portanto, são a reorganização da estrutura do caráter ou a modificação de traços de
personalidade desadaptativos em pacientes com
transtornos leves ou moderados da personalidade.
Pacientes mais ambiciosos, com uma boa
motivação para efetuar mudanças mais profun-
26
Cordioli e cols.
das e mais amplas, com interesse e boa capacidade para um trabalho introspectivo e para
pensar psicologicamente, além de disposição
de tempo, de recursos financeiros e um ego
razoavelmente preservado, são candidatos à
psicanálise.
Se o desejo é tratar problemas mais focais,
resolver conflitos delimitados ou circunstanciais, ou se o paciente tem problemas mais graves, e, mesmo assim, mantém uma boa capacidade para trabalhar introspectivamente, ou,
ainda, se não existe motivação para efetuar
mudanças mais profundas e não há disponibilidade de tempo e de recursos financeiros necessários, a opção pode ser uma terapia de orientação analítica ou, até mesmo, uma psicoterapia breve dinâmica. Esta última modalidade
pode ser indicada em situações de crises vitais
ou acidentais, transtornos de ajustamento nos
quais um foco de natureza psicodinâmica foi
facilmente identificado e o paciente apresenta
as condições necessárias para um trabalho
introspectivo e interpretativo.
Independentemente da modalidade de terapia psicodinâmica adotada, o paciente deve
atender a alguns pré-requisitos. É indispensável que o paciente:
1. Seja capaz de comunicar-se de forma honesta com o terapeuta, predominantemente por meio de palavras, e não por
ações;
2. Experimente conflitos internos;
3. Tenha uma razoável capacidade de
introspecção e queira utilizá-la para aumentar a compreensão sobre si mesmo;
4. Consiga experimentar afetos intensos sem
externalizá-los na sua conduta;
5. Possa desenvolver um bom vínculo com
o terapeuta e uma aliança terapêutica;
6. Seja capaz de, junto com o terapeuta,
estabelecer algumas metas como, por
exemplo, um melhor controle de impulsos, um melhor controle de condutas
destrutivas, etc. (Ursano; Silberman,
2003, p. 1181).
Aparentemente, não existem mais contraindicações em razão da idade, embora, em prin-
cípio, a psicanálise não seja recomendada para
pacientes com mais de 50 anos.
Indicações da psicanálise e da
psicoterapia de orientação analítica
• Traços de personalidade ou problemas
caracterológicos desadaptativos
• Transtornos leves ou moderados de personalidade
• Atrasos ou lacunas em tarefas evolutivas
• Conflitos internos, predominantemente de
natureza edípica, que interferem nas relações interpessoais atuais
As terapias de orientação analítica,
em princípio, são contra-indicadas
• Quando há ausência de um ego razoavelmente integrado e cooperativo (psicóticos,
transtornos graves de personalidade, dependentes químicos, transtornos mentais
orgânicos)
• Na presença de problemas de natureza aguda, que exigem solução urgente
• Em transtornos mentais para os quais existem outros tratamentos efetivos de menor
custo (transtornos de ansiedade, transtornos
do humor, transtornos alimentares, depressão, etc.)
• Para pacientes impulsivos que não toleram
níveis, mesmo que pequenos, de frustração,
como ocorre com pacientes borderline, altamente narcisistas e centrados em si mesmos ou voluntariosos
• Para pacientes com transtornos da personalidade que dificultam o estabelecimento de
um vínculo (esquizóides, esquizotípicos,
anti-sociais) e que dificilmente se enquadram dentro da estrutura do tratamento analítico
• Para pacientes com problemas agudos (psicoses, transtornos do humor e de ansiedade, etc.)
• Para pacientes gravemente comprometidos e,
portanto, sem condições cognitivas para trabalhar na busca de insight
• Para pacientes comprometidos cognitivamente (retardo mental, demência)
Psicoterapias
• Para pacientes com pouca capacidade para
introspecção (alexitimia) ou com pouca sofisticação psicológica
• Na ausência de motivação para uma terapia
de insight ou de interesse em um trabalho
introspectivo
Psicoterapias de apoio
A expressão “terapia de apoio” refere-se a
um tipo de terapia que é menos ambicioso,
menos intensivo e menos provocador de ansiedade do que as terapias designadas psicanalíticas, orientadas ao insight, exploratórias ou expressivas. Entretanto, esse tipo de terapia fundamenta-se, também, nas teorias psicanalíticas
da personalidade. O apoio, na verdade, é visto
como elemento essencial em todas as formas
de psicoterapia, as quais diferem-se mais em
função do grau do que propriamente da presença ou ausência de técnicas de apoio. Essa
modalidade de terapia pode ser melhor entendida se for vista como situada em um dos pólos
do continuum suportivo-expressivo que caracteriza as psicoterapias psicodinâmicas, com diferenças relativas no que se refere aos objetivos, às indicações, ao embasamento teórico, às
estratégias e às técnicas.
OBJETIVOS DAS PSICOTERAPIAS
DE APOIO
• Redução ou a eliminação dos sintomas
• Manutenção ou o restabelecimento do nível
de funcionamento anterior a uma crise
• Melhora da auto-estima
• Melhora da capacidade de lidar com os
estresses internos e externos, eventualmente por meio do afastamento das pressões
ambientais ou da adoção de medidas que visam ao alívio dos sintomas
• Diminuição de déficits de funcionamento do
EGO por meio do reforço de defesas consideradas adaptativas
• Desenvolvimento de capacidades de lidar
com déficits provocados por doenças físicas
ou suas seqüelas
27
As psicoterapias de apoio podem ser de longo prazo ou breves, também chamadas de intervenções em crise ou terapias breves de apoio.
As terapias de apoio de longo prazo destinamse a pacientes com déficits crônicos de ego, com
o funcionamento geral comprometido, enquanto as intervenções breves de apoio destinam-se
a pessoas psiquiatricamente saudáveis e bem
adaptadas que, momentaneamente, estão atravessando situações de crise, trauma ou desastre natural, e com uma resposta à crise abaixo
de sua capacidade, ou que não estão utilizando
os recursos de que dispõem. Seus objetivos são
o alívio dos sintomas, a manutenção ou a restauração de uma função, o aumento da autoestima e a melhora da adaptação a estresses internos e externos (Ursano; Silberman, 2003).
Fundamentação teórica
As psicoterapias de apoio fundamentam-se
na teoria psicodinâmica do funcionamento
mental: nos conceitos de força de ego, nos mecanismos de defesa (adaptativos e não adaptativos), no terapeuta assumindo temporariamente as funções de ego auxiliar e de holding, e nos
mecanismos de identificação introjetiva. No
caso específico das intervenções em crise, baseiam-se ainda na teoria das crises de Caplan,
no princípio epigenético e no conceito de fases
e tarefas evolutivas ao longo do ciclo vital, de
Erickson. Além do embasamento na teoria psicodinâmica, a terapia de apoio utiliza os princípios da aprendizagem (reforço, aprendizagem
social) da teoria comportamental e a correção
de crenças e pensamentos disfuncionais, técnicas de solução de problemas da terapia cognitiva. Leva ainda em conta os recursos e as pressões do meio social em que o paciente vive e
com o qual interage e a necessidade de mobilizá-los ou afastá-los.
A estratégia básica da terapia de apoio é
mapear as principais áreas de dificuldade na
vida do paciente e melhorá-las da maneira que
for possível, em vez de tentar descobrir suas
causas, como seria a preocupação da terapia
de orientação analítica (Ursano; Silberman,
2003). Central a essa estratégia é ajudar o pa-
28
Cordioli e cols.
ciente a fortalecer as defesas adaptativas, diminuir o uso de defesas imaturas ou mal-adaptativas e melhorar o equilíbrio entre impulsos e
defesas. Por exemplo, pode ser sugerido o afastamento de situações demasiadamente estressoras ou ser proposto o objetivo de reduzir a
autocrítica quando demasiadamente severa ou
melhorar o autocontrole sobre impulsos demasiadamente intensos ou destrutivos. O foco é
nos pensamentos e sentimentos conscientes –
e não no inconsciente, em fortalecer em vez de
diminuir as defesas e em conter em vez de mobilizar afetos. O objetivo mais imediato é o alívio dos sintomas e a restauração do nível de
funcionamento anterior à crise.
A relação com o terapeuta tem uma função
fundamental na terapia de apoio. Enquanto na
terapia de orientação analítica as interpretações
transferenciais são o principal recurso para corrigir as projeções e distorções do paciente, na
terapia de apoio o terapeuta exerce uma função
de suporte, semelhante ao que ocorre em uma
boa relação mãe-filho. Nessas condições, a presença constante, o apoio empático, o interesse
autêntico, a ausência de crítica e o vínculo afetivo
reduzem a ansiedade e aumentam a auto-estima
do paciente, além de permitirem a internalização
de aspectos positivos e capacidades do terapeuta por meio de mecanismos introjetivos. Usando sua capacidade de avaliar a realidade, sua
capacidade de introspecção, sua percepção mais
realista das potencialidades e limites do paciente (tanto atuais como futuros) e sua capacidade
de analisar os problemas e visualizar alternativas, temporariamente (e, eventualmente, por longos períodos), o terapeuta assume as funções de
um ego auxiliar do paciente.
Nesse contexto, ocorrem ainda novas aprendizagens sob a forma de estímulos (reforços)
para comportamentos desejáveis ou adaptativos, além da correção de pensamentos e crenças distorcidas ou erradas que o paciente tem
sobre si mesmo. É inevitável que, em um convívio de longa duração com uma pessoa estimada e admirada, o paciente se identifique e
acabe internalizando muitos aspectos da personalidade do terapeuta ou simplesmente tenda a imitá-lo em outros tantos (aprendizagem
social por imitação).
Técnica
A prática da terapia de apoio pode ser, eventualmente, mais difícil do que a prática da terapia voltada para o insight, pois ela envolve um
julgamento criterioso, por parte do terapeuta,
das potencialidades e das vulnerabilidades do
paciente. Há o risco de o terapeuta subestimar
as potencialidades do paciente e manter uma
relação de excessiva dependência, impedindo
ou retardando o processo de separação/individuação, o funcionamento autônomo e o desenvolvimento de uma identidade própria por parte do paciente. Por outro lado, a superestimação
das potencialidades pode expô-lo a riscos de
desequilíbrios que podem resultar em regressões ou retrocessos.
Como regra, o terapeuta adota uma postura
ativa e se apresenta de forma mais real e disponível do que na terapia de orientação analítica:
responde questões, faz aconselhamentos, dá sugestões, faz reasseguramentos e educa o paciente. O estilo é mais conversacional, focado nos
problemas. São utilizadas diferentes intervenções: psicoeducação, sugestão, clarificação,
aconselhamento, técnicas de autocontrole e de
resolução de problemas, treino de habilidades,
além de técnicas cognitivas e comportamentais
como a exposição gradual, os reforços, a correção de pensamentos e crenças disfuncionais, o
estabelecimento de limites e o manejo ambiental.
O estabelecimento de um bom vínculo e uma
boa aliança de trabalho com o terapeuta, juntamente com a manutenção de uma transferência
positiva, são elementos cruciais na terapia de
apoio. A transferência raramente é interpretada,
a não ser que ela implique resistência e dificuldades para o prosseguimento da terapia. Eventualmente, são aceitas manifestações transferenciais que envolvem algum grau de idealização
e dependência, sem procurar modificá-las pela
interpretação. Não é utilizada a livre associação.
A terapia é focal, centrada nos problemas, no
relato e na discussão das tarefas programadas
para os intervalos das sessões, assim como no
exame das eventuais dificuldades do paciente.
Os objetivos são o fortalecimento das defesas
(adaptativas), e não a sua remoção, e a regulação
dos afetos, procurando provocar o mínimo de
Psicoterapias
regressão. O foco é, portanto, no aqui e agora e
nos acontecimentos da vida atual.
A freqüência das sessões varia desde sessões
mensais e quinzenais até sessões diárias. O tempo de duração do tratamento varia de dias a
semanas, podendo, eventualmente, estender-se
por muitos anos. É comum o eventual envolvimento de outros membros da família, particularmente no caso de pacientes gravemente comprometidos. Também é muito comum a associação de medicamentos, especialmente em portadores de transtornos psiquiátricos graves (psicoses, transtorno bipolar).
Psicoterapias de apoio de longa duração não
devem ser propostas para pacientes com boas
condições de ego, capazes de se beneficiar com
algumas das terapias dinâmicas de insight, mais
efetivas, e para os quais uma terapia de apoio
implicaria regressões desnecessárias.
Indicações da terapia de apoio
de longo prazo
• Déficits crônicos de ego e com o funcionamento comprometido
• Teste de realidade comprometido (psicoses,
transtorno bipolar, retardo mental)
• Controle dos impulsos deficiente (transtornos de personalidade borderline, problemas
cerebrais orgânicos, TDAH)
• Relações interpessoais pobres
• Dificuldades para experimentar e controlar
os afetos (ansiedade, raiva)
• Dificuldades para sublimar
• Pouca capacidade para introspecção (retardo mental)
• Pouca capacidade de verbalizar pensamentos e sentimentos
• Problemas físicos crônicos e incapacitantes
(Ursano; Silberman, 2003)
Indicações das intervenções em crise
ou psicoterapias breves de apoio
• Pacientes psiquiatricamente saudáveis, bem
adaptados, com bom suporte social e com
boas relações interpessoais
• Pacientes com predomínio de defesas mais
maduras e flexíveis, com teste de realidade
29
preservado e com boas expectativas em relação ao futuro
• Pacientes capazes de utilizar os recursos de
que dispõem
• Pacientes momentaneamente atravessando situações de crise, trauma ou desastre natural
• Pacientes que, em resposta à crise, funcionam abaixo de sua capacidade
Terapia interpessoal
A terapia interpessoal (TIP) é uma psicoterapia de tempo limitado desenvolvida por
Gerald Klerman e Myrna Weissmann, na década de 1970, para o tratamento da depressão.
Esses autores tiveram sua atenção despertada
para o fato de que a maioria das depressões
ocorria em mulheres e que, além dos fatores de
ordem biológica, deveriam interferir os de ordem interpessoal, que complicavam o curso e
a recuperação. Suas origens situam-se no
enfoque interpessoal e psicossocial de Adolf
Meyer e Harry Stack Sullivan, que valorizavam
a relação do paciente com o grupo social e com
as pessoas mais próximas como determinantes
dos problemas mentais, contrastando com o
enfoque intrapsíquico e com a valorização de
experiências do passado da psicanálise. Fundamenta-se, ainda, na teoria do apego, de John
Bowlby (Klerman et al., 1984; Weissman et al.,
1994; Weissman; Markovitz; Klerman, 2000;
Blanco; Weissman, 2005).
Fundamentos teóricos
A idéia subjacente à TIP é muito simples:
os transtornos psiquiátricos, embora multideterminados em suas causas, sempre surgem em
um contexto social ou interpessoal: mudanças
em alguma relação interpessoal importante (divórcio, separação, início de um novo relacionamento), mudanças em papéis sociais (novo
cargo, casamento, nascimento de um filho), perda de uma pessoa muito próxima por morte
(luto), isolamento social. De fato, há evidências
muito fortes de que as pessoas ficam deprimi-
30
Cordioli e cols.
das quando passam por situações de luto complicado, situações de conflitos interpessoais ou
mudanças de vida. Os sintomas podem ocorrer particularmente quando há mudanças de
papéis, na ausência de apoio social.
Técnica
O objetivo da TIP é obter alívio dos sintomas, abordando os problemas interpessoais que
possam estar contribuindo para a origem ou
manutenção destes. A TIP tenta intervir na influência dos sintomas no ajustamento social e
nas relações interpessoais, focando os problemas atuais conscientes e pré-conscientes. Tipicamente, esses problemas envolvem conflitos
com pessoas significativas do presente ou com
familiares, frustrações, ansiedades ou desejos experimentados nas relações interpessoais. A ênfase é conseguir que o paciente faça mudanças
e não apenas compreenda e aceite as suas atuais condições de vida. Embora a TIP reconheça a importância do inconsciente, ele não é
abordado na terapia. A influência de experiências passadas, particularmente daquelas ocorridas na infância, é reconhecida, mas o enfoque
é no aqui e agora, não sendo feitas tentativas
de ligar as experiências atuais com as do passado. A depressão é vista como uma doença médica, com os fatores etiológicos sendo levados
em conta, inclusive os de natureza biológica, e
a ênfase é no tratamento dos sintomas e na
melhoria das condições sociais (Blanco; Weissman, 2005). Muitas vezes, a terapia é realizada
em associação com psicofármacos.
FOCO DA TERAPIA INTERPESSOAL
• Perdas complicadas (luto)
• Transições de papéis ou mudanças de vida
(p. ex., casamento, formatura, aposentadoria,
diagnóstico de uma doença médica incapacitante, perda de status)
• Disputas por papéis ou conflitos interpessoais (conflitos conjugais)
• Déficits interpessoais (isolamento, falta de
apoio social)
Na avaliação do paciente, é feito um levantamento dos sintomas e é estabelecido o diagnóstico do transtorno. Na depressão, por exemplo, são identificados problemas interpessoais
e sua possível relação com o quadro depressivo.
A seguir, são explicados o enfoque interpessoal
e os procedimentos da terapia (foco nos problemas interpessoais como forma de vencer a
depressão). É feito o contrato psicoterápico envolvendo a estrutura e a duração do tratamento. Na fase final, são consolidados os ganhos,
estimulada a independência e abordados os riscos de recaídas. Uma terapia de manutenção é
proposta, se necessária (Blanco; Weissman,
2005; Markowitz, 2003).
A TIP é uma terapia breve focal, de tempo
limitado, de 12 a 20 sessões, sendo o paciente
estimulado a identificar as emoções (raiva, frustração) sentidas em suas relações e a expressálas no contexto social. São também trabalhadas as dificuldades de comunicação (p. ex.,
entre o casal). São abordadas as dificuldades
nas relações interpessoais atuais, e não as
intrapsíquicas ou do passado. Embora o terapeuta dê atenção a pensamentos distorcidos,
isso não é feito de uma forma sistemática, como
na terapia cognitiva.
O terapeuta é ativo e, às vezes, diretivo.
Utiliza um conjunto de técnicas cognitivas,
comportamentais, psicoeducacionais, de apoio
e psicodinâmicas. Usa a clarificação, o roleplaying, estimula a expressão de emoções, aconselha, sugere e levanta alternativas para as interpretações do paciente sobre o que acontece
nas interações sociais. O objetivo é mudar padrões de relações interpessoais e dar menor
ênfase à mudança de cognições. Não são utilizadas interpretações transferenciais, e o objetivo maior é o alívio dos sintomas.
As sessões são semanais, e o foco é no presente, nas dificuldades atuais que aparecem no
contexto social e nas disfunções sociais decorrentes da depressão. Se o problema é um luto
complicado, o terapeuta estimula o paciente a
enfrentar o luto e a reassumir suas atividades.
Se o problema são disputas de papéis (com o
cônjuge ou com outras pessoas significativas),
o terapeuta procura explorar a natureza do conflito e auxilia na busca de alternativas. Em ques-
Psicoterapias
tões que envolvem transições de papéis, como
início ou fim de carreira, promoção, aposentadoria, término de uma relação ou diagnóstico
de uma doença grave, o paciente é auxiliado a
enfrentar as mudanças e a perceber seus aspectos positivos e negativos. Quando os problemas são déficits em habilidades sociais, podem
ser utilizadas técnicas comportamentais e de
apoio (treino de assertividade, role-playing) ou
sugestão de busca de recursos existentes na
comunidade (Weissman; Markovitz, 1994).
Evidências de eficácia
e indicações
A eficácia da TIP foi bem estabelecida no
tratamento da depressão maior (Di Mascio et
al., 1979; Weissman et al., 1979). Um estudo
posterior verificou que a TIP era tão efetiva
quanto medicamentos em casos de depressão
leve, mas não de depressão grave (Klein; Ross,
1993). Também foi observado um efeito modesto na prevenção de recaídas, menor do que
o da imipramina (Frank et al., 1990). A terapia
interpessoal está sendo testada em adolescentes e pacientes geriátricos com depressão, em
HIV-positivos com depressão, na distimia e
como coadjuvante no tratamento do transtorno bipolar, sendo, neste caso, chamada de terapia interpessoal e de ritmo social. Adaptações
da TIP estão sendo feitas, ainda, para tratamento de pacientes com ansiedade social, estresse
pós-traumático, bulimia e fobia social, mas seu
papel nesses transtornos não está bem estabelecido (Markowitz, 2003).
Indicações da terapia interpessoal
Evidências consistentes
• Depressão maior
• Profilaxia de depressão maior recorrente
• Depressão em pacientes geriátricos e adolescentes
• Depressão em pacientes HIV-positivos
• Terapia conjunta (de casal) em mulheres
depressivas
• Depressão pré e pós-parto
(Markowitz, 2003)
31
Evidências incompletas
• Como coadjuvante no tratamento do transtorno bipolar
• Bulimia
• Fobia social, pânico e estresse pós-traumático
• Distimia (Markowitz, 2003)
É necessário que os pacientes tenham uma
boa capacidade de introspecção, algum grau de
sofisticação psicológica e motivação para examinar padrões de relacionamento, bem como
que consigam estabelecer um bom vínculo com
o terapeuta. A TIP não é recomendada em pacientes com depressão psicótica ou quando não
são identificados padrões disfuncionais de relações interpessoais.
Terapia comportamental
Fundamentos teóricos
A terapia comportamental (TC) baseia-se nas
teorias e nos princípios da aprendizagem para
explicar o surgimento, a manutenção e a eliminação dos sintomas. Dentre esses princípios,
destacam-se o condicionamento clássico
(Pavlov), o condicionamento operante (Skinner),
a aprendizagem social (Bandura) e a habituação.
De acordo com o condicionamento clássico, estímulos neutros (uma sineta) repetitivamente pareados com um estímulo incondicionado (comida) acabam provocando a mesma
resposta obtida pelo estímulo incondicionado:
a sineta passa a produzir salivação, tornandose um estímulo condicionado, e a salivação, ao
toque da sineta, uma resposta condicionada.
Acredita-se que esse fenômeno possa explicar
o surgimento de sintomas como as reações de
medo a estímulos neutros nas fobias específicas, a agorafobia em pacientes com pânico, particularmente, as revivescências, os sintomas
fóbicos e sua generalização no estresse pós-traumático, a “fissura” em drogaditos, entre outros.
No condicionamento operante, os efeitos de
um comportamento podem determinar o aumento ou a diminuição de sua freqüência.
32
Cordioli e cols.
Como exemplo, a esquiva fóbica alivia sintomas de ansiedade, e acredita-se que, por esse
motivo, seja adotada sistematicamente. Eventualmente, os sintomas de ansiedade podem ter
seu início por um condicionamento clássico (fobias, estresse pós-traumático), sendo posteriormente mantidos por um condicionamento
operante (esquiva fóbica). Essa é a teoria dos
dois estágios, dos irmãos Mowrer, proposta
como uma teoria mais geral para a ansiedade.
Na aprendizagem social, o comportamento
pode ser adquirido pela simples observação de
outros indivíduos (uso de drogas, perder certos
medos). A habituação é um fenômeno natural
que ocorre em praticamente todos os seres vivos (insetos, moluscos, animais, homem) em
razão do qual as reações de ansiedade ou desconforto diminuem com o passar do tempo se
o indivíduo permanece em contato com o estímulo (não nocivo) que as provoca. A neurofisiologia da habituação foi bem estabelecida por
Kandel em seus estudos com o molusco Aplysia
califórnica. A exposição é a principal estratégia
psicoterápica utilizada pela terapia comportamental e a sua principal contribuição para o
tratamento dos transtornos mentais. O fenômeno da habituação, bem como a extinção, constituem a base teórica e empírica para explicar
o desaparecimento dos sintomas.
Os primeiros comportamentalistas eram
partidários do chamado behaviorismo radical.
Watson, Skinner e Wolpe foram alguns dos seus
representantes. A eles interessava apenas o
comportamento observável, incluindo nesse
conceito a atividade muscular voluntária, a atividade verbal e as alterações fisiológicas. Mais
recentemente, a escola comportamental passou
a se interessar pelos processos cognitivos, aceitando que eles possam influenciar o comportamento. Bandura foi um autor importante nessa transição, ao propor que crenças de autoeficácia eram cruciais para o indivíduo iniciar
ou não um comportamento. A tendência atual
é a de integrar a terapia comportamental com
a cognitiva, e o termo “terapia cognitivocomportamental” vem sendo cada vez mais empregado para designar uma modalidade de te-
rapia que utiliza esses dois tipos de abordagens.
Por razões didáticas, vamos apresentar separadamente os dois enfoques.
Técnica
A terapia comportamental preocupa-se inicialmente em realizar uma avaliação detalhada
dos problemas do paciente: quais os sintomas,
as condições que determinam o seu aparecimento, seus antecedentes e suas conseqüências, bem
como eventuais desencadeantes. São avaliadas,
ainda, as situações nas quais se manifestam os
fatores que auxiliam a mantê-los (atitudes reforçadoras do ambiente familiar), as cognições
(pensamentos automáticos) que os acompanham
e os mecanismos desenvolvidos pelo paciente
para diminuir a ansiedade (p. ex., esquiva fóbica
e realização de rituais). É a chamada análise
comportamental. A partir da identificação dos
sintomas, é proposto o tratamento, que é entendido como uma nova aprendizagem.
A terapia comportamental utiliza uma variedade de técnicas:
•
•
•
•
•
Exposição: também chamada de prática programada, pode ser in vivo ou na
imaginação. Pode ser gradual ou instantânea (inundação), assistida pelo terapeuta ou em grupo. Tem sido utilizada a exposição virtual quando a exposição in
vivo é difícil ou impossível
Prevenção de respostas: abster-se de realizar rituais (verificações, lavação das
mãos)
Modelação: demonstração de um comportamento desejável pelo terapeuta
Reforço positivo: tornar um evento agradável contingente a um comportamento
desejável (dar atenção, elogiar, premiar,
etc.)
Reforço negativo: remoção de algo desagradável como forma de estimular o
comportamento desejável (p. ex., remoção da sonda nasogástrica em anoréxicas
ou imobilização em pacientes agitados)
Psicoterapias
•
•
•
•
•
•
Extinção: a remoção de reforços positivos pode levar ao enfraquecimento e desaparecimento de um comportamento
Terapia aversiva: pareamento de um estímulo aversivo com um comportamento indesejável (dissulfiram e álcool)
Relaxamento muscular e treino da respiração
Biofeedback
Reversão de hábitos
Treino de habilidades sociais
A TC exige do paciente alta motivação para
aderir ao tratamento, boa capacidade de tolerar o aumento da ansiedade e o desconforto
inerentes ao fato de se expor a situações provocadoras de ansiedade e boa aliança de trabalho para levar adiante as tarefas estabelecidas
em comum acordo com o terapeuta.
Evidências de eficácia
e indicações
A eficácia da terapia comportamental está
bem estabelecida no tratamento de:
•
•
•
•
•
•
•
Fobias específicas
Agorafobia com ou sem pânico
Ansiedade ou fobia social
Transtorno obsessivo-compulsivo (especialmente os rituais)
Transtornos alimentares e compulsão alimentar periódica
Disfunções sexuais: em especial ejaculação precoce e vaginismo
Dependência de drogas (alcoolismo, tabagismo e demais drogas de abuso)
(Berkowitz, 2003)
A terapia comportamental é utilizada como
coadjuvante no tratamento de:
• Depressão maior, particularmente na fase
inicial de pacientes gravemente deprimidos
• Transtorno de déficit de atenção e hiperatividade
33
• Estresse pós-traumático
• Transtornos de impulsos (tricotilomania, comprar compulsivo, jogo patológico)
• Déficits em habilidades sociais (transtornos
da personalidade, esquizofrenia, deficiência
mental, autismo)
• Deficiências de controle esfincteriano
• Obesidade, hipertensão, insônia, asma, dor
crônica, cefaléia, câncer, insônia primária, etc.
Contra-indicações da terapia
comportamental
• Níveis de ansiedade muito elevados ou incapacidade de tolerar aumento dos níveis de
ansiedade (transtornos da personalidade
bordeline, histriônica)
• Problemas caracterológicos graves, incapacidade de estabelecer um vínculo com o terapeuta (personalidade esquizóide ou esquizotípica)
• Incapacidade de estabelecer um relacionamento honesto com o terapeuta (personalidade anti-social)
• Ausência de motivação
Terapia cognitiva
A terapia cognitiva foi proposta inicialmente por Aaron T. Beck, no início da década de
1960, para tratamento da depressão. Beck teve
sua atenção despertada pela visão negativa que
os pacientes deprimidos tinham de si mesmos,
do mundo à sua volta e do seu futuro (tríade de
Beck). Ele sugeriu que essa visão negativa era
responsável pelos sintomas depressivos e propôs o uso de estratégias para corrigir tais distorções que se revelaram efetivas no tratamento
dos quadros depressivos. Posteriormente, a terapia cognitiva foi estendida, com as devidas
adaptações, para o tratamento de transtornos
de ansiedade, transtornos alimentares, transtornos da personalidade, dependência química,
entre outros. Seu foco de atenção é a atividade
mental consciente ou pré-consciente (pensamentos automáticos, crenças subjacentes e suas
34
Cordioli e cols.
conseqüências: emoções, comportamentos ou
reações físicas).
Teoria
A terapia cognitiva tem fortes ligações com
várias escolas filosóficas, como o estoicismo
grego, o racionalismo, o empirismo e a fenomenologia, e com as escolas orientais de pensamento, como o budismo e o taoísmo. Sua premissa básica é a de que a maneira como as pessoas interpretam suas experiências determina
como elas se sentem e se comportam. A afirmativa do filósofo estóico Epictetus (60-117
d.C.), de que “os homens se perturbam não
pelas coisas, mas pela visão que têm delas”,
expressa a idéia central do modelo cognitivo.
Fundamenta-se nas teorias do processamento
patológico das informações. De acordo com o
modelo, existem erros (de lógica) no processamento da informação sob a forma de pensamentos disfuncionais e distorções cognitivas típicas: na
depressão, nos transtornos de ansiedade, nos
transtornos de personalidade, nos transtornos
alimentares, entre outros. Na depressão, há uma
visão negativa de si mesmo, da realidade à sua
volta e do seu futuro (tríade de Beck); na mania, uma visão exageradamente otimista de si
mesmo, da realidade e do futuro; no pânico e
nas fobias, antecipações e interpretações catastróficas; no transtorno obsessivo-compulsivo,
avaliação irreal do risco e da responsabilidade.
Há ainda esquemas disfuncionais nos transtornos
de personalidade, nas relações conjugais e familiares. Essas distorções cognitivas, associadas
a erros de lógica, como avaliações e interpretações distorcidas, provocam alterações no humor, reações físicas e comportamento desadaptativo, que acabam criando e perpetuando
um círculo vicioso.
O modelo não sugere que a patologia
cognitiva seja a única causa de síndromes específicas, assumindo que, na maioria das vezes,
fatores como predisposição genética, alterações
bioquímicas ou conflitos interpessoais estão
envolvidos e que a patologia cognitiva contribui para agravar ou perpetuar um determinado transtorno. Por exemplo, no transtorno do
pânico, um transtorno para o qual concorrem
fatores biológicos, as interpretações distorcidas
ou erradas dos sintomas físicos contribuem para
o agravamento do quadro e podem até desencadear novos ataques (Wright; Beck; Thase,
2003).
Dentre as distorções cognitivas, destacam-se a
inferência arbitrária (concluir o contrário do que
apontam as evidências ou sem o necessário suporte de evidências), a abstração seletiva ou filtro mental (concluir baseando-se apenas em
uma pequena parte dos dados), a magnificação
e a minimização (avaliar distorcidamente a importância relativa dos eventos, de um atributo
pessoal ou de uma possibilidade futura), a
personalização (relacionar eventos externos à
própria pessoa quando não há base suficiente
para tanto), o pensamento dicotômico ou absolutista (classificar as pessoas ou a si mesmo
em categorias rígidas e estanques: bom ou mau,
tudo ou nada, preto ou branco) e o pensamento catastrófico (prever o pior desfecho possível, ignorando as alternativas).
Dentre os autores responsáveis pelo seu desenvolvimento destacam-se Beck, Ellis, Mahoney, Lazarus, Freeman, entre outros.
Técnica
A terapia cognitiva geralmente é breve, com
duração entre 10 e 20 sessões. Em algumas situações, como no tratamento de transtornos de
personalidade, pode ser estendida por mais
tempo. A terapia é uma descoberta guiada por
um trabalho colaborativo entre paciente e terapeuta (empiricismo colaborativo). A função
do terapeuta é auxiliar o paciente a usar seus
próprios recursos para identificar erros de lógica, pensamentos e crenças distorcidos e posteriormente corrigi-los por meio do exame das
evidências e da geração de pensamentos alternativos.
No início da terapia, o paciente é treinado
para identificar e registrar seus pensamentos
automáticos e suas crenças subjacentes para, em
um segundo momento, utilizar diversas intervenções destinadas a corrigi-los mediante o exame de evidências feito por técnicas como o
Psicoterapias
questionamento socrático, a “descatrastrofização”, o exame das vantagens e desvantagens, a
reatribuição ou ressignificação, a geração de
pensamentos alternativos, entre outras. A terapia cognitiva também utiliza técnicas tipicamente comportamentais, como exposição, prevenção de rituais, modelação, role-playing, treino
de assertividade, técnicas de relaxamento muscular e controle respiratório, planilhas de atividades e ensaio de comportamentos. Por esse
motivo, a tendência atual é denominá-la terapia cognitivo-comportamental (TCC).
As sessões da terapia cognitiva são estruturadas e seguem quase invariavelmente uma mesma seqüência: revisão do humor ou dos sintomas no início da sessão, ponte para a sessão
anterior, agenda, discussão dos tópicos da agenda, revisão dos temas para casa, pequenas
sumarizações sobre cada tópico da agenda, nas
quais o terapeuta sublinha os aspectos mais importantes, pequenos resumos da sessão quando um tópico se estende, tarefas para casa e, no
final, avaliação da sessão por parte do paciente. São comuns o uso de registros de pensamentos disfuncionais e a avaliação constante do
curso da terapia mediante a aplicação de escalas ou folhas de automonitoramento. A TCC
utiliza ainda a psicoeducação, com explanações
sobre os mecanismos que perpetuam a doença, e estimula a leitura e a busca do conhecimento sobre o transtorno do qual o paciente é
portador. Comenta-se que o terapeuta cognitivo substituiu o divã do psicanalista pelo quadro negro do professor. É comum, na sessão, o
uso de caneta e papel, desenhos, figuras e esquemas como forma de ilustrar o modelo cognitivo e a inter-relação entre os diferentes elementos cognitivos e comportamentais: situação
ativadora, pensamentos disfuncionais e conseqüências (humor, comportamento, reações físicas – modelo ABC).
É indispensável uma boa relação terapêutica, na qual o terapeuta seja ativo e o paciente
seja um colaborador. Mais do que formular explicações, o terapeuta permanentemente estimula o paciente a questionar-se pelas evidências
nas quais apóia seus pensamentos e crenças
distorcidas, auxiliando-o a mudar sua forma de
pensar. As reações transferenciais não são o foco
35
da terapia. São abordadas apenas para identificar esquemas disfuncionais e é comum que
ocorram quando a terapia se estende por mais
tempo, como no tratamento dos transtornos de
personalidade.
A experiência clínica sugere que pacientes
que não tenham problemas caracterológicos
graves (personalidade anti-social ou borderline),
que, no passado, tenham tido vínculos afetivos
fortes e de confiança com pessoas significativas, que são curiosos e inquisitivos sobre si
mesmos, com uma boa capacidade de introspecção (boa capacidade de identificar pensamentos disfuncionais e comunicá-los), com
disfunções cognitivas claramente identificadas,
são os pacientes ideais para a terapia cognitiva.
Também é de grande ajuda ter uma inteligência média ou acima da média. Em pacientes
que não apresentam essas características, a terapia cognitiva pode ser flexibilizada, adaptando-se ao nível social e cultural e à linguagem
do paciente.
Evidências de eficácia
e indicações
A eficácia da terapia cognitiva está sendo
testada no tratamento de vários transtornos,
geralmente em conjunto com outras estratégias de tratamento, e está bem estabelecida nos
seguintes transtornos:
•
•
•
•
Depressão unipolar de intensidade leve
ou moderada, não-psicótica
Transtornos de ansiedade (associados à
terapia comportamental e a drogas)
Transtornos alimentares
Transtornos somatoformes (hipocondria,
transtorno dismórfico corporal)
Indicações da terapia cognitiva
como tratamento coadjuvante
• Abuso de substâncias e de álcool
• Transtornos de personalidade
• Transtornos psicóticos (esquizofrenia, transtorno delirante)
• Transtorno bipolar
36
Cordioli e cols.
• Transtorno de déficit de atenção com hiperatividade
• Dor crônica
A terapia cognitiva, em princípio,
é contra-indicada para pacientes com:
• Doença mental orgânica, que implique comprometimento cognitivo (demência)
• Retardo mental
• Pouca capacidade para trabalhar introspectivamente (identificar pensamentos, emoções, crenças, e expressá-los em palavras)
• Psicose aguda
• Patologia grave do caráter borderline ou
anti-social
• Ausência de motivação
Terapia familiar e de casal
Fundamentos teóricos
A terapia familiar originou-se da insatisfação de muitos clínicos com a evolução muito
lenta de pacientes quando tratados individualmente ou frustrados com o fato de que, muitas
vezes, tais progressos eram neutralizados por
outros membros da família. A partir dessas
constatações, passaram a considerar não apenas o indivíduo, mas a família, como o foco
para compreender o surgimento e a manutenção da psicopatologia. Nesse novo marco
conceitual, a atenção é voltada para o contexto
familiar no qual um problema individual ocorre, para as conseqüências desse problema sobre os demais indivíduos, e para a maneira pela
qual cada membro influencia os demais e é por
eles influenciado. Os problemas psicopatológicos individuais devem ser entendidos no contexto familiar, que pode reforçá-los, criando verdadeiros círculos viciosos, ou pelo fato de o
referido contexto ter um papel importante na
sua solução.
O terapeuta de família dá atenção à estrutura familiar (como ela se constitui, se organiza e
se mantém) e aos seus processos (como ela se
adapta e evolui ao longo do tempo) simultaneamente. É um sistema vivo em evolução, orga-
nizado de forma complexa e durável, cujo todo
é mais do que a simples soma de suas partes.
A terapia de família tem seus fundamentos
na teoria geral dos sistemas, do biólogo alemão
Bertallanffy, na teoria da comunicação, dos
pequenos grupos, na teoria psicodinâmica (relações de objeto) e na teoria cognitivo-comportamental, entre outras. Bowen introduziu conceitos da teoria dos sistemas em seu trabalho
com famílias. Por sistema compreende-se um
conjunto de elementos, direta ou indiretamente relacionados, que funcionam como uma unidade em um determinado ambiente. Dentro
desse enfoque, uma família pode ser considerada um sistema parcialmente aberto que
interage com seus ambientes biológico e
sociocultural (Bloch; Harari, 2005).
Diversos enfoques teóricos embasam a terapia de família. Ackerman foi quem cunhou
o termo terapia familiar, na década de 1950, e
introduziu a idéia de trabalhar com a família
nuclear, utilizando métodos psicodinâmicos.
O enfoque desse autor era predominantemente
psicodinâmico, com ênfase nos mecanismos de
defesa grupais (projeção, identificação projetiva, dissociação) e nos conceitos da teoria das
relações de objeto. O objetivo era a obtenção
de insight, ou a abordagem dos conflitos transgeneracionais (Bowen): diferenciação, triangulação, rupturas; ou experiencial (Satir,
Whitaker), com a proposição de envolver duas
ou mais gerações na terapia. Ao longo do tempo, diversos outros enfoques foram sendo propostos: estrutural/sistêmico (Minuchin), a partir
do estudo de jovens delinqüentes provenientes de famílias hierarquicamente desorganizadas e com problemas de limites generacionais
entre os vários subsistemas; estratégico (Haley,
Ackerman), para os problemas decorrentes de
arranjos hierárquicos e papéis, bem como as
reações em suas mudanças; comportamental
(Patterson, Margolin), para problemas que podem ser mantidos ou estimulados pelas atitudes da família, em padrões de relações simétricas ou complementares e nas disfunções de
comunicação (Bateson); psicoeducacional (Anderson, Goldstein), informativo, envolvendo o
manejo de doenças crônicas, redução do estresse e manejo de crises. Mais recentemente,
Psicoterapias
tem sido, ainda, proposta a terapia familiar
com enfoque cognitivo-comportamental (Bloch;
Harari, 2005).
As sessões são semanais, com todos ou com
parte dos membros presentes, podendo, posteriormente, passarem a ser quinzenais ou até
mensais (subsistema). Têm por objetivos gerais
melhorar a comunicação entre os membros da
família, desenvolver a autonomia e a individualização dos diferentes indivíduos, descentralizar e tornar mais flexíveis os padrões de liderança e de tomada de decisões, reduzir os conflitos interpessoais e os sintomas, além de melhorar o desempenho individual.
Da mesma forma que a terapia familiar, a
terapia de casal considera que existem possibilidades e vantagens de se resolver os conflitos
que surgem na vida de um casal na abordagem
conjunta de forma mais rápida do que na abordagem individual. Baseia-se na teoria psicodinâmica (relações de objeto), na teoria da comunicação e na teoria dos contratos conjugais.
Indicações da terapia familiar
• Quando é solicitada terapia de casal ou familiar
• Doença física ou mental grave em adultos,
gerando um alto grau de disfunção familiar
(esquizofrenia, transtorno bipolar, TOC,
transtorno do pânico com agorafobia, dependência a drogas ou ao álcool, transtornos
alimentares, etc.)
• O problema atual envolve dois ou mais
membros da família
• A família enfrenta uma crise de transição
que pode levá-la à ruptura (mudanças de
papéis)
• Uma criança ou adolescente é o problema
presente (autismo, TDAH, abuso de drogas,
transtorno alimentar, obesidade, transtornos de impulsos, depressão)
• Ruptura da harmonia familiar em razão de conflitos interpessoais (Fields; Morrison; Beels,
2003)
Indicações da terapia de casal
• Insatisfação sexual ou um problema sexual
presente (disfunção erétil, ejaculação preco-
ce, vaginismo, dispareunia, disfunção orgástica feminina, perda do interesse sexual)
• Dificuldades na intimidade, envolvendo comunicação de afetos e sentimentos, companheirismo, planejamento da vida em comum,
troca de papéis
Contra-indicações da
terapia familiar e de casal
• A família nega que estejam ocorrendo problemas familiares
• Um dos membros da família é muito paranóide, psicótico, agressivo ou agitado
• Em situações nas quais membros importantes da família não poderão estar presentes
(doença física ou mental, falta de motivação,
etc.)
• Tendência irreversível à ruptura familiar (divórcio, separação)
• Crenças religiosas ou culturais muito fortes
impedem intervenções externas na família
• A intervenção familiar não teria qualquer
efeito no atual problema
• O equilíbrio familiar é tão precário que a terapia familiar pode provocar a descompensação
de um ou mais membros (confrontar um adulto que abusou sexualmente de uma criança
com sua vítima)
• Os problemas conjugais são egossintônicos
• Quando a individuação de um ou mais membros ficaria comprometida caso a terapia
fosse levada adiante, ou exige tratamento separado
• Existem problemas individuais que necessitam, previamente, de outros tratamentos
(desintoxicação)
• Quando a terapia familiar é usada para encobrir responsabilidades individuais
• Em situações nas quais um ou ambos os cônjuges não podem ser honestos, mentem, têm
segredos (infidelidade, homossexualidade,
desonestidade nos negócios) que, se revelados, determinariam imediata ruptura da
família
• Quando um dos cônjuges tem transtorno grave de caráter, especialmente em caso de conduta anti-social ou desvio sexual (Fields;
Morrison; Beels, 2003)
37
38
Cordioli e cols.
Psicoterapia de grupo
As psicoterapias de grupo surgiram a partir
da necessidade de se estender a um número
maior de pessoas as possibilidades de atendimento psicoterápico. Os primeiros grupos de
que se têm notícias foram os organizados por
Pratt, por volta de 1922, em que ele reunia de
20 a 30 pacientes portadores de turberculose
para os quais fazia palestras uma ou duas vezes
por semana. Entre outros, Addler, Bion, Foulkes
e Moreno se destacaram no estudo dos grupos.
Mas foi particularmente durante a Segunda
Grande Guerra, quando os problemas psiquiátricos eram avassaladores e as equipes hospitalares eram limitadas, que o tratamento em grupo teve um grande desenvolvimento. Além das
vantagens de uma relação custo/benefício mais
favorável, a terapia em grupo faz uso de ingredientes terapêuticos próprios, que inexistem na
terapia individual, os chamados fatores grupais
(Vinogradov; Cox; Yalom, 2003).
Fatores terapêuticos
na terapia de grupo
Yalom propôs um conjunto de 11 fatores,
que seriam os fatores terapêuticos na terapia
de grupo (Vinogradov; Cox; Yalom, 2003).
•
•
•
Instilação da esperança. Ter esperança de melhorar é crucial para qualquer
terapia. Perceber a melhora de outras
pessoas que têm os mesmos problemas
faz com que os pacientes acreditem que
também são capazes de vencer suas dificuldades.
A universalidade do problema. Perceber outras pessoas com o mesmo problema diminui o isolamento, a vergonha
e o estigma associados aos sintomas de
muitos transtornos mentais.
Compartilhamento de informações.
Ocorre sempre que o terapeuta dá informações, ou quando há troca de informações entre os membros, em grupos de
•
•
•
•
•
•
•
•
problemas específicos (obesidade, trauma, tabagistas, drogaditos, pacientes com
problemas médicos em comum).
Altruísmo. O grupo estimula a possibilidade de ajudar os outros, um desejo
inerente ao ser humano.
Socialização. Desenvolvimento de habilidades sociais em decorrência do próprio convívio em grupo (contato visual,
apertar as mãos, ouvir os outros).
Comportamento imitativo. Pela simples observação do comportamento saudável das outras pessoas.
Catarse. Possibilidade de obtenção de alívio pela ventilação de emoções. Está ligada à universalidade e à coesão.
Recapitulação corretiva. Possibilidade de reviver e recapitular no grupo
padrões de comportamento semelhantes
aos que apresenta em seu grupo familiar
primário, ao interagir com os demais
membros do grupo, havendo a oportunidade de corrigi-los (submissão, competição, dependência).
Fatores existenciais. A abordagem dos
grandes temas ou problemas existenciais
(doença, morte, luto, isolamento) auxilia
as pessoas a lidar com essas questões.
Coesão grupal. O sentido de pertencer
a um grupo e ter afinidade com seus
membros facilita a aceitação dos demais
e dos aspectos inaceitáveis de si próprio,
além de possibilitar o estabelecimento de
relacionamentos mais profundos com os
outros.
Aprendizagem interpessoal. Em grupos de longa duração, o ambiente grupal
permite o surgimento da psicopatologia
individual, que, na interação com os demais, pode ser identificada e corrigida.
Técnica
Os grupos podem distinguir-se quanto ao
setting: podem ser de pacientes internos ou externos a uma clínica; podem, também, ter uma
Psicoterapias
duração limitada ou serem abertos e permanentes. Distinguem-se quanto aos objetivos, que podem ser ambiciosos, como a modificação de aspectos do caráter, ou mais limitados, como o
treino de habilidades sociais, a manutenção do
funcionamento psicossocial ou a informação
sobre o uso de medicamentos (grupo de bipolares). Podem ser especializados em doenças
médicas (diabéticos, colostomizados, paraplégicos, vigilantes do peso, drogaditos, alcoólicos
anônimos) ou, ainda, ter um objetivo de curto
prazo, como parar de fumar. Os grupos variam
também quanto à orientação teórica. Na orientação psicodinâmica, o objetivo é melhorar o
funcionamento do ego dos pacientes, sendo que
o terapeuta focaliza suas intervenções na análise dos fenômenos transferenciais e na interpretação das defesas e da resistência, que podem
ser grupais. Já os grupos de orientação cognitivo-comportamental se voltam para o tratamento de problemas ou transtornos definidos: fobia social, transtorno do pânico, dor, transtorno obsessivo-compulsivo, fobias específicas, entre outros.
A técnica utilizada nos grupos é muito variada e depende do setting, dos objetivos, da duração, da forma como é feito o agrupamento,
de o grupo ser aberto ou fechado e da orientação teórica que é seguida. Os grupos de orientação psicanalítica podem seguir distintos
enfoques: psicanálise no grupo, na qual o psicanalista trabalha de forma muito semelhante
à da psicanálise individual; psicanálise do grupo, na qual o grupo é visto como um todo e são
trabalhados os chamados supostos básicos de
Bion (dependência, luta, fuga e acasalamento);
psicanálise por meio do grupo, que enfoca as
comunicações inconscientes ou conscientes,
verbais ou não-verbais dos participantes; ou,
eventualmente, ter um enfoque mais eclético.
Como regra, o terapeuta utiliza-se de interpretações destinadas a assinalar diferentes fenômenos grupais: mecanismos de defesa individuais
ou grupais (identificações, projeções, dissociações, racionalizações, fantasias inconscientes,
manifestações transferenciais) e a forma como
são manejados impulsos amorosos ou agressi-
39
vos, com a finalidade de obtenção do insight
sobre os aspectos inconscientes como fator de
mudança. Ele procura também auxiliar os participantes a compreender suas interações no
grupo, como repetições de padrões primitivos
de relacionamento familiar, e a mudar tais padrões.
Grupos com enfoque cognitivo-comportamental têm objetivos claros e são estruturados
à semelhança das sessões da terapia individual,
voltados para o tratamento de determinados
problemas ou sintomas ou para o manejo de
determinadas situações médicas. Em tais grupos costuma haver a verificação inicial do humor ou dos sintomas, a revisão das tarefas de
casa, o uso da psicoeducação, de exercícios, de
tarefas para casa e do estímulo ao registro e ao
automonitoramento, além da aprendizagem social por meio da troca de experiências e de depoimentos. As sessões podem ser semanais,
quinzenais ou até mensais. No quadro a seguir,
há um sumário das indicações das terapias de
grupo.
Os grupos de auto-ajuda têm por objetivo
prestar ajuda psicológica a pacientes ou aos
familiares de pacientes que têm um problema
ou situação em comum e oferecer apoio mútuo para superar sentimentos de angústia, depressão e desadaptações provocadas pela doença. O objetivo é a difusão de informações
sobre cuidados gerais e alternativas para lidar
com limitações ou complicações decorrentes
da doença ou situação, divulgando os recursos existentes na comunidade. Utilizam psicoeducação, técnicas comportamentais, cognitivas, aconselhamento, sugestão, catarse, depoimento de outros pacientes ou familiares e,
sobretudo, os chamados fatores grupais.
Os candidatos à terapia de grupo devem ter
um bom nível de motivação para participar e
envolver-se emocionalmente, capacidade de se
revelar (ter uma história anterior de serem capazes de se envolver em grupos de forma positiva), capacidade de se solidarizar e empatizar
com os problemas de outras pessoas e capacidade de se comprometer em comparecer regularmente às sessões.
40
Cordioli e cols.
Indicações das psicoterapias de grupo
Psicoterapias de grupo de orientação dinâmica
• Padrões de relacionamento interpessoal considerados desadaptativos
• Aspectos do caráter desadaptativos
Psicoterapias cognitivo-comportamentais
•
•
•
•
•
•
•
•
•
Ansiedade ou fobia social
Transtorno obsessivo-compulsivo
Ansiedade generalizada
Insônia
Transtorno do pânico, como terapia complementar
Fobias específicas
Estresse pós-traumático
Dor crônica
Síndrome do intestino irritável
Grupos de auto-ajuda
• Pacientes agudos internados em hospitais
psiquiátricos: na preparação da alta, no uso
de medicações psiquiátricas (manejo dos
efeitos colaterais, doses), no acompanhamento de egressos
• Em situações de crise ou estresse agudo (vítimas de desastres naturais) ou em eventos
vitais (luto, divórcio, aposentadoria, etc.)
• Manejo de condições médicas: diabete, obesidade, hipertensão, tabagismo, transplante,
preparação para cirurgia cardíaca, pósinfarto, colostomia, mastectomia, próteses,
uso de aparelhos médicos de reabilitação ou
outras amputações, transtornos alimentares,
etc.
• Condições psiquiátricas: controle do peso e
reeducação alimentar nos transtornos alimentares, auxílio para cessar o tabagismo,
prevenção de recaídas em drogaditos, etc.
Contra-indicações da terapia de grupo
• Incompatibilidades com as normas do grupo
• Pacientes que não toleram o setting grupal
(fóbicos sociais)
• Incompatibilidade grave com um ou mais
membros do grupo
• Tendência a assumir um papel desviante dos
demais membros do grupo
• Ausência de controle de impulsos agressivos,
fortes tendências destrutivas e de expressar
na conduta suas ansiedades (transtorno
borderline, histriônico, anti-social)
• Ansiedade, depressão ou sintomas psicóticos graves (bipolar em fase aguda, esquizofrênicos delirantes, ou com alucinações)
• Dificuldades sérias de empatizar ou de se
expor (transtorno da personalidade esquizotípica, narcísica ou paranóide)
• Incapacidade de estabelecer uma relação
honesta, de laços afetivos e de lealdade para
com o grupo (personalidade anti-social)
Considerações finais
Contestadas quanto à sua efetividade, em
meados do século passado, as psicoterapias vêm
adquirindo credibilidade junto aos profissionais,
aos pacientes e à comunidade em geral. Na atualidade, fazem parte do planejamento terapêutico de praticamente todos os transtornos mentais, seja como tratamento de primeira escolha
ou como coadjuvantes de tratamentos biológicos. Embora as controvérsias e disputas sejam
ainda comuns, um panorama mais claro vem
gradualmente se delineando, com alguns modelos consolidando-se em razão de sua efetividade comprovada em pesquisas, da manutenção dos seus resultados a longo prazo, de uma
relação custo/benefício mais favorável, da satisfação dos seus clientes e da aceitação pela
comunidade. Em um contexto no qual modelos tradicionais deixaram de ser hegemônicos
e novas abordagens de menor custo e igualmente efetivas se tornaram disponíveis, cabe aos
profissionais da saúde mental conhecê-los, habilitarem-se a utilizá-los e saberem indicar a
melhor abordagem para cada paciente.
Referências
Berkowitz RI. Behavior therapies. In: Hales RE,
Yudofsky SC. Textbook of clinical psychiatry. 4th ed.
Psicoterapias
41
Washington, DC: American Psychiatric Publishing;
2003. p.1225-44.
but mechanisms of action are unclear. Br J Psychiatry.
2002 Mar; 180: 200-204.
Blanco C, Weissman MM. Interpersonal psychotherapy. In: Gabbard GO, Beck JS, Holmes J. Oxford
textbook of psychotherapy. New York: Oxford
University Press; 2005. p. 27-34.
Markowitz JC. Interpersonal psychotherapy. In:
Hales RE, Yudofsky SC. Textbook of clinical
psychiatry. 4th ed. Washington, DC: American
Psychiatric Publishing; 2003. p.1207-23.
Bloch S, Harari E. Family therapy. In: Gabbard GO,
Beck JS, Holmes J. Oxford textbook of psychotherapy.
New York: Oxford University; 2005. p. 57-66.
Perry JC, Banon E, Ianni F. Effectiveness of
psychotherapy for personality disorders. Am J
Psychiatry. 1999 Sep; 156(9):1312-21.
Crits-Christoph P. The efficacy of brief dynamic
psychotherapy: a meta-analysis. Am J Psychiatry
1992 Feb;149(2):151-8.
Person ES, Cooper AM, Gabbard GO. Compêndio
de psicanálise. Porto Alegre: Artmed; 2007.
DiMascio A, Weissman MM, Prusoff BA, Neu C,
Zwilling M, Klerman GL. Differential symptom
reduction by drugs and psychotherapy in acute
depression. Arch Gen Psychiatry. 1979 Dec;
36(13):1450-6.
Smith ML, Glass GV. Meta-analysis of psychotherapy outcome studies. Am Psychol. 1977 Sep;
32(9):752-60.
Smith ML, Glass GV, Miller TI. The benefits of
psychotherapy. Baltimore: Johns Hopkins University;
1980.
Fields L, Morrison TL, Beels CC. Couple and
family therapy. In: Hales RE, Yudofsky SC
Textbook of clinical psychiatry. 4th ed. Washington, DC: American Psychiatric Publishing; 2003.
p.1373-97.
Strupp HH. Psychotherapy research and practice:
an overview. In: Garfield SL, Bergin AE. Handbook
of psychotherapy and behavior change: an empirical
analysis. New York: John Willey & Sons; 1978.
Frank E, Kupfer DJ, Perel JM, Cornes C, Jarrett DB,
Mallinger AG, et al. Three-year outcomes for
maintenance therapies in recurrent depression. Arch
Gen Psychiatry. 1990 Dec; 47(12):1093-9.
Ursano RJ, Silberman EK. Psychoanalysis, psychoanalytic psychotherapy and supportive psychotherapy. In: Hales RE, Yudofsky SC Textbook of
clinical psychiatry. 4th ed. Washington, D C:
American Psychiatric Publishing; 2003. p.1177-203.
Frank JD. Persuasion and healing: a comparative
study of psychotherapy. 3rd ed. Baltimore: Johns
Hopkins University; 1973.
Gabbard GO. Major modalities: psychoanalytic/
psychodynamic. In: Gabbard GO, Beck JS, Holmes
J. Oxford textbook of psychotherapy. New York:
Oxford University; 2005. p. 3-14.
Klein DF, Ross DC. Reanalysis of the NIMH
Treatment of Depression Collaborative Research
Program general effectiveness report. Neuropychopharmacology. 1993 May; 8(3):241-51.
Klerman G L, Weissman M M, Rousaville B J,
Chevron B J. Interpersonal psychotherapy of
depression. New York: Basic Books; 1984.
Lambert MJ, Archer A. Research findings on the effects
of psychotherapy and their implications for practice.
In: Goodheart C, Kazdin AE, Sternber RJ. Evidencebased psychotherapy: where practice and research
meet. Washington, DC: American Psychological
Association; 2006.
Marks IM. The maturing of therapy: some brief
psychotherapies help anxiety/depressive disorders
Vinogradov S, Cox PD Yalom DI. Group therapy. In:
Hales RE, Yudofsky SC Textbook of clinical psychiatry.
4th ed. Washington, DC: American Psychiatric
Publishing; 2003. p.1333-71.
Wampold BE. The great psychotherapy debate:
models, methods and findings. Mahwah: Lawrence
Erlbaum; 2001.
Weissman M M, Markowitz JC Interpersonal
psychotherapy: current status. Arch Gen Psychiatry.
1994 Aug; 51(8): 599-606.
Weissman M M, Markovitz JC, Klerman G L.
Comprehensive guide to interpersonal psychotherapy. New York: Basic Books; 2000.
Weissman MM, Prusoff BA, Dimascio A, Neu C,
Goklaney M, Klerman GL The efficacy of drugs and
psychotherapy in the treatment of acute depressive
episodes. Am J Psychiatry. 1979; 136(4B):555-8.
Wright JH, Beck AT, Thase M. Cognitive therapy.
In: Hales RE, Yudofsky SC. Textbook of clinical
psychiatry. 4th ed. Washington, DC: American
Psychiatric Publishing; 2003. p.1245-84.
Download