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PROCESSO DE CORROSÃO MICROBIOLÓGICA DO AÇO
CARBONO AISI 1020 IMERSO EM ÓLEO DIESEL B30 COM
ÁGUA DO MAR
L. B. S. MEDEIROS1, E. J. ARGOLO1, R. G. C. DA SILVA1, S. H. OLIVEIRA1, M. A. G. A.
LIMA1, F. P. DE FRANÇA2
1
2
Universidade Federal de Pernambuco, Departamento de Engenharia Química
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Departamento de Engenharia Química
E-mail para contato: [email protected]
RESUMO – A biocorrosão do aço carbono é associada com o desenvolvimento de
biofilmes que podem causar falhas na estrutura do metal. O biodiesel é um
combustível renovável e suas propriedades físicas são semelhantes ao do diesel de
petróleo, contudo apresenta redução da emissão de gases estufa. A deterioração de
combustíveis e de tanques de armazenamento está relacionada à presença da água,
que proveniente do ambiente marinho é corrosiva e biologicamente ativa. Este
trabalho teve como objetivo analisar a formação de biofilmes e taxas de corrosão do
aço AISI 1020, em sistema estático contendo 60% de óleo diesel B30 (30% biodiesel)
com 40% água do mar durante 35 dias. Dentre os micro-organismos sésseis
quantificados, destacaram-se as bactérias heterotróficas aeróbicas e anaeróbicas,
com crescimento da ordem 10E+08 células/cm². As taxas de corrosão, no fim do
experimento, apresentaram um perfil parabólico polinomial de grau 3 (R²=0,9845), e
de acordo com norma NACE-RP-0775, uma baixa corrosividade.
1. INTRODUÇÃO
A importância dos micro-organismos para a indústria de petróleo e gás tem sido reconhecida
e a cada ano que passa a preocupação com os impactos causados por eles são mais evidentes
(ALBUQUERQUE; ANDRADE; NEVES, 2014). Durante a injeção de água em campos de
produção de petróleo, assim como em sistemas de água de resfriamento em indústrias, as bactérias
redutoras de sulfato (BRS) são as principais responsáveis pela corrosão microbiológica. Em
ambientes marinhos, a concentração mínima de sulfatos é de 2g/L, independentemente da sua
localização geográfica (LIANG; WANG; HUANG, 2014). Sabendo disso, as BRS são bactérias
que em ausência de oxigênio podem reduzir sulfatos a sulfetos, e em seguida, produzir ácido
sulfídrico (H2S) ou sulfeto de ferro (FeS). As BRS existem amplamente no solo, na água do mar,
nas tubulações subterrâneas, em poços de petróleo e fazem com que a corrosão gere uma enorme
perda econômica (LITTLE; RAY; LEE, 2014).
O material utilizado neste trabalho é o aço carbono, que é um dos mais empregados no ramo
de petróleo devido ao seu alto desempenho e baixo custo, porém a depender das condições
ambientais, os micro-organismos podem acelerar a sua corrosão e dissolução metálica. A
formação de biofilme é um processo caracterizado por uma série de eventos, desde a colonização
até a maturação, e mostra-se como uma importante ferramenta para o desenvolvimento de
estratégias de controle da biocorrosão em superfícies metálicas expostas à ação do tempo e
principalmente submersas em água marinha (MARANGONI, 2014).
O biodiesel, por sua vez, é um combustível alternativo que pode substituir o diesel
parcialmente, como por exemplo, o B30 (30% de biodiesel no diesel), ou ainda na forma pura
(B100), pois ambos possuem propriedades físicas semelhantes. É produzido por transesterificação
de ácidos graxos com um álcool (geralmente o etanol no Brasil) na presença de um catalisador
(RESTREPO-FLÓREZ et al., 2013). A presença de biodiesel no armazenamento de tanques pode
aumentar a atividade microbiana devido a sua maior higroscopicidade (SORENSEN et al., 2011).
Um impacto sobre o tipo de populações microbianas também é esperado, porque a mistura de
diesel e biodiesel altera a natureza química do combustível. Existe uma tendência ao aumento dos
percentuais de biodiesel no diesel, pois a Agência Nacional de Petróleo (ANP) já testou o uso do
óleo diesel B30 em motores de veículos leves fabricados pelo grupo PSA Peugeot Citroën, em
2006, e demonstraram que a utilização de biodiesel de soja B30 não apresentou comportamento
anômalo, não havendo restrição então ao uso dessa mistura em motores.
Deste modo, o presente trabalho teve como objetivo estudar a quantificação microbiana,
bem como as taxas de corrosão por perda de massa sobre a superfície de aço carbono AISI 1020
exposto num sistema estático contendo 60% de óleo diesel B30 (30% de biodiesel) com 40% água
do mar durante um período total de 35 dias
2. MATERIAIS E MÉTODOS
2.1. Corpos de Prova
Nos experimentos foram utilizados cupons metálicos de aço carbono AISI 1020 nas
dimensões 30 mm x 10 mm x 3 mm, com área de 8,4cm 2. O tratamento da superfície dos cupons
foi feito com o jateamento de microesferas de vidro, para remover impurezas e incrustações, e a
obtenção de um perfil de rugosidade adequado. Antes dos experimentos, os cupons metálicos
foram lavados com álcool isopropílico para desengordurar a superfície e posteriormente lavados
em acetona para remoção da matéria orgânica. Em seguida, os cupons foram secos com jatos de ar
quente e pesados ao décimo de miligrama, e só então utilizados nos biorreatores para posterior
cálculo da taxa de corrosão.
2.2. Fluidos Utilizados no Experimento
Água do Mar: A água do mar utilizada nos experimentos foi coletada em frente ao Marco
Zero, centro da cidade do Recife, mais especificamente entre o cais e arrecifes onde há o encontro
entre o rio e o mar, com 30 cm de profundidade. No período de coleta, a temperatura foi de 27ºC,
a umidade relativa do ar de 74%, a direção e intensidade do vento SE 16 km/h e pressão
atmosférica de 1014 hPa (dados coletados do CPTEC).
Óleo Diesel B30: O óleo diesel B30 foi preparado dentro do Laboratório de Microbiologia
através de uma mistura (v/v) contendo 70% óleo diesel puro (óleo diesel tipo A) e 30% biodiesel.
Porém, as amostras de combustíveis puros foram obtidas através da empresa Total ®
Combustíveis, vale ressaltar que a amostra pura de biodiesel, que não é comercializada, foi cedida
através de um acordo com a empresa.
2.3. Biorreator
Os experimentos foram conduzidos em um sistema nas condições estática, aberta e sob
temperatura ambiente. Os cupons previamente tratados foram inseridos num sistema com volume
de 3L, aprisionados a tampa do biorreator por fios de nylon e posicionados internamente a mesma
altura (Figura 1). Os cupons metálicos foram expostos à mistura de 40% água do mar e 60% óleo
diesel B30 no tempo total de 35 dias.
Figura 1 – Biorreator de vidro (60% óleo diesel B30 e 40% água do mar).
2.4. Meios de Cultura
Bactérias heterotróficas aeróbias: Para quantificar as bactérias heterotróficas aeróbias, o
meio de cultura caldo nutriente foi preparado e ajustado para pH 7,0±0,2. Este meio de cultura foi
distribuído em tubos de ensaio para posterior inoculação. Após inoculação os tubos foram
incubados a 30 ± 1ºC por um período de 48 horas. A presença de células e metabólitos causa a
turvação do meio após o período de incubação.
Bactérias precipitantes do ferro: As bactérias precipitantes do ferro foram quantificadas em
meio contendo citrato férrico amoniacal após 14 dias de incubação a 35±1ºC. Após o preparo do
meio, o pH foi ajustado para 6,6 ± 2. Estas bactérias foram incubadas em ausência de luz. O
crescimento microbiano foi caracterizado através da formação de óxidos de ferro de coloração
ferruginosa.
Bactérias heterotróficas anaeróbias: As bactérias heterotróficas anaeróbias foram
quantificadas em meio fluido tioglicolato desidratado. O pH (pH metro QUIMIS) do meio foi
ajustado para 7,1 ± 0,2 e purgado com nitrogênio para expulsar todo o oxigênio livre presente. O
período de incubação do meio, após inoculações, foi de 28 dias à temperatura de 30 ± 1ºC. O
crescimento celular microbiano e a excreção de metabólitos foram evidenciados pela turvação do
meio.
Bactérias redutoras de sulfato: As bactérias redutoras de sulfato (BRS) foram quantificadas
em meio Postgate E modificado. O meio foi ajustado para o pH 7,6±0,1 e purgado com nitrogênio
para expulsar todo o oxigênio livre presente. Em seguida foram colocados 9 mL desse meio em
frascos do tipo de penicilina e vedados com tampa de borracha e lacre. Antes da inoculação dos
frascos, foi adicionado a cada um deles, 0,1 mL de uma solução redutora de tioglicolato de sódio
12,4 g/L (esterilizada à 1atm, 20 minutos). A determinação do crescimento celular foi feita após
incubação a 30±1ºC por 28 dias. Após o período de incubação, o escurecimento do meio, devido à
formação de depósitos de sulfeto de ferro, confirmou o crescimento das BRS.
Solução redutora: O pH foi ajustado para 7,6 ± 0,2 e o meio foi purgado com nitrogênio para
eliminar o oxigênio presente. Posteriormente foi distribuído 9 mL da solução em frascos de
penicilina tampados com borracha e lacrados com lacre de alumínio. Nesta solução foram
preparadas as respectivas diluições para inoculação nos meios anaeróbios.
2.5. Quantificação Microbiana no Biofilme
As análises microbiológicas foram realizadas durante os experimentos para quantificação
dos micro-organismos sésseis; nos intervalos de 14 e 35 dias. A cada análise, foram retirados
quatro cupons do biorreator. Dois cupons foram colocados em recipiente contendo 30 mL de
solução salina estéril, para análise dos micro-organismos aeróbios, e os outros dois colocados em
recipiente contendo 30 mL de solução redutora, para análise dos micro-organismos anaeróbios. Os
cupons para a quantificação celular foram submetidos a ultrassom (lavadora ultrassônica
UltraCleaner USC700 Unique) por 15 segundos, para garantir a remoção e dispersão dos microorganismos sésseis. Posteriormente, estes corpos de prova foram raspados com espátula estéril,
nas soluções apropriadas. Os grupos de micro-organismos bactérias heterotróficas aeróbias,
precipitantes do ferro, bactérias heterotróficas anaeróbias e bactérias redutoras de sulfato (BRS)
foram quantificadas pela técnica do Número Mais Provável (NMP) (APHA/ AWWA / WEF,
2005).
2.6. Taxa de Corrosão por Perda de Massa
Os cupons metálicos foram submetidos à decapagem e a avaliação dos níveis de
corrosividade de acordo com a norma NACE Standard RP-07-75 (2005). As perdas de massa
foram quantificadas nos tempos de 7, 14, 21, 28 e 35 dias. A Tabela 1 mostra as faixas das
variações das taxas de corrosão segundo a norma utilizada.
Tabela 1 – Variações das taxas de corrosão, segundo a NACE Standard RP-07-75 (2005).
Taxa de corrosão uniforme (mm/ano)
< 0, 025
0, 025 a 0, 120
0, 130 a 0, 250
> 0, 250
Taxa de pite (mm/ano)
< 0,13
0, 130 a 0, 200
0, 210 a 0, 380
> 0, 380
Corrosividade
Baixa
Moderada
Alta
Severa
(1)
Onde: CR = taxa de corrosão em milímetros por ano (mm/ano); W = perda de massa em grama; A
= área do cupom em mm2; T = tempo de exposição em dias; D = Densidade do cupom em g/cm 3.
3. RESULTADOS
Ao analisar os dados da Figura 2 para a água do mar, verificou-se que a concentração celular
das bactérias heterotróficas aeróbias e bactérias precipitantes do ferro foram, respectivamente, 4
ordens de grandeza maior e 1 ordem de grandeza menor para o sistema contendo 40% água do
mar, comparado ao sistema estudado por Cruz et al. (2015) contendo 10% água do mar. Já as
bactérias heterotróficas anaeróbias demonstraram valores similares para a sua quantificação em
ambos os casos. Com relação à concentração de bactérias redutoras de sulfato, percebe-se que o
biorreator contendo 40% água do mar apresentou uma concentração 4 ordens de grandeza menor
que o sistema contendo 10% água do mar, visto que também foi verificada uma concentração
maior de enxofre no óleo.
No que se diz respeito ao óleo diesel, e comparando com os dados obtidos por Cruz et al.
(2015), ambos os sistemas (60% e 90% óleo diesel B30) apresentaram concentrações
consideráveis apenas para as bactérias heterotróficas aeróbias (na ordem de 102) e heterotróficas
anaeróbias (na ordem de 103), e verificou-se que os valores para cada tipo de bactéria foram
próximos, conforme o esperado. Ao examinar o biorreator contendo 60% óleo diesel B30
individualmente, foi possível constatar que a quantificação de bactérias heterotróficas aeróbias e
heterotróficas anaeróbias são significativamente menores para o óleo com relação a água. Soriano
et al. (2015), em seu trabalho sobre a biodeterioração de misturas diesel/biodiesel, afirmam que a
diversidade microbiana depende do tipo de combustível e do tempo de estoque, isto é, misturas
contendo mais que 20% de biodiesel (B20) apresentou uma maior comunidade microbiana com
relação ao B5 ou B10, por exemplo. Logo, isto sugere que quanto maior o teor de biodiesel em
diesel, maior a concentração microbiana ao longo do tempo, hipótese que corrobora com as
análises feitas por Cruz et al. (2015) em que seu sistema (90% óleo diesel B6:10% água do mar)
resultou em menores quantificações microbiológicas quando relacionados ao sistema do presente
trabalho (60% óleo diesel B30).
Para o estudo dos micro-organismos sésseis (Figura 3), ao confrontar os resultados do
sistema estudado por Cruz et al. (2015), percebeu-se que o que continha 10% água do mar
apresentou um crescimento não muito relevante de bactérias heterotróficas aeróbias nos primeiros
14 dias. De maneira contrastante, o sistema 40% água do mar obteve uma concentração 5 ordens
de grandeza maior, o que possivelmente deve-se a maior proporção de água presente no sistema,
isto é, maiores teores de oxigênio dissolvido, contribuindo assim para um ambiente ideal de
crescimento de micro-organismos aeróbios (GENTIL, 2012).
Apesar do biorreator 60% óleo diesel B30 possuir condições para uma maior oxigenação,
esta, ainda não foi suficiente para que houvesse o desenvolvimento de bactérias precipitantes do
ferro, logo em nenhum dos sistemas estudados esse grupo de bactérias foi detectado após 14 e 35
dias.
Figura 2 – Quantificação microbiana planctônica.
Em ambiente pobre em oxigênio, foi coerente a detecção de bactérias heterotróficas
anaeróbias sésseis para os dois biorreatores, corroborando com Vieira (2013), que afirma que o
desenvolvimento desse grupo bacteriano é influenciado pela não renovação de oxigênio, tendo em
vista que o sistema não é dinâmico, e então as bactérias aeróbicas consomem o oxigênio presente
no meio para o seu metabolismo, promovendo condições ideais para o crescimento das bactérias
anaeróbicas.
Figura 3 – Quantificação microbiana séssil.
Através da Figura 4, nota-se um perfil parabólico, com coeficiente de regressão linear de
R =0,9845, caracterizando assim, um ótimo ajuste para uma curva polinomial do terceiro grau.
Nos primeiros 7 dias, percebem-se valores mais altos para as taxas de corrosão, sendo o maior
0,0088 mm/ano. A partir de então, foi possível observar um forte decaimento até o 28º dia para
uma baixa taxa de 0,0019 mm/ano. Em seguida, é notável que a taxa de corrosão volta a aumentar,
sugerindo um fenômeno com mudança de mecanismo. De acordo com a NACE Standard RP 0775 (2005) na Tabela 1, as taxas de corrosão obtidas (<0,025 mm/ano), foram classificadas como
de baixa corrosividade. Nos sistemas avaliados por Cruz et al. (2015) as taxas de corrosão foram
menores, provavelmente, por esses conterem menor percentual de água. Sistemas com maiores
percentuais de água, como o deste trabalho, possuem uma maior concentração de eletrólitos, bem
como uma maior quantidade de oxigênio dissolvido (GENTIL, 2012).
2
Figura 4 – Taxas de corrosão do aço carbono ao longo do tempo para o sistema 60% óleo diesel
B30 e 40% água do mar.
Jakeria et al. (2014), que estudaram a influência de diferentes fatores na estabilidade do
biodiesel, afirmaram que o biodiesel é mais higroscópico e mais susceptível às reações oxidantes
que o diesel, a não ser que seja modificado ou tratado com aditivos. Com isso, é sugerível que
maiores taxas de corrosão dos aços sejam obtidas em meios contendo maiores percentuais do
biodiesel na mistura com o diesel. Análises a partir dos trabalhos de Argolo et al. (2015) e Cruz et
al. (2015) mostram, por exemplo, que o diesel B30 teve maior ação corrosiva que o diesel B6.
4. CONCLUSÕES
Os grupos de micro-organismos sésseis que melhor se desenvolveram, foram o de bactérias
heterotróficas aeróbias (BHA), e bactérias heterotróficas anaeróbias (BHAn). No caso planctônico,
além das BHA e BHAn, as bactérias redutoras de sulfato (BRS) e bactérias precipitantes do ferro
(BPF) também se fizeram presentes na água. O percentual de água presente no sistema influenciou
diretamente no desenvolvimento preferencial de certos tipos de micro-organismos e também nas
taxas de corrosão do aço carbono. Um maior percentual de biodiesel em diesel foi um fator
preponderante, o qual acarretou numa maior população microbiana e taxas de corrosão do aço
carbono. A taxa de corrosão por perda de massa dos aços carbono, ao final do experimento,
apresentou um perfil parabólico polinomial do terceiro grau (R²=0,9845), e de acordo com norma
NACE-RP-0775, uma baixa corrosividade.
5. REFERÊNCIAS
ALBUQUERQUE, A. C; ANDRADE, C; NEVES, B. Biocorrosão da integridade do biofilme à
integridade do material. Corrosão e Proteção de Materiais, v. 33, n. 1-2. 2014.
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