C:\Users\Walter\Downloads\revrticepsicanaltico\A Vida É Bela Ou Não-JB.DOC A VIDA É BELA, OU NÃO-JB. Todos querem entrar no século xxi purificados de seus pecados. Nos rituais do reveillon de todos os anos isso é bem visível. Todos se vestem de branco e fazem oferendas à Yemanjá, a deusa do mar. Em homenagem ao deus do céu queimam-se fogos. É preciso agradar aos deuses e ostentar com a alvura da roupa a inocência da alma. A virada do século pede bem mais que a passagem de um ano. A Vida é Bela tem um compromisso, claro e visível com o pecado do século, o holocausto. Tendo por pano de fundo a mais cruel das monstruosidades já perpetradas contra um povo, que devia ser extinto, a história do filme tece uma trama amorosa vivida por três personagens ingênuos que se deixaram levar por fantasias negadoras de uma realidade cruel. Dora queria escapar do seu holocausto pessoal, daquele casamento burguês que lhe era imposto. Josué preferiu acreditar na fabulação de seu pai, embora já tivesse sido informado que todos ali no campo de concentração iam ser cremados ou transformados em botões e sabonetes. E Guido, o pai, que não se conformava com a identidade de garçon, se dizia príncipe, distribuía gratuitos títulos de nobreza e acreditava nos milagres que ele mesmo improvisava. Ao filho Guido dizia que era preciso se esconder porque lhes caberia a vitoria daquele torneio, porque eles eram os melhores. Nada mais parecido com o mito do povo eleito. Creio que poucos deixam de se dar conta de que o filme é uma parábola que quer retratar o povo judeu ingenuamente apegado ao mito fundador de sua C:\Users\Walter\Downloads\revrticepsicanaltico\A Vida É Bela Ou Não-JB.DOC identidade e, por isso mesmo, responsável pelo que se passou. Presa fácil No barracão do campo de concentração Guido recitava o “decálogo do mito” para Josué, frente ao coro de prisioneiros emudecidos, que não se atreviam a interromper a narrativa encantada em que não acreditavam, mas deixavam que se salvasse dentro do menino. O filme serve a judeus e não judeus. Aos primeiros porque em Josué o mito se salvou, ele ganhou o tanque de verdade e reencontrou a mãe. Aos demais, culpados de não terem se interessado mais pela sorte dos judeus, porque a bestialidade nazista não conseguiu destruir o mito. Todos estaremos vestidos de branco na passagem do século.