TRABALHO, EDUCAÇÃO E ENSINO NA EXPERIÊNCIA PEDAGÓGICA DA ESCOLA-COMUNA P. N. LEPESHINSKIY COORDENADA POR MOISEY M. PISTRAK Franciele Soares dos Santos1 Resumo: As questões apresentadas neste texto objetivam refletir sobre a relação trabalho, educação e ensino na experiência pedagógica da Escola-Comuna P. N. Lepeshinskiy realizada durante o período revolucionário russo e coordenada por Moisey M. Pistrak. Para tanto, primeiramente, tecemos breves considerações sobre a situação política e econômica da Rússia no início do século XX, que a nossa ver contribuiu para a organização e efetivação pelos trabalhadores da Revolução de Outubro. E ainda, situamos o contexto histórico da constituição das orientações pedagógicas da escola única do trabalho, que nortearam a organização do trabalho pedagógico nas Escolas-Comunas. Posteriormente, tratamos especificamente da experiência pedagógica da Escola-Comuna P. N. Lepeshinskiy, tendo como referência primeira os escritos de Moisey M. Pistrak, respectivamente as obras “Fundamentos da escola do Trabalho” e “A Escola-Comuna”. E ainda, apresentamos as categorias que constituíam a base de sustentação do trabalho pedagógico nas Escolas-Comunas: atualidade, auto-gestão e o princípio educativo do trabalho. Por fim, situamos, mesmo que brevemente, a forma da organização didático pedagógica desta escola, para assim refletir sobre a relação trabalho, educação e ensino desenvolvida e também apontar as contribuições desta experiência para repensarmos a formação dos trabalhadores na atualidade. Palavras-chave: Trabalho, educação, ensino, Escola-Comuna, Pedagogia Socialista. INTRODUÇÃO A Rússia do início do século XX vivia uma situação de calamidade. O regime de governo absolutista, onde o tzar detinha o poder com a ajuda da Igreja Ortodoxa, agia com o objetivo de manter a ordem social e transmitir dogmas religiosos2. A pobreza, a fome, a desnutrição e o analfabetismo dominavam a sociedade da época. Mais de 80% da população 1 Doutoranda em educação pelo Programa DINTER/Doutorado Institucional Universidade Estadual do Oeste do Paraná- UNIOESTE e Universidade Federal de Pelotas- UFPel. Financiado pela CAPES. Professora do curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Paraná- Unioeste, campus de Francisco Beltrão. Email: [email protected] 2 “A Igreja detinha um poder maior sobre a educação popular, no ensino primário das paróquias, e a educação privada, para o ensino secundário das elites (LEUDEMANN, 2002, p. 47). 1443 morava e trabalhava no campo, e apenas 29% da população sabia ler e escrever (CAPRILES, 1989). Neste período, o país possuía uma indústria moderna, porém recente. A classe operária era composta em sua maioria por ex-camponeses jovens, que trabalhavam em condições precárias, e recebiam baixos salários. E ainda, a participação da Rússia na I Guerra Mundial agravou os problemas sociais e econômicos do país3. Diante deste cenário, crescia cada vez mais o descontentamento popular que culminou na Revolução de outubro de 1917, quando o proletariado assumiu o poder, liderados pelo partido bolchevique de Lênin. A reivindicação básica dos pobres da cidade era pão, e a dos operários entre eles, melhores salários e menos horas de trabalho. A reivindicação básica dos 80% de russos que viviam da agricultura era, como sempre, terra [...] O slogan “Pão, paz e terra” conquistou logo o crescente apoio para os que propagavam, em especial os bolcheviques de Lenin, que passaram de um pequeno grupo de uns poucos milhares em março de 1917 para um quarto milhões de membros no início do verão daquele ano (HOBSBAWN, 1995, p. 68). No entanto, nos primeiros anos após a revolução as dificuldades para a consolidação do socialismo eram muitas, pois “a Rússia não havia experimentado um desenvolvimento capitalista evolutivo clássico típico dos países centrais da Europa” (PAULINO, 2010, p.56). Logo, os bolcheviques tinham muitos desafios pela frente. Um dos principais desafios era consolidar a nova ordem social, educar o homem novo para a nova sociedade, bem como combater o atraso histórico em que se encontrava a Rússia dos czares. Na busca pela consolidação da revolução, os bolcheviques investiram na construção de novas relações de propriedade e produção, e também na educação das massas para erradicar o analfabetismo. Logo após a revolução o ministro da educação Lunatcharski, juntamente com Krupskaia e Lênin, começa a realizar profundas transformações na educação russa. Assim, Lênin quando assumiu o governo, a implementou as ideias socialistas no âmbito da educação; voltou-se para as teses marxianas e, durante o VIII Congresso do Partido Comunista (bolchevique), em 1919, aprovou resolução pedagógica muito semelhante à proposta feita por Marx nas Instruções aos delegados ao I Congresso, conforme relata Manacorda (1989) 3 Para Trotsky (1967, p.23) “O traço essencial e o mais constante da História da Russa é a lentidão com que o país se desenvolveu, apresentando como conseqüência uma economia atrasada, uma estrutura social primitiva e o baixo nível cultural”. 1444 [...] Plena realização dos princípios da escola única do trabalho, com ensino de língua materna, com o estudo comum das crianças dos dois sexos, absolutamente laica, livre de qualquer influência religiosa, que concretize uma estrita ligação do ensino com o trabalho socialmente produtivo, que prepare membros plenamente desenvolvidos para a sociedade comunista (p.314-315). Já Krupskaia, esposa de Lênin, elaborou o primeiro plano de educação da União Soviética, depois da revolução de 1917. Nele a autora apresentava o princípio educacional da instrução politécnica e profissional. Em vez de “instrução profissional” é preciso dizer “instrução politécnica”. O fim da escola é a formação não de limitados especialistas, mas de homens que sejam capazes de qualquer trabalho. Marx sublinha sempre e expressamente a necessidade da instrução politécnica, que é também de grande importância para a formação geral; o conceito de “politécnico” abrange a instrução quer no trabalho agrícola, quer no trabalho técnico artístico-artesanal; o conhecimento prático dos diversos ramos serve também para o desenvolvimento físico omnilateral e para formação de capacidades de trabalho universais (idem, p.314). Dessa maneira, o pensamento pedagógico desenvolvido por Lênin e Krupskaia orientou a organização do sistema escolar da União Soviética, buscando a efetivação da escola única do trabalho. No entanto, cabe ressaltar que as transformações sociais, políticas, econômicas e também educacionais tão almejadas pelos revolucionários não ocorreram tão rapidamente. Segundo Rossi (1982, p.12) “[...] na nova situação tudo estava por ser feito. O mesmo também ocorreu no campo da educação, onde a revolução foi um desafio à criação de uma via inteiramente nova pela qual o povo russo poderia caminhar em direção ao socialismo”. Diante deste cenário, houve várias tentativas por parte dos educadores russos para a criação de uma nova pedagogia. Logo após a Revolução Russa é criado o Comissariado Nacional de Educação – NarKomPros, em outubro de 1917. O objetivo do NarKomPros era de reconstruir o sistema educacional russo. Pois, [...] No começo da revolução a tarefa colocada para escola pela reviravolta revolucionária parecia, possivelmente, menos difícil e complicada do que parece para nós agora. A tarefa de construção da nova escola foi assumida por muitos pedagogos. A maioria sabia apenas uma coisa: que a nova escola não deveria parecer-se com a antiga, que nela deveria reinar um espírito completamente diferente, que não podia esmagar a personalidade da criança, como foi esmagada pela escola antiga. Os professores pioneiros da nova escola começaram seu difícil trabalho. Era preciso abrir uma picada na floresta virgem, trabalhar por sua conta e risco, observar incansavelmente, buscar, cometer erros e aprender com eles (KRUPSKAIA, 2009, p. 105106). 1445 Em setembro 1918, é publicada a Deliberação sobre a escola única do trabalho, pelo Comitê Central do Partido Comunista (bolchevique). Em outubro do mesmo ano é publicado pelo NarKomPros o documento intitulado Princípios Fundamentais da Escola Única do Trabalho. Neste ano, há a criação das Escolas Experimentais Demonstrativas, as EscolasComunas, que se organizavam a partir dos princípios da Escola Única do Trabalho4. Com intuito de compreender a relação entre trabalho, educação e ensino nas EscolasComunas, apresentarmos no tópico a seguir as bases teórico-metodológicas que sustentaram a experiência pedagógica desenvolvida no âmbito das Escolas-Comunas, tratando especificamente da Escola-Comuna P. N. Lepeshinskiy coordenada por Moisey M. Pistrak. BASES TEÓRICO-METODOLÓGICAS DO TRABALHO PEDAGÓGICO NAS ESCOLAS-COMUNAS A Revolução de outubro foi considerada pelos pedagogos e educadores da época como uma brecha, uma esperança para a luta do proletariado. Nas palavras de Pistrak [...] era necessário colocar na consciência da geração futura, que cada jovem será, ou melhor, já é, um soldado na frente de luta, que sua tarefa é instrumentalizar – se detalhadamente para esta luta pelo conhecimento, estudar bem o instrumento do inimigo, e saber usá-lo em sentido positivo para a revolução, saber manejar na prática seu instrumento – o conhecimento (PISTRAK, 2009, p.121). Para tanto, os mesmos pedagogos reconheciam a necessidade de um reexame do trabalho educativo nas escolas russas. Rever conteúdos e metodologias, e procurar no enfoque marxista elementos para construção da nova escola. De acordo com Pistrak, um dos primeiros questionamentos que norteava a busca pela nova escola, foi de como deveria ser a escola do trabalho nos tempos pré-revolucionários. Uma certeza estava presente: a necessidade de desnudar a essência de classe da escola e comprometer-se com a formação humana comunista (PISTRAK, 2009). 4 Freitas (2012) esclarece que a terminologia escola única do trabalho, estava vinculada a ideia de uma a escola comprometida com a construção de uma nova sociedade, sendo instrumento a favor da conscientização e emancipação da classe trabalhadora, bem como única por não ser dual, ou seja, há uma forma de organização escolar e curricular comum a todos. E ainda, do trabalho, por apresentar a compreensão do trabalho como princípio educativo, com ênfase na formação politécnica. 1446 Neste contexto, as Escolas-Comunas se configuravam “[...] um local de agregação de grandes e experientes educadores que se dedicavam a criar as novas formas e conteúdos escolares sob o socialismo nascente com a finalidade de transferir conhecimentos para as escolas regulares, de massa” (FREITAS, 2009, p.13-14). Entre elas a que obteve mais destaque foi a escola coordenada por Moisey M. Pistrak. Moisey M. Pistrak, educador e militante, nascido em 1888 e fuzilado em 1940 juntamente com um grupo notório de pedagogos. Suas reflexões foram embasadas em sua prática de professor e militante socialista que desejava construir uma nova pedagogia, ou seja, uma pedagogia revolucionária centrada no trabalho como princípio educativo, na ideia do coletivo, articulada ao movimento de transformação social. Em 1924 escreveu a obra “Os problemas fundamentais da Escola do Trabalho”, na qual apresentava elementos essenciais para a compreensão da proposta educacional socialista. Segundo Pistrak, para o desenvolvimento de uma educação baseada nos fundamentos do socialismo, torna-se necessária a compreensão de três elementos centrais: 1. sem teoria pedagógica revolucionária, não pode haver prática pedagógica revolucionária; 2. a teoria marxista é a teoria da transformação; 3. a teoria pedagógica comunista só se tornará ativa e eficaz quando o próprio professor assumir o papel de um militante social ativo no seio da nova escola (PISTRAK, 2003). A teoria pedagógica revolucionária é a teoria marxista, a qual o autor denomina, ao longo de sua obra, de “a teoria da transformação”. Para Pistrak, é imprescindível a instrumentalização dos alunos com ensino do conhecimento científico e da filosofia marxista; somente assim a classe trabalhadora poderá almejar a transformação social5. Logo, cabe ressaltar que os debates pedagógicos no contexto da Revolução Russa tiveram por referência prática e teórica os textos clássicos de Marx e Engels. Portanto, não há como compreender os pressupostos teórico-metodológicos das experiências pedagógicas desenvolvidas, sem considerarmos a íntima e necessária relação entre educação e trabalho no âmbito da formação humana, bem como compreendermos os pressupostos da filosofia marxista e, principalmente, a luta pela construção de uma proposta de educação contrária à 5 “[...] o marxismo nos dá não apenas a análise das relações sociais, não somente o método de análise para compreender a essência dos fenômenos sociais suas relações recíprocas, mas também o método de ação eficaz para transformar a ordem existente no sentido determinado pela análise” (PISTRAK, 2003, p.38). 1447 educação tsaristas-verbalistas que ainda assombrava a possibilidade da construção de uma nova escola. Portanto, na escola única do trabalho, o trabalho é princípio educativo e a formação politécnica e omnilateral sua finalidade. A partir destas compreensões que se constituíram as bases da escola única do trabalho, que norteavam o trabalho pedagógico nas Escolas Comunas, quais sejam: a ligação com a atualidade e a auto-organização dos estudantes. No que se refere à atualidade, esta se articulava à necessidade de por meio da escola permitir a vivência da realidade atual, como forma de compreendê-la para assim lutar pela construção da „nova sociedade sem classes‟. Nesse sentido, [...] a tarefa básica da escola é o estudo da atualidade, o domínio e a penetração nela. Isso não significa, que a escola não deva familiarizar-se e estudar o passado coexistente [...] A escola deve formar nas ideias da atualidade; a atualidade deve, como um ria amplo, desembocar de forma organizada. A escola deve penetrar na atualidade e identificar-se com ela (PISTRAK, 2009, p.117-118). Já a auto-gestão deveria ser ensinada desde a mais tenra idade, articulada a construção da noção de coletividade, hábitos e habilidades de organização. Relacionava-se com a capacidade dos educandos de trabalharem coletivamente; o que implicava em responsabilidade, obrigações e, principalmente, compromisso com a coletividade. Portanto, os métodos escolares propostos por Pistrak eram ativos e vinculados ao trabalho manual (trabalhos domésticos, trabalhos em oficinas com metais e madeiras, trabalhos agrícolas, desenvolvendo a aliança cidade-campo), ao trabalho agrícola ou ao trabalho industrial, nos quais os alunos deverão estar inseridos, de forma que participem em todas as modalidades segundo suas capacidades. A intenção do pensador era propiciar aos alunos a compreensão da totalidade do mundo do trabalho. Era neste cenário, que ocorria a relação trabalho, educação e ensino. Pois, o trabalho era o elemento integrante da relação da escola com a realidade atual, e neste nível há fusão completa entre ensino e educação. Não se tratava de estabelecer uma relação mecânica entre o trabalho e a ciência, mas de torná-los duas partes orgânicas da vida escolar, isto é, da vida social da criança. Pois, O trabalho socialmente útil é, exatamente, o elo perdido da escola capitalista. O trabalho socialmente útil é a conexão entre a tão propalada teoria e a prática. É pelo trabalho, em sentido amplo, que esta relação se materializa. 1448 Daí a máxima: não basta compreender o mundo, é preciso transformá-lo. A escola é um instrumento de luta no sentido de que permite compreender melhor o mundo (domínio da ciência e da técnica) com a finalidade de transformá-lo, segundo os interesses e anseios da classe trabalhadora (do campo e da cidade), pelo trabalho (PISTRAK, idem, p. 34). A afirmação de Pistrak expressa à busca pelo rompimento com métodos de ensino antigos, bem como a necessidade imperativa da formação do homem novo para a nova sociedade que vinha sendo gestada. A EXPERIÊNCIA PEDAGÓGICA DA ESCOLA COMUNA P. N. LEPESHINSKIY Pistrak na obra “A Escola-Comuna” (2009)6, analisa os períodos no processo de constituição e consolidação dos métodos escolares da escola única do trabalho no âmbito das Escolas-Comunas. O primeiro período se refere ao surgimento da experiência da EscolaComuna. Um período marcado por grandes dificuldades, como: “[...] insuficiência de meios, a miséria material, ausência de condições materiais para a vida do trabalho, ausência de quadros pedagógicos e, o principal, a novidade da questão em 1918, não deram a possibilidade para a escola, mesmo em traços gerais, de colocar clara e precisamente a tarefa da escola do trabalho” (ibidem, p. 133). No segundo período, em Moscou de 1919-1920, houve a divisão da comuna em I e II grau, e foram esboçados os traços gerais de um plano de organização da escola comuna: tendo o trabalho com princípio educativo (trabalho tanto industrial quanto rural), a atualidade como categoria para o entendimento da realidade e autodireção dos estudantes. Novamente as dificuldades surgiram, principalmente no que se refere a efetivação do plano de alternância do trabalho rural com industrial. Em janeiro de 1920 são definidos objetivos da Escola-Comuna. Em síntese, estes objetivos focavam na formação de “novos homens lutadores e construtores do regime 6 A obra Escola-Comuna foi editada também em 1924. Cujo titulo original era Escola-Comuna do Narkompros. Não é uma obra de autoria exclusiva de Pistrak, na verdade ele é organizador e relator das ideias dos pedagogos envolvidos na construção e organização dos programas e métodos que orientavam as propostas pedagógicas das Escolas-Comunas. É importante ressaltar ainda que, Pistrak contou com as contribuições de Viktor Shulgin para a realização de seus escritos, principalmente nesta obra. Os dois “[...] compartilhavam várias categorias [...] atualidade, autogestão e trabalho” (FREITAS, 2009, p.22). 1449 socialista”, e na definição dos métodos de trabalho e das formas de trabalho, para os grupos mais novos nas oficinas escolares, e para os mais velhos o trabalho na fábrica. Para o pedagogo, O trabalho nas oficinas dever seu usado amplamente. Nelas os estudantes não apenas obtêm hábitos de uso de materiais; não apenas devem dar o material para esta ou aquela disciplina; nelas as crianças devem obter hábitos de auto-organização, de organização econômica da oficina, da divisão do trabalho; devem estudar o lado econômico-administrativo da oficina; a oficina deve ser um passo para a fábrica. [...] A fábrica é uma ampla porta para a vida; através desta porta para a vida, ela introduz-se na escola de forma organizada, reúnem-se todos os seus aspectos positivos e que elevam o desenvolvimento das crianças. A fábrica é também um meio de formação política e de fortalecimento da visão de mundo marxista das crianças. Portanto, a significação principal da fábrica está em que ela é o princípio organizador da vida das crianças, impulsionador dos seus interesses: ela deve unir as crianças e desenvolver nelas a vontade coletiva, organizá-los (ibidem, p.140-141). O trabalho nas oficinas era organizado a partir do entendimento de que a oficina deveria proporcionar a aprendizagem de hábitos de trabalho, a divisão do trabalho, bem como ter espaço para o desenvolvimento da criatividade das crianças. As oficinas mais utilizadas eram de marcenaria e serralheria, e também em alguns casos a encadernadora, oficina de costura e outras. Para Pistrak, nas oficinas estava presente o germe do trabalho socialmente útil, era um passo para o trabalho na fábrica. Já a fábrica deveria ser compreendida em seu aspecto social, para além da técnica. A exigência da mudança de estratégia para o para de trabalho na escola era nítida. Por isso, a escola para o grupo dos mais velhos ligou-se a empresa fabril, de forma que a expectativa era de “[...] dar a ele conhecimento e desenvolver hábitos necessários para participar consciente e ativamente do trabalho na construção da nova sociedade. Exatamente por isso o enfoque da fábrica deveria ser antes de tudo – social, e a fábrica nesta relação apresentase em si como objeto (instrumento) que não poderia ser melhor para utilização em objetivos formativos (ibidem, p.178) Portanto, o processo do trabalho que assume duas posições, uma como possibilidade de inserção do princípio educativo do trabalho como atividade escola, e outra como um fenômeno específico das disciplinas. De fato, o pensamento pedagógico socialista compreendia o trabalho como “o solo básico”, no qual organicamente crescera todo trabalho educativo-formativo da escola, como um todo único inseparável. Por sua vez, os métodos de trabalho educativo apresentavam 1450 [...] um momento de participação imediata no trabalho desde as suas mais simples formas (trabalho individual no autosserviço, cuidados pessoais) até mais complexas possíveis (trabalho na fábrica); em segundo lugar, um momento não menos importante de estudo do trabalho com a participação no trabalho (até o trabalho na fábrica) ou sem participação imediata (estudo de formas mais amplas e complexas da indústria, estudo de toda a modernidade, até as manifestações mais elevadas da cultura, como superestruturas em cima de inter-relações econômicas, a saber, de trabalho) (ibidem, p.216). Por muito tempo a comuna escolar pautou-se no autosserviço, realizado pelas crianças e pedagogos. Na avaliação de Pistrak, dois fatores influenciaram esta questão: por um lado a necessidade que provinha das condições materiais de existência. Para as crianças ficavam os autosserviços pessoais, como arrumar a cama, remendos, costuras, alem de limpeza do prédio, auxílio em atividades na cozinha, na cantina, sauna e lavanderia, na calefação do prédio, na sala hospitalar e ambulatórios. Assim, de acordo com Pistrak Na nossa Escola-Comuna toda organização do trabalho de autosserviço encontra-se nas mãos das crianças. Administra todo este trabalho um mentor do Comitê Organizacional, que chefia a parte econômica. Seguem, em ordem de subordinação, o Comitê de Higiene, a Chefia da Enfermaria, a Chefia da Cantina, etc. [...] O tempo de trabalho distribui-se de forma a não atrapalhar os estudos escolares e não tirar as crianças para o trabalho neste tempo (ibidem, p.224-225). O autosserviço compreende a realização do trabalho combinado com a vida, o trabalho para si e para os outros, o que culminou na tentativa sem êxito de construir um sistema educativo e formativo pelo autosserviço. A organização do trabalho partia da divisão dos alunos em grupos e também em uma espécie de rodízio nas atividades, e, estas não podiam comprometer as aulas das crianças. O trabalho ainda contava com o controle inicial de um monitor de cada grupo, desenvolvendo-se em três setores distintos como as oficinas, a fábrica e o trabalho de verão. A autodireção precisava caminhar de mãos dadas com os objetivos da escola do trabalho socialista. “[...] a autodireção é percebida por nós não apenas como um método de trabalho educativo e formativo na escola, mas também como forma definida de uma determinada vida social das crianças” (ibidem, p.270-271). Diante desta compreensão, a autodireção era encarada como uma possibilidade de romper com autoridade do pedagogo, ele atuaria como orientador do trabalho de autodireção para estimular o desenvolvimento da responsabilidade com o trabalho pessoal em espaços coletivos como o da escola. Neste sentido, a organização do plano geral da forma didática da comuna escolar, objetivava criar o vínculo trabalho, educação e ensino. 1451 Outros trabalhos faziam parte do cotidiano dos educandos das comunas. Eram os chamados trabalhos socialmente úteis. Considerados como uma forma de ampliação das tarefas domésticas, estes trabalhos tinham por objetivo induzir as crianças e jovens a compreensão da utilidade social do trabalho, por meio de trabalhos relacionados a cuidar de praças, jardins e parques públicos, bem como proporcionar atividades coletivas com a comunidade, participar de festas revolucionárias, e a conservação das belezas naturais, etc. Além disso, nas Escolas-Comunas o currículo escolar era organizado por meio do Plano de Estudos por complexo, também utilizado em outras escolas soviéticas. De acordo com Freitas (2009) A noção de complexo de estudo é uma tentativa de superar o conteúdo verbalista da escola clássica, a partir do olhar do materialismo históricodialético, rompendo com a visão dicotômica entre teoria e prática (o que se obtém a partir da centralidade do trabalho socialmente útil no complexo). Ele não é um método de ensino, em si, embora demande, em associação a ele, o ensino a partir do trabalho socialmente útil é o elo, a conexão segura, entre teoria e prática, dada sua materialidade (p.37-38). O plano de estudo por complexos articula-se a transformação da forma e do conteúdo da escola, por meio da articulação entre natureza, sociedade e trabalho. Complexo significa composto. Por complexo deve-se entender a complexidade concreta dos fenômenos, tomados da realidade e reunidos ao redor de temas ou ideias centrais determinadas. [...] A ligação, a reunião, constitui-se de fato na marca essencial do sistema por complexo, mas o essencial não está na ligação das disciplinas, mas na ligação dos fenômenos, nas suas complexidades, nas interações, nos estudos correlacionais entre os fenômenos. [...] O trabalho é o fundamento da vida das pessoas. Daí a realidade do trabalho colocar-se como o centro do ensino. A realidade do trabalho das pessoas é o pivô central, ao redor do qual se concentra todo o restante (PISTRAK, 1934 apud FREITAS, 2011, p. 114). O complexo é uma construção da didática socialista (FREITAS, 2009), onde as categorias atualidade, auto-organização e trabalho são determinantes. CONSIDERAÇÕES FINAIS Este artigo teve como objetivo principal refletir sobre a relação trabalho, educação e ensino na experiência pedagógica da Escola-Comuna P. N. Lepeshinskiy realizada durante o período revolucionário russo. 1452 A discussão realizada pautou-se no estudo das obras escritas por Moiséy M. Pistrak (2003; 2009), respectivamente “Fundamentos da Escola do Trabalho” e “A Escola-Comuna”, nas quais o autor relata e analisa a experiência da Escola-Comuna P. N. Lepeshinski. Descrevemos de maneira sucinta as bases teórico-metodológicas do trabalho pedagógico nas Escolas-Comunas, para situar a experiência pedagógica realizada na Escola-Comuna Lepeshinskiy coordenada por Moisey M. Pistrak. A nosso ver o legado da experiência pedagógica russa com as Escolas-Comunas, vai muito além da transformação da forma escolar capitalista, está fundamentado na necessidade imperativa de assumir a escola como um espaço de participação e de coletividade, ou seja, proporcionar a formação humana de caráter crítico e revolucionário. E ainda, contribuir para que a classe trabalhadora cumpra suas tarefas históricas enquanto classe revolucionária. Ao mesmo tempo, concordamos com a avaliação de Roseli Caldart no prefácio da obra de Pistrak “Fundamentos da Escola do Trabalho” A obra de Pistrak não deve ser lida como um manual, mas sim como um registro de um processo de construção pedagógica, ou a construção de uma pedagogia social, como ele mesmo dizia. A atualidade da obra está especialmente no diálogo que se pode fazer em torno das questões que moveram sua prática e seu pensamento pedagógico. A principal dela diz respeito a como vincular a vida escolar, e não apenas seu discurso, com um processo de transformação social, fazendo dela um lugar de organização do povo para que se assuma como sujeito da construção da nova sociedade (CALDART apud PISTRAK, 2003, p.10). Com efeito, a experiência pedagógica das Escolas-Comunas, especialmente a descrita neste texto, torna-se uma importante referência para a pedagogia hoje. Por assumir o trabalho como princípio educativo na construção e organização da vida coletiva dentro e fora da escola, e ser uma pedagogia revolucionária comprometida com a emancipação dos trabalhadores, a partir de uma matriz formativa multilateral. Além disso, conhecer a experiência pedagógica desenvolvida no âmbito das EscolasComunas possibilita a nós educadores a construção de instrumentos para elaboração de uma crítica mais radical ao modelo de escolarização atual, já que tal proposta faz a crítica à educação unilateral presente na sociedade capitalista. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CALDART, Roseli Salete. Prefácio. In. PISTRAK, Moisey M. Fundamentos da escola do trabalho. 3 ed. São Paulo: Expressão Popular, 2003. 1453 CAPRILES, René. Makarenko: o nascimento da Pedagogia Socialista. São Paulo: Editora Scipione, 1989. FREITAS, L. C. de. Escola Única do Trabalho. In. CALDART, Roseli, PEREIRA, Isabel Brasil, ALENTEJANO, Paulo, FRIGOTTO, Gaudêncio (orgs). 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PISTRAK, Moisey M. Fundamentos da escola do trabalho. 3 ed. São Paulo: Expressão Popular, 2003. _________, Moisey M. A Escola-Comuna. Trad. Luiz Carlos de Freitas e Alexandra Marenich. São Paulo: Expressão Popular, 2009. ROSSI, Wagner. Pedagogia do Trabalho. São Paulo: Moraes, 1981. TROTSKY, Leon. A história da Revolução Russa. Tradução de E. Huggins. Editora Saga: Rio de Janeiro, 1967.