Mecanismos de hipertrofia cardíaca na hipertensão arterial

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Editorial
Mecanismos de hipertrofia cardíaca na hipertensão arterial
A doença hipertensiva é uma das causas principais da hipertrofia cardíaca.1 A
elevação da resistência vascular periférica é determinante para o desenvolvimento desta
forma de adaptação ventricular, O coração crônicamente submetido a uma elevação de
pressão durante a sístole aumenta a massa miocárdica e reduz a cavidade ventricular. 2 Tal
como em outras condições de sobrecarga sistólica, na estenose da valva aórtica e na
coartação da aorta, a elevação do esforço sistólico da parede contribui para a elevação do
consumo de oxigênio das fibras miocárdicas. Em contrapartida, o crescimento dos
miócitos permite a redução das dimensões ventriculares e promove a normalização do
gasto energético miocárdico.3,4 A consequência principal do remodelamento ventricular
que se estabelece é a manutenção da função sistólica.5 No entanto, apesar da preservação
do desempenho cardíaco, a presença de hipertrofia está nitidamente associada a um
aumento do risco cardiovascular.6,7 O incremento de arritmias ventriculares,8 o
aparecimento de disfunção diastólica,9 os transtornos do fluxo arterial coronário 10,11e o
aumento da fibrose miocárdica foram apontados como responsáveis pelo aumento da
morbi-mortalidade observado.12
O objetivo das investigações que seguiram a estas observações concentraram-se em
dois pontos principais: a regressão do aumento da massa cardíaca pelo tratamento antihipertensivo e o estudo dos mecanismos sistêmicos e locais que regulam sua gênese. O
primeiro visando resultados terapêuticos e o segundo medidas preventivas.
A regressão da hipertrofia cardíaca foi observada com o uso de diferentes agentes
anti-hipertensivos,13,14 porém os efeitos sobre as alterações fisiopatológicas associadas são
ainda pouco conhecidos. Os resultados das investigações iniciais apontam para a possibilidade de normalização da função diastólica,15 de restauração da função sistólica16 e de
melhora dos distúrbios do ritmo cardíaco.17,18,19
Entre os numerosos estudos publicados sobre a regressão da hipertrofia cardíaca,
dois em especial apresentaram contribuições importantes. Foi observado no primeiro
deles que ratos com hipertensão espontânea apresentam redução o peso do ventrículo
esquerdo a par da manutenção do quadro hipertensivo. A diminuição da massa foi
associada à redução do conteúdo miocárdico de catecolaminas.20No segundo foi descrita
a presença de hipertrofia ainda no estágio pré-hipertensivo destes animais.21 O papel do
distúrbio hemodinâmico parece ter maior relevância nos estágios mais avançados da
doença hipertensiva.22
O interesse pela investigação de fatores locais e humorais responsáveis pelo
remodelamento ventricular tem crescido e um grande avanço vem sendo alcançado nesta
área. Os estudos clínicos demonstraram que a raça, o sexo, a idade, e o peso influenciam
positivamente o aumento da massa de ventrículo esquerdo, independentemente da pressão
arterial.23-25 As investigações experimentais evidenciaram uma ação estimuladora de
mediadores vasoconstritores tais como a noradrenalina, a endotelina e a angiotensina II,
enquanto os vasodilatadores EDRF, prostaciclina e bradicinina atuam negativamente
sobre o crescimento miocárdico.26 As participações do hormônio tireidiano,27 do fator de
crescimento insulínico28 e do sal29,30 foram também descritas.
O trabalho publicado nesta edição do J.B.N., “Influência dos ânions cloreto, citrato
e glutamato na massa ventricular esquerda e nos níveis pressóricos no modelo de
hipertensão Doca-sal” de Cristo VA, Cabral AM e Vasquez EC representa uma
contribuição significativa ao assunto. Os autores observaram que 3 diferentes sais de
sódio: cloreto, citrato e glutamato, atuam diretamente na hipertrofia cardíaca de ratos
submetidos ao modelo de hipertensão Doca-sal. O peso de ventrículo esquerdo maior nos
animais tratados com o cloreto de sódio, sugere que este ânion especifico participa dos
mecanismos responsáveis pelo crescimento do tecido miocárdico. Ao lado do importante
significado deste resultado para o estudo da patogenia da hipertrofia cardíaca, o presente
trabalho suscita também algumas indagações estimulantes para o avanço dos
conhecimentos neste campo de investigação.
É atualmente reconhecido que o tecido miocárdio apresenta dois compartimentos
distintos, representados pelas fibras musculares e pela matriz extracelular intersticial.31
Ambos são passíveis de alteração durante o desenvolvimento da hipertrofia em diferentes
situações patológicas. Enquanto as influências adrenérgicas parecem estar principalmente
relacionadas ao crescimento dos miócitos, 32 por outra, há fortes evidências indicando que
o sistema gerador de angiotensina II, localizado em miofibroblastos, exerce um papel
relevante na formação da fibrose que acompanha o remodelamento ventricular.33,34
Haveria uma ação específica dos sais de sódio sobre as modificações destes
compartimentos? Esta ação seria exercida por meio dos mecanismos locais reconhecidos
como agentes participantes da gênese da hipertrofia cardíaca?
O estudo morfométrico do tecido cardíaco por meio de sistemas computatorizados
de análise é um método sensível e especifico que permite a diferenciação entre as
modificações do conteúdo de colágeno e crescimento dos miócitos 35 A análise do
comportamento de receptores celulares locais, de proteinases e de fatores de crescimento
que atuam em cada um dos grupos celulares envolvidos é atualmente possível com o uso
de técnicas diversas como a biologia molecular, a autoradiografia quantitativa in vitro e a
imunohistoquímica.36-39
Os resultados do presente estudo certamente abrem caminho para a investigação de
mais um fator a ser considerado no estudo da hipertrofia cardíaca. O uso de metodologias
desenvolvidas na última década permitirá identificar os mecanismos pelos quais os sais
de sódio, particularmente o cloreto, atuam. A importância prática de estudos como este,
aqui publicado, está em abrir a possibilidade de se dispor de medidas preventivas mais
eficazes no controle do risco cardiovascular de pacientes hipertensos.
Clovis de Carvalho Frimm
Doutoer em Cardiologta
Médico Assistente da Unidade de Hipertensão Arterial do INCOR, HC, FMUSP
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