Tribos Musicais Urbanas: A Sociedade do Espetáculo em um país

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 Tribos Musicais Urbanas: A Sociedade do Espetáculo em um país chamado Brasil
Marlise Borges1
Resumo: Neste artigo, busca-se fazer um mapeamento da música popular urbana no
Brasil, já que na virada do século XX para o século XXI esta música transformou-se
(mais ainda) em mercadoria, em produto vendável para a grande massa. Foi a partir da
década de 1990 que a música no Brasil consolidou-se como massiva, moderna e
midiática (ou midiatizada). Massiva, porque passou a atingir um público cada vez
maior; moderna, porque continuou tendo uma relação simbiótica com a indústria
cultural, as novas tecnologias e as comunicações; e midiatizada (ou midiática) porque os
meios de comunicação de massa são os protagonistas deste mercado e com isso, talvez
os principais responsáveis pela opinião pública. Comparecem aqui o pensamento e a
crítica dos autores da escola de Frankfurt, Adorno e Horkheimer, sobre a Indústria
Cultural; e para falar sobre a Sociedade do Espetáculo em um país chamado Brasil,
pegamos carona nas teses de Guy Debord, acreditando que a vida por aqui também se
anuncia como uma imensa acumulação de espetáculos, onde tudo que era diretamente
vivido, se afastou numa representação.
Palavras-chave: Música Popular Urbana; Massiva; Midiática; Indústria Cultural;
Sociedade do Espetáculo.
1
Mestre e Doutora em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), onde
desenvolveu pesquisa em Comunicação e Cultura. Atualmente é Pós-doutoranda junto ao grupo de pesquisa
Comunicação e Sociedade do Espetáculo, do programa de pós-graduação da Faculdade Cásper Líbero – SP.
Grupo de Pesquisa da Comunicação e Sociedade do Espetáculo 3º Seminário Comunicação, Cultura e Sociedade do Espetáculo Faculdade Cásper Líbero – 15, 16 e 17 de outubro de 2015 Para falar da Sociedade do Espetáculo no país chamado Brasil (na contemporaneidade e
Pós-modernidade), em que a Indústria Cultural ainda se faz presente de forma latente e
pulsante, me aproprio (logo de partida) da ideia de “Tribo”, segundo Michel Maffesoli
(que seria um estar junto a partir de gostos compartilhados; ou grupos de pessoas que se
aproximam por identificações que expressam valores e estilos de vida semelhantes; ou
ainda por compartilhamentos de códigos e elementos estéticos e de práticas sociais) para
falar de música brasileira, popular, urbana, massiva e midiática! Fraya Frehse (2006), no
artigo “As realidades que as tribos urbanas criam”, publicado na revista brasileira de
Ciências Sociais, fala um pouco do conceito de tribo, defendido por Maffesoli.
A partir de 1985 o sociólogo francês Michel Maffesoli começava a utilizar o
termo "tribo urbana" em seus artigos; e em 1988 surgia o seu Le temps des
tribus: le déclin de l'individualisme dans les sociétés postmodernes. O uso da
noção era metafórico, para dar conta de formas supostamente novas de
associação entre os indivíduos na "sociedade pós-moderna": o autor fala em
"neotribalismo". Seriam essencialmente "micro-grupos" que, forjados em
meio à massificação das relações sociais baseadas no individualismo e
marcados pela "unissexualização" da aparência física, dos usos do corpo e do
vestuário, acabariam, mediante sua sociabilidade, por contestar o próprio
individualismo vigente no mundo contemporâneo (Revista Brasileira de
Ciências Sociais, vol. 21, número 60, Supll. 60, São Paulo, fevereiro, 2006).
Mas quando se fala de música popular brasileira, muitas são as opiniões a respeito deste
conceito. Do que seria, de fato, uma música popular neste país, chamado Brasil. É
preciso lembrar, em primeiro lugar, que este “fenômeno” (música popular) está ligado
às Américas. Não só à América do Norte e América Central, como também (e
principalmente) à América do Sul. Na verdade não existe, em outros países do mundo,
uma música popular tão grande e que seja o tempo inteiro cronista de seu povo. Uma
vez que esta é resultante de interações étnicas e culturais de diversos povos. Os mais
conhecidos foram os europeus colonizadores, os índios - e entre estes não somente os
que aqui estavam, mas também uma grande quantidade de índios imigrantes, em
trânsito – e os negros, vindos da África.
E quando se fala em negro (da metade da África para baixo, são mais de 2000 línguas
de origem banto), são muitas culturas diferentes, que aqui foram chegando; e esse
fervilhar fez com que no final do século XIX – em 1870 - começassem a “pipocar”
Grupo de Pesquisa da Comunicação e Sociedade do Espetáculo 3º Seminário Comunicação, Cultura e Sociedade do Espetáculo Faculdade Cásper Líbero – 15, 16 e 17 de outubro de 2015 pelas Américas as primeiras manifestações de músicas populares urbanas: o Dixlan, em
Mississipi, o Danzon, em Cuba (que é o avô da Salsa) e o Maxixe no Brasil, que vai
servir de espelho ao choro e depois ao samba. Vale lembrar que a música vinda da
cultura africana tem como um dos principais traços (característicos) a síncopa, que é
aquele balanço que tem no samba (a sincopa seria: roubar o tempo forte e dar ele para o
tempo fraco; é isso que dá um balanço). E quando essa música negra chega ao Brasil, o
samba vai então nascer e se desenvolver com essa característica sincopada.
Contudo, na virada do século XX para o século XXI, a música popular urbana, brasileira,
transformou-se (mais ainda) em mercadoria, em produto vendável para a grande massa.2
Foi a partir da década de 1990 que a música brasileira consolidou-se como massiva,
moderna e midiática (ou midiatizada). Massiva, porque passou a atingir um público cada
vez maior; moderna, porque continuou tendo uma relação simbiótica com a indústria
cultural, as novas tecnologias e as comunicações; e midiatizada (ou midiática) porque os
meios de comunicação de massa são os protagonistas deste mercado (entre outros) e com
isso, talvez os principais responsáveis pela opinião pública.
E já que começamos a falar em massivo, é importante lembrar que este foi gerado a partir
do popular, como explicou Jesus Martin Barbero (2009), em Dos Meios às Mediações,
Comunicação, Cultura e Hegemonia. Barbero (2009, p. 175), explica que a cultura de
massa foi constituída acionando e deformando ao mesmo tempo sinais de identidade da
antiga cultura popular e integrando ao mercado as novas demandas das massas. O mesmo
autor fala também (ao lembrar do pensamento de Walter Benjamin), do popular na
cultura não como sua negação, mas como experiência e produção (Barbero, 2009, p. 72).
Antes dos anos 1990, o Brasil viveu e conviveu com importantes e emblemáticos
movimentos musicais: a Bossa Nova (na década de 50), a Jovem Guarda (nos anos 60 e
70), a Tropicália (no final dos anos 60 e nos anos 70) e o rock nacional, dos anos 80.
Cada um desses movimentos teve características particulares, mas há os que defendem
2
Segundo Jesus Martin Barbero, massa designa, no movimento da mudança, o modo como as classes populares
vivem as novas condições de existência, tanto no que elas tem de opressão, quanto no que as novas relações contêm
de demanda e aspirações de democratização social. E de massa será chamada a cultura popular. Isto porque, no
momento em que a cultura popular tende a converter-se em cultura de classe, será ela mesma minada por dentro,
transformando-se em cultura de massa (BARBERO, 2009, p. 174).
Grupo de Pesquisa da Comunicação e Sociedade do Espetáculo 3º Seminário Comunicação, Cultura e Sociedade do Espetáculo Faculdade Cásper Líbero – 15, 16 e 17 de outubro de 2015 que foram épocas em que as músicas eram mais ricas, mais poéticas e mais elaboradas
harmônica, melódica e ritmicamente, afinal.
A Bossa Nova (a modernidade na música brasileira deste período) pode ser, talvez, a que
mais representa uma música considerada por muitos, como sendo de “alta qualidade”,
devido à sua estética inovadora para a época, com princípios de originalidade na
marcação rítmica, nos encadeamentos harmônicos (com mudanças na disposição de notas
dos acordes) e nas melodias com intervalos pouco usados. Alguns críticos musicais
afirmam que tratou-se de um movimento orgânico, com inspiração no Jazz norteamericano.
Essa nova harmonia se caracterizava principalmente pela dissonância amiúde –
por encadeamentos harmônicos absorvidos quase que diretamente do Jazz, da
música americana, de modo geral e, além disso, das correntes da chamada
música erudita moderna, correspondente à época do impressionismo de
Debussy e Maurice Ravel. Tenho a impressão que essas duas influências eram
básicas no tipo de harmonia da Bossa Nova (MELLO, 2008, p. 94).
Não dá para negar, de fato, que a Bossa Nova dialogava com o Jazz, até porque a turma
de músicos e compositores desta época (cariocas na sua maioria) viveram neste
intercâmbio Brasil x Estados Unidos. Só para citar alguns: Johnny Alf, Tom Jobim, João
Donato, João Gilberto, Carlos Lyra, Baden Powell e outros. Para Geraldo Vandré, a
Bossa Nova foi um movimento tipicamente carioca, “com todas as contradições da classe
média urbana carioca” (MELLO, 2008, p. 131). Carlos Lyra também concorda que foi
uma música feita por (e para) pessoas da classe média, “urbana e culta”, já que (para ele)
ela foi “talhada para ouvidos apurados e destinada a gostos sofisticados” (MELLO, 2008,
p. 135). Carlos Lyra diz que, universalmente aclamada, a Bossa Nova foi, até prova em
contrário: “assinada por seu criador e com firma reconhecida, a mais bela forma gerada e
materializada pela elite da música popular brasileira (MELLO, 2008, p. 135).
A Jovem Guarda dos anos 1960, entretanto, já surgiu como um produto da indústria
cultural,3 disseminado fortemente através dos meios de comunicação de massa,
3
Martin Barbero (2009), ao falar do pensamento de Edgar Morin sobre a indústria cultural, explica que esta seria um
conjunto de mecanismos e operações através dos quais a criação cultural se transforma em produção. Para Morin,
Grupo de Pesquisa da Comunicação e Sociedade do Espetáculo 3º Seminário Comunicação, Cultura e Sociedade do Espetáculo Faculdade Cásper Líbero – 15, 16 e 17 de outubro de 2015 principalmente o rádio e a televisão. Influenciado pela chegada do Rock’n roll ao Brasil
e também pelos Beatles, grupo inglês de estrondoso sucesso na época, o movimento da
Jovem Guarda caracterizou-se, sobretudo, como um produto cultural submetido à lógica
da mercadoria. Na verdade, não se tratava mais de músicas feitas por gênios criadores e
inovadores - como foi atribuído à Bossa Nova - mas sim, como um produto inserido na
cadeia produtiva do sistema capitalista de produção. Isso tudo porque, assim como o
Rock americano, que não se resumiu apenas à música, mas na verdade significou toda
uma maneira de se comportar, vestir e agir, a Jovem Guarda seguiu o mesmo caminho.
Oliveira (2011) explica que:
A influência da mídia na divulgação da moda dos jovens fica clara na própria
evolução da indumentária roqueira, que inicialmente se assemelha às roupas
de Elvis e atores dos primeiros filmes que divulgam o rock: calça jeans,
jaqueta de couro, costeletas e posteriormente, com o sucesso dos Beatles,
inclui-se os terninhos de quatro botões (OLIVEIRA, 2011, p. 67)
Segundo Adriana Oliveira (2011), dentro da poderosa engrenagem que forma a indústria
cultural, “roupas e acessórios passam a ser divulgados através dos artistas em seus
shows, programas de TV, filmes e reportagens de revistas, criando-se com isso mais
uma fonte de lucro e promoção do estilo que se deseja propagar” (OLIVEIRA, 2011, p.
67).
E assim, o movimento musical da Jovem Guarda foi considerado por muitos como
alienado e despolitizado, já que ocupava-se apenas em cantar o amor, as desilusões
amorosas, uma aparente inocência e ingenuidade, a rebeldia e os carros velozes
(cadilacks e outros), marcas de uma pequena burguesia jovem, que consumia essa
música da época.
Já a Tropicália (ou Tropicalismo) foi um movimento do final dos anos 60 e toda a
década de 70, segundo o artigo “Tropicalismo: As relíquias do Brasil em Debate”,
publicado na Revista Brasileira de História (vol. 18, n. 35, São Paulo, 1998), “ora
trata-se de um modelo peculiar em que se organizam os novos processos de produção cultural (BARBERO, 2009, p.
88).
Grupo de Pesquisa da Comunicação e Sociedade do Espetáculo 3º Seminário Comunicação, Cultura e Sociedade do Espetáculo Faculdade Cásper Líbero – 15, 16 e 17 de outubro de 2015 apresentado como a face brasileira da contracultura, ora apresentado como o ponto de
convergência das vanguardas artísticas mais radicais (como a Antropofagia modernista
dos anos 20 e a Poesia Concreta dos anos 50)”. Surgido nos festivais de música da TV
Record, no final dos anos 60 (1967, mais exatamente), o texto afirma que se trata de
uma “radicalização das questões colocadas pelas artes nos anos 60, na sua interface com
a vanguarda mundial e com a indústria cultural brasileira”. Segundo o texto:
A mistura tropicalista notabilizou-se como uma forma sui generis de inserção
histórica no processo de revisão cultural que se desenvolvia desde o início
dos anos 60. Os temas básicos dessa revisão consistiam na redescoberta do
Brasil, volta às origens nacionais, internacionalização da cultura,
dependência econômica, consumo e conscientização (Revista Brasileira de
História, vol. 18, n. 35, São Paulo, 1998).
Contudo, a Tropicália não foi um movimento exclusivamente musical, pois esteve
presente também nas outras artes, como o teatro e as artes plásticas. Mas na música, os
Tropicalistas: Gilberto Gil, Caetano Veloso, Torquato Neto, Tom Zé, entre outros
(artistas a quem se deve muito respeito), experimentaram um som que chamavam de
“universal”, pois havia a intenção de se aproximar, também, de uma estética pop
internacional.
É fato que a Tropicália - como movimento de vanguarda que foi - e com suas
experimentações político-estético-culturais, críticas e criativas e com letras altamente
elaboradas – metaforicamente - cujo objetivo era driblar a censura, em face do contexto
que o Brasil vivia, na época (em plena ditadura militar), serviu de base para toda
produção musical que nasceu e cresceu, a partir desse momento e se estendeu por
longas décadas, na música brasileira.
Já a década de 1980 também apresentou ao Brasil uma enxurrada de grupos e bandas de
rock, que foram reconhecidas carinhosamente pelo público como rock nacional. Os
grupos, tais como: Legião Urbana, Titãs, Paralamas do Sucesso, Barão Vermelho,
Engenheiros do Havaí, Capital Inicial, saídos de várias regiões do Brasil (Rio Grande do
Sul, Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo) e que logo criaram ídolos (também para a
MPB), entre eles, nomes que se eternizaram, como: Cazuza, Renato Russo, Herbert
Vianna e muitos outros, foram influenciados (pode-se dizer assim) agora pela própria
Grupo de Pesquisa da Comunicação e Sociedade do Espetáculo 3º Seminário Comunicação, Cultura e Sociedade do Espetáculo Faculdade Cásper Líbero – 15, 16 e 17 de outubro de 2015 música popular brasileira. Porém, é importante que se esclareça aqui, que estes jovens novos nomes da música no Brasil dos anos 80 – já são frutos de uma época de transição
política (a passagem da ditadura militar para a nova república); e assim será possível
compreender sua produção musical, inserida em seu tempo histórico. Foi a chamada
Geração Coca-Cola:
Proveniente da Juventude que se autodenominava “os filhos da revolução”, o
rock manifesta força, na medida em que, ao produzir a ruptura dos padrões
musicais anteriores, também rompe com as convenções sociais que os
cercam. Os discursos nas músicas podem projetar fatos ligados aos anos de
ditadura civil-militar e caracterizam uma nova geração de jovens brasileiros,
cuja visibilidade é atribuída ao rock, à geração coca-cola (ROCHEDO, 2011,
p. 7).
A ascensão do rock como estilo musical, no Brasil, revela mais uma vez o ritmo como
agregador e identificador de um público jovem, e é esse mesmo público quem irá
demarcar comportamentos, valores, atitudes e opiniões de sua época, ora com
características de rebeldia, ora com características de ideias e desejos de mudanças
culturais e/ou políticas e sociais. E assim, segundo Rochedo (2011, p. 15), o rock é
utilizado pelos jovens como meio de autodefinição, um emblema para marcar a
identidade do grupo.
A Música Popular Urbana, Massiva e Midiatizada
Pensando agora na música brasileira contemporânea, enquanto mercadoria, enquanto
produto da indústria cultural e nas condições modernas de produção, voltamos a falar da
sociedade do espetáculo no Brasil, pegando carona nas teses de Guy Debord,
acreditando que a vida por aqui também se anuncia como uma imensa acumulação de
espetáculos, onde tudo que era diretamente vivido, se afastou numa representação
(DEBORD, 2003, p.13).
Este espetáculo que está presente na música atual é também o resultado e o projeto do
modo de produção existente no Brasil. E onde ele é a afirmação onipresente da escolha
(já feita) na produção; e a justificação total das condições e dos fins do sistema existente
Grupo de Pesquisa da Comunicação e Sociedade do Espetáculo 3º Seminário Comunicação, Cultura e Sociedade do Espetáculo Faculdade Cásper Líbero – 15, 16 e 17 de outubro de 2015 (DEBORD, 2003, p. 15). Para Debord, o espetáculo apresenta-se como uma enorme
positividade, indiscutível e inacessível. E ele nada mais diz, senão que o que aparece é
bom, e o que é bom, aparece (DEBORD, 2003, p.17). Mapa deste novo mundo, a
sociedade do espetáculo no Brasil, assim como em outras sociedades, corresponde
também, e portanto, a uma “fabricação concreta de alienação” (DEBORD, 2003, p. 26).
Fazendo um mapeamento da música popular urbana no Brasil, a partir dos anos 1990,
encontramos o Pagode (no Rio de Janeiro e São Paulo), o Sertanejo (em alguns lugares
das regiões sudeste e centro-oeste, como São Paulo, Minas Gerais, Goiás e uma parte de
Mato Grosso) e o Funk, esse exclusivo do Rio de Janeiro. Na região nordeste, vimos
explodir o Axé Music, que saiu do carnaval baiano e se propagou como uma febre, em
todo o país e fora dele. E o forró, que saiu do antigo “pé-de-serra” para o forró
eletrônico, também consolidou-se como uma forte expressão da cultura popular (ou
música popular) nordestina. E a região norte, a Amazônia Brasileira, viu emergir a
banda Calypso (que tentou se consagrar como um ritmo novo – que seria o calypso do
Pará) e o ritmo Tecnobrega, que na virada do século (anos 2000), apostou em um
mercado autônomo (paralelo à indústria cultural), de produção, comercialização e
distribuição de CDS e shows musicais.
O samba, conhecido internacionalmente como o ritmo, a marca cultural e musical do
Brasil, já teve períodos de glória, através de compositores que ficaram consagrados na
música popular brasileira, desde os anos 30 e 40 (Noel Rosa, Cartola, Ary Barroso,
Adoniran Barbosa, Lupicíno Rodrigues e Paulinho da Viola são apenas alguns dos
nomes). E para falar de samba, não há como não relacionar as muitas variações que esse
ritmo desenvolveu, ao longo dos anos: o partido alto (que nasceu nos morros do Rio de
Janeiro), o samba de roda, o samba canção, o samba enredo (este, próprio das escolas de
samba, do carnaval carioca e brasileiro), o samba de breque, o samba exaltação, o
samba de gafieira, o samba soul, o samba rock, até chegar no pagode, que nasceu e
cresceu nos subúrbios do Rio de Janeiro. Segundo Lima (2002, p. 5), quem marcou o
começo da integração do pagode, no circuito da produção fonográfica em larga escala,
no final dos anos 70, foi o grupo Fundo de Quintal:
Grupo de Pesquisa da Comunicação e Sociedade do Espetáculo 3º Seminário Comunicação, Cultura e Sociedade do Espetáculo Faculdade Cásper Líbero – 15, 16 e 17 de outubro de 2015 O Fundo de Quintal trouxe importantes inovações musicais para o samba,
tanto na instrumentação e na forma de se tocar, quanto nas estruturas
melódico-harmônicas, no estilo de suas composições e no modo de
apresentação. Este grupo em pouco tempo passou a ser visto como modelo
musical (e, mais tarde, simbólico), para o movimento do pagode, com sua
formação que incluía pandeiro, repique de mão e tantã, todos instrumentos
tocados com as mãos e de características intimistas, de forma a substituir os
instrumentos usados nas escolas de samba (como o surdo e o tamborim) ou
outros, mais comuns em performances antigas (como o prato-e-faca). Além
dessa percussão portátil, o Fundo de Quintal manteve o violão e o
cavaquinho, comuns em muitas formações de samba e reintegrou o banjo,
que há muitos anos não era usado com frequência, de maneira a fazer dupla
com o cavaquinho e a amplificar a base rítmico-harmônica das cordas em
apresentações sem amplificação (LIMA, 2002, p. 6).
Hoje, é possível perceber características físicas e musicais semelhantes em quase todos os
grupos de pagode brasileiros. Roupas, cabelos (ou carecas), mesma formação vocal e
instrumental, parecendo uma coisa única. Parecendo de fato um produto (moldado pela
indústria cultural), para vender. É o espetáculo, como uma atividade especializada
(DEBORD, 2003, tese 23, p. 21). Um exemplo bem marcante: Alexandre Pires (do grupo
Só Pra Contrariar) e Thiaguinho: onde está a diferença?
Fig. 1 – Alexandre Pires
Fig. 3 – Thiaguinho
Fig.2 – Thiaguinho
Fig. 4 – Alexandre Pires
Fonte: Google Imagens.
Grupo de Pesquisa da Comunicação e Sociedade do Espetáculo 3º Seminário Comunicação, Cultura e Sociedade do Espetáculo Faculdade Cásper Líbero – 15, 16 e 17 de outubro de 2015 E nem é preciso dizer que o pagode foi mais um movimento musical que rendeu grandes
somas à indústria fonográfica brasileira. E há razões econômicas e sociais para se dizer
aqui, que a massificação da música no Brasil cresceu e atingiu o seu ápice nos anos 1990,
sim! Pois é quando a economia brasileira começa a se estabilizar, a partir do plano real. E
é quando vai emergir, sim, um mercado de massas para a população, de um modo geral.
É quando se pode dizer que a sociedade de consumo passou a chegar, mesmo, para as
classes populares; quando aconteceu a abertura econômica, as privatizações, ou seja, toda
uma lógica econômica voltada para o consumo. E a música está presente nisso! E o
pagode, enquanto música produzida no Brasil, também está presente nisso!
Outro ritmo, ou canção urbana, massiva e midiática, da contemporaneidade, é o
Sertanejo, que é dito por muitos como sendo a versão moderna da música caipira, de
raiz - mas essa é uma questão aberta, para debates – e segundo Ivan Vilela, no texto “O
caipira e a viola brasileira”, que está no livro “Sonoridades Luso-Afro-Brasileiras”
(2004, p. 178) ao falar da distinção feita por Martins (1975, p. 105), entre música caipira
e música sertaneja, diz que:
Daí a distinção que este autor faz da música caipira para a chamada música
sertaneja, é que, quando começa a ser gravada, converte-se em mercadoria,
perdendo assim a sua função ritual e deixando de ser uma manifestação
espontânea de pequenas comunidades caipiras (PAIS, BRITO &
CARVALHO, 2004, p. 178).
E hoje a música sertaneja está sendo mais conhecida como “Sertanejo Universitário”, por
abocanhar uma grande parte da população jovem, principalmente da região sudeste (São
Paulo, Minas Gerais) e como já foi mencionado anteriormente, uma parte da região
centro oeste do país. Isso se deve ao fato de que as estrelas atuais da música sertaneja são
muito jovens. A faixa etária dos cantores e ídolos parece diminuir, cada vez mais. E aqui
percebe-se, também, uma espécie de tribo urbana, musical, uma vez que os cantores
(Luan Santana, Gustavo Lima, Lucas Lucco, e até mesmo o Michel Teló), astros dessa
música, desse movimento musical, tem a mesma cara, as mesmas características, a
mesma indumentária, os mesmos aspectos físicos. Seria, como falou Debord, uma
Grupo de Pesquisa da Comunicação e Sociedade do Espetáculo 3º Seminário Comunicação, Cultura e Sociedade do Espetáculo Faculdade Cásper Líbero – 15, 16 e 17 de outubro de 2015 aparência organizada socialmente? Onde o espetáculo é a afirmação da aparência e a
afirmação de toda a vida humana, isto é, social, como simples aparência (DEBORD,
2003, p. 16).
Vale a pena ressaltar, também, no que toca a parte musical, que também comparecem a
mesma harmonia (ou progressão harmônica, encadeamento de acordes simples), onde as
músicas tornam-se muito parecidas, umas com as outras, do ponto de vista harmônico,
rítmico e melódico.
Algumas das marcas culturais dessa tribo, de música sertaneja, é o topete (que lembra o
cabelo do astro do cinema americano James Dean; e também do ídolo de rock Elvis
Presley). “O espetáculo que inverte o real, é efetivamente produzido. A realidade surge
no espetáculo e o espetáculo é real” (DEBORD, 2003, p. 16).
Fig. 5 – Luan Santana
Fig. 6 – James Dean
Fig. 7 – Elvis Presley
Fonte: Google Imagens.
Grupo de Pesquisa da Comunicação e Sociedade do Espetáculo 3º Seminário Comunicação, Cultura e Sociedade do Espetáculo Faculdade Cásper Líbero – 15, 16 e 17 de outubro de 2015 Fig. 8 – Gustavo Lima, Luan Santana e Michel Teló – Fonte: Google Imagens.
Além do topete, outra marca indelével é a calça justa (que parece ter começado nos anos
80, com outros cantores sertanejos, como Zezé de Camargo e Luciano) e que a cada ano
que passa fica cada vez mais justa, beirando o erotismo, com a ajuda da dança sensual,
protagonizada nos palcos pelos astros jovens. E aí volta-se ao rock, mais uma vez (dessa
vez lá nos anos 50) com Elvis Presley, com suas roupas justas, cabelo com topete e sua
marca romântica; e sua dança erótica e sensual. Pergunta-se, então: seriam os sertanejos
universitários brasileiros uma nova representação (ou um espelho) do rock dos anos 50?
“No mundo realmente reinvertido, o verdadeiro é um momento do falso” (DEBORD,
2003, p. 16).
Grupo de Pesquisa da Comunicação e Sociedade do Espetáculo 3º Seminário Comunicação, Cultura e Sociedade do Espetáculo Faculdade Cásper Líbero – 15, 16 e 17 de outubro de 2015 Fig. 9 – A calça justa – Gustavo Lima e Mariano – Fonte: Google Imagens.
Chegamos então no Funk carioca, aquele que, supostamente, teria se originado do Soul e
da Black Music (e que tem muito do rap norte-americano), mas que em solo brasileiro
passou a ter vertentes dentro do próprio Funk. No Rio de Janeiro é conhecido o Funk
Proibidão, o Funk Melody e recentemente o Funk Sedução. São Paulo também abraçou a
ideia do Funk e lançou o Funk Ostentação, que se orgulha de falar de bens materiais,
como carros, motos e objetos de valor, em geral. Representados pelos chamados MCS –
que significa Mestres de cerimônias (MC Guimet é um dos mais conhecidos) a
característica principal do Ostentação é o ouro, estampado nos cordões, anéis, pulseiras e
outros acessórios. Trazendo Debord, novamente: “A primeira fase da dominação da
economia sobre a vida social levou, na definição de toda a realização humana, a uma
evidente degradação do ser em ter” (DEBORD, 2003, p. 18).
Falando dos excessos, exageros e dos nivelamentos mais rasos, algumas das
características da música massiva e dos produtos forjados pela indústria cultural, chega-se
aos bailes Funk, frequentados por jovens, na sua maioria, que se vestem com roupas
mínimas (homens sem camisa e mulheres com saias, tops e shorts curtos); e não se pode
esquecer das danças, coreografias e gestos de sexo – é a pornografia presente na dança.
Se antes já era assim, na época em que as festas começaram a surgir, agora nas redes
Grupo de Pesquisa da Comunicação e Sociedade do Espetáculo 3º Seminário Comunicação, Cultura e Sociedade do Espetáculo Faculdade Cásper Líbero – 15, 16 e 17 de outubro de 2015 sociais está mais do que estampado, nestes bailes, a dança como se fosse o próprio ato
sexual, ou uma simulação do ato. Chegou-se a este ponto! A pornografia, regada a muita
bebida e drogas. Contudo, o Funk brasileiro foi o primeiro ritmo que adotou o mercado
pirata, gravando e comercializando discos de forma independente, sem esperar (ou sem
precisar) da indústria fonográfica.
Fig.10 – Os bailes Funk – Fonte: Google Imagens.
E falando em festa, em dança, vamos agora para o Forró eletrônico, do Nordeste, que não
se assemelha ao Funk carioca, não é dançado separadamente, mas sim junto, colado. Suas
coreografias não são pornográficas, mas lembram a lambada, ou o merengue, com giros,
rodadas e malabarismos também, sempre em dupla. É bem verdade que o Forró
nordestino, agora, vem também recheado de instrumentos eletrônicos, como a guitarra, o
baixo, a bateria e o teclado; porém, a sanfona permanece, dando assim a principal
característica da sonoridade de um Forró. E por diversas vezes, ainda, encontra-se
músicos que apresentam-se com chapéus de couro; alguns grupos ainda fazem questão de
se apresentar, também, com elementos, indumentárias e adereços, próprios da cultura
nordestina. Entretanto, alguns ídolos do forró nordestino eletrônico atual, lembram, mais
uma vez, os ídolos do rock internacional, com o cabelo liso e comprido. Wesley Safadão
Grupo de Pesquisa da Comunicação e Sociedade do Espetáculo 3º Seminário Comunicação, Cultura e Sociedade do Espetáculo Faculdade Cásper Líbero – 15, 16 e 17 de outubro de 2015 é um exemplo, com seu cabelo preto e liso. Outro exemplo é Dorgival Dantas, que é
sanfoneiro, mas que exibe uma vasta cabeleira comprida, loura e lisa, lembrando o Axel
Rose, dos Gun’s and Roses.
Fig. 11 – Wesley Safadão e Dorgival Dantas – Fonte: Google Imagens.
A banda Calcinha Preta, uma das mais conhecidas no cenário nacional, no início de sua
carreira também apresentava cantores com cabelos compridos; e isso acabou gerando
uma característica das bandas de Forró do Ceará. Em contrapartida, as cantoras sempre
com as roupas cada vez menores, com biquínis e tops, algo meio alegórico, com cores e
brilhos, como no carnaval. E o fato é, que a tendência é ir diminuindo a roupa, cada vez
mais. “A sociedade que repousa sobre a indústria moderna é fundamentalmente
espetaculista. O espetáculo não quer chegar a outra coisa, senão a si próprio” (DEBORD,
2003, p. 18).
Grupo de Pesquisa da Comunicação e Sociedade do Espetáculo 3º Seminário Comunicação, Cultura e Sociedade do Espetáculo Faculdade Cásper Líbero – 15, 16 e 17 de outubro de 2015 Fig. 12 – Banda Calcinha Preta – Fonte: Google Imagens.
São muitos os astros e estrelas que se mantém no sucesso, mesmo antes da década de 90 e
até hoje, na música baiana que ficou conhecida no Brasil como Axé Music. São cantores
adorados e imitados pelo público brasileiro, são estrelas que saíram das micaretas do
carnaval baiano, mas se sustentam, mesmo fora do contexto do carnaval da Bahia. É que
o Axé, mesmo sem escapar de ser mais um produto, fruto da indústria cultural brasileira,
possui uma estética musical composta por diversos estilos e gêneros musicais “locais e
globais, como o frevo, o ijexá, o samba, o reggae, a salsa, o rock e a lambada, entre
outros” (CASTRO, 2010, p. 204).
Fig. 13 – Bel Marques e Ivete Sangalo – Micaretas – Carnaval na Bahia – Fonte: Google Imagens
É fato que a Bahia é plural e multicultural em sua produção musical contemporânea. Os
grupos: Timbalada, Olodum e Filhos de Gandhi, símbolos do carnaval baiano, me fazem
lembrar novamente (ainda que isso seja próprio do carnaval) a ideia de tribo; uma tribo
que usa a mesma indumentária, que se pinta, que usa os mesmos acessórios de corpo e de
cabelo. Uma tribo musical urbana, tocando os seus tambores, instrumentos característicos
do carnaval, mas que extrapola, que sai do carnaval brasileiro para se mostrar e para se
apresentar em outros países, como sendo a cultura do Brasil. “No espetáculo, uma parte
do mundo representa-se perante o mundo e é-lhe superior” (DEBORD, 2003, p. 25).
Grupo de Pesquisa da Comunicação e Sociedade do Espetáculo 3º Seminário Comunicação, Cultura e Sociedade do Espetáculo Faculdade Cásper Líbero – 15, 16 e 17 de outubro de 2015 Fig. 14 – Timbalada, Filhos de Gandhi e Olodum – Fonte: Google Imagens.
O mesmo acontece com o Boi de Parintins, no Amazonas, que também funciona como o
carnaval, com alegorias, roupas, fantasias, mas voltado para a cultura indígena, das tribos
da Amazônia brasileira; e que também é um produto vendido lá fora, na Europa e em
outros lugares do mundo. Mas é diferente da Bahia, que exporta uma cultura negra, afrobrasileira. O Amazonas exporta a cultura indígena, brasileira, através da dança e da
música do Boi de Parintins. O Boi não virou um ritmo massificado, mas o produto dessa
música é vendido lá fora, representando a música e a cultura amazônica.
Fig. 15 – Bois Garantido e Caprichoso – Amazonas, Brasil. Fonte: Google Imagens.
Grupo de Pesquisa da Comunicação e Sociedade do Espetáculo 3º Seminário Comunicação, Cultura e Sociedade do Espetáculo Faculdade Cásper Líbero – 15, 16 e 17 de outubro de 2015 Fig. 16 – Roupas e adereços indígenas – cultura amazônica – Fonte: Google Imagens.
E falando em Amazônia, região norte do país, chegamos ao último movimento de música
massiva (eletrônica) do Brasil, surgido na virada do século, exatamente no ano 2000: o
Tecnobrega, que traz como musa e principal representante a cantora Gabi Amarantos.
Ela, que se autodenomina a Beyoncé do Pará, pois incorpora marcas da cantora
americana em seu corpo e em sua personalidade artística. Contudo, ela faz questão de não
deixar de lado as raízes e procura, também, incorporar elementos da cultura amazônica,
em seu corpo e em sua forma de se vestir. Evidencia-se aí uma mistura, mas que pode
não ser exatamente uma mistura bem feita, com propriedades que possam apontar para
uma coisa artística. Talvez apenas um amontoado de elementos, aleatórios!
Grupo de Pesquisa da Comunicação e Sociedade do Espetáculo 3º Seminário Comunicação, Cultura e Sociedade do Espetáculo Faculdade Cásper Líbero – 15, 16 e 17 de outubro de 2015 Fig. 17 – Gaby Amarantos – A Beyoncé do Pará. Fonte: Google Imagens.
O Tecnobrega do Pará, na realidade, pegou carona na questão da produção independente
e se valeu principalmente das aparelhagens (que já existiam no Pará, desde os anos 60),
para divulgar os CDS que eram gravados em home studios. Bandas e músicos começaram
a se autoproduzir, dentro de casa, nas periferias de Belém; e passaram a distribuir os CDS
nos camelôs e nas festas de aparelhagens. As aparelhagens então começaram a divulgar
estes músicos, porque a essa altura, as casas noturnas já não pagavam mais os cachês que
os músicos pediam. Foi então que o povo resolveu que não precisava mais de produtor,
nem de empresário; e passou a se autoproduzir e se autopromover, ganhando dinheiro de
forma independente da indústria fonográfica. E assim como o Funk, o Tecnobrega acabou
existindo em um mercado paralelo, autônomo. As bandas de Tecnobrega também
passaram a se apresentar nas festas das aparelhagens. E o Tecnobrega nada mais é,
portanto, do que o brega eletrônico, com a batida eletrônica.
Grupo de Pesquisa da Comunicação e Sociedade do Espetáculo 3º Seminário Comunicação, Cultura e Sociedade do Espetáculo Faculdade Cásper Líbero – 15, 16 e 17 de outubro de 2015 Fig. 18 – As Aparelhagens. Fonte: Google Imagens.
Cultura, Tradição, Tecnicização e Indústria Cultural
Na época em que estamos, diante do que aconteceu com o Funk e o Tecnobrega, há
infinitos espaços para que os artistas organizem sua arte, sua música e sua sonoridade,
de acordo com leituras próprias. Hoje, é possível também ter acesso ao que é produzido,
simultaneamente, no mundo inteiro. Os computadores (e uma cultura de rede)
transformaram-se em entretenimento e fazem parte não apenas do imaginário cultural,
como revelam uma dimensão mais profundamente social. A música e até os processos
de gravação e distribuição foram submetidos a novas tecnologias estéticas. Começou
com o LP (vinil), depois veio o CD e em seguida entraram em cena os formatos:
WAVE, MP3, WMA, entre outros. E o debate sobre o valor da produção artística
brasileira e como as pessoas estão consumindo essa música urbana e massiva, está
aberto!
Assim, as culturas mais tradicionais se ajustam a novos ritmos sociais e
culturais, criam outras marcas, se mediatizam, ou seja, passam pelos mais
diversos suportes e meios transmissivos (FERREIRA, 2003, pp. 39-41).
Grupo de Pesquisa da Comunicação e Sociedade do Espetáculo 3º Seminário Comunicação, Cultura e Sociedade do Espetáculo Faculdade Cásper Líbero – 15, 16 e 17 de outubro de 2015 A música popular urbana agora é moderna, midiatizada e massiva. Hoje, os artistas vão
muito além do mercado. Eles, na verdade, reorganizam o mercado musical fonográfico. A
'persona' do artista, a imagem que é construída, envolve, entre muito mais coisas, o
projeto autoral do artista, as estratégias da indústria fonográfica e até a comunidade de fãs
(o ato performático como definição de uma comunidade de ouvintes).
Importantes questões referentes à cultura e suas transformações são debatidas por Jerusa
Pires Ferreira (2003, p. 40), no artigo “Oralidade, Mídia, Culturas Populares”, publicado
na Revista SESC, número 2, agosto de 2003. Neste artigo, ela chama a atenção para “a
instância cultural e o modo pelo qual processos, transferências, apreensões e cooptações
se dão, no bojo do que chamamos cultura”. Fala também dos processos de deslocação,
desterritorialização e de ocupação de novos territórios e preocupa-se com os ajustes de
culturas mais tradicionais que se mediatizam, passando pelos diversos suportes e meios
transmissivos, em destaque as práticas de oralidade, que passam da voz viva aos meios
acústicos, eletrônicos ou em rede.
Para ela, são processos inevitáveis e que tem a ver com a modernização. Mas questiona
o impasse diante do controle dos meios de comunicação e das políticas culturais ou anticulturais, ou, como ela enfatiza, a ausência delas, “que fazem destas transformações o
estereótipo mais banal, o nivelamento mais raso, a transformação dos tempos num
tempo de mercado, tão somente; e da nossa vida, um inferno! (FERREIRA, 2003, p.
40).
E aí, é impossível, parece, defender o estilhaçamento e a repetição
empobrecedora. Estamos diante daquilo que o semioticista russo Iuri Lotman
chama não-cultura. Ou seja, o momento em que há uma aniquilação de
princípios de reconhecimento, a instalação do vazio, a velocidade com a qual
as coisas são descartadas, deletadas ou tragadas” (FERREIRA, 2003, p. 40).
Em outro artigo: “Quero que vá tudo pro inferno – Cultura Popular e Indústria
Cultural”, publicado na revista “Comunicação e Sociedade”, número 13, 1985, ela
lembra que até mesmo a cantoria está sujeita à modernização e, portanto, irá também
ocupar um lugar na Indústria Cultural. Ao falar das culturas populares, ela fornece um
Grupo de Pesquisa da Comunicação e Sociedade do Espetáculo 3º Seminário Comunicação, Cultura e Sociedade do Espetáculo Faculdade Cásper Líbero – 15, 16 e 17 de outubro de 2015 breve panorama do “folclore” e de grupos sociais ditos “subalternos” e cita a “máquina
poderosa do capitalismo”, que os exaure, da comunicação de massas que produz sem
cessar novos feitos, fazendo com que se processem sempre novas informações, forçando
a uma contínua reinterpretação dos repertórios tradicionais.
De acordo com Adorno e Horkheimer (1985), o terreno no qual a técnica conquista seu
poder sobre a sociedade, “é o poder que os economicamente mais fortes exercem sobre
a sociedade. A racionalidade técnica hoje, para eles, é a racionalidade da própria
dominação. Ela é o caráter compulsivo da sociedade alienada de si mesma” (ADORNO
& HORKHEIMER, 1985, p. 114). Quando explicam que a indústria cultural levou à
padronização e à produção em série, dos produtos culturais, afirmam que foi a atitude
do público, diante disso, que favoreceu o sistema dessa indústria cultural.
Sendo assim, a música brasileira também se apresenta como indústria. É um produto,
sim, da indústria cultural, uma vez que está inserida em modelos padronizados e com
produções em série. E uma vez produzidas em série, o que acontece, como falaram
Adorno e Horkheimer (1985, p.116), é um empobrecimento dos materiais estéticos.
Trata-se de uma arte previsível, portanto, que já vem com uma fórmula de sucesso? Ou
seja, o que importa, mesmo, é a música que vende?
Se assim é, toda esta música está pronta, todos os seis ritmos que foram apresentados
aqui estão postos, e o espectador (de acordo com o prognóstico de Adorno e
Horkheimer), alienado. Ele não precisa mais pensar. Porque não há o que pensar! Pois o
que há, são estilos únicos, uniformes. E a indústria cultural faz questão de colocar a
imitação como algo absoluto. E o público, o consumidor da música brasileira, hoje pensando na concepção dos autores da escola de Frankfurt – está preso de corpo e alma,
pois não consegue resistir ao que é oferecido por essa indústria. E seguindo o
pensamento de Adorno e Horkheimer, o que existe, no final das contas é uma enorme
demanda de porcarias, feitas com refinada astúcia?
Temos então uma indústria cultural brasileira que transferiu a arte (neste caso, a música)
para a esfera do consumo? Para Adorno e Horkheimer, a Indústria cultural é a indústria
da diversão, do entretenimento. E para eles, toda lógica que pressuponha um esforço
intelectual, é escrupulosamente evitado. E só é aceitável a falta de sentido.
Grupo de Pesquisa da Comunicação e Sociedade do Espetáculo 3º Seminário Comunicação, Cultura e Sociedade do Espetáculo Faculdade Cásper Líbero – 15, 16 e 17 de outubro de 2015 O entretenimento e os elementos da indústria cultural já existiam muito
tempo antes dela. Agora, são tirados do alto e nivelados à altura dos tempos
atuais. A Indústria Cultural pode se ufanar de ter levado a cabo com energia e
de ter erigido em princípio a transferência muitas vezes desajeitada da arte
para a esfera do consumo, de ter despido a diversão de suas ingenuidades
inoportunas e de ter aperfeiçoado o feitio das mercadorias (ADORNO &
HORKHEIMER, 1985, p. 126).
Vimos neste artigo, através das imagens, alguns ritmos e estilos de música brasileira que
apresentam marcas de pornografias e erotismo. E os autores de Frankfurt também falam
disso: que a indústria cultural cultua a pornografia, o erotismo, a obscuridade, a
diversão e o entretenimento. Para eles, sempre há o eterno consumidor da diversão.
Porque acreditam que a diversão favorece a resignação. Há, na indústria cultural, para
eles, uma ideologia que é reduzida a um discurso vago e descompromissado. E é essa
vagueza que, segundo afirmam, funciona como instrumento de dominação. E a indústria
cultural ostenta uma informação falsa e uma verdade manifesta. É a aparência, de que
falou Debord (2003), onde a unidade da personalidade não passa de uma aparência?
A música no Brasil, portanto, há muito que abandonou o valor de culto (lembrando
novamente o pensamento de Walter Benjamin, quanto ao conceito de arte) e se
transformou em valor de exibição? E com o crescente desenvolvimento das tecnologias
e da indústria cultural, democratizou-se, cada vez mais, o produto (neste caso, a
música)? E assim, arte e artistas vêm sendo moldados, preparados e produzidos para a
venda? É a arte como mercadoria? É a música brasileira na contemporaneidade! São as
tribos musicais urbanas, na sociedade do espetáculo em um país chamado Brasil.
Grupo de Pesquisa da Comunicação e Sociedade do Espetáculo 3º Seminário Comunicação, Cultura e Sociedade do Espetáculo Faculdade Cásper Líbero – 15, 16 e 17 de outubro de 2015 Referências
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Grupo de Pesquisa da Comunicação e Sociedade do Espetáculo 3º Seminário Comunicação, Cultura e Sociedade do Espetáculo Faculdade Cásper Líbero – 15, 16 e 17 de outubro de 2015 
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