Oliveira JAGP & Soares MJ RELATO DE CASO Fixação bioabsorvível nas fraturas zigomáticas: relato de caso Bioabsorbable fixation in zygomatic fractures: a case report José Augusto Gomes Pereira de Oliveira1, Marcelo José Soares2 RESUMO SUMMARY A tecnologia bioabsorvível é uma revolução que tem colocado novos protocolos em cirurgia maxilofacial. Com o uso de placas e parafusos bioabsorvíveis, os implantes são absorvidos completamente no corpo, via hidrólise, dentro de 12 a 15 meses. A tecnologia tem mudado o manejo e o futuro da fixação maxilofacial em pacientes adultos e pediátricos. O artigo em questão mostra um caso clínico usando esse tipo de técnica em uma fratura zigomática e discute suas vantagens e desvantagens. Bioabsorbable technology is a revolution that has set new standards in maxillofacial surgery. With the use of bioabsorbable screws and plates, implants themselves completely absorbed into the body, via hydrolysis, within 12 to 15 months. The technology has changed the standard of care and it’s the future of maxillofacial fixation for adult and pediatric patients. This paper shows a case report using this technique in zygomatic fracture and discusses its advantages and disadvantages. Descritores: Fixação interna de fraturas. Fraturas zigomáticas. Fixação de fratura. Descriptors: Fracture fixation, internal. Zygomatic fractures. Fracture fixation. 1. Professor Titular da Disciplina de Traumatologia Maxilofacial da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), João Pessoa, PB. Postdoctoral Research Fellow em Cirurgia Ortognática - University of Washington – Seattle, USA. 2. E specialista em CTBMF – UNICAMP, Piracicaba, SP. Membro do corpo clínico dos Hospitais Neurocardio, Urgências e Trauma, Memorial e Geral de Urgências, Petrolina, PE. Pós-graduado em Saúde Coletiva pela Universidade Federal de Pernambuco, PE. Correspondência: José Augusto Gomes Pereira de Oliveira Av. Júlia Freire, 1200 - sala 104 – Bairro Expedicionários – João Pessoa, PB – CEP 58041-010 E-mail: [email protected] Rev Bras Cir Craniomaxilofac 2010; 13(2): 118-22 118 Fixação bioabsorvível nas fraturas zigomáticas normal; restauração da visão normal; prevenção ou correção da enoftalmia, exoftalmia ou outro deslocamento do globo ocular; restauração do antro e restauração da função mastigatória. INTRODUÇÃO As fixações rígidas e semi-rígidas tornaram-se importantes técnicas operatórias, baseadas em princípios biológicos, extensamente estudadas por vários pesquisadores no campo da cirurgia bucomaxilofacial. Os refinamentos obtidos ao longo do tempo otimizaram não só a estética como também a estabilidade primária. As placas de titânio ganharam uma aceitação unânime, graças às suas qualidades mecânicas e biológicas. No entanto, os artefatos, embora reduzidos, ainda são um problema persistente, aliado ao fato de que os implantes permanecem após a consolidação óssea, podendo levar a uma série de complicações, a maior delas sendo a necessidade potencial de remoção do implante em alguma etapa da vida do paciente. Outros problemas com fixação metálica são a migração da placa e parafusos, restrição ao crescimento, obstrução radiográfica e subsequente distorção da imagem1. Estas complicações criaram a necessidade de um material de fixação não-metálico2. Uma nova geração de sistemas tem, recentemente, tornado possível a eliminação desses problemas. Nós temos utilizado o Stryker Leibinger Delta System para cirurgias do terço médio da face. O comportamento termoplástico destes implantes bioabsorvíveis permite um contorno ideal ao local cirúrgico com o uso de um aquecedor de água. Ajustes finais das placas ou dos sistemas de malhas podem ser feitos com um cortador ou tesoura apropriada. Estes implantes podem ser fixados ao sítio cirúrgico com parafusos absorvíveis de 1,7 e 2,2 mm de diâmetro. Esse artigo descreve um caso clínico usando fixação bioabsorvível em uma fratura zigomática. Os procedimentos incluem fixações frontozigomática e maxilozigomática com esse sistema, adotado no Hospital Estadual de Emergência e Trauma Senador Humberto Lucena, em João Pessoa – PB. Nossos pacientes são estritamente traumatizados faciais e a ausência de artefatos radiográficos, bem como a facilidade de reconstrução, faz desse sistema uma ótima opção, principalmente em pacientes pediátricos. Fatores de Risco Dentre os fatores de risco estão incluídos: doença sistêmica não-controlada; atraso no diagnóstico ou encaminhamento; presença ou ausência de deslocamento; presença ou ausência de traumatismos maxilofaciais associados; traumatismo do globo ocular associado; presença ou ausência de traumatismos de tecidos moles associados; presença ou ausência de infecção ou outra patologia local; presença ou ausência de corpos estranhos; grau de cooperação do paciente. Cuidados Pré-Operatórios e Manejo do Paciente • Controle pré-operatório: o exame clínico inclui: acuidade visual; registros da mobilidade ocular, se indicado; exame do globo ocular; tomografia computadorizada coronal/ axial é útil. É aceito que a cirurgia deva ser realizada imediatamente ou de 5 a 6 dias pós-trauma; • Redução fechada: indicada para fraturas não cominutivas que são estáveis após a redução. Podem ser utilizados o acesso temporal de Gillies et al.4; o percutâneo de Hook5; o acesso pelo sulco vestibular superior usando o elevador de Taylor Monks6; o acesso coronóide lateral7; fixação externa8; • Redução aberta: indicada para fraturas potencialmente instáveis ou instáveis; • Tipos de incisão: sobrancelha/blefaroplastia superior9; blefaroplastia/subciliar10,11; cantotomia lateral transconjuntival 12; hemicoronal 13, bicoronal 14; acesso ao arco zigomático através do retalho temporal4; • Métodos de fixação: miniplacas15; placas reabsorvíveis16; • Anestesia: geralmente intubação oral; • Medicação pré-operatória pode incluir: pré-medicação convencional, antiemética e sedativa; drogas antiinflamatórias não-esteroidais para analgesia e redução do edema periorbital; esteróides (Dexametasona/Solumedrol), particularmente valiosos na redução do edema periorbitário; antibióticos administrados com pré-medicação ou intra venosamente. Tratamento das Fraturas Zigomáticas3 Definição As fraturas envolvendo o complexo zigomático abrangem o zigoma e os ossos adjacentes, incluindo maxila, frontal e osso temporal. As fraturas são classificadas de acordo com o grau de cominução, se ou não compostas, o local das fraturas e a direção e grau de deslocamento. RELATO DO CASO Paciente adulto, do gênero masculino, foi acometido de traumatismo facial sobre o lado esquerdo de sua face, sem comprometimentos outros que afetassem seu estado geral (Figura 1). Ele foi imediatamente removido do local do acidente e encaminhado para o nosso Serviço. Exame físicoclínico não revelou restrições dos movimentos oculares. O exame de imagens, realizado por meio de radiografia de Waters e tomografia computadorizada (Figura 2), revelou diástases nas suturas frontozigomática e maxilozigomática, sem herniamento do conteúdo orbitário. Anderson & Poole17 relatam a importância da investigação do soalho da órbita, uma vez que a tomografia pode falhar, não demonstrando o traço de fratura, podendo o paciente apresentar restrições da fisiologia ocular. Indicações para Tratamento São indicações para o tratamento: sinais clínicos consistentes com fratura zigomática; evidência radiográfica da fratura; déficit nervoso sensitivo; limitação de abertura mandibular e/ou excursão lateral; disfunção ocular; deformidade facial. Objetivos do Tratamento Os objetivos do tratamento incluem: restauração da forma facial; restauração da função nervosa sensitiva Rev Bras Cir Craniomaxilofac 2010; 13(2): 118-22 119 Oliveira JAGP & Soares MJ as placas aos cotos. Após serem moldadas, as placas devem permanecer sobre a mesa cirúrgica até o uso. Os orifícios foram preparados e macheados utilizando o “kit” de machos, para inserir os parafusos bioabsorvíveis. A fixação foi realizada com parafusos de 2,2 mm de diâmetro (Figura 5). Após extubação e transferência do paciente para a sala de recuperação anestésica (RPA), a cabeça do paciente é elevada 30º para prevenção do edema. Figura 1 – Traumatismo zigomático. Figura 3 – Acesso à sutura frontozigomática. Figura 2 – Tomografia computadorizada evidenciando diástase. Figura 4 – Colocação de placa bioabsorvível. Transoperatório A redução da fratura e fixação com implantes bioabsorvíveis é muito eficaz quando há deslocamento do zigoma com acentuada instabilidade. No presente caso, notamos diástases nas suturas frontozigomática e maxilozigomática, necessitando assim de fixação. Inicialmente, realizamos a redução e a osteossíntese na sutura frontozigomática (Figuras 3 e 4), através de uma incisão de 1,5 cm, na região supraciliar lateral. Uma vez exposta a fratura, nós a reduzimos através de um gancho de Ginestet, colocado por intermédio de uma incisão puntiforme na pele, na altura da borda inferior do zigoma; perfuramos os cotos ósseos e os fixamos com uma placa reta e parafusos bioabsorvíveis de 2,2 mm de diâmetro. A seguir, procedemos à osteossíntese da sutura maxilozigomática, através de uma incisão blefaroplástica. Exposto o foco da fratura, aspiramos o hematoma intrasinusal e, uma vez reduzida a fratura, adaptamos uma placa curva. As placas bioabsorvíveis foram aquecidas por 15 segundos e adaptadas aos locais cirúrgicos usando pressão digital para ajustá-las à anatomia do paciente, através de guias. O cirurgião tem aproximadamente 10 segundos para acomodar Figura 5 – Síntese da sutura maxilozigomática. Rev Bras Cir Craniomaxilofac 2010; 13(2): 118-22 120 Fixação bioabsorvível nas fraturas zigomáticas Cuidados Pós-Operatórios e Permanência Hospitalar Após a liberação da RPA, o paciente foi submetido ao exame de imagens para confirmar a correção cirúrgica (Figura 6). O material bioabsorvível não é visível nas radiografias. O cirurgião deverá determinar um seguimento pós-operatório de acordo com cada caso (Figuras 7 e 8). Colírios à base de cloranfenicol, observações oculares, antibióticos/esteróides e evitar assuar o nariz são alguns dos cuidados a serem tomados. DISCUSSÃO A fixação bioabsorvível tem sido investigada e documentada para uso em Cirurgia Maxilofacial desde os anos 70. O primeiro método para uso clínico aprovado pela US Food and Drug Administration - FDA, em 1996, foi um ácido poliglicólico e um copolímero de ácido polilático. Os materiais usados como implantes bioabsorvíveis sofrem um processo de hidrólise. A água diminui a integridade dos implantes; dessa forma, a hidrólise torna os implantes mais bioabsorvíveis. Células especializadas conhecidas como macrófagos livram o corpo dos implantes do dióxido de carbono e a água recomeça o mecanismo fisiológico normal a nível celular, via ciclo de Krebs. Implantes absorvíveis são não-piogênicos, não-tóxicos, não-mutagênicos e nãoirritantes2. Os avanços na tecnologia dos polímeros bioabsorvíveis têm produzido implantes bioabsorvíveis que contornam alguns dos problemas associados com os implantes metálicos tradicionais. As limitações baseadas na força dos polímeros podem ser superadas por um desenho criterioso do implante. A facilidade de maleabilidade é um benefício considerável. A absorção esperada gira em torno de um ano. Isso permite a não palpação das placas ou cabeças de parafusos, como uma queixa comum de muitos pacientes. Em casos mais complexos, por exemplo, uma reconstrução de soalho orbitário, uma malha é formatada para o defeito em questão. De acordo com Abernathy et al.2, as vantagens do uso dessa tecnologia bioabsorvível incluem: a) facilidade de corte e formatação das placas devido às suas características de maleabilidade; b) ótima qualidade e absorção predictível, e c) expectativa e aceitação do paciente melhoradas. Princípios fundamentados dos implantes metálicos necessitam ser reavaliados à luz da natureza temporária dos implantes bioabsorvíveis. As pesquisas realizadas e os avanços atuais permitem nos antever um futuro promissor18. Figura 6 – Tomografia computadorizada pós-operatória. Figura 7 – Pós-operatório após 2 semanas. CONSIDERAÇÕES FINAIS O Delta System é capaz de obter uma absorção predictível em um tempo clínico aproximado de 12 meses. Essa tecnologia é particularmente útil para os pacientes pediátricos, mas também é altamente efetiva em adolescentes e adultos. 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Artigo recebido: 29/1/2010 Artigo aceito: 3/3/2010 Rev Bras Cir Craniomaxilofac 2010; 13(2): 118-22 122