Castro e Silva LM et al. RELATO DE CASO Utilização do endoscópio no tratamento das fraturas condilares Endoscopically assisted treatment of condylar fractures Lucas Martins de Castro e Silva1, Bruno Henrique Alonso da Luz2, Rafael Alves de Miranda3, Roberto Moreno4, Sérgio Luis de Miranda5 RESUMO ABSTRACT O tratamento das fraturas condilares continua sendo um tópico bastante discutido na literatura. O tratamento cirúrgico apresenta como desvantagem a possibilidade de complicações pós-operatórias. A utilização da cirurgia minimamente invasiva por meio do endoscópio no tratamento dessas fraturas tem sido preconizada nos últimos anos. Este trabalho objetiva apresentar um caso de fratura condilar tratado por abordagem cirúrgica com o uso da cirurgia endoscópica e descrever as vantagens do uso desse dispositivo nesse tipo de procedimento. The treatment of condylar fractures remains a topic widely discussed in literature. Surgical treatment has the disadvantage of the possibility of postoperative complications. The use of minimally invasive surgery through the endoscope in the treatment of these fractures has been advocated in recent years. This study presents a case of condylar fracture treated by a surgical approach with the use of endoscopic surgery and describe the advantages of using this device in this type of procedure. Descritores: Fixação de fratura. Mandíbula. Côndilo mandibular. Keywords: Fracture fixation. Mandible. Mandibular condyle. 1.Cirurgião-dentista, Especialista em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilo-facial (CTBMF), Mestre em CTBMF pela UNICAMP, Assistente do Serviço de Cirurgia Craniomaxilofacial do Hospital Albert Einstein, São Paulo, SP, Brasil. 2.Cirurgião-dentista, estagiário do Serviço de Cirurgia Craniomaxilofacial do Hospital Albert Einstein, São Paulo, SP, Brasil. 3.Cirurgião-dentista, Especialista em CTBMF, Assistente do Serviço de Cirurgia Craniomaxilofacial do Hospital Albert Einstein, São Paulo, SP, Brasil. 4.Cirurgião-dentista, Especialista em CTBMF, Mestre pela Escola Paulista de Medicina/UNIFESP, Assistente do Serviço de Cirurgia Craniomaxilofacial do Hospital Albert Einstein, São Paulo, SP, Brasil. 5. Cirurgião-dentista, Médico, Especialista em Craniomaxilofacial, Mestre e Doutor pela Escola Paulista de Medicina/UNIFESP, Chefe do Serviço de Cirurgia Craniomaxilofacial do Hospital Albert Einstein, São Paulo, SP, Brasil. Correspondência: Lucas Martins de Castro e Silva Rua Gomes de Carvalho, 1666 sl 112 – São Paulo, SP, Brasil – CEP 04547-006 E-mail: [email protected] Rev Bras Cir Craniomaxilofac 2012; 15(1): 42-4 42 Utilização do endoscópio no tratamento das fraturas condilares Uma incisão na mucosa foi realizada na região posterior da mandíbula do lado esquerdo, próximo à linha oblíqua externa da mandíbula. Foi executado descolamento extenso até a região posterior do ramo mandibular e utilizados retratores, que permitiram visualização ampla do campo cirúrgico. Foi introduzida pelo acesso intrabucal uma cânula de endoscópio de 4 mm de diâmetro e 30º (Karl Storz®), que permitiu a visualização do traço de fratura (Figura 2). Após a redução da fratura, foram instaladas e fixadas com parafusos de 8 mm duas placas do sistema 2.0 (WLorenz®) por meio de um dispositivo transbucal, garantindo completa estabilidade da fratura. Tanto a redução da fratura quanto a fixação da fratura foram videoassistidas com o uso do endoscópio. O paciente recebeu alta hospitalar no dia seguinte ao procedimento, com a utilização de elásticos instalados nos parafusos de fixação intermaxilar, que favoreceram a estabilidade oclusal pós-operatória. Após 15 dias, foram removidos os elásticos e o paciente apresentava oclusão satisfatória. O paciente encontra-se em acompanhamento pós-operatório de 4 meses, período no qual não foi observado nenhuma complicação pós-operatória com o uso dessa técnica (Figura 3). INTRODUÇÃO A mandíbula é o segundo osso do esqueleto maxilofacial mais comumente fraturado, em decorrência de sua localização e proeminência. O tipo e a região das fraturas são determinados pelo mecanismo da lesão e pela direção dos vetores de força. Além disso, a idade do paciente, a dentição e as propriedades físico-mecânicas do agente causador também possuem efeito direto no padrão de fratura. Muitos desses traumas acabam por afetar indiretamente o côndilo mandibular, visto a fragilidade do colo mandibular comparada às estruturas adjacentes. As fraturas condilares representam de 21% a 52% de todas as fraturas mandibulares1,2. Problemas podem ocorrer se o tratamento não for realizado adequadamente, como dor crônica, má-oclusão, mordida aberta anterior, limitação de abertura bucal e anquilose3-6. Duas formas de tratamento são amplamente relatadas e discutidas na literatura: o tratamento conservador (fechado) e o tratamento cirúrgico (aberto), sendo as duas formas adequadas, porém apresentando vantagens e desvantagens6-8. As principais complicações do tratamento cirúrgico são a possibilidade de lesão do nervo facial, infecções, hemorragias, disfunção do nervo aurículo-temporal e cicatrizes na face4,9-11. Nos últimos anos, a cirurgia minimamente invasiva tem se tornado uma tendência. Vem sendo utilizada no tratamento das fraturas condilares, por meio da cirurgia assistida endoscopicamente. Essa técnica visa diminuir as possíveis complicações associadas ao tratamento aberto, sendo uma nova opção de tratamento para o cirurgião12-15. Este trabalho objetiva apresentar um caso de fratura condilar tratado por abordagem cirúrgica com o uso da cirurgia endoscópica e descrever as vantagens do uso desse dispositivo nesse tipo de procedimento. Figura 1 – Tomografia computadorizada com corte coronal demonstrando fatura baixa em côndilo esquerdo. RELATO DO CASO Paciente R.F.M., 25 anos, atendido na emergência do Hospital Israelita Albert Einstein (São Paulo, SP) pela equipe de Cirurgia Craniomaxilofacial deste hospital devido a trauma de face. O paciente foi vítima de acidente automobilístico e apresentava ao exame clínico e tomográfico limitação de abertura bucal (25 mm), desvio para a esquerda durante a abertura bucal, má-oclusão, dor à palpação na região condilar esquerda e laceração em região mentual. À tomografia computadorizada, observava-se uma solução de continuidade na região do colo do côndilo esquerdo com deslocamento (Figura 1). O diagnóstico estabelecido foi de fratura baixa de côndilo esquerdo, com deslocamento. Como planejamento cirúrgico foi proposta a redução cirúrgica aberta com uso do endoscópio, por acesso intrabucal. O procedimento foi realizado no dia seguinte ao trauma em ambiente hospitalar, sob anestesia geral. Infiltrou-se xilocaína 2% com adrenalina 1:200.000 na região de trígono retromolar do lado esquerdo e uma técnica troncular do nervo alveolar inferior bem alta que favorecesse uma hemostasia adequada durante o transoperatório e uma analgesia no pós-operatório imediato. Foram instalados 6 parafusos de fixação intermaxilar (WLorenz®) na mucosa bucal, que permitissem bloqueio maxilo-mandibular transoperatório e utilização de elásticos no pós-operatório. Figura 2 – Visualização da fratura condilar por via endoscópica. Rev Bras Cir Craniomaxilofac 2012; 15(1): 42-4 43 Castro e Silva LM et al. desejo de minimizar as cicatrizes e outras complicações associadas ao tratamento cirúrgico levou à tentativa de buscar técnicas minimamente invasivas, como a abordagem endoscópica. Para a realização dessa técnica, é necessária uma curva de aprendizado para o correto manuseio do endoscópio, tanto pelo cirurgião quanto por sua equipe14,15. No início, os procedimentos utilizando tal dispositivo são mais longos, quando comparados aos com acesso extrabucal convencional, porém, com o avançar do tempo, há diminuição do tempo cirúrgico, a qual está diretamente relacionada à melhora no manejo do endoscópio. Figura 3 – Tomografia com reconstrução 3D no pós-operatório de 4 meses. CONCLUSÃO A utilização da cirurgia endoscópica nas fraturas condilares permite visualização e redução adequada da fratura e evita as complicações associadas à técnica aberta, podendo ser utilizada em todos os casos em que o procedimento cirúrgico seja indicado. DISCUSSÃO REFERÊNCIAS A escolha do tipo de tratamento a ser adotado nas fraturas condilares continua sendo bastante controversa. Alguns estudos demonstram bons resultados do tratamento fechado, porém outros mostram desvantagens dessa técnica quando comparada ao tratamento cirúrgico. Danda et al.3 não observaram diferença clínica significativa entre o tratamento aberto ou fechado, porém a redução anatômica da fratura nos casos cirúrgicos foi obtida com maior êxito. Haug e Assael7 reportaram que há poucas diferenças nos resultados de pacientes tratados com o método aberto e fechado em longo prazo, portanto, o tratamento fechado, sempre que possível, deve ser o escolhido, no entanto, a redução aberta demonstra redução anatômica melhor se comparada à técnica incruenta. Indica-se a cirurgia aberta em pacientes que apresentam fraturas condilares baixas com deslocamento e queixa de alteração da oclusão. Com a utilização do tratamento aberto por meio do endoscópio, conseguiu-se obter as vantagens da fixação interna estável e evitaram-se as desvantagens desse tipo de tratamento, como a lesão ao nervo facial e cicatrizes na face. Pilling et al.13 avaliaram os diferentes tipos de fixações internas rígidas que existem para fraturas de côndilo e concluíram que a fixação funcionalmente estável permite a reabilitação precoce das articulações, função ao paciente e reparo primário da fratura. Portanto, é necessário selecionar um sistema que possua o máximo de estabilidade, porém com o mínimo de trauma durante sua inserção. Sempre que a anatomia do côndilo e a fratura permitam, preconiza-se a utilização de duas placas do sistema 2.0, que permitem maior estabilidade dos cotos fraturados e evitam futuras complicações, como má-união ou não-união. Chen et al.2 utilizaram a técnica cirúrgica assistida via endoscópio em 61 de pacientes. As abordagens foram feitas com o endoscópio inserido por acesso intrabucal. Todas as fraturas foram reduzidas e fixadas com placas do sistema 2.0. Após acompanhamento pós-operatório, os autores observaram que todos os pacientes alcançaram resultados satisfatórios, sem complicações. Dentre as complicações do tratamento aberto estão a lesão ao nervo facial e as cicatrizes na face. A literatura demonstra que o 1.Caubi AF, Coutinho MF, Lima AS, Pungs MS, Simões KC. Fraturas do côndilo: métodos de tratamento mais preconizados. 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