A efectiva contribuição da climatização para a poluição ambiental por L. Roriz Efeitos dos diferentes fluidos e actuais tendências na sua utilização Discutir a efectiva contribuição da climatização para a poluição ambiental tem relevância, na altura em que a venda de novo equipamento utilizando HCFCs está proibido /1/ e que a Comissão Europeia se prepara para impor futuras restrições ao uso dos HFCs /2/. E isto passados menos de 10 anos após ter sido proibido o uso de CFCs /3/. A importância da discussão é clara, quando é escrito, como uma das actuações da CE: “Incentivar o desenvolvimento de alternativas mais respeitadoras do ambiente e tecnicamente realizáveis, incluindo o estabelecimento de medidas comunitárias, para reduzir as emissões, eliminar progressivamente a produção, quando adequado e exequível, e reduzir a utilização de gases industriais fluorados HFC”. Os efeitos que tal medida trará não podem ser determinados com rigor, apenas podendo ser feitas meras hipóteses sobre as consequências de mais uma restrição ao uso de fluidos frigorigéneos, num período de tempo inferior a uma década, ou seja, inferior ao período de vida média duma instalação de climatização. Para já fica uma certeza: a CE está a tomar as medidas necessárias para que todos os Estados-Membros cumpram a directiva no que respeita à não utilização dos HCFCs e BFCs nos sistemas de produção de frio, mas não tomou medidas para garantir que os Estados-Membros criassem actuações no sentido de ajudar à substituição do equipamento (e este aspecto estava também contemplado na Directiva, no seu preâmbulo, ao ser indicado que: “A transição para novas tecnologias ou para produtos alternativos, na sequência do abandono gradual da produção e utilização de substâncias regulamentadas, pode causar dificuldades sobretudo às pequenas e médias empresas (PME). Os Estados-Membros devem, por conseguinte, examinar a possibilidade de conceder ajudas especificamente destinadas a permitir às PME a introdução das mudanças necessárias”). No aspecto ambiental, o ar condicionado é penalizado, face à forma como têm vindo a ser elaborada alguma da regulamentação comunitária. Os diferentes fluidos proibidos nas directivas 3093/1994 e 2037/2000 não são apenas os utilizados no ar condicionado e na refrigeração. Outros fluidos incluídos nestas directivas eram usados na agricultura, na industria (solventes e espumas) e enchimento de extintores de incêndio. Todos estes são de uso por perda total. A contabilização da perda associada ao uso da climatização em edifícios nunca foi efectuada de forma cuidada. Para determinar os efeitos ambientais dos halogenados, usaram-se valores gerais para ponderar os efeitos da refrigeração e do ar condicionado, incluíram-se as perdas devidas ao ar condicionado nos transportes (que naturalmente apresentam valores percentuais de perda da carga do fluido superiores ao dum sistema instalado numa habitação), não se distinguindo como e onde eram usados os diferentes fluidos. A não aceitação por parte de alguns Países industrializados (USA, Japão) de deixar de fabricar equipamento usando HCFCs (R123 e em especial o R22), reduz fortemente o impacto da Directiva 2037/2000 a nível do Planeta. Ao longo da vida útil duma instalação, o forte peso (na poluição ambiente) do consumo energético dessa instalação comparativamente com o peso resultante das fugas da instalação, leva a que a proibição do uso de alguns fluidos devesse ter sido encarada de forma distinta. A utilização de soluções menos eficientes energeticamente, devido à alteração de fluido utilizado (o R11 e o R123 são termodinamicamente eficientes num ciclo frigorífico de compressão de vapor), conduzem indirectamente ao aumento da poluição (e maior aquecimento global) devido ao maior consumo de energia fóssil que produziu a electricidade consumida pela instalação. Este aspecto parece não ter sido considerado ao proibirem-se todos os HCFCs em vez de se optar por uma interdição caso a caso. A tabela 1 dá os parâmetros de funcionamento dum ciclo frigorífico de compressão de vapor funcionando com temperatura de evaporação e de condensação de 2ºC e 42ºC, respectivamente, com subarrefecimento de 3K e sobreaquecimento de 5K e com um rendimento de compressão isentrópica de 0,85. Os valores foram obtidos utilizando o Engineering Equation Solver da F-Chart. Na tabela estão incluídos CFCs que foram proibidos a partir de 1995 e HCFCs que estão em fase de ser totalmente proibidos (até 2009). Fluido EER Pe (kPa) Pc (kPa) CFC11 5,27 44 185 CFC12 4,93 329 1008 CFC123 5,16 36 165 HCFC22 4,83 531 1610 HFC134a 4,85 315 1073 R407C (HFC) 2,33 488 1601 R410A (HFC) 4,53 848 2529 Tabela 1 – Pressões de funcionamento e EER num ciclo trabalhando a 2ºC/42ºC com subarrefecimento de 3K, sobreaquecimento de 5K e ηs =0,85 Com base nos valores da Tabela 1 pode determinar-se o TEWI para os diferentes casos. Considera-se que a carga de fluido é de 4,1kg e a percentagem de fugas é semelhante, excepto quando as pressões de funcionamento são inferiores à pressão atmosférica (caso do R11 e do R123) ou superior a 20 atm (caso do R410A). Considera-se um tempo de vida útil da instalação de 13 anos /4/, uma emissão de 0,6kg CO2/kWh associada à produção de electricidade, e um factor de recuperação na reciclagem de 0,75. Fugas TEWIdir TEWIind TEWItot GWP (%) (kgCO2) (kgCO2) (kgCO2) R11 9 3800 22124 184939 207063 R12 8 8100 42841 197809 240650 R22 8 1500 7934 201947 209880 R123 10 90 572 189063 189635 R134a 8 1300 6876 201197 208073 R407C 8 1530 8092 417738 425830 R410A 9 1730 10072 215327 225399 Tabela 2 – Valores de TEWI directo, indirecto e total para o ciclo de vida da instalação Fluido Os valores do TEWI directo, indirecto e total são os indicados na tabela 2. Observa-se que a solução que menos afecta o aquecimento global é a que utiliza o R123 cuja utilização já está restringida dado ser um HCFC. A solução que mais afecta o aquecimento global é a que utiliza o R407C para o qual não existem restrições de utilização. Observa-se também que, em termos de aquecimento global, as soluções usando R11, R22 e R134a são semelhantes. Para estes fluidos, só não existem restrições de utilização para o R134a. É também importante ver o peso que o fluido tem no aquecimento global (TEWI directo), comparado com o peso associado ao consumo de energia eléctrica (TEWI indirecto). Este aspecto tem significado no caso dos CFCs, em que é superior a 10%, atingindo 18% par o caso do R12. Para os HCFCs e HFCs o valor é inferior a 5%. O efeito da perda de fluido frigorigéneo é mínimo no caso do R123, sendo a contribuição directa do fluido para o TEWI total inferior a 1%. Caso se considere um tempo de vida útil da instalação superior a 13 anos, o peso percentual das fugas de fluido no TEWI total diminuirá. O impacto ambiental está sobretudo na utilização de electricidade, ou mais especificamente, nas emissões de CO2 resultantes da queima de combustíveis fósseis nas centrais clássicas para produzir essa electricidade. Apenas uma alteração no tipo de produção de energia eléctrica (maior uso de centrais nucleares, de pilhas de combustível ou de renováveis), reduzindo a valor médio de emissões de CO2/kWh permitirá reduzir de forma sensível a importância do TEWI indirecto. Naturalmente que no respeitante ao impacto sobre a camada de ozono, o efeito dos CFCs R11 e R12 é muito superior à dos HCFCs, como se pode ver na tabela 3. A tabela indica o valor do ODP total, contabilizando os efeitos das fugas e da recuperação na reciclagem de forma idêntica à usada para o cálculo do TEWI directo. Fluido ODP ODP tot R11 1,0 5,82 R12 0,82 4,34 R22 0,05 0,26 R123 0,014 0,09 R134a 0 0 R407C 0 0 R410A 0 0 Tabela 3 – Valores do ODP para o ciclo de vida da instalação Caso fosse usado um dos HCs actualmente já utilizado em alguns sistemas frigoríficos, obtém-se um ciclo frigorífico com uma eficiência semelhante à que tem lugar utilizando HFCs, mas inferior à que ocorre com alguns dos fluidos halogenados (HCFC123, pe), como se pode ver comparando a tabela 1 com a tabela 4, onde estão indicados os resultados que se obteriam usando R290 (propano) e R600 (isobutano), num ciclo idêntico ao utilizado para a construção da tabela 1. TEWIdir TEWIind TEWItot (kgCO2) (kgCO2) (kgCO2) HC290 4,76 504 1434 8 47 204918 204965 HC600a 4,91 169 557 8 47 198574 198621 Tabela 4 – Pressões de funcionamento, EER e valores de TEWI directo, indirecto e total Fluido EER Pe (kPa) Pc (kPa) GWP Comparando as tabelas 2 e 4, tem-se que, em termos de efeito ambiental, o menos gravoso seria o R123 (que tem um efeito quase nulo sobre a destruição da camada de ozono). Todos os HCFCs, HFCs (com excepção do R407C) e HCs apresentam valores muito semelhantes em termos do TEWI total. O valor médio para os casos indicados é de 206 x 103, com o máximo para o R410A (9% superior) e o mínimo para o R123 (8% inferior). Desta forma a argumentação de que os HCs são melhores em termos ambientais, carece de fundamento. Usar apenas os valores de TEWI directo é incorrecto e a comparação dos diferentes fluidos fica fortemente dependente dos valores utilizados para o GWP desses fluidos, já que ocorrem diferenças muito superiores a 10% em diversos casos. A título de exemplo, podem encontrar-se na informação técnica valores de GWP entre 3 e 20 para o R290. A substituição dos halogenados por combustíveis A razão das actuais pressões no sentido de gradualmente substituir os halogenados por combustíveis, deverá ser explicada por motivos distintos dos dum altruísmo ambiental. E são facilmente compreensíveis os motivos que levam a esta situação, se se atender ao peso económico que representa o uso de fluidos frigorigéneos na climatização, quer nos edifícios quer nos transportes rodoviários, em particular na industria automóvel. Os combustíveis já entraram na industria do frio doméstico. Utilizando a publicidade de ser utilizado um “fluido amigo do ambiente”, passaram a ser comercializados em toda a UE aparelhos de frio doméstico utilizando um combustível como fluido. Mas não foi dito ao potencial utilizador que passou a ter um em casa um perigo de explosão para concentrações de 1,5% (para o R600a) e 2,1% (para o R290) em caso de fuga do gás do aparelho de frio. E face ao acima exposto, essa publicitada “amizade” é idêntica, em termos de efeito sobre o buraco do ozono, e semelhante, em termos de aquecimento global, à de diversos HFCs. Mas ao apresentar a alteração de fluido como uma medida ambiental, foi dado um passo importante para generalizar o uso de HCs na produção de frio. A acção da EPEE (European Parnership for Energy and the Environment) parece não ter conseguido os seus objectivos: ao publicar a decisão 1600/2002, a Comissão mostrou não estar convencida que os HFCs são a melhor alternativa aos HCFCS (comparada com a de se utilizar os HCs). A batalha na interdição de HFCs ou de HCs nas diferentes aplicações estará mais nas mãos das Petrolíferas contra as Químicas. Não está nas mãos dos ambientalistas (muitos deles tendo um conhecimento quase nulo de climatização e de refrigeração), nem sequer dos Governos, embora naturalmente todos possam ser usados no interesse de umas e de outras. A vitória em eliminar os HFCs traduzir-se-á num aumento de lucros dum tipo de multinacionais em detrimento doutro tipo de multinacionais. Poderá dar uma alegria a ambientalistas que não sabem a diferença entre um sistema de perda total e um sistema directo, que vêm toda a carga de fluido duma instalação como contribuindo para o aquecimento global e consideram os HFCs como uma grave ameaça ambiental. Servirá os políticos, pois estes darão uma imagem ao público em geral (que na esmagadora maioria desconhece os reais efeitos duma ou de outra solução) de estarem preocupados com o futuro do nosso Planeta. Mas, nas condições actuais, não trará uma alteração ao problema do aquecimento global. O travar o aquecimento global passa por outro tipo de acções: no domínio dos transportes, da transformação de energia (produção de energia eléctrica), das energias renováveis e alternativas, por exemplo. A eventual interdição do uso dos HFCs, sobretudo se tiver lugar a curto prazo, terá impacto não no aquecimento global, mas no mercado do ar condicionado. Referências /1/ Directiva 2037/2000/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 29 de Junho de 2000 relativa às substâncias que empobrecem a camada de ozono /2/ Decisão 1600/2002/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 2002 relativa ao sexto programa comunitário de acção em matéria de Ambiente /3/ Directiva 3093/1994/CE do Conselho de 15 de Dezembro de 1994 relativa às substâncias que empobrecem a camada de ozono /4/ Determining the potential in energy and environmental effects reduction of air conditioning systems – Final report, Save project XVII/4.1031/Z/99-203, 2001