Luiz Francisco Rocha e Silva

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS
FUNDAÇÃO DE MEDICINA TROPICAL DO AMAZONAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MEDICINA TROPICAL
MESTRADO EM DOENÇAS TROPICAIS E INFECCIOSAS
SUSCEPTIBILIDADE IN VITRO DE ISOLADOS DE CAMPO DE Plasmodium
falciparum Á INFUSÃO (CHÁ) DE Artemisia annua CULTIVADA NA REGIÃO
AMAZÔNICA
LUIZ FRANCISCO ROCHA E SILVA
MANAUS
2009
i
LUIZ FRANCISCO ROCHA E SILVA
SUSCEPTIBILIDADE IN VITRO DE ISOLADOS DE CAMPO DE Plasmodium
falciparum Á INFUSÃO (CHÁ) DE Artemisia annua CULTIVADA NA REGIÃO
AMAZÔNICA
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Medicina Tropical da
Universidade do Estado do Amazonas em
Convênio com a Fundação de Medicina
Tropical do Amazonas, para a obtenção do
título de Mestre em Doenças Tropicais e
Infecciosas.
Orientador : Prof. Pedro Paulo Ribeiro Vieira, PhD
Co-orientador: Prof. Adrian Martin Pohlit, PhD
MANAUS
2009
Ficha Catalográfica
S586s
Silva, Luiz Francisco Rocha e
Susceptibilidade in vitro de isolados de campo de
Plasmodium falciparum à infusão (chá) de Artemisia annua
cultivada na Região Amazonica. / Luiz Francisco Rocha e Silva
-- Manaus: Universidade do Estado do Amazonas, 2009.
Xiv, 74f. : il.
Dissertação (Mestrado) - Universidade do Estado
Amazonas - Programa de Pós-Graduação em Medicina
Tropical – UEA/FMT, 2009. Orientador: Prof. Dr. Pedro
Paulo Ribeiro Vieira.
1. Malaria 2. Plasmodium falciparum 3.Artemisia annua L.
I. Titulo
CDU:616.92
Ficha catalográfica elaborada por
Maria Eliana N. Silva – CRB- 11/248
ii
FOLHA DE JULGAMENTO
SUSCEPTIBILIDADE IN VITRO DE ISOLADOS DE CAMPO DE
Plasmodium falciparum Á INFUSÃO (CHÁ) DE Artemisia annua
CULTIVADA NA REGIÃO AMAZÔNICA
LUIZ FRANCISCO ROCHA E SILVA
“Esta Dissertação foi julgada adequada para obtenção do Título de Mestre em
Doenças Tropicais e Infecciosas, aprovada em sua forma final pelo Programa
de Pós-Graduação em Medicina Tropical da Universidade do Estado do
Amazonas em convênio com a Fundação de Medicina Tropical do Amazonas”.
Banca Julgadora:
______________________________
Prof. Dr. Pedro Paulo Ribeiro Vieira
Presidente
__________________________________
Prof. Dr. Valter Ferreira de Andrade Neto
Membro
_______________________________
Prof. Dr. João Vicente Braga de Souza
Membro
iii
À Dijane, Luiz Daniel, Maria Luiza e
aos povos da Amazônia
iv
AGRADECIMENTOS
Á Deus, Criador e Mantenedor de todas as coisas, por tudo o que Ele fez por
mim durante a realização de mais este objetivo.
Este trabalho foi realizado em sua maior parte na Fundação de Medicina
Tropical Dr. Heitor Vieira Dourado (FMT-HVD) e foi financiado pelo projeto: “Estudo
multidisciplinar do Chá padronizado de Artemisia annua sobre cepas clínicas
regionais de Plasmodium spp. a partir do cultivo da planta em escala comunitária em
três ecos-sistemas Amazônicos,” e foi financiado pelo CNPq (Edital MCT- CNPq /
MS-SCTIE-DECIT – Nº 25/2006). Para sua realização foi fundamental o apoio e
colaboração de diversas pessoas e instituições, ás quais desejo expressar os meus
sinceros agradecimentos:
Ao Professor Doutor Pedro Paulo Ribeiro Vieira, Pesquisador da Fundação de
Medicina Tropical do Amazonas, pela orientação deste trabalho bem como por todo
o apoio, paciência e disponibilidade, os quais foram fundamentais para sua
realização.
Á Doutora Mônica Regina Farias Costa, Gerente da Gerência de Malária da
Fundação de Medicina Tropical do Amazonas, juntamente com toda a sua equipe de
pesquisadores, técnicos e demais funcionários, pelo apoio logístico na Fundação.
Aos Professores Doutores Pedro Melillo de Magalhães(UNICAP-SP), Adrian
M. Pohlit (INPA) e Francisco Célio Cruz (EMBRAPA-AM) e instituições ás quais
fazem parte, pela coordenação do projeto maior e apoio á realização deste trabalho.
Ás bolsistas Michele Ferreira, Valdelice H. Salgado, Michele Rodrigues e Ana
Lúcia Silva, pelo apoio e disponibilidade e auxílio nos os estudos experimentais aqui
descritos .
À Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado do Amazonas FAPEAM pela
concessão da bolsa de estudos através do programa RH-INTERIORIZAÇÃO.
v
Á Comissão Organizadora dos Seminários Laveram & Deane pela importante
colaboração no delineamento da pesquisa.
Á Dra. Maria das Graças Vale Barbosa, Coordenadora do Programa de PósGraduação em Medicina Tropical (PPGMT) da Universidade do Estado do
Amazonas, e sua equipe, pela disponibilidade e colaboração.
Aos meus pais: Luiz Francisco e Elane Rocha; Irmaos: Luiz Bruno e Luane; e
filhos Luiz Daniel e Maria Luiza, pelo apoio incondicional, á eles devo a realização
de mais este objetivo.
À Dijane....
vi
“O temor do Senhor é o princípio da
sabedoria”. Provérbios 9:10
vii
RESUMO
A Artemisia annua é uma planta de origem chinesa, que é utilizada a mais de 2000
anos para o tratamento de febre e malária. Das suas folhas é isolada a artemisinina,
a principal droga utilizada para tratar cepas multi-resistentes de Plasmodium
falciparum. O presente trabalho avaliou a suscetibilidade in vitro de isolados de
campo amazônicos de P. falciparum à infusão de A. annua proveniente de cultivo
em três ecos-sistemas amazônicos: várzea, terra preta de índio e terra firme. Foi
utilizado, também, um hibrido cultivado em Paulínia, São Paulo. O material vegetal
seco e pulverizado foi caracterizado quanto ao teor de artemisinina por
cromatografia em camada delgada (CCD)-fotodensitometria. A infusão foi preparada
na proporção de 5g de folhas secas, para 1L de água fervente. Para o teste in vitro
foram utilizadas as cepas padronizadas de P. falciparum K1(resistente à cloroquina,
CQR) e Dd2 (sensível a cloroquina, CQS), e nove isolados de campo da cidade de
Manaus-AM, previamente estabilizados em cultivo contínuo. Os parasitas foram
cultivados como descrito por Trager & Jensen (1976) e testados in vitro frente a sete
diluições da infusão de A. annua dos ecos-sistemas amazônicos e de Paulínia. As
diluições da infusão utilizadas nos ensaios variaram de 1:10 a 1:1,5×105. Foi
avaliada também a suscetibilidade dos isolados frente as drogas antimaláricas
cloroquina, quinina e artemisinina. O teor de artemisinina nas folhas foi de
1,13±0,05; 1,1±0,07; 0,9±0,1 e 0,9±0,1% (m/m), para as plantas cultivadas em
Paulinia, terra preta, terra firme e várzea respectivamente. A concentração de
artemisinina nas infusões das quatro plantas variou entre 40 e 46mg/L. Os isolados
de campo de P. falciparum apresentaram médias de concentração de inibição (CI 50 )
de 268±129, 172±40 e 2,1±1nM frente à cloroquina, a quinina e a artemisinina,
respectivamente, sendo todos os isolados de campo considerados resistentes à
cloroquina e sensíveis à quinina e à artemisinina. As médias de CI 50 das infusões
frente aos isolados de campo de P. falciparum foram de 0,11±0,03; 0,11±0,02;
0,13±0,1 e 0,14±0,04μL/mL (μL de infusão por mL de meio de cultura) para as
infusões preparadas a partir de planta cultivada em Paulinia, na terra preta de índio,
na terra firme e na várzea, respectivamente. Não houve diferença significativa nas
respostas (CI 50 ) dos isolados de campo frente aos chás das plantas de diferentes
origens. Também, não houve diferença significativa no perfil de suscetibilidade entre
os isolados de campo para cada chá. Os isolados de campo e as cepas padrão
demonstraram alto grau de suscetibilidade a todas as infusões.
Palavras-chave: malária, Plasmodium falciparum, isolados de campo, Artemisia
annua, infusão, Amazônia.
viii
ABSTRACT
Artemisia annua is a medicinal plant from China. Artemisinin is isolated from the
leaves of this plant. In this study, in vitro susceptibility of Amazonian field isolates of
Plasmodium falciparum to infusions prepared from A. annua cultivated in three
Amazonian ecosystems (várzea, terra preta de índio and terra firme) were evaluated.
Also, a standardized A. annua hybrid cultivated in Paulínia, São Paulo State was
used for comparison. Artemisinin in dry, powdered leaves and also in infusions was
determined
semi-quantitatively
by
thin-layer
chromatography
(TLC)photodensitometry. Infusions were prepared with 5g of dried, ground leaves and 1L
of boiling water. For in vitro susceptibility tests, standard P. falciparum
K1(chloroquine-resistant, CQR) and Dd2 (chloroquine-sensitive, CQS) strains and
nine field isolates from Manaus, Amazonas State were initially stabilized in
continuous culture according to the method described by Trager & Jensen (1976).
Seven dilutions of A. annua infusions ranging from 1:10 a 1:1,5×105 were evaluated
in vitro in field isolates and standard strains. Also, the susceptibility of field isolates to
antimalarial drugs chloroquine, quinine and artemisinin was evaluated. Artemisinin
levels in dry leaves were found to be 1.13±0.05, 1.1±0.07, 0.9±0.1 and 0.9±0.1%
(m/m) for plants cultivated in Paulínia, terra preta, terra firme and várzea,
respectivamente. The concentration of artemisinin in infusions of plants from all four
cultivation environments varied from 40 to 46 mg/L. Field isolates of P. falciparum
presented average median inhibition concentrations (IC 50 ) of 268±129, 172±40 and
2.1±1nM to chloroquine, quinine and artemisinin, respectively. All Amazonian field
isolates were considered resistant to chloroquine and sensitive to quinine and
artemisinin. Average IC 50 of A. annua infusions to P. falciparum field isolates were
0.11±0.03, 0.11±0.02, 0.13±0.1 and 0.14±0.04μL/mL (μL of infusion per mL of culture
medium) for infusions prepared from plant cultivated in Paulinia, terra preta de índio,
terra firme and várzea, respectively. There was no significant difference in the
responses (IC 50 ) of field isolates towards infusions of plants cultivated in different
environments. Also, there was no significant difference in the susceptibility profile of
field isolates to individual infusions. Amazonian field isolates and standard strains
exhibited a high degree of susceptibility to all A. annua infusions.
Keywords: malaria, Plasmodium falciparum, field isolates, Artemisia annua, infusion,
The Amazon.
ix
LISTA DE FIGURAS
Figura 1
Ciclo biológico do Plasmodium sp.....................................................
Figura 2
Estimativa dos casos de malária por 1000 habitantes em
2006.................................................................................................... 06
Figura 3
Artemisia annua e sua classificação científica...................................
Figura 4
Artemisinina e seus derivados semi-sintéticos ................................. 21
03
18
x
LISTA DE TABELAS
Tabela 1
Data de introdução e primeiros casos registrados da resistência
do P. falciparum aos antimaláricos mais utilizados ...................... 10
Tabela2
Teor de artemisinina nos chás de A. annua segundo Räth et al.,
2004............................................................................................... 23
Tabela 3
- Condições cromatográficas utilizadas para quantificação de
artemisinina em extratos de Artemisia annua............................... 34
Tabela 4
Cepas Padrão de P. falciparum..................................................... 35
Tabela 5
Concentração das drogas Cloroquina, Quinina e Artemisinina
nos testes de avaliação da susceptibilidade in vitro...................... 40
xi
LISTA DE ABREVEATURAS, SÍMBOLOS E UNIDADES DE MEDIDA
°C - Grau Célsios
CO 2 - Dióxido de carbono
CPQBA - Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e
Agronômicas
DP - Desvio padrão
EDTA - Ácido etileno diamino tetra acético
EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
FMTAM - Fundação de Medicina Tropical do Amazonas
g – grama
HEPES - Ácido N-2-hidroxietilpiperacina-N-2-etanossulfónico
HPLC - Cromatografia líquida de alta eficiência (high performance liquid
chromatography)
CI 50 - Concentração que inibe o crescimento de 50% dos parasitas
INPA - Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia
L – Litro
Log - Logaritmo base 10
mg – miligrama
mL - mililitro
N° – número
O 2 – Oxigênio
rpm - rotações por minuto
RPMI 1640 - Meio de cultura
TRIS - Tris (hidroximetil) aminometano
UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas
v/v - Volume/ volume
ng – Nanomolar
nL – Nanomolar
nM – Nanomolar
μg – Micrograma
μL – Microlitro
μM – Micromolar
xii
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................
01
1.1 Malária: Aspectos Gerais .........................................................................
1.1.1 Vetor ......................................................................................................
1.1.2 Ciclo evolutivo do Plasmodium ............................................................
1.1.3 Epidemiologia ........................................................................................
1.1.4 Diagnóstico ............................................................................................
1.2 Resistência ...............................................................................................
1.2.1 Resistência á artemisinina e derivados ................................................
1.3 Cultivo in vitro do P. falciparum ...............................................................
1.3.1 Ensaios de atividade antimalárica in vitro .............................................
1.3.1.1. Teste in vitro por análise fluorimétrica .............................................
1.4 Artemisia annua L., ................................................................................
1.4.1 Aspectos Botânicos ...............................................................................
1.4.2 Artemisinina, o princípio ativo da A. annua ...........................................
1.4.3 A tradicional preparação de A. annua, o Chá .......................................
1.4.3.1 Aspectos farmacológico e eficácia do chá .........................................
1.4.4 Cultivo e produção de A. annua ............................................................
1.5 Plantas antimaláricas amazônicas ...........................................................
01
02
03
05
07
08
12
13
14
16
18
18
19
22
24
25
26
2 OBJETIVOS ............................................................................................... 30
2.1 Objetivo Geral .......................................................................................... 30
2.2 Objetivos Específicos .............................................................................. 30
3 MATERIAL E MÉTODOS ...........................................................................
3.1 As áreas de cultivo de Artemisia annua.
3.2 Determinação do teor de artemisinina nas folhas secas de A. annua por
HPLC ..............................................................................................................
3.2.1 Preparo das amostras para análise ......................................................
3.2.1 Preparo fase móvel ...............................................................................
3.2.3 Condições cromatográficas ...................................................................
3.2.4 Preparo da curva analítica ....................................................................
3.3 Determinação do teor de artemisinina no chá por densitometria .............
3.4 Amostras de P. falciparum ......................................................................
3.4.1 Cepas padrão ........................................................................................
3.4.2 Obtenção dos isolados de campo .........................................................
3.4.3 Descongelamento .................................................................................
3.5 Manutenção da cultura de P.falciparum ...................................................
3.6 Protocolo de estabilização e acompanhamento da parasitemia ..............
3.6.1 Sincronização ........................................................................................
3.7 Avaliação da susceptibilidade das cepas padrão e dos isolados de
campo ao Chá de A. annua, e ás drogas antimaláricas padrão. ...................
3.7.1 Preparação das soluções estoques das drogas padrão .......................
3.7.2 Preparação dos chás para o teste in vitro .............................................
3.7.3 Microteste de susceptibilidade in vitro ..................................................
31
31
33
33
33
33
34
34
35
35
36
36
37
38
38
39
40
40
41
xiii
3.8 Análise dos Dados ..................................................................................
42
4 RESULTADOS ............................................................................................ 43
5 CONCLUSÕES ...........................................................................................
62
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................... 62
7 ANEXOS
7.1 Parecer de Aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa ........................
7.2 Confirmação da Submissão .....................................................................
7.3 Artigos Publicados como autor e coautor relacionados a dissertação .....
7.3.1 In Vivo and In Vitro Antimalarial Activityof 4-Nerolidylcatechol………..
69
69
70
71
71
1
1 INTRODUÇÃO
1.1 Malária: Aspectos Gerais
A malária ou paludismo é uma doença infecciosa, não contagiosa, de
evolução crônica, com manifestações episódicas de caráter agudo, que
acomete milhões de pessoas nas zonas tropicais e subtropicais do globo. Os
parasitas
da
malária
pertencem
ao
gênero
Plasmodium,
da
família
Plasmodiideae, filo Apicomplexa, classe Sporozoea, ordem Eucocciida. Das
150 espécies de Plasmodium descritas, prioritariamente quatro parasitam o
homem: P. malariae, P. vivax, P. falciparum e P. ovale (1). Outras espécies de
Plasmodium estudadas (P. yoelii, P. berghei, P. chabaudi, P. cynomolgi) tem
como hospedeiros mamíferos selvagens (2).
A espécie de Plasmodium mais amplamente disseminada em todo o
mundo é o P. vivax. Esta espécie se encontra em quase todas as regiões onde
a malária é endêmica. O Plasmodium falciparum causa a forma mais grave da
doença, sendo o principal responsável pelas causas de óbito (3).
A transmissão ao homem ocorre por meio da picada da fêmea do
mosquito do gênero Anopheles no momento do repasto sangüíneo pois
precisam de sangue para a maturação dos ovos. O parasita passa por
diferentes estágios no mosquito e no sangue do hospedeiro (4).
Os primeiros sintomas da malária são inespecíficos, e semelhantes aos
da maioria das doenças virais. As manifestações clínicas variam de acordo
com a espécie de plasmódio e o estado imunológico do hospedeiro. Os
sintomas envolvem dor de cabeça, dores musculares, náuseas e tonturas,
seguidos de uma sensação de frio, acompanhada de tremor, febre, suor e um
aumento da temperatura. Nos casos complicados, podem ocorrer dores
abdominais fortes, sonolência e redução da consciência e até coma, como na
malária cerebral. Não é comum ocorrer malária severa causada por P. vivax, P.
malarie ou P.ovale, mas infecções agudas em um hospedeiro não-imune
podem ser preocupantes (1).
2
Fatores relacionados diretamente ao plasmódio como: resistência às
drogas, variação e polimorfismo antigênicos, capacidade de roseteamento e
citoaderência associados a fatores do próprio homem como imunidade,
produção de citocinas inflamatórias, aspectos genéticos, idade e gravidez,
também são importantes e responsáveis pelas diferentes respostas clínicas à
infecção (5).
1.1.1 Vetor
Todos os transmissores de malária dos mamíferos são insetos da ordem
Diptera, da família Culucidae e do gênero Anopheles. Este gênero compreende
cerca de 400 espécies, das quais apenas reduzido número tem importância
para a epidemiologia da malária em cada região. No Brasil, cinco espécies são
consideradas como vetores principais (4).
•
Anopheles (Nyssorhynchus) darlingi;
•
Anopheles (Nyssorhynchus) albitarsis;
•
Anopheles (Nyssorhynchus) aquasalis;
•
Anopheles (Kertesia) cruzi;
•
Anopheles (Kertesia) bellator;
De acordo com o trabalho desenvolvido por Tadei e Dutari-Tatcher (6),
que tinha o objetivo de determinar a importância da transmissão da malária,
várias espécies de Anopheles foram estudadas e das 33 espécies de
ocorrência na Amazônia, apenas oito foram encontradas infectadas por
Plasmodium, sendo o Anopheles darlingi, o principal vetor na região. Essa
espécie é capaz de manter a endemia malárica, mesmo em baixa densidade,
devido à alta eficiência na transmissão do P. vivax e P. falciparum.
O controle vetorial é uma das principais estratégias da Organização
Mundial de Saúde (OMS) para o controle e erradicação da malária. Existem
duas principais abordagens neste sentido: o uso de mosquiteiros impregnados
3
com
inseticidas
e
a
pulverização.
Tais
intervenções
podem
ser
complementadas em locais específicos com outros métodos como controle de
larvas e gestão ambiental (7).
1.1.2 Ciclo evolutivo do Plasmodium
O ciclo evolutivo dos plasmódios (Figura 1) se caracteriza por duas
fazes: uma fase assexuada que ocorre no hospedeiro vertebrado, e uma fase
sexuada que ocorre no hospedeiro invertebrado(3).
Gametócitos
Gametócitos
Ciclo Heritrocítico
Assexuado
Zigoto
Esporozoita
Merozoitas
Oocisto
Esporozoita
Figura 1. Ciclo biológico do Plasmodium sp. (8)
O ciclo assexuado ou esquizogônico inicia-se quando os esporozoítas,
formas infectantes contidas na saliva do mosquito, são inoculados no homem
durante o repasto sangüíneo. Uma vez injetados na pele, os esporozítas usam
sua mobilidade ativa para alcançar os capilares sanguíneos e terminam sua
jornada até o fígado, período que pode levar cerca de 30 a 60 minutos. Nem
todos os esporozoítas inoculados deixam a pele. Isto depende da espécie de
parasita e do grau de vascularização no sítio de inoculação. Outros eventos
que ocorrem durante a jornada do esporozoíta, tais como a passagem através
das barreiras endoteliais da pele e do fígado precisam ser esclarecidas, assim
4
como é controversa a interação entre estas formas do parasita com as células
de Kupffer (3, 9).
O esporozoítas penetram as células do hospedeiro formando um
vacúolo parasitófago com a membrana do hepatócito. A composição molecular
desta junção é pouco conhecida, com apenas algumas proteínas identificadas.
Duas proteases utilizada pelo parasita na invasão estão muito bem
caracterizadas: a proteína do circunsporozoíto (CS) e a proteína de superfície
do esporozoíto 2 (SSP2), também conhecida como TRAP (9).
Dentro dos hepatócitos, os esporozoítas sofrem sucessivas divisões
mitóticas dando origem ao esquizonte hepático, com milhares de merozoítas
em seu interior. Estes merozoítas deixam os hepatócitos e vão infectar os
heritrócitos na corrente sanguínea, onde tem início uma nova fase de
reprodução assexuada (10).
Nas infecções causadas por P. falciparum e P. malariae, os esquizontes
se rompem todos ao mesmo tempo e não persistem no interior dos hepatócitos.
Já no P. ovale e no P. vivax, algumas formas exoeritrocíticas, denominadas
hipnozoítas permanecem latentes no fígado por meses ou anos, e estas formas
parecem ser responsáveis pelas recidivas tardias da doença (1).
Após a penetração nos eritrócitos, os merozoítos transformam-se em
trofozoítas jovens na forma de anel, e se desenvolvem. Em determinado
momento ocorrem divisões do núcleo, dando origem ao esquizonte sanguíneo
que origina um número variável de merozoítos. Os eritrócitos se rompem
liberando os merozoítos, que invadem outros eritrócitos, reiniciando o ciclo
eritrocítico. Depois de alguns ciclos um pequeno número de merozoítos
diferenciam-se em gametócitos femininos (macrogametócitos) e masculinos
(microgametócitos), que permanecem na membrana dos eritrócitos até serem
ingeridos pelos mosquitos (10).
5
Os gametócitos continuam circulando na corrente sanguínea por algum
tempo e, ao serem ingeridos pelo Anopheles, dão início ao ciclo sexuado ou
esporogônico.
A transformação dos gametócitos em gametas, ocorre no interior do
intestino do mosquito logo após a ingestão do sangue. A formação do gameta
macho (microgameta) é propiciada por fatores como queda da temperatura e
modificação do pH. O microgametócito sofre um processo chamado de
exflagelação,
originando
os
microgametas,
flagelados
e móveis,
que
fecundarão o macrogameta desenvolvido. A fertilização dos gametas gera um
zigoto e posteriormente uma forma invasiva, o oocineto, que pode movimentarse em direção ao epitélio estomacal do mosquito, atravessando-o e
permanecendo entre o mesmo e a lâmina basal, em uma forma vegetativa,
chamado de oocisto. Este cresce e sofre divisões (esporogonia) produzindo de
2 a 8000 esporozoítos. Estes esporozoítos rompem a parede do oocisto e
migram para as glândulas salivares através da hemolinfa, tornando-se a forma
infectante para o homem (5).
A grande complexidade do ciclo de vida do parasita explica as enormes
dificuldades que tem vindo a ser experimentadas, ao longo dos tempos, para o
estabelecimento de uma terapia antimalárica eficaz e segura.
1.1.3 Epidemiologia
A malária está amplamente distribuída nas regiões tropicais e
subtropicais do planeta, e é considerada uma das doenças parasitárias mais
importantes.
A Organização Mundial de Saúde estima que 40 % da população
mundial, isto é, 3,3 bilhões de pessoas vivem em áreas com alto risco de
transmissão da malária em 109 países onde a doença é considerada
endêmica. Em 2006 foram registrados 247 milhões de casos, causando um
6
milhão de mortes, sendo 90% destas, crianças africanas com idade inferior a
cinco anos. Isto significa que a cada 40 segundos uma criança morre de
complicações decorrentes da doença, provocando um prejuízo diário de mais
de 2000 vidas (11).
Em 2004, o Plasmodium falciparum esteve entre as principais causas de
morte no mundo inteiro a partir de um único agente infeccioso. Os grande
números que delineiam a epidemiologia da malária tornaram-se pautas comuns
nos fóruns de discussão da saúde pública global (11).
A figura 2 demonstra que a malária está amplamente distribuída pelo
globo, mas sua incidência está limitada a um grupo razoável de países,
estando a maioria deles na África-subsaariana. Esta região acumula 93% dos
casos de malária do planeta. A doença é quase ausente na América do Norte e
Europa, depois de ter sido erradicada nestes locais até meados do século 20
(12).
Figura 2. Estimativa dos casos de malária por 1000 habitantes em 2006.
Fonte: (WHO, 2010)
7
Em grande parte dos países na África (Sub-Saara), os casos de
malária
são
comprovação
diagnosticados
laboratorial,
e
tendo
notificados
como
de
base
forma
os
presuntiva,
aspectos
sem
clínicos
e
epidemiológicos da doença. Nas Américas e na maioria dos países da Ásia e
Norte da África, todos os casos notificados são confirmados por meio de
diagnóstico laboratorial por microscopia ótica(13).
Nas Américas, no ano de 2006, foram notificados 917.828 casos de
malária, sendo que 59,7% no Brasil, 13,5% na Colômbia. Aproximadamente
99,5% dos casos de malária no Brasil ocorrem na Amazônia Legal, que é
composta pelos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia,
Roraima, Tocantins, Mato Grosso e Maranhão (11).
A malária continua sendo um grave problema de Saúde Pública na
Região Amazônica, devido à alta incidência e aos efeitos debilitantes para as
pessoas acometidas por essa doença, com um importante potencial de
influenciar o próprio desenvolvimento da região. Nos últimos anos, o Ministério
da Saúde, em parceria com estados e municípios, temintensificado as ações de
controle da malária na Amazônia, alcançando resultados positivos. Apesar
desses avanços, a incidência da doença na região continua elevada com um
IPA de 19,9/1000 (2005).
Esta alto nível de incidência associado a
persistência de fatores ambientais e socioeconômicos predisponentes exigem o
permanente aperfeiçoamento do Programa Nacional de Controle da Malária
(PNCM) (7, 14).
Em 2007 foram registrados 458.624 de caso no Brasil, com uma
redução significativa no ano de 2008 para 306.347, indicando que no último
ano, mais de cento e cinqüenta mil pessoas deixaram de adoecer de malária.
Dos casos notificados no país, 73,4 % foram causados pelo P. vivax (7).
Os estados do Amazonas e Rondônia concentram 60 % dos casos do
Brasil. Nos últimos anos, Manaus e Porto Velho apresentam extensas áreas de
8
aglomerados urbanos em regiões periféricas, indicadas como rurais. Essas
áreas têm se configurado importantes locais de infecção por receberem intenso
fluxo de pessoas que se deslocam de outros municípios em busca de
oportunidades de trabalho ou necessidades comerciais. Assim, esses
municípios concentraram 26,9% e 22,9% dos casos de malária da Região
Amazônica nos anos de 2007 e 2008 respectivamente (7).
A malária diagnosticada, notificada e atendida na Fundação de Medicina
Tropical do Amazonas manteve-se elevada em 2004 e 2005. Dos 153.206
diagnósticos de gota espessa desse período, 58.412 (38,13%) apresentaram
resultado positivo para malária, sendo o P. vivax responsável por 74,3 % dos
casos, cabendo ao P. falciparum 25,7 % dos diagnósticos positivos. De janeiro
a setembro de 2006 apresentou marcante redução (35,6%), quando
comparado ao mesmo período de 2005, representando uma diminuição de
8.946 casos primários (15).
A malária causada pelo P. falciparum é considerada a forma mais grave,
porém, a gravidade e complicações clínicas causadas pelo P. vivax, embora
não muito comuns, já são relatadas na literatura (16). Decorrente dessas
manifestações o P. vivax tem liderado a causa de internação na FMTAM.
1.1.4 Diagnóstico
O diagnóstico laboratorial da malária consiste na detecção do plasmódio
utilizando sangue concentrado, desemoglobinizado, e corado através de
corantes biológicos baseados no azul de metileno, que permitem visualizar as
formas sanguíneas do parasito; técnica conhecida como “Gota Espessa”, que
até hoje continua sendo o método de escolha “padrão ouro” para o diagnóstico
da doença por ser um método satisfatório em termos de especificidade, de
baixo custo, prático (17).
A gota espessa é um método sensível capaz de detectar 0,001% de
parasitemia, ou seja, acima de 1 parasita/μL de sangue. Contudo, o método
9
torna-se pouco sensível quando os parasitas estão presentes em número muito
reduzido (< 1/μL de sangue) ou quando o indivíduo está infectado por mais de
uma espécie de plasmódio, apresenta também dificuldade de diagnóstico
quando existe mais de uma espécie por infecção e em condições de
acondicionamento de reagentes e equipamentos de maneira inadequada (18).
Nos últimos anos, as técnicas moleculares como PCR tradicional e Real
Time PCR, tem sido consideradas as técnicas com maior sensibilidade e
especificidade. Através de uma única reação, é possível diagnosticar a
presença de mais de uma espécie de Plasmodium.(19).
Várias pesquisas têm sido realizadas para o desenvolvimento de novos
métodos laboratoriais para o diagnóstico da malária, contudo, sem desprezar o
valor do método convencional da gota espessa, pois ainda é a técnica de
escolha para a realidade dos países em desenvolvimento (20).
1.2 Resistência
A resistência do P. falciparum às drogas antimaláricas emergiu como um
dos maiores desafios a ser enfrentado para o controle da malária, com
implicações no aumento de mortalidade nas áreas hiper e holoendêmicas e
contribuiu para o aparecimento e ampliação de novos focos de malária
causada pelo P. falciaparum, mas acima de tudo foi identificado como um fator
de contingenciamento econômico do controle da malária (21).
A diminuição da sensibilidade do Plasmodium spp. aos fármacos é
produto de vários fatores como: farmacocinética da droga, resistência cruzada
entre drogas, tratamentos inadequados, seja por má prescrição, administração,
não adesão do tratamento ou pobre absorção (22).
Historicamente a resistência do P. falciparum aos antimaláricos é
conhecida desde o início do século passado quando Neiva (23) assinalou no
10
Brasil os primeiros insucessos no tratamento da malária com quinino. Em 1947
começaram a surgir referências ao aparecimento de plasmódios resistentes de
regiões tratadas com antimaláricos sintéticos. Entretanto, a partir de 1961,
constatou-se o aparecimento de plasmódios resistentes a cloroquina e a outras
aminoquinolinas no Brasil, na Colômbia e no Sudeste da Ásia e a situação
agravou-se sobre maneira (4).
No Brasil, no início da década de 60, foram descritos os primeiros casos
de resistência à cloroquina, em pacientes com malária causada pelo P.
falciparum procedentes da região Amazônica e do Nordeste (24). Na década
de 80, Alecrim (25), em estudos in vitro e in vivo sobre a resistência às drogas
antimaláricas na Amazônia, demonstrou 100% de resistência in vitro
a
cloroquina. A tabela 1 relata os primeiros registros da resistência no mundo:
Tabela 1: Data de introdução e primeiros casos registrados da resistência
do P. falciparum aos antimaláricos mais utilizados.
Primeiro registro
Diferença (anos)
Fármaco
Introduzido em
Quinino
1632
1910
278
Cloroquina
1945
1957
12
Proguanil
1948
1949
1
1967
1967
0
1977
1982
5
1980
-
-
SulfadoxinaPirimetamina
Mefloquina
Artemisinina e
derivados
de resistência
Fonte: (26)
O P. falciparum continua apresentando diminuição da sensibilidade às
drogas habitualmente usadas, constituindo sério problema para o controle e
erradicação da malária. Atualmente todos os países com áreas malarígenas
apresentam cepas resistententes de P. falciparum tanto à cloroquina como aos
11
demais antimaláricos, além do que também há registros da diminuição da
sensibilidade do P. vivax a estas drogas. Outro fenômeno preocupante é a
identificação de fenótipos de parasitas resistentes a duas ou mais drogas
simultaneamente, fato conhecido como Multidrug resistance (MDR), ou
resistência a múltiplas drogas, e é bem caracterizado no sudoeste asiático,
América do Sul e África (27).
Com a rápida evolução do perfil de sensibilidade do parasita aos
diferentes antimaláricos, torna-se fundamental compreender os mecanismos
utilizados pelo Plasmodium para evita a ação do fármaco sobre si. Este
conhecimento auxilia na implementação de estratégias racionais na síntese de
novos fármacos e na re-estruturação de compostos já existentes. Além disso,
informações sobre os mecanismos de resistência podem ser aplicado na
monitorização e controle do aparecimento e propagação da quimio-resistência
em população de parasitas naturais (22, 26).
Diferentes mecanismos podem modificar o padrão de sensibilidade de
vários organismos às drogas. No caso particular do Plasmodium falciparum, o
aparecimento da resistência, é atribuído em primeiro lugar à ocorrência de
mutações gênicas espontâneas e em segundo lugar à pressão seletiva
desenvolvida pelos medicamentos sobre as populações de parasitos sensíveis
e parasitos resistentes, independente da dose utilizada (28).
As
abordagens moleculares tem
se mostrado uma ferramenta
fundamental no monitoramento da evolução e desenvolvimento da resistência a
drogas. Análises moleculares são partes fundamentais nos principais estudos
de eficácia e segurança de drogas. Estudos com mutações pontuais ou SNPs
(Single Nucleotide Polimorphism) no gene pfcrt do P. falciparum associado com
resistência á cloroquina colaborou com a retirada desta droga dos esquemas
de tratamento para malária causada pelo P. falciparum em muitos países (29).
Este conhecimento tem uma importante implicação na saúde pública,
pois se a emergência de resistência for detectada precocemente, pode-se
12
tentar impedir a dispersão regional e intercontinental da mesma, prolongando
assim a vida útil de importantes drogas antimaláricas (30).
1.2.1 Resistência á artemisinina e derivados
A artemisinina e seus derivados semi-sintéticos são os compostos mais
efetivos disponíveis para o tratamento de pacientes portadores de cepas multiresistentes de P. falciparum. Até o presente, ainda não há relatos de
resistência clínica aos derivados artemisinico, porém acumulam-se evidencias
do possível surgimento da mesma.
Nos últimos anos, espécies de Plasmodiun de roedor resisistentes a
artemisinina e seus derivados tem sido produzidos em laboratório com o intuito
de se conhecer os possíveis mecanismos de desenvolvimento de resistência a
estas drogas. Clones geneticamente estáveis de P. chabaudi foram
selecionados a partir de prolongada exposição de cepas sensíveis á doses
sub-terapêuticas de artemisinina, sendo comprovada sua transmissão através
do mosquito vetor (31, 32).
Estudos de sensibilidade in vitro á artemisinina com isolados de campo
da China tem demonstrado concentrações inibitórias em 1999 até 3,3 vezes
maior que em 1988. Isolados de campo do Camboja, Guiana Francesa e
Senegal apontaram uma elevação significativa dos valores de IC 50 á droga
(33), o mesmo foi observado em outro estudo realizado com amostras de São
Tomé e Príncipe, onde detectou-se em algumas amostras valores de IC 50 até
15 vezes maiores que a média para artemisinina e artemeter (34).
A diminuição da susceptibilidade in vitro não significa ineficácia clinica,
porém são os primeiros indícios para a possível emergência de resistência,
sendo necessário maior vigilância e controle quanto ao uso destas drogas.
13
Estudos de monitoramento da resistência in vitro e in vivo, juntamente com
estudos moleculares, são ferramentas importantes para esta vigilância (33).
A principal molécula candidata a alvo de ação da artemisinina e,
conseqüentemente envolvida no mecanismo de desenvolvimento da resistência
a esta droga, é uma proteína do retículo sarcoendoplasmático Ca+2 ATPase
(SERCA), codificada pelo gene pfatp6 (35). Esta proteína foi expressa em
oocistos de Xenopus laevis onde foi possível observar que a artemisinina
interage com esta enzima inibindo completamente sua ação Estudos adicionais
em X. leavis comprovaram que o ponto de mutação L263E está diretamente
associado com a modulação da resposta a artemisinina. Outras mutações
induzidas neste gene comprovam que dependendo do aminoácido mutado a
resposta terapêutica da artemisinan in vitro pode diminuir drasticamente (34).
Seis dos sete isolados de campo da Guiana Francesa que apresentaram
altos valores de IC50 frente o artemeter apresentaram a mutação S769N,
enquanto as demais amostras não apresentaram tal polimorfismo(33). Em um
estudo conduzido com amostras de São Tomé e Príncipe, Ruanda e Brasil
foram identificadas mais 8 mutações que ainda não tinham sido descritas,
porém estas mutações não apresentaram correlação com os valores IC50
elevados para Artemeter e Artemisinina, e não apresentaram o polimorfismo
S769N encontrado na Guiana Francesa (34).
No estado do Amazonas, foram estudadas amostras de P. falciparum de
pontos geográficos distintos em busca de mutações no gene pfatp6, nas quais
foram encontradas 3 mutações: T1204G, G1888T e T2694A. Ao agrupar as
mutações encontradas com as demais mutações descritas para este gene
observou-se três haplótipos distintos do gene pfatp6, comprovando assim a
diversidade genética dos parasitas da Região Amazônica (34).
1.3 Cultivo in vitro do P. falciparum
14
Em 1976 foi descrito pela primeira vez por Trager e Jensen (36)o cultivo
contínuo do Plasmodium falciparum, e esta possibilidade revolucionou as
investigações sobre a malária humana, dando início à uma nova fase de
grande importância no estudo da doença.
A capacidade de cultivar o P. falciparum in vitro representou um avanço
importante para a evolução de muitos estudos na farmacologia das drogas
antimaláricas, seja nos estudos de resistência ou triagens de novas drogas,
além de estudos de imunologia no desenvolvimento de vacinas, elucidação de
mecanismos patogênicos, desenvolvimento genético e o conhecimento da
biologia celular a molecular do parasito (37, 38).
O cultivo in vitro de Plasmodium spp. requer a simulação das condições
nas quais o parasita de desenvolve. Como em cada fase do ciclo, o parasita
passa por condições diferentes, tais como tecido parasitado, temperatura e os
líquidos com os quais entra em contato, de acordo com a fase que se deseja
cultivá-lo, as condições devem ser adaptadas (37).
Grandes esforços e tempo tem sido dedicado para a reprodução in vitro
das formas da fase eritrocítica do ciclo de vida do Plasmodium. Esta forma
requer especial atenção por está diretamente relacionada com a patogênese
da doença, e é o principal alvo para o desenvolvimento de vacinas e de ação
das principais drogas antimaláricas, sendo muito importante para a
compreensão dos mecanismos de susceptibilidade e resistência á drogas (2).
1.3.1 Ensaios de atividade antimalárica in vitro
Tradicionalmente os testes in vitro de susceptibilidade do plasmódio à
drogas tradicionais e a novas drogas são todos baseados na medida do efeito
das substâncias no crescimento e desenvolvimento dos parasitas da malária.
Tal efeito permite observar o grau de inibição do crescimento e/ou morte
parasitário, refletindo o grau de susceptibilidade do parasito a um determinado
fármaco a uma determinada concentração (39).
15
O primeiro ensaio de avaliação da atividade de uma droga antimalárica
in vitro em parasitas da malária humana foi realizado em 1922. A técnica
compreendia o cultivo de isolados de campo de P. falciparum e a exposição
destas culturas á uma única concentração de quinina por 29 horas de
incubação para demonstrar seu efeito esquizonticida. O uso deste ensaio
protótipo foi limitado por várias décadas (39).
Cerca de 40 anos depois, com a emergência da resistência á drogas
pelo P. falciparum, Rieckmann (40) desenvolveram o primeiro ensaio
laboratorial descrito capaz de medir a capacidade do parasito de se
desenvolver da fase de anel jovem para esquizonte, usando as mudanças
morfológicas para o monitoramento dos antimaláricos, conhecido como
macroteste. Dez anos depois, vislumbrado em determinar áreas cloroquinoresistentes, Rieckmann e colaboradores (41) simplificaram o procedimento em
microcultura para medir a inibição de maturação dos esquizontes em 24 horas,
que passou a ser conhecida como microtécnica.
Desde então, o microteste tem sido a principal ferramenta dos estudos
de campo da Organização Mundial da Saúde para o monitoramento da
resistência in vitro do P. falciparum, sobretudo em países sub-desenvolvidos
que não possuem recursos para a implementação de técnicas mais
dispendiosas. A grande dificuldade na microtécnica que utiliza a análise
microscópica está não somente em quantificar os eritrócitos parasitados, mas
também identificar em qual estágio do ciclo de vida o parasito se encontra (42).
O aprimoramento da técnica teve por objetivo tornar sua execução mais
prática e de baixo custo, e permanece até o presente como uma das técnicas
mais simples para avaliação de sensibilidade e triagem de novas drogas in vitro
(43).
Desjardins e colaboradores (44) desenvolveram um ensaio para o
estudo da susceptibilidade do P. falciparum com o emprego de material
16
radioativo baseado na inibição da incorporação da hipoxantina tritiada pelo
parasito para demonstrar o efeito das substâncias testadas. Este método tem
alto grau de reprodutibilidade, além ser possível testar uma grande quantidade
de compostos em menos tempo por ser consideravelmente mais rápido na sua
execução do que o teste baseado na avaliação morfológica de crescimento do
parasito, além de ser mais sensível e objetivo, reduzindo os fatores
relacionados a falha humana. Porém esta técnica apresenta limitações para ser
executada em campo, por necessitar de equipamentos específicos, envolve a
manipulação de materiais radioativos, e apresenta muitas etapas no protocolo
de execução (69).
Nos últimos anos vários métodos têm sido desenvolvidos para aprimorar
os estudos in vitro de resistência e de triagem de novas drogas antimaláricas.
Destacam-se entre eles o método enzimático que mede a atividade da lactato
desidrogenase do Plasmodium (pLDH) através de espectrofotometria (45), é o
método fundamentado na medida quantitativa da Proteína 2 Rica em Histidina
(HRP2) produzida pelo Plasmodium (46).
Estes testes têm demonstrado alta sensibilidade no monitoramento da
resistência, porém apresentam limitações quando se trata de screening de
novas drogas a partir de produtos naturais. Os métodos colorimétricos são
baseados em atividades enzimáticas específicas do parasita, porém estão
sujeitos á interferência de artefatos tais como os pigmentos presentes em
extratos brutos de plantas, que são freqüentemente usados em programas de
screening de drogas (47, 48).
Atualmente os sistemas de ensaios in vitro com P. falciparum podem ser
agrupados de acordo com o método utilizado para quantificar o crescimento
parasita em relação a concentração da droga: contagem visual por
microscopia, incorporação de precursores radioativos pelo parasita e métodos
não radioativos, conforme descrevemos anteriormente (39).
1.3.1.1. Teste in vitro por análise fluorimétrica
17
Paralelamente aos ensaios radioisotópicos e aos testes colorimétricos,
tem sido desenvolvidos ensaios envolvendo corantes fluorescentes que
intercalam-se nas cadeias de ácidos nucléicos, tais como SYBR-Green I,
PicoGreen e YOYO-I, para mensurar a atividade inibitória in vitro de
antimaláricos tradicionais e novos (47).
A técnica de teste in vitro baseada na fluorimetria para análise de
susceptibilidade do P. falciparum tem sido utilizada para monitorar a resistência
aos antimaláricos, assim como também para identificar novos compostos com
atividade antimalárica. Esta técnica promove um alto processamento de
“screening” para atividade de substâncias contra o P. falciparum. As vantagens
do ensaio incluem: simplicidade, economia, aplicabilidade de análise
automatizada e rapidez (47, 49).
O princípio do ensaio consiste no contraste entre os eritrócitos do
hospedeiro que não possuem DNA e RNA, e os parasitos da malária que são
deste modo marcados por um corante que mostra o aumento da fluorescência
na presença de ácidos nucléicos (50).
O SYBR- Green I é um dos marcadores mais sensíveis disponíveis hoje
para fita dupla de DNA. O uso do SYBR- Green I para ensaios in vitro com P.
falciparum é conhecido com MSF ensaios (Malaria SYBR-Green I-Based
Fluorescence) (51).
Nos estudos realizados com objetivo de validar o MSF, culturas de
cepas de P. falciparum foram tratadas com drogas antimaláricas conhecidas, e
foram determinados as concentrações que inibem 50 % (IC 50 s) delas. Na
maioria dos trabalhos publicados, os valores de IC 50 , obtidos com SYBR-Green
I foram comparados com os valores gerados pelo método radioativo, obtendose grande correlação entre as técnicas (49). Bacon (50), comparou o a técnica
com SYBR-Green I com o teste que utiliza a Proteína 2 Rica em Histidina
(HRP2), e os resultados foram semelhantes.
18
As vantagens do método fluorimétrico frente ás demais técnicas são
expressivas, e aplicáveis tanto no monitoramento da resistência como no
screening de novas drogas, porém é imperativo a padronização da técnica, e
adaptação das condições laboratoriais onde quer que seja aplicada.
1.4 Artemisia annua L.,
1.4.1 Aspectos Botânicos
A Artemisia annua L. é uma planta de porte herbáceo da família
Asteraceae, originária do norte da China, sendo predominante nas províncias
de Chahar e Suiyuan onde é conhecida popularmente como “quinghao” (erva
verde)(52).
A família Asteraceae é a segunda maior família do mundo de plantas
que produzem flores. O gênero Artemisia compreende mais de 400 espécies,
algumas das quais são conhecidas por suas propriedades aromáticas e gosto
amargo. As plantas deste gênero são na sua maioria ervas robustas ou
arbustos. Na Figura 3 observamos a A. annua e sua classificação científica
(53).
Classificação Científica
Reino: Plantae
Filo: Magnoliophyta
Classe: Magnoliopsida
Ordem: Asterales
Família: Asteraceae
Gênero: Artemisia
Espécie: A. annua
Figura 3. Artemisia annua e sua classificação científica
19
O nome do gênero Artemisia está relacionado á deusa grega Ártemis, e
o da espécie annua foi dado pelo fato de ser a única da família com ciclo anual.
Seu porte arbustivo alcança aproximadamente 2 metros de altura, e cresce
principalmente em climas temperados, sendo naturalmente encontrada na
China e no Vietinã (52, 54).
Esta erva é utilizada pela medicina tradicional chinesa à mais de 2000
anos para o tratamento de febre e malária. A atual Farmacopéia da China
descreve as folhas secas da planta como um remédio para febre, incluindo
malária (55).
Pesquisadores chineses estudaram mais de trinta espécies do gênero
Artemisia pesquisando uma possível atividade antimalárica, porém, só
Artemisia annua L. e Artemisia apiacea Hance provaram ser eficazes contra o
P. falciparum e P. vivax. A busca por novos compostos antimaláricos incentivou
o estudo de outras espécies de Artemisia, tais como Artemisia ludovica,
A.vulgaris, A. schmidtiana, A. pontica, A. arbuscula e A. drancunculus,
entretanto, nenhuma destas espécies apresentou atividade farmacológica
contra o Plasmodium (56).
1.4.2 Artemisinina, o princípio ativo da A. annua
A busca dos compostos químicos responsáveis pela atividade
antimalárica levou o isolamento de várias classes de sustâncias como
sesquiterpenóides, flavonóides, cumarinas, terpenóides, fenóis, purinas,
lipídeos e compostos alifáticos provenientes de diversas partes da planta (57).
Dentre estes metabólitos, a artemisinina foi considerada o componente
ativo principal. Seu nível pode variar consideravelmente dependendo da parte
da planta, condições de crescimento e variações sazonais e geográficas: altos
níveis de artemisinina são encontradas nas folhas e flores, principalmente no
período imediatamente anterior a floração (0,01 – 1,4%) (58).
20
A demanda mundial pela artemisinina, no tratamento da malária, cresceu
nas duas últimas décadas, devido a suas vantagens em relação a outros
compostos antimaláricos, tais como eficácia, baixa toxicidade, baixo custo (Bilia
et al., 2002). A artemisinina possui ação rápida atuando contra P. vivax e P.
falciparum, inclusive sobre as cepas multirresistentes e em casos de malária
cerebral (59).
A artemisinina é o antimalárico de ação mais rápida, originando
melhoras significativas do estado febril em apenas 32 horas, em contraste
como os dois ou três dias que os outros antimaláricos clássicos demoram para
provocar efeito semelhante. A artemisinina é, fundamentalmente, um
esquizonticida sanguíneo com uma ação muito rápida e mais potente que a da
cloroquina ou da quinina. Atua também eliminando as formas sexuadas do
parasito, sendo assim gametocida (10).
A substância foi isolada do extrato etéreo das folhas da planta em 1972
por pesquisadores chineses e teve sua estrutura elucidada em 1979 (60).
A molécula artemisinina é definida quimicamente como uma lactona
sesquiterpênica com um grupo 1,2,4-trioxano (Figura 4), contém um grupo
peróxido, o qual é essencial para sua atividade. A lactona pode ser facilmente
reduzida com boridrato de sódio, resultando na formação de dihidroartemisinina
que possui maior atividade antimalárica que a artemisinina sozinha. Muitos
derivados artemisínicos tem sido produzidos a partir da dihidroartemisinina
(60).
A artemisinina é pouco solúvel em água e óleo, sendo assim só pode ser
administrada de forma oral. Em pacientes com malária severa o tratamento oral
é freqüentemente impossível, sendo necessárias formulações parenterais. Para
resolver este problema, vários derivados artemisinínicos semissintéticos foram
desenvolvidos, dos quais os principais são o artesunate, solúvel em água, e o
artemeter, solúvel em óleo (53). Na figura 4 observamos a estrutura química da
artemisinina e dos seus principais derivados.
21
Apesar de sua eficácia, o tratamento com os artemisínicos isolados
produz altas taxas de recrudescência, sendo desaconselhada a monoterapia.
Uma forma de potenciar a ação do fármaco reside na sua combinação com
outros antimaláricos, como a mefloquina, a lumefantrina e os antifolatos (11).
Artemisinina
Artemeter
Dihidro- artemisinina
Artesunate
Figura 4. Artemisinina e seus derivados semi-sintéticos (53)
As principais combinações recomendadas pela Organização Mundial de
Saúde para o tratamento da malária não-complicada são:
- Artemeter + Lumefantrina (20mg/120mg) duas vezes por dia durante
três dias;
- Artesunate + Amodiaquina (20mg/153mg) uma dose por dia durante
três dias;
22
- Artesunate + Mefloquina (50mg /250 mg) uma dose por dia durante três
dias;
- Artesunate + Sulfadoxina-Pirimetamina (50mg /500mg/25 mg) uma
dose ao dia por três dias.
O mecanismo de ação, aspectos clínicos e toxicidade da artemisinina
têm sido extensamente estudados nos últimos anos, assim como estudos
agrotecnológicos, farmacológicos e químicos (elucidação estrutural) de outros
compostos sesquiterpênicos presentes na planta (61).
A artemisinina está agora disponível comercialmente na China, Vietinã e
outros países e, embora seja possível sintetizá-la artificialmente o isolamento
da substâncias a partir das folhas da planta ainda representa a melhor
alternativa (10).
1.4.3 A tradicional preparação de A. annua, o Chá
Os primeiros registros do uso de A. annua na China datam de 200 A.C.,
mas representa uma conhecimento acumulado do uso de ervas medicinais que
havia sito transmitido oralmente durante muitos séculos (62).
A atual farmacopéia chinesa descreve que as folhas secas de A. annua
servem como remédio para febre e malária; para seu uso terapêutico as folhas
devem ser expostas a água quente de acordo com os conhecimentos da
medicina tradicional chinesa. A dose recomendada varia de 4,5 á 9 gramas da
folha seca a cada litro de água por dia (55).
Nos principais estudos referidos na literatura envolvendo o chá de A.
annua, tem se utilizado 5 ou 9 gramas da planta seca para um litro de água
(55, 63, 64).
23
Em um estudo realizado para determinar parâmetros farmacocinéticos
da artemisinina em indivíduos após a administração do chá, o mesmo foi
preparado de três formas (64):
A. Foi adicionada água fervente nas folhas secas e pulverizadas. A
mistura foi agitada e deixada em repouso em temperatura ambiente,
sendo posteriormente as folhas removidas por filtração.
B. As folhas foram fervidas em água por 30 minutos e deixadas em
repouso a temperatura ambiente até que a mistura esfriasse.
Posteriormente as folhas foram removidas por filtração.
C. Após a adição de água fervente nas folhas, a mistura foi agitada e o
conteúdo foi coberto por 10 minutos. Subseqüentemente as folhas
foram removidas por filtração e gentilmente prensadas para a retirada
do máximo de resíduo de água.
A quantidade de artemisinina presente nas três formas de preparação
está expressa na tabela 2. O método C foi considerado o melhor método pela
seu melhor eficiência de extração
Tabela2. Teor de artemisinina nos chás de A. annua segundo Räth (64).
Método de
Massa das folhas
Concentração de
Eficácia da
Preparação
secas de A. annua
artemisinina no
Extração (%)
(g)
Chá (mg/L)
5,0
57,5
83
9,0
88,2
71
5,0
36,5
53
9,0
37,8
30
5,0
60,0
86
9,0
94,5
76
A
B
C
A artemisinina isolada é pouco solúvel em água, mas tem seu
coeficiente de solubilidade aumentado na presença de outros constituintes da
24
planta com propriedades anfifílicas como flavonóides ou saponinas, os quais
podem melhorar sua solubilidade em água (53).
Ao longo das duas últimas décadas foi proposto que o potencial
antimalárico da A. annua L. estaria ligado ao sinergismo existente entre vários
compostos presentes no chá. Vários polimetoxiflavonóides como casticin,
artemetin, crisosplenetin, podem contribuir para a atividade in vitro da
artemisinina frente ao Plasmodium falciparum. Porém dados relativos ao
mecanismo relacionado ao efeito sinérgicos destas substâncias ainda não tem
sido bem estudados(57).
1.4.3.1 Aspectos farmacológico e eficácia do chá
Poucos são os estudos que avaliam de forma científica o chá de A.
annua, no seu contexto farmacológico.
Foi realizado um estudos clínico com voluntários sadios para determinar
a concentração plasmática de artemisinina após a administração oral do chá
preparado de acordo com as orientações da Farmacopéia Chinesa. A
quantidade de artemisinina encontrada no chá foi de 94,5 mg/L, cerca de 19%
da dose diária recomendada para adultos (500 mg). A artemisinina foi
absorvida rapidamente e a concentração máxima foi encontrada após 30
minutos (240 ηg/mL), em comparação com o comprimido de 500 mg de
artemisinina pura, que resultou em um pico máximo de 531 ηg/mL após 2,3
horas (64).
A concentração mínima requerida para inibir o crescimento da P.
falciparum in vitro tem sido estimada em 9 ηg/mL. A concentração de
artemisinina no plasma encontrada no referido estudo, excedeu claramente
este valor por pelo menos 4 horas após a administração do chá (64).
25
Em outro estudo realiza na África central, a A. annua foi cultivada
localmente, e a preparação tradicional foi testada em pacientes com malária
causada pelo P. falciparum. O teor de artemisinina nas partes aéreas da planta
seca foi de 0,63 – 0,70 %, e aproximadamente 40 % da droga pode ser
extraída pelo método simples da preparação do chá. Cinco pacientes tratados
com o chá de A. annua demonstraram um rápido desaparecimento da
parasitemia entre o segundo e o quarto dia. No mesmo estudo, um ensaio
adicional com 48 pacientes, demonstrou a negativação da parasitemia em 44
indivíduos (92%) no quarto dia. Em ambos os ensaios houve uma significativa
melhora dos sintomas (55). Os autores só relatam os resultados da parasitemia
até o final do tratamento, ou seja, até o quarto dia, não sendo possível
determinar as taxas de recrudescência.
Mueller colaboradores (63) conduziram outro ensaio onde foi avaliado a
eficácia e segurança do uso do chá de A. annua para o tratamento de malária
não complicada causada pelo P. falciparum.
Duas doses foram utilizadas; 5g
das folhas secas em 1L de água por dia (correspondendo á 47 mg de
artemisinina) e 9g das folhas secas em 1L de água por dia ( correspondendo á
94 mg de artemisinina). O grupo controle utilizou quinina como terapia. Após 7
dias de tratamento as taxas de cura foram de 74% para os pacientes que
tomaram o chá de A. annua enquanto 91% dos pacientes tratados com quinina.
As taxas de recrudescência foram altas para os pacientes tratados com o chá.
Todos os estudos citados acima que utilizaram o chá de A. annua,
concluem que o uso do chá como monoterapia é desaconselhado, e não deve
ser utilizado como alternativa substituta dos antimaláricos modernos, e alertam
quanto ao possível surgimento de resistência. Diante dos resultados
encontrados, os autores sugerem que mais estudos são necessários para se
aumentar o conhecimento científico sobre o chá, que é largamente utilizado em
muitos países (53, 55, 62-64).
1.4.4 Cultivo e produção de A. annua
26
Devido á importância concedida á planta após a descoberta da
artemisinina, folhas de A. annua foram intensamente coletadas o que levou a
quase extinção da planta em determinadas regiões. Em resposta a esta grande
demanda, a A. annua tem sido plantada em larga escala na China, Vietnam,
Turquia, Irã, Afeganistão e Autralia, além de alguns paises na Europa e
América (65).
Diante da possível diminuição da oferta de artemisinina causada pelo
aumento da demanda, o cultivo da planta, sobretudo em áreas endêmicas,
pode representar uma alternativa para a produção da droga (55).
Vários trabalhos tem demonstrado que a concentração de artemisinina
muda não somente durante o crescimento vegetativo, mas os diferentes
componentes da planta variam consideravelmente dependendo da origem do
híbrido. Tem-se observado também que altos níveis de artemisinina ocorrem
imediatamente antes da floração, ou no ponto em que a floração está completa.
Estas diferenças podem ser atribuídas á condições climáticas, tipo de
ecossistema, a maneira como é cultivada ou a combinação de todos estes
fatores (58).
Em regra para se maximizar o teor de artemisinina, o ponto crítico são
os dias longos, por que a planta freqüentemente cresce nos dias longos de
verão e em altas latitudes. Nestas condições a floração ocorre tardiamente.
Nos trópicos os dias são curtos mesmo no verão, a floração ocorre
precocemente, reduzindo a biomassa. Embora a concentração de artemisinina
seja afetada pelo clima e período da colheita, a maior influencia ocorre pela
variação genética (62).
A demanda mundial de artemisinina aumentou de 22,000 tratamentos
em 2001 para uma estimativa de 200 milhões de 2008. A relação custo
benefício representa o maior problema para síntese da artemisinina, sendo o
isolamento da substância a partir da folhas da planta a melhor alternativa (11).
27
A planta tem sido introduzida e estudada no Brasil desde a década de
80, e resultou em genótipos selecionados de altos rendimentos em princípios
ativos para serem cultivados em região intertropical. Embora alguns desses
genótipos já tenham sido ensaiados na região Amazônica, se faz necessário e
oportuno desenvolver pesquisas multidisciplinares visando o melhoramento
genético adequado aos ecossistemas amazônicos
1.5 Plantas antimaláricas amazônicas
Os Produtos Naturais tem sem mostrado fontes promissoras de
compostos antimaláricos. O conhecimento popular do uso de plantas
medicinais conduziu à identificação e isolamento dos principais antimaláricos
em uso na atualidade (43).
Antes da chegada dos europeus ao continente americano, os índios
peruanos usavam a casca da quina para o tratamento da malária. Em 1677, a
casca de quina foi incluída na Farmacopeia de Londres sob a designação
Cortex peruano, sendo este o primeiro registo oficial, na Europa, sobre
quimioterapia da malária. Em 1820, os químicos franceses Pelletier e Caventou
isolaram a substância activa da casca da quina, o alcalóide quinina, trabalho
que foi reconhecido e premiado pelo Instituto Francês de Ciências (10).
Durante os últimos 25 anos, extratos de um grande número de espécies
de plantas, entre elas as usadas na medicina tradicional, tem sido avaliadas
quanto a sua atividade antiplasmodial in vitro e algumas tem sido testadas in
vivo em camundongos infectados com P. berghei ou P. yoelii. Em alguns caso,
os constituintes responsáveis por esta atividade tem sido isolados, mas poucas
pesquisas avançam no sentido de explorar estes compostos como protótipos
para novas drogas (38).
Um estudo conduzido no Brasil em 1988, várias espécies de planta
foram testadas in vivo para atividade antimalárica. Quando as amostras foram
28
selecionadas randomicamente, 3% das espécies se mostraram ativas, o
número de espécies ativas cresceu para 18% quando elas foram selecionadas
por critérios etnofarmacológicos. Estes resultados indicam que a abordagem
etnofarmacológica pode ser o método mais eficientes para a seleção de plantas
medicinais (66).
A Amazônia é única no mundo e possui a maior biodiversidade do
planeta. A Floresta Amazônica é a maior floresta tropical do mundo tendo um
vasto e complexo ecossistema com uma área aproximada de 5,5 milhões de
km², dos quais 60 % estão em território brasileiro. Atualmente representa o
maior reservatório de diversidade biológica do planeta, das 100 mil espécies de
plantas existentes em toda a América Latina, 30 mil estão nessa região, além
de uma fauna riquíssima, sendo o seu conhecimento um dos maiores desafios
para o desenvolvimento do Brasil (43).
Algumas espécies de plantas amazônicas tem sido estudadas pelo
nosso grupo no sentido de se elucidar a possível atividade antimalárica de seus
extratos, substâncias isoladas e derivados semi-sintéticos.
Plantas da família Simaroubaceae são amplamente usadas na medicina
tradicional para o tratamento de malária, câncer, disenteria, e outras doenças
em países ao redor o mundo. Um dos p rincipais
grupos
químicos
nestas
espécies responsáveis pela atividade biológica dos extratos, são os
quassinóides. A atividade antimalárica de alguns quassinóides como o brusatol,
glaucarubiona e quassin foi demonstrada anteriormante. As substâncias
Neosergiolida e Isobruceína e alguns de seus derivados semi-sintéticos já
possuem sua atividade antimárica in vitro, e atividade larvicida para A.aegypti
muito bem caracterizadas (43).
As espécies da família Piperaceae ocorrem com freqüência na flora
amazônica, e são conhecidas na medicina popular por possuírem propriedades
antiinflamatórias
e
antimaláricas.
Extratos
de
Potomorphe
peltata
e
Potomorphe umbelata, conhecidas popularmente como “capeba” ou “capeba
29
do norte”, já foram testados in vitro e in vivo frente a espécies de Plasmodium,
demonstrando atividade antimalárica (Ferreira-da-Cruz et al., 2000). O
composto majoritário na planta é o 4-nerolidilcatecol (4-NC), um terpeno/fenil
propanóide, a quem é atribuída a atividade biológica da planta. Este composto
já foi estudado in vitro frente a cepa cloroquinorresistente K1 de P. falciparum,
demonstrando uma alta atividade frente esta linhagem e quatro de oito de seus
derivados semi-sintéticos apresentaram considerável ação antiplasmodial (43,
67).
Uma vez que a ação terapêutica de drogas antimaláricas permanece
como principal instrumento de combate e controle da malária em áreas
endêmicas, a avaliação da atividade in viitro dos medicamento de primeira e
segunda linha de tratamento, assim como a descoberta de novas alternativas
para o tratamentos são atividades essenciais no êxito dessas ações de
controle.
Atualmente a A. anua está sendo cultivada nos ecos-sistemas
amazônicos, e o acompanhamento da qualidade destes híbridos tem sido pelo
teor de artemisinina na planta. O presente trabalho contribui com a avaliação
da susceptibilidade dos plasmódios da Região Amazônica ao Chá padronizado
de Artemisia annua L. buscando compreender a interação parasito extrato
vegetal, preconizando também a atividade biológica como parâmetro de
seleção. A implementação no Laboratório da Gerência de Malária da FMTAM
de metodologias para realização sistemática de testes in vitro para avaliação
de atividade antimalárica também foram resultados alcançados.
30
2 OBJETIVOS
2.1 Geral
 Avaliar a susceptibilidade in vitro de isolados de campo e cepas
padrão de P. falciparum ao chá padronizado de Artemisa annua L.
cultivada em ecossistemas amazônicos.
2.2 Especificos
 Analisar o perfil de estabilização em cultivo contínuo de isolados de
campo de P. falciparum integrantes do criobanco mantido pela gerência
de Malária da FMT-AM.
 Adaptar protocolos de teste in vitro que permitam a avaliação de
susceptibilidade antiplasmodial de produtos naturais a partir da
aplicação de metodologia de contagem microscópica;
 Obter a Concentração que Inibe 50 % do crescimento do parasito (IC 50 )
in vitro dos chás de A. annua
proveniente dos ecossistemas Terra
Firme, Várzea e Terra preta de Índio, frente aos isolados de campo e as
cepas de P. falciparum;
 Correlacionar as concentrações inibitórias obtidas in vitro dos chás, com
as concentrações inibitórias in vitro dos medicamentos padronizados
utilizados como terapêutica antimalárica no Estado do Amazonas, tais
como cloroquina, quinina, e artemisinina.
31
3 MATERIAL E MÉTODOS
Trata-se de um estudo descritivo, prospectivo, de avaliação laboratorial
da atividade antimalárica de uma infusão de Artemisia annua cultivada em três
ecossistemas amazônicos.
3.1 As áreas de cultivo de Artemisia annua.
As áreas de cultivo de Artemisia annua são três ecossistemas amazônicos,
definidos como (68):
a) Terra firme: são aqueles ecossistemas que não são inundados pelas
cheias dos rios. Neles, predominam os Latossolos e Argissolos representando
cerca de 75 % dos solos da região, e em sua maioria são pobres em nutrientes.
b) Áreas de várzeas: consistem em áreas inundadas periodicamente por
rios de água barrentas, como o Rio Solimões, possuindo solos geralmente ricos
em nutrientes. As várzeas são formadas basicamente por solos hidromórficos e
representam 14% dos solos da Amazônia.
c) Terra preta de índio: estes solos se caracterizam por possuírem alto teor
de matéria orgânica devido a deposição de resíduos a partir da ação antrópica,
provavelmente realizada por populações indígenas em tempos remotos.
O cultivo de Artemisia annua na Amazônia teve coordenação geral do Dr.
Pedro Melillo de Magalhães do CPQBA/UNICAMP –SP, com colaboração local
do Dr. Célio Chaves e sua equipe.
Os estudos de cultivo em campo aberto foram realizados em várzea e terra
preta de índio no Campo Experimental do Caldeirão (no município de Iranduba
– AM) pertencente a Embrapa Amazônia Ocidental. Este campo fica situado no
Km 12 da Rodovia Manoel Urbano.
32
Sementes selecionadas de A. annua provenientes do CPQBA/UNICAMP
foram semeadas em bandejas de polietileno expandido (128 células) contendo
substrato comercial e terrição, na proporção de 3 para 1. Aos 10 dias da
germinação, foi feita a repicagem para bandejas de 72 células. Desde a
germinação até o plantio definitivo no campo, as bandejas permaneceram em
condições de viveiro, com irrigação diária.
Quando as plantas alcançarem a altura de 8-10 cm, foram plantadas
definitivamente no campo no espaçamento de 1,0 x 0,5 m. Em cada tipo de
solo foi instalada uma área de cultivo com 300 plantas.
As áreas foram colhidas totalmente no mês de maio de 2008 quando a
maioria das plantas apresentaram os primeiros sinais de diferenciação para a
formação dos botões florais, deixando-se, no entanto, 10 plantas em cada
ensaio visando a obtenção de sementes.
O corte das demais plantas foi realizado na altura das primeiras folhas
verdes (de baixo para cima), deixando no campo apenas o “pé” das plantas
(hastes da base, sem folhas). O material colhido, constituído de folhas e hastes
(talos), foi submetido á secagem em estufa para evitar contaminações por
microorganismos. Após a secagem foi realizada a separação das folhas e talos,
determinando-se o peso destas frações secas.
As folhas secas seguiram para a moagem em moinho de facas com peneira
de 2mm. Todo o material rasurado foi embalado em saco duplo de papel Kraft
com interior de polipropileno, de onde se retiraram 3 amostras para as
determinações do teor de artemisinina por HPLC no CPQBA, e uma amostra
de cada eco-sistema foi enviada para os testes de atividade antimalárica in
vitro na Fundação de Medicina Tropical de Amazona.
O cultivo em terra firme foi realizado na Fazenda Experimental da
Universidade Federal do Amazonas, situada no Km 38 da BR 374 (Manaus –
Boa Vista). Os mesmos procedimentos anteriores foram adotados.
33
3.2 Determinação do teor de artemisinina nas folhas secas de A. annua
por HPLC
A determinação do teor de artemisinina nas amostras de folhas secas de
A. annua foram realizadas no CPQBA na Universidade de Campinas, pela Dr.
Mary Ann Foglio, coordenadora da divisão de química, e a técnica Ilza Maria de
Oliveira Souza.
3.2.1 Preparo das amostras para análise
O material vegetal foi previamente moído, pesado em triplicatas, e
submetido ao processo de “clean-up” para remoção das clorofilas e graxas. As
amostras foram avolumadas em balão volumétrico de 5,00mL e completou-se o
volume com
MeOH grau cromatográfico. Em seguida foram filtradas em
membrana descartáveis MILLEX® produto JBR6 10222 de 0,45µm e analisadas
por cromatografia líquida de alta resolução com detector de índice de refração.
As limpezas foram feitas e injetada 20µL, o pico entre 7,8- 8,4 minutos
corresponde a artemisinina. Os resultados foram obtidos através da curva de
calibração.
3.2.1 Preparo fase móvel
A misturas dos solventes (H2O: MeOH) na proporção de 60:40 , foi
filtrado em membrana Millipore® artigo HVLP04700 de 0,45µm e sonificada
sob vácuo.
3.2.3 Condições cromatográficas.
As análises foram realizadas por CLAE WATERS modelo 515 acoplada
a detector de índice de refração WATERS modelo 2414 . As condições
cromatográficas utilizadas estão descritas na Tabela 1.
34
Tabela 3 - Condições cromatográficas utilizadas para quantificação de
artemisinina em extratos de Artemisia annua.
Equipamentos e acessórios
Especificação
Bomba
Coluna
CLAE Waters 515
- CN 100A°, Agilent
- (250mm x 4,6 mm x 5µm)
20µL
1 mL/min
- H 2 O: Metanol (60:40 v/v)
Índice de Refração Waters 2414
32
35°C
Empower
7,8-8,4 minutos
Volume de injeção
Fluxo
Fase móvel
Detector
Sensibilidade
Temperatura interna detector
Software
Tempo de retenção
3.2.4 Preparo da curva analítica
Pesou-se exatamente 25,0 mg e dilui-se em 10 mL de metanol grau
CLAE, obtendo uma concentração mãe de 2500µg/mL com diluição de
concentração de 50µg/mL a 1250µg/mL. Os pontos da curva analítica foram
injetados em triplicata , obtendo se a curva através do sofware Empower
3.3 Determinação do teor de artemisinina no chá por densitometria
A determinação do teor de artemisinina nas amostras de folhas secas de
A. annua e na infusão foram realizadas por cromatografia em cama delgada
por detecção densitométrica como descrito em (69), com pequenas
modificações. Para quantificação de artemisinina nas folhas, foram utilizados
200 mg do material vegetal aos quais foram adicionados 10 mL de tolueno e a
mistura foi submetida a extração num ultra-turrax por 30 segundos. A
suspensão foi centrifugada por 6 minutos a 3200rpm. Após a centrifugação,
foram aplicados 3μL da amostra em duplicata em uma cromatoplaca. Foram
aplicados na mesma placa, quatro volumes de solução padrão de artemisinina
(0,25mg/mL) que variaram de 1,5 á 3,0μL. A placa foi eluída em uma mistura
de clorofórmio/metanol (98,5:1,5; v/v). A placa foi aquecida por 6 minutos a
35
100°C e revelada utilizando solução de anisaldeído. Em seguida, utilizou-se um
densitômetro para escanear a cromatoplaca e avaliar por comparação da
densidade ótica dos padrões (calibração externa) e das amostras utilizando-se
o software CQTL (GE Healthcare).
Para quantificar a artemisinina na infusão, foram utilizados 100 mL de
infusão, os quais foram evaporados totalmente. O extrato foi suspenso em 10
mL de metanol. 3 μL desta suspensão foram aplicados na cromatoplaca e
avaliados como descrito acima.
3.4 Amostras de P. falciparum
3.4.1 Cepas padrão
No presente estudo foi utilizado como modelo experimental o parasita
P. falciparum mantido em cultivo in vitro e criopreservado no Laboratório da
Gerência de Malária da Fundação de Medicina Tropical do Amazonas. As
cepas padrão utilizadas foram cedidas pelo no Malaria Research and
Reference Reagent Resource Center (MR4), Manassas Virginia, Estados
Unidos, e são previamente caracterizadas quanto á sua susceptibilidade á
várias drogas. As cepas são K1, Dd2 e 3D7 (Tabel 4).
Tabela 4: Cepas Padrão de P. falciparum.
Fenótipo
Cepa
Origem
Sensível
K1
Tailândia
Mefloquina
Quiniana
Resistente
Cloroquina
Cloroquina
Dd2
Indochina
-
Mefloquina
Quinina
Cloroquina
3D7
Desconhecida
Mefloquina
Quinina
36
3.4.2 Obtenção dos isolados de campo
Os isolados de campo utilizados são integrantes do criobanco mantido
pela Gerência de Malária da Fundação de Medicina Tropical do Estado do
Amazonas (FMT-AM).
As amostras de sangue infectado são do município de Manaus, e foram
obtidas por punção venosa de pacientes da demanda passiva da FMTAM, após
a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, durante a
vigência do projeto PPG7. Foram utilizados 44 isolados de campo.
Os pacientes com o diagnóstico da gota espessa positiva acima de uma
cruz para P. falciparum que concordaram em participar do estudo, foram
encaminhados para coleta de sangue. O material foi coletado por via
endovenosa em tubo com anticoagulante (EDTA). O tubo com o sangue foi
centrifugado á 3000 r.p.m. por cinco minutos, o plasma e o creme leucocitário
foram desprezados. Da papa de hemácias foram feitas duas alíquotas de 500
μL e acondicionadas em criotubos contendo o mesmo volume de solução
criopreservadora de Glycerolyte 57 Baxter®, gota a gota e sob leve agitação
para
homogeneização.
As
amostras
foram
devidamente
rotuladas
e
criopreservadas em botijas com nitrogênio líquido á - 187 °C, conforme
metodologia descrita na literatura (70).
3.4.3 Descongelamento
O descongelamento das amostras de P. falciparum criopreservadas foi
realizado seguindo-se o processo de reconstituição de isotonia por fases. Os
tubos com o papa de hemácias parasitadas foram retirados do nitrogênio
líquido e deixados á temperatura ambiente até o descongelamento completo. O
conteúdo dos tubos foi transferido para tubos cônicos de centrífuga de 15 ml e
adicionou-se lentamente com homeogeneização constante, 0,4 mL de uma
solução de NaCl 12 %, deixando repousar por 5 minutos. Em seguida,
37
adicionou-se 9 mL de solução de NaCl á 1,6%, e procedeu-se uma
centrifugação á 2.500 r.p.m por 10 minutos. O Sobrenadante foi desprezado e
ao pellet de hemácias adicionou-se 9 mL de solução de NaCl á 0,9 %,
procedendo-se com um centrifugação a 2.500 r.p.m.. O sobrenadante foi
desprezado e o pellet de hemácias foi ressuspendido em 4,5 mL de meio de
cultura RPMI 1640 enriquecido com plasma. Adicionou-se então 500 μL de
suspensão de hemácias parasitadas á 50 %.
3.5 Manutenção da cultura de P.falciparum
A metodologia de cultivo in vitro de P.falciparum utilizada foi uma
modificação da técnica de Trager e Jensen (36) adaptada pelo laboratório de
malária da Fundação de Medicina Tropical do Amazonas e baseia-se no
desenvolvimento
laboratorial
dos
estágios
eritrocitários
desta
espécie
parasitária.
Após o descongelamento das amostras, os parasitos foram mantidos a
37 oC em frascos de poliestireno de 60 mL hermeticamente fechados, aos
quais foi adicionada uma mistura de gases para manter uma micro-atmosfera
de baixa tensão de oxigênio (5% de O 2 , 5% de CO 2 e nitrogênio balanceado).
Em cada frasco de cultivo foi adicionada suspensão de eritrócitos tipo A+ com
um hematócrito de 50% suficiente para a obtenção de 500 µL de sangue
parasitado e um hematócrito final no frasco de no máximo 6%. Foram
adicionados também 4,5 mL de solução composta por meio RPMI 1640
suplementado com 32 mM NaHCO 3 , 25 mM Hepes (C 8 H 18 N 2 O 4 S), 12 mM
TES
(ácido
sulfônico-N-tris[hidroximetil]-metil-2-aminoetano),
37
mM
hipoxantina, 2 mM glutamina, 10 mM glicose e 10% de plasma humano tipo A+
inativado á 56 °C.
Foi realizada troca diária de meio RPMI 1640 suplementado com plasma
humano inativado, sendo a retirada desse meio efetuada por sucção a vácuo
com o auxílio de uma pipeta Pasteur estéril. Todo o procedimento de
38
descongelamento e manutenção das culturas foi feito em ambiente de total
assepsia (câmara de fluxo laminar).
A adição de suspensão de hemácias não parasitadas foi feita em
períodos de 48 horas, e sempre que a cultura apresentou predomínio de
esquizontes e/ou parasitemia maior do que 2%.
3.6 Protocolo de estabilização e acompanhamento da parasitemia
O acompanhamento do crescimento parasitário das culturas de P.
falciparum foi realizado através da contagem de parasitas viáveis em
estendidos sanguíneos confeccionados durante o procedimento de troca do
meio de cultura e adição da mistura de gases. Os estendidos foram corados
pelo método Panótico®. A parasitemia foi calculada através de percentual de
formas eritrocíticas parasitadas observadas durante a contagem de 2000
hemácias totais. Da cultura das cepas padrão foram realizado esfregaços
sanguíneos para avaliação á cada 24 horas.
No processo de estabilização dos isolados de campo foram feitos
estendidos sanguíneos a cada 24 horas até a parasitemia reduzir á 0 %, e a
cada 48 horas quando as parasitemias estavam entre 0 e 0,5%. Acima desta
parasitemia foram feitos estendidos sanguíneos a cada 24 para o
acompanhamento.
O primeiro splite da cultura foi realizado quando as parasitemias
alcançaram níveis acima de 3 %.
Quando as culturas atingiram níveis acima
de 5% de parasitemia com predomínio de trofozoitas jovens de P. falciparum,
foram sincronizadas.
As culturas dos isolados de campo que durante vinte dias não
apresentaram parasitas na avaliação diária lâmina, foram desprezadas e
consideradas como não estabilizadas.
39
3.6.1 Sincronização
Na cultura in vitro de P. falciparum estão presentes simultaneamente
todas as formas eritrocitárias do parasita (esquizontes e trofozoítas). Por esta
razão foi necessário realizar um processo de sincronização da cultura, pra a
realização dos testes, e a criopreservação dos parasitas.
Após a estabilização dos isolados de P. falciparum em cultivo contínuo e
estável, realizou-se a sincronização do desenvolvimento dos parasitos
utilizando solução de sorbitol 5% segundo Lambros e Vanderberg (71), com
algumas modificações do protocolo original.
O princípio do teste está no fato dos heritrócitos parasitados com
esquizontes apresentarem uma maior fragilidade osmótica, sendo mais
sensíveis a ação do sorbitol, o que promove uma destruição seletiva dos
mesmos.
Ao se observar no estendido sanguíneo confeccionado a partir da
cultura, que havia um predomínio de trofozoítas jovens (anéis) em relação aos
esquizontes, a cultura foi centrifugada por 5 minutos a 2000 r.p.m.. O
sobrenadante foi desprezado, e ao pellet de hemácias foi adicionado gota a
gota sob constante homogeneização, 2,5 mL de solução de sorbitol á 5% para
cada 0,3 mL de hemácias. A suspensão foi incubada por 10 minutos á 37 °C, e
posteriormente centrifugada e lavada com RPMI por duas vezes, até a
eliminação da solução de sorbitol. Os eritrócitos recuperados após a ultima
centrifugação foram cultivados como descrito anteriormente.
3.7 Avaliação da susceptibilidade das cepas padrão e dos isolados de
campo ao Chá de A. annua, e ás drogas antimaláricas padrão.
Os chás da A. annua L. proveniente da Terra Firme, Vázea e Terra Preta
de Índio e da UNICAMP (SP), foram testados in vitro frente aos isolados de
campo e as cepas padrão de P. falciparum.
40
Foi avaliada também a susceptibilidade in vitro dos isolados de campo
estabilizados ás drogas Cloroquina, Quinina e Artemisinina, para traçar o perfil
de sensibilidade destes isolados aos antimaláricos tradicionais.
3.7.1 Preparação das soluções estoques das drogas padrão
As soluções estoques das drogas padrão foram preparadas na
concentração de 1 mg/mL, da seguinte maneira:
Pesou-se 5 mg de cloroquina, quinina e artemisinina. As duas ultimas
foram solubilizadas em 5 mL de etanol á 70 %, e submetidas ao banho de ultason por 10 minutos. A cloroquina foi primeiramente dissolvida em 1,5 mL de
água destilada, submetida a sonicação. Posteriormente completou-se o volume
para 5 mL com etanol absoluto. A partir destas soluções foram realizadas
séries de diluições para obtenção das concentrações finais de teste, baseado
em protocolos internacionais (72) (Tabela 4).
Tabela 5: Concentração das drogas Cloroquina, Quinina e Artemisinina nos
testes de avaliação da susceptibilidade in vitro.
Concentração em ηg/mL
Droga
Cloroquina
2.500
833,3
277,7
92,6
30,8
10,3
3,4
0
Quinina
500
166,6
55,5
18,5
6,2
2,0
0,6
0
Artemisinia
100
20
4
0,8
0,16
0,032
0,006
0
3.7.2 Preparação dos chás para o teste in vitro
A partir de folhas secas de A. annua provenientes dos ecos-sistemas
várzea, terra preta de índio e terra firme e Campinas, caracterizadas quanto ao
teor de artemisinina (HPLC), foi preparada a infusão.
41
A proporção seguida, foi a indicada pela Farmacopéia Tradicional Chinesa:
Foram pesadas 5 g de folhas secas, e adicionou-se 1L de água fervente,
deixado-se em repouso por 15 minutos. Posteriormente o chá foi filtrado e
diluído para o teste, utilizando-se como diluente o meio de cultura.
O chá foi testado nas diluições: 1:10; 1:50; 1:2,5 x 102; 1:1,2 x 103; 1:6,2
x 103; 1:3,1 x 104; 1:1,5 x 105 com um fator de 1:5 entre elas..
3.7.3 Microteste de susceptibilidade in vitro
O microteste foi realizado segundo metodologia descrita por Rieckmann
(41), com modificações descritas por Andrade-Neto (43).
Foram aplicados, em micro-placa de 96 poços, 180 μL de suspensão de
hemácias parasitadas com predomínio de trofozoítos jovens (anéis) em meio
de cultura com hematócrito de 3% e parasitemia inicial de 1,5% provenientes
dos frascos de cultivo contínuo de P. falciparum. Logo após foram adicionados
20 μL de solução com droga ou chá, obtendo o volume final de 200 μL por
poço. Cada concentração foi testada em triplicata.
Poços contendo somente hemácias parasitadas suspensas em meio de
cultura completo representaram o controle de crescimento. A placa foi incubada
por 48 horas à 37 °C e baixa tensão de O 2 em câmara acrílica e estufa
bacteriológica.
Ao fim de cada período de incubação foram confeccionados esfregaços
sanguíneos com alíquotas de sedimento de hemácias retiradas de cada poço.
Os esfregaços foram corados pelo Panótico® e examinados no microscópio
óptico, onde se contou a quantidade de parasitos presentes num total de 2.000
hemácias.
42
A parasitemia foi expressa em porcentagem, calculada a partir do
número de hemácias parasitadas no total de hemácias contadas, segundo a
fórmula abaixo:
Parasitemia em % = Nº de Hemácias parasitadas x 100
Nº de Hemácias totais
As parasitemias resultantes dos poços testes foram comparadas com as
parasitemias dos poços controles para se avaliar a viabilidade de crescimento
do parasito frente a cada concentração, calculada a partir da razão entre a
parasitemia dos poços testes e a parasitemia dos poços controle que foi
expressa em porcentagem, calculada segundo a fórmula:
% de Inibição = Parasitemia do Teste x 100
Parasitemia do controle
3 .8 Análise dos Dados
A inibição do crescimento dos parasitos foi determinada pela
comparação da média das triplicatas de cada concentração, com a média dos
controles sem droga, e o IC 50 (Concentração que inibe 50% do crescimento) foi
calculado mediante regressão linear utilizando o software Microcal Origin®.
O coeficiente de correlação entre variáveis quantitativas foi determinado
pelo teste paramétrico de Pearson ou pelo teste não-paramétrico de Spearman.
43
4 RESULTADOS
Os resultados estão apresentados na forma de Artigo que foi submetido
para publicação na revista Mem Inst Oswaldo Cruz, Online
SUSCEPTIBILIDADE IN VITRO DE ISOLADOS DE CAMPO DE Plasmodium
falciparum Á INFUSÃO (CHÁ) DE Artemisia annua CULTIVADA NA
REGIÃO AMAZÔNICA
Luiz Francisco R Silva1,5,7, Adrian M Pohlit2*, Pedro Melillo de Magalhães3,
Francisco Célio Cruz6, Ari de F Hidalgo4, Mônica RF Costa1, Maria das Graças
C Alecrim5, Pedro Paulo R Vieira1,5
1 Laboratório da Gerência de Malária, Fundação de Medicina Tropical do
Amazonas, FMTAM, Manaus, AM, Brasil;
2 Laboratório de Princípios Ativos da Amazônia - LAPAAM, Coordenação de
Pesquisas em Produtos Naturais - CPPN, Instituto Nacional de Pesquisas da
Amazônia – INPA Manaus, AM, Brasil;
3 Centro de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas da Universidade
Estadual de Campinas (CPQBA/UNICAMP),Paulinia, SP, Brasil.
4 Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Manaus, AM, Brasil;
5 Programa de Pós-graduação em Medicina Tropical da Universidade do
Estado do Amazônas, Manaus, AM, Brasil;
6 Embrapa Amazonia Ocidental, 69010-970, Manaus, AM, Brazil.
7 Centro Universitário do Norte, UNINORTE, Manaus, AM, Brasil.
* Autor de Correspondência: [email protected]
RESUMO
A Artemisia annua é a planta da qual é extraída a artemisinina, a principal
droga utilizada para tratar cepas multi-resistentes de Plasmodium falciparum. O
presente trabalho avaliou a suscetibilidade in vitro de isolados de campo
amazônicos de P. falciparum à infusão (5g de folha seca em 1L de água
fervente) de A. annua proveniente de cultivo em três ecos-sistemas
amazônicos: várzea, terra preta de índio e terra firme e um hibrido cultivado em
44
Paulínia, São Paulo. Para o teste in vitro foram utilizadas as cepas de P.
falciparum K1 e 3D7, e nove isolados de campo da cidade de Manaus-AM,
previamente estabilizados em cultivo contínuo. Foi avaliada também a
suscetibilidade dos isolados frente as drogas antimaláricas cloroquina, quinina
e artemisinina. O teor de artemisinina nas folhas variou de 1,13±0,05 a
0,90±0,1% (m/m), nas plantas cultivadas. A concentração de artemisinina nas
infusões das quatro plantas variou entre 40 e 46mg/L. Os isolados de campo
de P. falciparum apresentaram médias de concentração de inibição (CI 50 ) de
268±129, 172±40 e 2,1±1,0nM frente à cloroquina, a quinina e a artemisinina,
respectivamente, sendo todos os isolados de campo considerados resistentes
à cloroquina e sensíveis à quinina e à artemisinina. As médias de CI 50 das
infusões frente aos isolados de campo de P. falciparum foram de 0,11±0,03;
0,11±0,02; 0,13±0,1 e 0,14±0,04μL/mL para as infusões preparadas a partir de
planta cultivada em Paulínia, na terra preta de índio, na terra firme e na várzea,
respectivamente. Não houve diferença significativa nas respostas (CI 50 ) dos
isolados de campo frente aos chás das plantas de diferentes origens. Também,
não houve diferença significativa no perfil de suscetibilidade entre os isolados
de campo para cada chá. Os isolados de campo e as cepas padrão
demonstraram alto grau de suscetibilidade a todas as infusões.
Palavras-chave: Plasmodium falciparum, isolados de campo, Artemisia annua,
infusão, Amazônia.
INTRODUÇÃO
A malária ou paludismo é uma doença infecciosa, que acomete milhões
de pessoas nas zonas tropicais e subtropicais do globo. A Organização
Mundial de Saúde (OMS) estima que 40% da população mundial, isto é, 3,3
bilhões de pessoas vivem em áreas com alto risco de transmissão da malária
em 106 países onde a doença é considerada endêmica. Em 2009 foram
registrados 225 milhões de casos, causando quase um milhão de mortes,
sendo 90% destas, crianças africanas com idade inferior a cinco anos (WHO
2010). Na Amazônia brasileira, a doença continua sendo um grave problema
45
de Saúde Pública devido à alta incidência e aos efeitos debilitantes para as
pessoas acometidas por essa doença, com um importante potencial de
influenciar o próprio desenvolvimento da região (Ferreira et al. 2010).
A resistência do P. falciparum às drogas antimaláricas emergiu como um
dos maiores desafios a ser enfrentado para o controle da malária, com
implicações no aumento de mortalidade nas áreas hiper e holoendêmicas e
contribuiu para o aparecimento e ampliação de novos focos de malária
causada pelo P. falciaparum, mas acima de tudo foi identificado como um fator
de contingenciamento econômico do controle da malária (Trape et al. 2002).
Grandes esforços e tempo têm sido dedicados para a reprodução in vitro das
formas da fase eritrocítica do ciclo de vida do Plasmodium, como ferramenta
fundamental para a compreensão dos mecanismos de suscetibilidade e
resistência a drogas, bem como a screening para a identificação de novas
drogas (Girard et al. 2007).
Os produtos naturais tem se mostrado fontes promissoras de compostos
antimaláricos. O conhecimento popular do uso de plantas medicinais conduziu
à identificação e isolamento dos principais antimaláricos em uso na atualidade
como a quinina, que foi extraída da Cinchona spp, e a artemisinina, que foi
isolada das folhas de Aartemisia annua (Vale et al. 2005).
A A. annua (Asteraceae) é uma planta, originária do norte da China,
sendo predominante nas províncias de Chahar e Suiyuan onde é conhecida
popularmente como “qinghao” (erva verde) (Hsu 2006). Esta erva é utilizada
pela medicina tradicional chinesa a mais de 2000 anos na forma de infusão
para o tratamento de febre e malária. A atual Farmacopéia da China descreve
as folhas secas da planta como um remédio para febre, incluindo malária
(Mueller et al. 2000). Pesquisadores chineses estudaram mais de trinta
espécies
do
gênero
Artemisia
pesquisando
uma
possível
atividade
antimalárica, porém, só A. annua e A. apiacea Hance provaram ser eficazes
contra o P. falciparum e P. vivax (Rodrigues et al. 2006). Dentre os metabólitos
presentes na planta, a artemisinina foi considerada o componente ativo
46
principal. Seu teor pode variar consideravelmente dependendo da parte da
planta, condições de crescimento e variações sazonais e geográficas. Altos
teores de artemisinina são encontrados nas folhas e inflorescências,
principalmente no período imediatamente anterior a floração (0,01 – 1,4%)
(Baraldi et al. 2007). A maior parte desta variação pode ser atribuída a fatores
genético, mas mesmo variedades high-yelding podem ter sua produção de
artemisinina reduzida influenciada por condições ambientais. Altitude, latitude,
nutrientes, pH do solo, comprimento do dia, tempo de floração, tempo de
secagem e condições de armazenamento, inevitavelmente determinam o
conteúdo de artemisinina da planta (Ferreira et al. 2005, Wilcox et al. 2004).
A demanda mundial de artemisinina e derivados aumentou de 11,2
milhões tratamentos em 2005 para aproximadamente 158 milhões em 2009. A
relação custo benefício representa o maior problema para síntese da
artemisinina, sendo o isolamento da substância a partir da folhas da planta a
melhor alternativa para a obtenção da substância (WHO 2010). Diante da
possível diminuição da oferta de artemisinina causada pelo aumento da
demanda, o cultivo da planta, sobretudo em áreas endêmicas, pode
representar uma alternativa para a produção da droga (Mueller et al. 2000). A
planta tem sido introduzida e estudada no Brasil desde a década de 80, e
resultou em genótipos selecionados de altos rendimentos em princípios ativos
para serem cultivados em região intertropical (Magalhães et al. 1997). Embora
alguns desses genótipos já tenham sido ensaiados na região Amazônica, se
faz necessário e oportuno desenvolver pesquisas multidisciplinares visando o
melhoramento genético adequado aos ecossistemas amazônicos, que são de
composição variada.
A infusão de A. annua é a forma indicada pela atual Farmacopéia
Chinesa e é a principal forma de uso popular. A dose recomendada varia de
4,5 a 9g da folha seca a cada litro de água fervente. (Ridder et al. 2008). Nos
principais estudos referidos na literatura envolvendo o chá de A. annua, tem se
utilizado 5 ou 9 g da planta seca para um litro de água por dia, durante 5 a 7
dias. Em estudos clínicos utilizando o chá, a eficácia terapêutica foi de até
47
70%, porém com altas taxas de recrudescência, sendo desaconselhando pelos
autores o uso do chá como monoterapia (Mueller et al. 2000, Mueller et al.
2004, Räth et al. 2004).
Ao longo das duas últimas décadas foi proposto que o potencial
antimalárico da A. annua estaria ligado ao sinergismo existente entre vários
compostos
presentes
no
chá.
Polimetoxiflavonóides
como
casticina,
artemetina, crisosplenetina podem contribuir para a atividade in vitro da
artemisinina frente ao P. falciparum. Porém dados relativos ao mecanismo
relacionado ao efeito sinérgicos destas substâncias ainda não tem sido bem
estudados (Bilia et al. 2006).
Atualmente a A. annua está sendo cultivada nos ecos-sistemas
amazônicos no projeto Artemisia, financiado pelo governo brasileiro. O
acompanhamento da qualidade destes híbridos tem sido realizado pela
avaliação da biomassa das plantas, bem como pela avaliação do teor de
artemisinina nas folhas. O presente trabalho avaliou a suscetibilidade de
isolados de campo de P. falciparum da região Amazônica a infusões de A.
annua cultivada nos ecos-sistemas amazônicos várzea, terra firme e terra preta
de índio, buscando compreender a interação parasito-infusão, preconizando
também a atividade antimalárica in vitro como parâmetro de análise.
MATERIAL E MÉTODOS
Material vegetal e teor de artemisinina - A A. annua utilizada neste estudo foi
cultivada nos ecossistemas amazônicos várzea, terra firme e terra preta de
índio nos campos experimentais de Empresa Brasileira de pesquisa
Agropecuária na região de Manaus. Foi utilizado também um híbrido from
Chemical, Biological and Agricultural Researches, University of Campinas,
Brazil. Para o estudo, as partes aéreas das plantas foram colhidas
imediatamente antes da floração e secas em estufa a 40 °C. A determinação
do teor de artemisinina nas amostras de folhas secas de A. annua e na infusão
foram realizadas por densitometry-thin layer cromatography (TLC) como
48
descrito em Marchese et al., 2001, com pequenas modificações. Para
quantificação de artemisinina nas folhas, foram utilizados 200 mg do material
vegetal aos quais foram adicionados 10 mL de tolueno e a mistura foi
submetida a extração num ultra-turrax por 30 segundos. A suspensão foi
centrifugada por 6 minutos a 3200rpm e após a centrifugação, foram aplicados
3μL do sobrenadante em duplicata em uma cromatoplaca. Na mesma placa
foram aplicados também quatro volumes de solução padrão de artemisinina
(0,25mg/mL) que variaram de 1,5 á 3,0μL para se obter a curva de calibração.
A placa foi eluída em uma mistura de clorofórmio/metanol (98,5:1,5; v/v), e
aquecida por 6 minutos a 100°C, sendo revelada com solução de anisaldeído.
Em seguida, utilizou-se um densitômetro Image Scanner® GE para escanear a
cromatoplaca e avaliar por comparação da densidade ótica dos padrões
(calibração externa) e das amostras utilizando-se o software Image Quant TL®
GE. Para quantificar a artemisinina na infusão, foram utilizados 100 mL de
infusão, os quais foram evaporados totalmente. O extrato foi suspenso em
10mL de metanol. 3 μL desta suspensão foram aplicados na cromatoplaca e
avaliados como descrito acima.
Cultivo contínuo de P. falciparum – Foram utilizadas duas cepas de P.
falciparum, obtidas do Malaria Research and Reference Reagent Resource
Center (MR4), Manassas Virginia, Estados Unidos: a cepa cloroquinoresistente K1 (Tailândia), e a cepa cloroquino-sensível 3D7 (origem
desconhecida). Foram utilizados nove isolados campo de P. falciparum da
região amazônica, obtidos de pacientes sintomáticos do município de Manaus,
após a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. Os isolados
de campo estão armazenados no criobanco mantido pela Gerência de Malária
da Fundação de Medicina Tropical do Estado do Amazonas (FMT-AM).Os
pacientes com o diagnóstico da gota espessa positiva acima de uma cruz para
P. falciparum que concordaram em participar do estudo, foram encaminhados
para coleta de sangue. 10 mL de sangue de pacientes com o diagnóstico de
gota espessa positiva acima de uma cruz para P. falciparum foram coletados
por via endovenosa em tubo com anticoagulante (EDTA). O sangue foi
centrifugado a 3000rpm por cinco minutos e depois o plasma e o creme
49
leucocitário foram desprezados. Do pellet de hemácias foram feitas duas
alíquotas de 500 μL e essas última foram acondicionadas em criotubos
contendo o mesmo volume de solução criopreservadora de Glycerolyte 57
Baxter®. As amostras foram criopreservadas em nitrogênio líquido a -187°C,
conforme metodologia descrita na literatura (Vieira et al. 2001).
O
descongelamento das amostras de P. falciparum criopreservadas foi realizado
como descrito em Diggs et al., 1975, utilizando-se concentrações crescentes de
NaCl. O método de cultivo in vitro de P.falciparum utilizado foi uma modificação
da técnica de Trager e Jensen (1976) adaptada pelo laboratório de malária da
Fundação de Medicina Tropical do Amazonas e baseia-se no desenvolvimento
laboratorial dos estágios eritrocitários desta espécie parasitária. Após o
descongelamento das amostras, os parasitos foram mantidos a 37oC em
frascos de poliestireno de 60 mL hermeticamente fechados, aos quais foi
adicionada uma mistura de gases para manter uma micro-atmosfera de baixa
tensão de oxigênio (5% de O 2 , 5% de CO 2 e nitrogênio balanceado). Em cada
frasco de cultivo foi adicionada suspensão de eritrócitos tipo A+ com um
hematócrito de 50% o que foi suficiente para a obtenção de 500 µL de sangue
parasitado e um hematócrito final no frasco de no máximo 6%. Foram
adicionados também 4,5 mL de solução composta por meio RPMI 1640
suplementado com 32 mM NaHCO 3 , 25 mM Hepes (C 8 H 18 N 2 O 4 S), 12 mM
TES
(ácido
sulfônico-N-tris[hidroximetil]-metil-2-aminoetano),
37
mM
hipoxantina, 2 mM glutamina, 10 mM glicose e 10% de plasma humano tipo A+
inativado a 56°C. Foi realizada troca diária do meio de cultura. A adição de
suspensão de hemácias não parasitadas foi feita em períodos de 48 horas, e
sempre que a cultura apresentou predomínio de esquizontes e/ou parasitemia
maior do que 2%. Após a estabilização dos isolados de P. falciparum em cultivo
contínuo e estável, realizou-se a sincronização do desenvolvimento dos
parasitos utilizando solução de sorbitol 5% segundo Lambros e Vanderberg
(1979).
Teste de suscetibilidade in vitro – As infusões de A. annua provenientes de
terra firme, várzea e terra preta de índio e Paulinia foram preparadas na
50
proporção de 5g das folhas secas e pulverizadas para 1L de água fervente. As
infusões foram posteriormente diluídas e testadas in vitro frente aos isolados de
campo e as cepas padrão de P. falciparum em sete diluições que variaram de
1:10 a 1:1,5 x 105 com um fator de 1:5 entre elas. Foram também testadas as
drogas cloroquina (Sigma Aldrich), quinina (Sigma Aldrich) e artemisinina
(Sigma Aldrich) nas faixas de concentração de 2500-3,4; 500-0,7; e 1000,0064ng/mL,
respectivamente.
O
microteste
foi
realizado
segundo
metodologia descrita por Rieckmann et al. (1978), com modificações descritas
por Andrade-Neto et al. (2007). Em micro-placa de 96 poços foram aplicados
180 μL de suspensão de hemácias parasitadas com predomínio de trofozoítos
jovens (anéis) em meio de cultura com hematócrito de 3% e parasitemia inicial
de 1,5%. Logo após foram adicionados 20 μL de solução com droga ou infusão
diluída, obtendo o volume final de 200 μL por poço. Cada teste foi feito em
triplicata. Poços contendo somente hemácias parasitadas suspensas em meio
de cultura completo representaram o controle de crescimento. A placa foi
incubada por 48 horas a 37°C e baixa tensão de O 2 em câmara acrílica e
estufa bacteriológica. Após a incubação foram confeccionados esfregaços
sanguíneos com o conteúdo de cada poço. Os esfregaços foram corados pelo
Panótico® e examinados no microscópio óptico, onde se contou a quantidade
de parasitos presentes num total de 2.000 hemácias. A parasitemia foi
expressa em porcentagem. As parasitemias resultantes dos poços testes foram
comparadas com as parasitemias dos poços controles para se avaliar a
viabilidade de crescimento do parasito frente a cada concentração de infusão
de A. annua ou droga padrão, calculada a partir da razão entre a parasitemia
dos poços testes e a parasitemia dos poços controle.
Análise dos dados – A inibição do crescimento dos parasitos foi determinada
pela comparação da média dos testes em triplicata de cada concentração de
infusão ou droga padrão, com a média dos controles sem droga, e o CI 50
(concentração que inibe 50% do crescimento) e o desvio padrão com 95% de
intervalo de confiança, foi calculado mediante regressão linear utilizando o
software Microcal Origin®.
51
RESULTADOS
Os três híbridos de A. annua cultivados nos ecos-sistemas amazônicos
várzea, terra preta e terra firme apresentaram um bom teor de artemisinina nas
folhas secas. Os resultados indicam que o teor de artemisinina destas plantas
variou
entre
1,1±0,07%
e
0,9±0,1%
conforme
a
determinação
por
fotodensitometria, como representado na Tabela 1. A planta padronizada
cultivada em Paulinia, de onde vieram as sementes que originaram as plantas
cultivadas na Amazônia, apresentou um teor de artemisinina de 1,13±0,05%.
Tabela 1. Teor de artemisinina nas folhas e na infusão de A. annua cultivada
em quatro ecos-sistemas e teor extrativo da infusão.
Teor de
Concentração de
Teor extrativo de
artemisinina
artemisinina na
artemisinina da
nas folhas (%)
infusão (mg/L)
infusão (% m/v)
Paulinia
1,13±0,05
46±2
81,4
Terra Preta
1,1±0,07
43±1
78,2
Terra Firme
0,9±0,1
41±2
91,0
Várzea
0,9±0,1
40±1
90,0
Origem da
Planta
A concentração de artemisinina nas infusões de A. annua cultivada nos
ecos-sistemas estudados variou entre 46 e 40 mg/L (Tabela 1).
Como
observado, não houve grandes variações nas concentrações de artemisinina
na infusão das plantas estudadas, sendo a infusão da planta cultivada em
Paulinia o que apresentou maior concentração, proporcional ao teor de
artemisinina das folhas secas. O teor extrativo de artemisinina na infusão
variou de 78,2% a 91% nas infusões da planta cultivada na terra preta e na
terra firme. O teor extrativo de artemisinina do chá se refere a percentagem de
artemisinina presente no chá em relação ao total de artemisinia presente nas
folhas.
Os nove isolados de campo estudados tiveram seus perfis de
sensibilidade avaliados para as drogas cloroquina, quinina e artemisinina
através da determinação da CI 50 (Tabela 2). A média das CI 50 dos nove
52
isolados de campo para cloroquina foi de 268 ± 129nM sendo que o menor
nível de CI 50 foi de 166nM. Todos os isolados de campo foram considerados
resistentes à cloroquina. Para a quinina, a média das CI 50 foi de 172 ± 40nM
variando entre 110 e 238nM, como demonstrado na tabela 2. Todos os
isolados de campo foram considerados sensíveis à quinina. Os níveis de CI 50
de
artemisinina
dos
isolados
de
campo
amazônicos
não
variou
significativamente, sendo a média 2,1±1nM. Levando em consideração o
número de amostras estudadas, os níveis de sensibilidade dos isolados de
campo à artemisinina está de acordo com a literatura. Na figura 1 estão
representadas as curvas de dose resposta do maior e menor IC dos isolados
de campo frente a cloroquina (A), quinina (B) e artemisinina (C), sendo estas
curvas representativas para os demais isolados.
Tabela 2. CI 50 das drogas cloroquina, quinina e artemisinina frente às cepas
padrão e os isolados de campo.
IC 50 dos Isolados de Campo (nM)
Droga
Mean (n=9)
Lower/higher
K1
3D7
Cloroquina
268,4
116/460
136±10
60±6
Quinina
173,9
110/259
160±8
110±10
Artemisinina
2,1
0,9/3,5
2,9±1
1,7±1
Higher
Lowe
0,8
0,6
0,4
0,2
A
0,0
1
10
100
1000
Concentration ηg/mL
Lowe
Higher
1,0
P. falciparum survival
1,0
0,8
0,6
0,4
0,2
0,0
B
1
10
100
Concentration ηg/mL
Lower
Higher
1,2
P. falciparum survival
1,2
P. falciparum survival
IC 50 das Cepas (nM)
1,0
0,8
0,6
0,4
0,2
0,0
1E-3
C
0,01
0,1
1
10
Concentração ηg/mL
Figura 1. Curvas de dose resposta dos isolados de campo de P. falciparum
(lowe and higher valor de IC50) frente ás drogas padrão. A: Cloroquina; B:
Quinina; C: Artemisinina.
As 11 amostras de P. falciparum (duas cepas padrão e nove isolados de
campo) tiveram seus perfis de suscetibilidade avaliados frente o chá da A.
100
53
annua originária dos quatro ecos-sistema. Imediatamente após a preparação
da infusão, a mesma foi aplicada diretamente na placa de teste, sem qualquer
tratamento, sendo a CI 50 calculada em microlitros de infusão por cada mililitro
de solução total nos poços da placa (μL/mL). Utilizando-se o teor extrativo dos
chás foi feita a conversão da CI 50 de μL/mL para ng/mL. A tabela 2 apresenta
as CI 50 das infusões nas duas concentrações. A média das CI 50 das infusões
frente às amostras de P. falciparum foi de 0,11±0,03; 0,11±0,02; 0,13±0,1 e
0,14±0,04 μL/mL, respectivamente, para a A. annua cultivada em Paulinia, e na
terra preta, terra firme e várzea. Não houve diferença significativa entre as CI 50
dos isolados de campo frente às infusões das plantas de diferentes origens,
assim também como não houve diferença significativa no perfil de
suscetibilidade entre os isolados de campo em cada chá. Na figura 4 estão
apresentadas as curvas de dose resposta de um isolado de campo frente às
diferentes infusões de A. annua. Essas curvas são representativas dos isolados
de campo de P. falciparum. A resposta biológica deste isolado de campo frente
à infusão das plantas cultivadas na terra firme e na várzea foi ligeiramente mais
tardia, resultando em CI 50 maiores.
Tabela 3. CI 50 da infusão de A. annua preparada a partir das plantas cultivada
nos ecos-sistema terra preta, terra firme, várzea e Paulinia, frente às cepas e
isolados de campo amazônicos de P. falciparum.
IC 50 dos Isolados de Campo
IC 50 das Cepas
Droga
Mean (n=9)
Lower / higher
K1
3D7
µL/mL
ɳg/mL
µL/mL
µL/mL
µL/mL
Paulínia
0,11
18,2
0,18 / 0,08
0,09
0,10
Terra Preta
0,11
20,7
0,08 / 0,15
0,10
0,09
Terra Firme
0,13
15,4
0,07 / 0,36
0,08
0,11
Várzea
0,14
19,9
0,09 / 0,20
0,10
0,13
54
Terra Preta
Paulínia
Várzea
Terra Firme
P. falciparum survival
1,2
1,0
0,8
0,6
0,4
0,2
0,0
0,01
0,1
1
10
100
Concentration µL/mL
Figura 2. Curva de dose resposta de um isolado de campo frente à infusão de
A. annua cultivada nos diferentes ecos-sistemas estudados.
Discussão
Grande importância foi concedida à A. annua após a descoberta da
artemisinina nas folhas da planta, que foi intensamente coletada levando a
quase extinção da planta em determinadas regiões. Em resposta a esta grande
demanda, a A. annua tem sido plantada em larga escala na China, Vietnam,
Turquia, Irã, Afeganistão e Austrália, além de alguns países na Europa e
América (Bhakuni et al. 2001). Diante da possível diminuição da oferta de
artemisinina causada pelo aumento da demanda, o cultivo da planta, sobretudo
em áreas endêmicas, pode representar uma alternativa para a produção da
droga (Ridder et al., 2008). Nosso estudo mostra que o material vindo da A.
annua cultivada nos solos amazônicos possui alto teor de artemisinina. Esse
dado, junto com dados agronômicos de biomassa fortalece a noção de que A.
annua pode ser cultivado nessa região equatoriana. O híbrido de A. annua
cultivado em Paulínia-SP (UNICAMP/CPQBA) é considerado estável, pois já
está em cultivo há várias gerações e possui suas condições ideais de
crescimento já estabelecidas. É relatado na literatura que estas plantas
possuem teor de artemisinina entre 0,8 e 1,2% (Magalhães et al. 1997;
55
Marchese et al. 2001). Não houve grandes variações no teor de artemisinina
entre os híbridos dos solos amazônicos, embora haja grandes diferenças na
composição nutricional dos solos da várzea, terra preta e terra firme (Sanchez
et al. 1982).
Conforme observado, os teores de artemisinina encontrados nestes
híbridos cultivados na Amazônia são semelhantes aos encontrados no seu
progenitor de Paulinia que já está estabilizado e padronizado. As plantas
utilizadas neste estudo são resultados da primeira geração de A.annua
cultivada nestes solos e essas plantas ainda estão em processo de adaptação
às condições climáticas e geológicas desta região. O método utilizado para
determinar o teor de artemisinina nas folhas e no chá foi a técnica
semiquantitativa de CCD-fotodensitometria, que possui alta correlação com o
resultado de escolha, HPLC (Marchese et al. 2001) e possui a vantagem da
rapidez, baixo custo e fácil adaptação às condições de campo, sendo ideal
para o processamento de uma grande quantidade de amostra durante um
processo de seleção de plantas. Este método também tem sido utilizado para
mensurar artemisinina em outros estudos que avaliam a atividade biológica do
chá de A. annua (Atmnkeng et al. 2009).
A artemisinina pura é pouco solúvel em água e conforme foi
demonstrado acima, a infusão das folhas secas de A. annua preparada como
recomenda a farmacopéia chinesa, contém quantidade significativa de
artemisinina (Tabela 1). Estes achados se assemelham com os de Rath et al.
(2004), que conduziram um estudo farmacocinético utilizando a infusão de A.
annua, para determinar a concentração plasmática de artemisinina após a
administração oral da infusão. Neste estudo, a concentração de artemisinina na
infusão preparada de maneira análoga ao método adotado no presente
trabalho foi de 57,5mg/mL, partindo de uma planta com teor de artemisinina de
1,39%. Atmnkeng et al. (2009) encontraram no chá uma concentração de
artemisinina 34 mg/L em uma planta com teor de 1,12% do princípio ativo.
Apesar da baixa solubilidade da artemisinina em água, as altas quantidades da
droga no chá se justificam pela presença de outros constituintes da planta com
56
propriedades anfifílicas (flavonóides e/ou saponinas) os quais aumentam a
solubilidade da artemisinina em água (Ridder et al. 2008).
Durante o processo de adaptação de plantas medicinais a novas
condições climáticas e geológicas, o acompanhamento do controle de
qualidade através do doseamento do princípio ativo é uma prática comum.
Para o controle de qualidade das safras de A. annua, a determinação do teor
de artemisinina nas folhas é uma atividade essencial (Celeghini et al. 2006). No
presente estudo, foi proposta uma abordagem de acompanhamento da
qualidade destes híbridos cultivados na Amazônia, baseado também na
atividade antimalárica das infusões destas plantas sobre o P. falciparum in
vitro. A literatura relata alguns estudos conduzidos in vivo com o chá de A.
annua (Mueller et al. 2000, Mueller et al., 2004; Räth et al., 2004, Atemnkng et
al. 2009), porém, relatos de atividade in vitro para a infusão são escassos.
A estabilização de populações geograficamente específicas de P.
falciparum em cultivo contínuo permite a avaliação do real perfil de
suscetibilidade dos parasitas circulantes em determinadas regiões a drogas
tradicionais e a produtos naturais (Andrade-Neto et al. 2007). No presente
estudo foi possível estabilizar em cultivo contínuo 9 (16%) de 55 isolados de
campo de P. falciparum cultivados. O aumento das taxas de fracassos
terapêuticos de várias drogas antimaláricas na maioria das áreas malarígenas
requer um monitoramento da epidemiologia e dinâmica de resistência à drogas.
Informações sobre a epidemiologia de resistência podem ser aplicadas no
monitoramento e controle do aparecimento e propagação da quimio-resistência
em população de parasitas naturais, tanto a drogas utilizadas no local, como a
novas opções de tratamento, sobre tudo, pelo parasita apresentar o fenômeno
de resistência cruzada (Ferreira et al. 2007, Chiyaka et al. 2008).
Os isolados de campo estabilizados demonstraram um perfil de
sensibilidade semelhantes entre si frente às três drogas testadas. Como era de
se esperar, todos se mostraram resistentes à cloroquina in vitro, pois
atualmente a cloroquina é contra-indicada para o tratamento das infecções pelo
57
P. falciparum em razão do elevado nível de resistência por parte desta espécie
parasitária em diferentes regiões do mundo, assim como na Amazônia (WHO
2006). Embora haja relatos de resistência in vivo e in vitro à quinina na região
Amazônica (Alecrim et al. 1981), no presente trabalho, não foi possível detectar
resistência, embora duas amostras tenham revelado altos valores de CI 50 (224
e 214 nM). Para as amostras estudadas, os níveis de inibição frente à
artemisinina concordam com os achado na América do Sul e no Brasil, estando
a média de CI 50 do isolados em 2,1±1nM (Jambou et al. 2005, Ferreira et al.
2007). Ao se avaliar a suscetibilidade dos isolados de campo estudados frente
às drogas tradicionais, objetivou-se não monitorar a resistência local do P.
falciparum, mas conhecer o perfil de sensibilidade das amostras de parasitos
que estavam sendo testadas frente às infusões.
As amostras de P. falciparum avaliadas neste estudo tiveram alto grau
de suscetibilidade frente à infusão de A. annua cultivada em todos os
ecossistemas. Mesmo altas diluições da infusão (1:6,2 x 103) chegaram a
apresentar níveis de inibição de até 100 % em quase todos os isolados (dados
não mostrados). Os níveis de CI 50 das infusões chegaram a 0,11 ± 0,2μL/mL, o
que equivale a 20,7±4ng/mL de extrato. Estes valores foram observados na
infusão preparada com a planta cultivada na terra preta. A homogeneidade das
CI 50 obtidas nos testes in vitro utilizando as infusões (Tabela 3) está
relacionada aos teores de artemisinina nas plantas dos diferentes locais
(Tabela 1) que además é noção reforçada pelas CI 50 de artemisinina pura
frente os diversos isolados estudados (Tabela 2).
Desta forma, as plantas
tiveram teores de artemisinina muito semelhantes, assim como foram
semelhantes as respostas biológicas das amostras de P. falciparum frente às
quatro infusões estudadas.
O importante desenvolvimento de genótipos de A. annua com altos
teores de artemisinina deve ser realizado, sobretudo em áreas endêmicas,
porém a artemisinina não é a única substância ativa presente na planta,
tornando-se relevante a avaliação de atividade antimalárica também da infusão
preparada com as plantas em processo de adaptação. Estudos têm
58
demonstrado que flavonóides presentes na planta também estão envolvidos na
atividade antimalárica, desta forma também é importante o uso de outras
técnicas de avaliação para assegurar a qualidade e estabilidade das plantas
(Willcox et al. 2004, Bilia et al. 2006).
As plantas cultivadas na Amazônia demonstraram respostas químicas
semelhantes no que se refere aos altos teores de artemisinina encontrados,
demonstrando que os solos amazônicos também podem produzir plantas com
qualidade. As amostras vegetais presentes no estudo são a primeira geração
de A. annua cultivada na Amazônia, e precisam de melhoramentos
agronômicos, principalmente no que se refere à biomassa e homogeneidade
genética (dados não apresentados). Os testes in vitro de atividade antimalárica
foram uma ferramenta importante no controle de qualidade destas plantas,
visto a atividade antimalárica da infusão está relacionada com os altos teores
de artemisinina na planta que são detectados pelo parasita. As concentrações
inibitórias das infusões da A.annua que está sendo adaptada aos solos
amazônicos foram semelhantes às concentrações inibitórias obtidas pela
infusão preparada com a planta já estabilizada cultivada em Paulinia. Os
isolados de campo e as cepas padrão demonstraram alto grau de
susceptibilidade a todas às infusões.
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62
5 CONCLUSÕES
• As plantas cultivadas na Amazônia demonstraram respostas químicas
semelhantes no que se refere aos altos teores de artemisinina
encontrados, demonstrando que os solos amazônicos também podem
produzir plantas com qualidade.
• As amostras vegetais presentes no estudo são a primeira geração de A.
annua
cultivada
agronômicos,
na
Amazônia,
principalmente
no
e
precisam
que
se
de
refere
melhoramentos
à
biomassa
e
homogeneidade genética (dados não apresentados).
• Os testes in vitro de atividade antimalárica foram uma ferramenta
importante no controle de qualidade destas plantas, visto a atividade
antimalárica da infusão está relacionada com os altos teores de
artemisinina na planta que são detectados pelo parasita.
• As concentrações inibitórias das infusões da A.annua que está sendo
adaptada aos solos amazônicos foram semelhantes às concentrações
inibitórias obtidas pela infusão preparada com a planta já estabilizada
cultivada em Paulinia.
• Os isolados de campo e as cepas padrão demonstraram alto grau de
susceptibilidade a todas às infusões.
63
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69
7 ANEXOS
7.1 Parecer de Aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa
70
7.2 Confirmação da Submissão
71
7.3 Artigos Publicados como autor e coautor relacionados a dissertação
7.3.1 In Vivo and In Vitro Antimalarial Activityof 4-Nerolidylcatechol
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