ATUALIZAÇÃO Metabolismo Embrionário no Período Pré-implantação Preimplantation Embryo Metabolism Elielton Ribeiro Coelho Marcello Valle Marcos Sampaio Selmo Geber Centro de Medicina Reprodutiva – Rio de Janeiro Resumo Introdução Há décadas os pesquisadores tentam elucidar as bases fisiológicas e metabólicas do desenvolvimento embrionário. No que diz respeito ao período pré-implantação, a maior parte das informações foi obtida a partir de estudos com modelos animais devido, sobretudo aos impedimentos éticos e legais envolvidos na pesquisa com embriões humanos. Frequentemente, os trabalhos sobre desenvolvimento embrionário pré-implantação envolvem temas como requerimento energético, atividade mitocondrial, controle da expressão gênica, biossíntese de macromoléculas, comunicação intra e intercelular e resposta ao estresse. Entender como se dá o desenvolvimento de blastocistos de alta qualidade é de grande importância para melhorar as condições de cultivo de embriões e, conseqüentemente, aumentar o sucesso dos ciclos de reprodução assistida. Neste estudo serão descritos os principais aspectos do desenvolvimento embrionário desde a fecundação até o estágio de blastocisto. Serão enfocadas as principais necessidades metabólicas, de que maneira a cultura de embriões em ART supre estas necessidades e as conseqüências do desenvolvimento in vitro no metabolismo embrionário. Entender as bases fisiológicas e metabólicas do desenvolvimento embrionário em relação a aspectos como necessidade energética, expressão gênica, biossíntese de macromoléculas, comunicação celular e resposta ao estresse, é um objetivo buscado pela ciência há décadas, sobretudo no que diz respeito ao período pré-implantação. O advento das técnicas de reprodução humana assistida foi responsável pelo aumento no conhecimento sobre o metabolismo embrionário humano até o estágio de blastocisto, entretanto a maior parte das informações foi obtida a partir de estudos com modelos animais, devido aos impedimentos éticos e legais envolvidos na pesquisa com embriões humanos. Entender como e porquê alguns embriões se desenvolvem adequadamente enquanto outros se tornam fragmentados ou mesmo têm seu desenvolvimento bloqueado é de grande importância para o melhoramento das condições utilizadas e, conseqüentemente, para um aumento nas taxas de sucesso dos ciclos de reprodução assistida. Os primeiros estudos realizados com embriões no período pré-implantação, in vitro, datam da década de 1950, quando foi observado que embriões de camundongos de 8 células se desenvolviam até o estágio de blastocisto quando cultivados em meios quimicamente simples PALAVRAS-CHAVE: Metabolismo. Embrião. Pré-implantação. Femina - Agosto 2006 vol. 34 nº 8 551 Metabolismo Embrionário no Período Pré-implantação (Whitten, 1957). A partir de então grande número de trabalhos foi publicado com o objetivo de elucidar as condições necessárias ao perfeito desenvolvimento de embriões até o estágio de blastocisto e, conseqüentemente, entender as bases metabólicas destes embriões. É importante ressaltar que o controle do desenvolvimento celular embrionário está sujeito a muitas variáveis, tanto internas (considerando-se as grandes modificações morfológicas que ocorrem desde a fertilização até a implantação) quanto externas (estresse, modificações no ambiente, sinalização celular e outros). A Figura 1 ilustra, esquematicamente, algumas destas variáveis envolvidas no metabolismo embrionário pré-implantação. A compreensão destes fatores pode ser determinante para a obtenção de embriões de boa qualidade e, consequentemente, ter influência sobre os resultados com as técnicas de reprodução humana assistida, sobretudo no que diz respeito à produção e otimização de meios de cultura para embriões. Metabolismo Energético Experimentos conduzidos na década de 1950 mostraram que embriões de camundongos em estágios anteriores a 8 células não são capazes de utilizar glicose como fonte de energia (Whitten, 1957). Biggers et al.,1967, demonstraram que ainda durante o desenvolvimento dos oócitos ocorre uma restrição da via glicolítica. Desta forma, a produção de energia após a fertilização e durante o desenvolvimento embrionário inicial fica restrita ao uso de piruvato, um subproduto da glicólise que é diretamente convertido em acetil-coenzima A e utilizado no ciclo de Krebs (Figura 2). Esta restrição ao uso do piruvato torna a produção de ATP mais simples e menos eficiente; provavelmente se deve a uma interrupção na síntese de proteínas da via glicolítica pelo oócito como forma de minimizar os gastos metabólicos e parece ser revertida gradualmente após a fertilização, à medida que o genoma embrionário é ativado. Lactato Glicose Espermatozóide + óvulo OH H O C H3 C 1 H HO Fertilização H H Ativação embrionária H C C 3 OH H C OH C 5 OH OH 2 4 C 6 H Condições ambientais O OH Piruvato C O O O- Blastocisto Fisiologia celular METABOLISMO CICLO DE KREBS Expressão gênica Temperatura Stress Condições préfertilização Turn-over protéico Controle do ciclo celular Sinalização intracelular Figura 1 - Esquema representativo das principais etapas do desenvolvimento e das variáveis envolvidas no controle metabólico de embriões pré-implantação. 552 LDH C Implantação Necessidades energéticas GLICÓLISE C CH 3 Divisões celulares Compactação Cavitação 1 célula H C Figura 2 - Representação esquemática do uso de carboidratos como fonte de energia nas diferentes etapas do desenvolvimento embrionário pré-omplantação. Desta forma, o piruvato é a única fonte de energia utilizada pelo embrião em sua primeira divisão mitótica, sendo assim essencial para o desenvolvimento no período imediatamente após a fecundação (Biggers et al., 1967). Após o estágio de duas células, embriões de algumas espécies já são capazes de utilizar o lactato como fonte de energia (Whitten, 1957). Lane & Gardner, 2000, sugerem que as diferenças encontradas na utilização de piruvato ou lactato nos diferentes estágios do desenvolvimento se devem a diferenças na regulação de lactato desidrogenase (LDH). Esta enzima catalisa a oxidação do lactato por uma molécula Femina - Agosto 2006 vol. 34 nº 8 Metabolismo Embrionário no Período Pré-implantação NAD+ levando à formação de piruvato e NADH (e vice-versa), permitindo à célula obter piruvato a partir de uma única reação, ou seja, de forma mais simples do que a série de reações necessárias à glicólise (Figura 2). A partir do estágio de 8 células as vias metabólicas que permitem a utilização da glicose parecem já estar plenamente restabelecidas, inclusive em embriões humanos, uma vez que o genoma embrionário já está ativado. Atualmente sabe-se que a dependência do piruvato nas primeiras divisões mitóticas é universal para embriões de mamíferos, e desta forma tornou-se componente fundamental dos meios de cultura. Entretanto, com o restabelecimento da via glicolítica a partir do estágio de 8 células, foi observado que durante a compactação e no estágio de blastocisto o consumo de glicose aumenta consideravelmente, tornando-se esta a principal fonte de energia e de carbono para o embrião, inclusive em humanos (Leese et al., 1993). Conaghan et al., 1993, analisaram o efeito de diferentes proporções de piruvato e glicose sobre o desenvolvimento dos embriões pré-implantação. Estes autores observaram que a utilização de piruvato como único substrato para o metabolismo energético permitiu o desenvolvimento de cerca de 60% dos embriões até a fase de blastocisto. Por outro lado, apenas 16% dos embriões alcançaram este estágio de desenvolvimento na ausência de piruvato. Além disso, foi observado que o desenvolvimento dos embriões até o estágio de 8 células foi significativamente maior na ausência de glicose – 84% dos embriões, contra apenas 60% em presença de 1 mmol glicose. E, ainda, os blastocistos obtidos na ausência de glicose continham um número maior de células (média de 99,1) quando comparados àqueles obtidos na presença de 1 mmol de glicose (média de 58,4 células). Diversos outros trabalhos sugeriram que a glicose exercia um efeito inibitório sobre o crescimento embrionário durante as primeiras divisões mitóticas podendo, inclusive, interromper o processo de clivagem em algumas espécies (Haraguchi et al., 1996; Coates et al., 1999). Este efeito inbitório, entretanto, não foi observado em vários outros trabalhos, e hoje acredita-se que ele ocorra devido a um efeito combinado da glicose com outros componentes dos meios de cultura. Lawitts & Biggers, 1992, demonstraram que mesmo na presença de glicose 5 mM não houve inibição do crescimento de embriões de camundongos (70% se desenvolveram pelo menos até 4 células e 60% chegaram ao estágio de blastocisto). Estes autores também investigaram o efeito da variação nos níveis de NaCl e glutamina no Femina - Agosto 2006 vol. 34 nº 8 meio de cultura e sua correlação com os níveis de glicose, e nenhum efeito inibitório foi observado (observou-se efeito inibitório apenas devido à proporção NaCl/glutamina, mas não em relação à concentração de glicose). Atualmente considera-se que a glicose não inibe o desenvolvimento embrionário, sendo sugerido o uso, nos meios de cultura, em concentrações semelhantes àquelas observadas no oviducto (2,0-3,0 mM). Diversas evidências sugerem que as mitocôndrias, responsáveis pelo metabolismo energético, sofram diferentes níveis de regulação durante os estágios iniciais do desenvolvimento embrionário, modulando assim a produção de ATP para as células. Em uma extensa revisão, Van Blerkon, 2004, reúne dados a respeito de fatores como o número e morfologia de organelas por célula, número de cópias e integridade do DNA mitocondrial, níveis de respiração celular e distribuição estágio-específica e sítio-específica, e a influência destes fatores na normalidade e viabilidade de embriões em fase pré-implantação. Embora haja ainda grande discussão, sugere-se que oócitos MII (e, conseqüentemente, os embriões em fase inicial de desenvolvimento) possuam entre 120 mil e 350 mil mitocôndrias (Van Blerkon, 2004). Esse número pode variar em um mesmo blastômero ao longo do desenvolvimento pré-implantação e também entre os blastômeros de um mesmo embrião. Foi observado que grande parte destas mitocôndrias apresenta um formato esférico, indicando que estas não estão plenamente desenvolvidas. Esta morfologia persiste por toda a fase de clivagem, e apenas após o estágio de mórula, é que elas adquirem uma forma mais alongada/ madura. Acredita-se que esta variação morfológica seja um reflexo das necessidades energéticas dos embriões nas fases iniciais do desenvolvimento pré-implantação, de forma que a maturação das mitocôndrias acompanha o aumento das taxas metabólicas dos blastômeros e, conseqüentemente, a demanda de ATP (Van Blerkon, 2004). Outro fator que parece regular a atividade mitocondrial nos embriões pré-implantação é a distribuição destas organelas nos blastômeros. Foi observado que em embriões de camundongos, hamsters e humanos as mitocôndrias migram para uma posição perinuclear nas fases iniciais do desenvolvimento, e este padrão é mantido em cada um dos blastômeros na fase pré-implantação (Van Blerkom et al., 2000). Além disso, parecem ocorrer variações nas taxas de atividade mitocondrial entre diferentes locais dentro da mesma célula, num processo que parece ser regulado pela distribuição desigual do íon cálcio pelo citoplasma, a ser discutida posteriormente. 553 Metabolismo Embrionário no Período Pré-implantação Estes diferentes mecanismos de restrição espacial da atividade metabólica/mitocondrial teoricamente otimizariam a disponibilização de ATP nas regiões celulares de maior demanda, e protegeriam as demais regiões celulares do estresse oxidativo desencadeado. Estes dados evidenciam que o excesso de ATP também pode ser prejudicial aos embriões devido ao seu potencial tóxico associado ao estresse oxidativo. Regulação Iônica no Pré-implantação Diversos íons participam do metabolismo celular e, conseqüentemente, do metabolismo embrionário, sendo providos aos embriões cultivados in vitro através dos vários sais presentes nos meios de cultura, sobretudo NaCl, KCl, MgSO4, CaCl2, KH2PO4, NaHCO3. Muitos apresentam papel semelhante em células embrionárias e adultas, entretanto alguns deles parecem ser essenciais para o desenvolvimento do embrião pré-implantação. Durante a fecundação um grande influxo de cálcio é observado no óvulo devido à penetração do espermatozóide que traz consigo grande quantidade deste íon, fundamental para o processo de capacitação. Uma vez internalizado, o cálcio age através de proteínas bombeadoras, canais iônicos e proteínas ligantes, e assim parece regular diversos processos intracelulares, como a reativação do oócito, levando-o a finalizar sua meiose, além de participar da ativação do genoma embrionário (Tesarik, 2005). Além disso, acredita-se que a distribuição desigual do cálcio pelo citoplasma seja responsável pela modulação do metabolismo energético em diferentes pontos citoplasmáticos. Desta forma, a distribuição deste íon coordenaria a atividade mitocondrial, garantindo às células uma forma de controle sobre seu metabolismo energético (Van Blerkom, 2004). Além disso, considerando-se o papel fundamental do cálcio na junção célula-célula nos mais diferentes tecidos e acredita-se que este íon adquira especial importância no momento da compactação do embrião, garantindo uma perfeita adesão e coordenação entre os blastômeros. Outros íons, como Na+ e K+, também apresentam grande importância, estando envolvidos na formação do potencial de membrana das células e controle da osmolaridade celular. Dados obtidos por Houghton et al., 2003, apontam um aumento de cerca de 60% na atividade da bomba de Na+/K+ na fase inicial de desenvolvimento do blastocisto. Este aumento na atividade da Na+/K+ ATPase é responsável por gerar um influxo de íons através das células do trofoblasto. Alguns autores defendem que o gradiente iônico formado leva ao 554 acúmulo de água, que está relacionado à formação da blastocele, sendo, portanto, etapa fundamental na formação do blastocisto. O íon fosfato (PO4-2) tem participação direta no metabolismo energético como precursor do ATP, e pode ainda ser relacionado à síntese de macromoléculas, como constituinte do DNA, e ao controle de diversos processos celulares, através da fosforilação de proteínas envolvidas em várias etapas do metabolismo. Um exemplo disso é que um dos principais complexos protéicos envolvidos no controle da divisão celular, o fator promotor de mitose (MPF) é um proteína-quinase. Ou seja, sua função é fosforilar outras proteínas, e com isso coordenar os eventos necessários ao correto prosseguimento do ciclo celular, tais como proteínas cromossomais, responsáveis por iniciar a fase M do ciclo celular e proteínas associadas aos microtúbulos, dando origem ao fuso mitótico, para citar algumas. Isso nos permite uma demonstração direta da importância dos processos de fosforilação/desfosforilação no controle do ciclo celular e conseqüentemente, da rede de reações em que o íon fosfato está envolvido. Deve-se ainda destacar o papel dos íons H+ no metabolismo embrionário, sobretudo no que diz respeito ao metabolismo energético (cadeia transportadora de elétrons), e juntamente com os íons Cl-, à manutenção do pH intracelular. Para controlar o pH citoplasmático as células utilizam um sistema tampão baseado na conversão de íons H+ e do CO2 em íons bicarbonato (HCO3-), de acordo com reação mostrada abaixo. CO2 + H2O i H2CO3 i HCO3- + H+ i CO3-2 + 2H+ Em condições ideais de concentrações iônicas, níveis de CO2 e temperatura, esta reação tende a atingir um equilíbrio, e com isso manter o pH constante. Diversas proteínas podem estar envolvidas no controle desta reação, e algumas responsáveis pelo fluxo dos íons Cl-HCO3-, Na+Cl HCO3- e Na+H+, já foram descritas como funcionais nas células de embriões pré-implantação. Através do controle deste sistema o pH dos blastômeros é mantido em torno de 7,0-7,3. O Papel dos Aminoácidos no Desenvolvimento Embrionário no Período Pré-implantação Além de atuarem como precursores na biossíntese de proteínas e fonte de nitrogênio para a célula, os aminoácidos podem ainda adquirir as funções de sinalizadores celulares, osmólitos, re- Femina - Agosto 2006 vol. 34 nº 8 Metabolismo Embrionário no Período Pré-implantação guladores do metabolismo energético e tampões. Apesar desta variedade de funções exercidas no metabolismo celular, quando se trata de metabolismo embrionário pré-implantação, muitas dúvidas ainda são observadas a respeito do exato papel de alguns aminoácidos. Atualmente existe um consenso de que os aminoácidos não são essenciais para o desenvolvimento embrionário até o estágio de blastocisto, entretanto diversos trabalhos mostraram um aumento na qualidade embrionária associada à presença de aminoácidos no meio de cultura. A variação na concentração individual dos aminoácidos parece não exercer grande efeito no desenvolvimento até o estágio de blastocisto, entretanto o aumento na concentração do conjunto completo de aminoácidos está relacionado à elevação nas taxas de hatching, número total de células no blastocisto, sobretudo na massa celular interna, e maior organização da matriz extracelular (Gardner et al., 2000; Summers & Biggers, 2003). Nos trabalhos descrevendo o papel dos aminoácidos no desenvolvimento pré-implantação, especial atenção tem sido dada a glutamina. Diversos autores sugerem que a L-glutamina apresenta um efeito secundário prejudicial aos embriões, uma vez que sua degradação leva à produção de amônia, substância altamente tóxica às células. Alguns trabalhos sugerem que a exposição à L-glutamina pode causar retardo no desenvolvimento fetal e exencefalia nos embriões (Lane & Gardner, 1994). Entretanto, estes resultados são conflitantes com trabalhos mais recentes (Biggers et al., 2004; Summers et al., 2005). Ainda assim, foi observado que a substituição da L-glutamina nos meios de cultura por L-alanyl-L-glutamina, e mais recentemente por glicil-L-glutamina, causa um aumento na qualidade embrionária. Estes dipeptídeos são metabolizados diretamente pelo embrião evitando o efeito da degradação da glutamina e conseqüente acúmulo de subprodutos como a amônia. Apesar desta discussão, sabe-se que a glutamina é importante para a produção de óxido nítrico (NO), um importante sinalizador intracelular na transdução de sinais via proteína-G. Alguns trabalhos demonstram que na ausência de NO os embriões de camundongos interrompem seu desenvolvimento na fase de 2 células. Apesar da controvérsia acerca dos benefícios dos aminoácidos ou dos efeitos nocivos da glutamina, a disponibilidade de uma fonte de nitrogênio é fundamental para o metabolismo dos embriões. Em reprodução assistida, este papel pode ser suprido com o uso de soro, albumina sérica humana (HSA) purificada, albumina sérica bovina (BSA), albumi- Femina - Agosto 2006 vol. 34 nº 8 na sintética ou polivinil-álcool (PVA), embora o uso de alguns destes compostos ainda seja controverso. Outro dado que dificulta a compreensão do exato papel dos aminoácidos nas diferentes etapas do desenvolvimento embrionário pré-implantação é a dificuldade de mensuração dos níveis destes aminoácidos disponíveis in vivo para os embriões no trato uterino e suas variações até a implantação. Ativação e Regulação Gênica É sabido que após a fertilização e até o fim da primeira divisão mitótica, toda a biossíntese de proteínas do embrião ocorre de forma independente da transcrição gênica. Assim, todos os RNAs, ribossomas e demais fatores necessários ao processo de tradução (síntese de proteínas) neste período são provenientes do oócito, e desta forma têm origem exclusivamente materna. Neste período, a atividade gênica no pró-núcleo masculino permanece bastante reduzida, embora alguns autores defendam que a transcrição de genes no genoma de origem paterna é fundamental para a formação do nucléolo após a fusão dos pró-núcleos. Vários trabalhos têm demonstrado ainda que a ativação de genes do cromossomo Y ocorre nas fases iniciais do desenvolvimento pré-implantação (Tesarik, 2005). Além disso, o cálcio e outros fatores provenientes do espermatozóide são responsáveis pela posterior ativação do genoma embrionário, e são os centríolos do espermatozóide que coordenam a formação do fuso mitótico, uma vez que os centríolos maternos são degenerados após o fim da meiose II (Tesarik, 2005). A ativação do genoma embrionário ocorre, em humanos, apenas no estágio de 4 a 8 células e recebe o nome de “transição maternalzigótica” (MZT). Diversos genes expressos no embrião durante o período pré-implantação, de diferentes espécies de mamíferos já foram caracterizados (Watson et al., 2004). Análises de outros genes isoladamente e também do transcriptoma de blastômeros têm sido realizadas com o objetivo de melhor entender a determinação genética do desenvolvimento embrionário. Além disso, muitos trabalhos têm sido realizados na tentativa de caracterizar os efeitos prejudiciais da cultura de embriões in vitro sobre seus mecanismos de controle da expressão gênica. Neste contexto, diversos trabalhos mostraram que embriões cultivados em meios suplementados com soro apresentavam expressão anormal de genes “impressos”. Uma extensa revisão a respeito dos efeitos epigenéticos do cultivo de embriões in vitro 555 Metabolismo Embrionário no Período Pré-implantação pode ser encontrada em Khosla et al., 2001, Wrenzycki et al., 2003, e Fleming et al., 2004. A impressão genômica (genomic imprinting) é um fenômeno genético que determina se um gene específico será expresso ou não de acordo com sua origem parental. Desta forma, a regulação de vários genes presentes no genoma passa pela inativação de seu alelo materno ou paterno através deste processo. Resultados semelhantes obtidos em camundongos, bovinos e humanos demonstraram que a alteração epigenética no padrão de impressão genômica dos embriões resulta em crescimento fetal aberrante, além de outros efeitos em longo prazo no desenvolvimento e comportamento dos indivíduos (Khosla et al., 2001). A despeito de todos os dados descritos acerca do metabolismo embrionário no período pré-implantação, pouco se sabe sobre o metabolismo de embriões humanos in vivo. O estresse sofrido em cultura pode influenciar grandemente o padrão metabólico e pode também estar relacionado à fragmentação e bloqueio no crescimento de embriões. Por esta razão alguns autores ainda defendem o uso de meios seqüenciais (adequados com a fase de desenvolvimento do embrião), a fim de reproduzir as alterações ambientais encontradas pelos embriões no ambiente uterino (Gardner & Lane, 2003). Entretanto, o conhecimento sobre a composição exata dos fluidos das tubas e útero, e as alterações bioquímicas que ocorrem nestes ambientes à medida que o embrião se desenvolve ainda é incipiente. Outros fatores como vitaminas, gonadotrofinas, citocinas e fatores de crescimento podem ainda apresentar importante papel no desenvolvimento/metabolismo embrionário, e podem ser adicionados aos meios de cultura visando sua otimização. Os embriões podem ainda ser mantidos em co-cultivo com outras células, as quais poderiam fornecer a eles fatores de crescimento e reduzir os efeitos tóxicos do metabolismo oxidativo. Mais importante do que produzir um meio que seja totalmente completo é identificar e evitar a presença de agentes inibitórios ao crescimento embrionário (Conaghan J – personal communication). Outra argumentação seria que o excesso de substâncias disponíveis para o embrião pode ser tão prejudicial quanto a sua falta, pois pode também causar alterações metabólicas (Leese H – personal communication). Desta forma, compreender as bases metabólicas dos embriões no período pré-implantação, a fim de reduzir o estresse a que são submetidos durante os ciclos de reprodução assistida, parece ser um dos grandes desafios no estudo do desenvolvimento embrionário. 556 Abstract For decades researchers have tried to elucidate the physiological and metabolic basis of embryonic development. In what concerns the pre-implantation period, most of the data available were obtained from studies involving animal embryo models, mainly because of ethical and legal reasons associated to human research. Frequently the studies about preimplantation embryo development involve subjects, energy requirement, mitochondrial activity, control of gene expression, macromolecules biosynthesis, intra and inter cellular communication and stress response. Understanding the development of high quality blastocysts is of great importance to improve the embryo culture conditions and consequently to the success of assisted reproduction cycles. In this study we describe the main aspects of embryo development, from fecundation to the blastocyst stage. The focus is directed toward the principal metabolic necessities, also in what manner the embryo culture in ART provides these needs and the consequences of the in vitro development in the embryo metabolism. KEYWORDS: Metabolism. Embryo. Preimplantation. Leituras Suplementares 1. Biggers JD, McGinnis LK, Summers MC. Discrepancies between the effects of glutamine in cultures of preimplantation mouse embryos. Reprod BioMed Online 2004; 9: 70-3. 2. Biggers JD, Whittingham DG, Donahue RP. The pattern of energy metabolism in the mouse oocyte and zygote. Proc Natl Acad Sci USA 1967; 58: 560-7. 3. Biggers JD. Fundamentals of the design of culture media that support human preimplantation development. 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