pág.551 Genética e Meio Ambiente na Etiologia do Parto

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ATUALIZAÇÃO
Metabolismo Embrionário no Período
Pré-implantação
Preimplantation Embryo Metabolism
Elielton Ribeiro Coelho
Marcello Valle
Marcos Sampaio
Selmo Geber
Centro de Medicina Reprodutiva – Rio de Janeiro
Resumo
Introdução
Há décadas os pesquisadores tentam elucidar as
bases fisiológicas e metabólicas do desenvolvimento embrionário. No que diz respeito ao período
pré-implantação, a maior parte das informações
foi obtida a partir de estudos com modelos animais
devido, sobretudo aos impedimentos éticos e legais
envolvidos na pesquisa com embriões humanos.
Frequentemente, os trabalhos sobre desenvolvimento embrionário pré-implantação envolvem
temas como requerimento energético, atividade
mitocondrial, controle da expressão gênica, biossíntese de macromoléculas, comunicação intra
e intercelular e resposta ao estresse. Entender
como se dá o desenvolvimento de blastocistos de
alta qualidade é de grande importância para
melhorar as condições de cultivo de embriões e,
conseqüentemente, aumentar o sucesso dos ciclos
de reprodução assistida. Neste estudo serão descritos os principais aspectos do desenvolvimento
embrionário desde a fecundação até o estágio de
blastocisto. Serão enfocadas as principais necessidades metabólicas, de que maneira a cultura
de embriões em ART supre estas necessidades e
as conseqüências do desenvolvimento in vitro no
metabolismo embrionário.
Entender as bases fisiológicas e metabólicas
do desenvolvimento embrionário em relação a
aspectos como necessidade energética, expressão
gênica, biossíntese de macromoléculas, comunicação celular e resposta ao estresse, é um objetivo
buscado pela ciência há décadas, sobretudo no que
diz respeito ao período pré-implantação.
O advento das técnicas de reprodução humana assistida foi responsável pelo aumento no
conhecimento sobre o metabolismo embrionário
humano até o estágio de blastocisto, entretanto a
maior parte das informações foi obtida a partir de
estudos com modelos animais, devido aos impedimentos éticos e legais envolvidos na pesquisa
com embriões humanos. Entender como e porquê
alguns embriões se desenvolvem adequadamente enquanto outros se tornam fragmentados ou
mesmo têm seu desenvolvimento bloqueado é
de grande importância para o melhoramento das
condições utilizadas e, conseqüentemente, para
um aumento nas taxas de sucesso dos ciclos de
reprodução assistida.
Os primeiros estudos realizados com embriões no período pré-implantação, in vitro,
datam da década de 1950, quando foi observado
que embriões de camundongos de 8 células se
desenvolviam até o estágio de blastocisto quando cultivados em meios quimicamente simples
PALAVRAS-CHAVE: Metabolismo. Embrião.
Pré-implantação.
Femina - Agosto 2006 vol. 34 nº 8
551
Metabolismo Embrionário no Período Pré-implantação
(Whitten, 1957). A partir de então grande número de trabalhos foi publicado com o objetivo de
elucidar as condições necessárias ao perfeito
desenvolvimento de embriões até o estágio de
blastocisto e, conseqüentemente, entender as
bases metabólicas destes embriões.
É importante ressaltar que o controle do
desenvolvimento celular embrionário está sujeito
a muitas variáveis, tanto internas (considerando-se as grandes modificações morfológicas que
ocorrem desde a fertilização até a implantação)
quanto externas (estresse, modificações no ambiente, sinalização celular e outros). A Figura 1
ilustra, esquematicamente, algumas destas variáveis envolvidas no metabolismo embrionário
pré-implantação. A compreensão destes fatores
pode ser determinante para a obtenção de embriões de boa qualidade e, consequentemente, ter
influência sobre os resultados com as técnicas de
reprodução humana assistida, sobretudo no que
diz respeito à produção e otimização de meios de
cultura para embriões.
Metabolismo Energético
Experimentos conduzidos na década de 1950
mostraram que embriões de camundongos em
estágios anteriores a 8 células não são capazes de
utilizar glicose como fonte de energia (Whitten,
1957). Biggers et al.,1967, demonstraram que ainda durante o desenvolvimento dos oócitos ocorre
uma restrição da via glicolítica. Desta forma, a
produção de energia após a fertilização e durante
o desenvolvimento embrionário inicial fica restrita
ao uso de piruvato, um subproduto da glicólise que
é diretamente convertido em acetil-coenzima A e
utilizado no ciclo de Krebs (Figura 2). Esta restrição
ao uso do piruvato torna a produção de ATP mais
simples e menos eficiente; provavelmente se deve
a uma interrupção na síntese de proteínas da via
glicolítica pelo oócito como forma de minimizar os
gastos metabólicos e parece ser revertida gradualmente após a fertilização, à medida que o genoma
embrionário é ativado.
Lactato
Glicose
Espermatozóide + óvulo
OH
H
O
C
H3 C
1
H
HO
Fertilização
H
H
Ativação embrionária
H
C
C
3
OH
H
C
OH
C
5
OH
OH
2
4
C
6
H
Condições
ambientais
O
OH
Piruvato
C
O
O
O-
Blastocisto
Fisiologia celular
METABOLISMO
CICLO DE
KREBS
Expressão
gênica
Temperatura
Stress
Condições préfertilização
Turn-over
protéico
Controle do
ciclo celular
Sinalização
intracelular
Figura 1 - Esquema representativo das principais etapas do desenvolvimento e
das variáveis envolvidas no controle metabólico de embriões pré-implantação.
552
LDH
C
Implantação
Necessidades
energéticas
GLICÓLISE
C
CH 3
Divisões celulares
Compactação
Cavitação
1 célula
H
C
Figura 2 - Representação esquemática do uso de carboidratos como fonte de energia nas diferentes etapas do desenvolvimento embrionário pré-omplantação.
Desta forma, o piruvato é a única fonte de
energia utilizada pelo embrião em sua primeira
divisão mitótica, sendo assim essencial para o
desenvolvimento no período imediatamente após
a fecundação (Biggers et al., 1967). Após o estágio
de duas células, embriões de algumas espécies
já são capazes de utilizar o lactato como fonte de
energia (Whitten, 1957). Lane & Gardner, 2000, sugerem que as diferenças encontradas na utilização
de piruvato ou lactato nos diferentes estágios do
desenvolvimento se devem a diferenças na regulação de lactato desidrogenase (LDH). Esta enzima
catalisa a oxidação do lactato por uma molécula
Femina - Agosto 2006 vol. 34 nº 8
Metabolismo Embrionário no Período Pré-implantação
NAD+ levando à formação de piruvato e NADH
(e vice-versa), permitindo à célula obter piruvato a
partir de uma única reação, ou seja, de forma mais
simples do que a série de reações necessárias à
glicólise (Figura 2).
A partir do estágio de 8 células as vias metabólicas que permitem a utilização da glicose parecem já estar plenamente restabelecidas, inclusive
em embriões humanos, uma vez que o genoma
embrionário já está ativado.
Atualmente sabe-se que a dependência do
piruvato nas primeiras divisões mitóticas é universal para embriões de mamíferos, e desta forma
tornou-se componente fundamental dos meios de
cultura. Entretanto, com o restabelecimento da
via glicolítica a partir do estágio de 8 células, foi
observado que durante a compactação e no estágio
de blastocisto o consumo de glicose aumenta consideravelmente, tornando-se esta a principal fonte
de energia e de carbono para o embrião, inclusive
em humanos (Leese et al., 1993). Conaghan et al.,
1993, analisaram o efeito de diferentes proporções
de piruvato e glicose sobre o desenvolvimento dos
embriões pré-implantação.
Estes autores observaram que a utilização de
piruvato como único substrato para o metabolismo
energético permitiu o desenvolvimento de cerca
de 60% dos embriões até a fase de blastocisto. Por
outro lado, apenas 16% dos embriões alcançaram
este estágio de desenvolvimento na ausência de
piruvato. Além disso, foi observado que o desenvolvimento dos embriões até o estágio de 8 células
foi significativamente maior na ausência de glicose
– 84% dos embriões, contra apenas 60% em presença de 1 mmol glicose. E, ainda, os blastocistos
obtidos na ausência de glicose continham um
número maior de células (média de 99,1) quando comparados àqueles obtidos na presença de
1 mmol de glicose (média de 58,4 células).
Diversos outros trabalhos sugeriram que a
glicose exercia um efeito inibitório sobre o crescimento embrionário durante as primeiras divisões
mitóticas podendo, inclusive, interromper o processo de clivagem em algumas espécies (Haraguchi
et al., 1996; Coates et al., 1999). Este efeito inbitório, entretanto, não foi observado em vários outros
trabalhos, e hoje acredita-se que ele ocorra devido
a um efeito combinado da glicose com outros componentes dos meios de cultura.
Lawitts & Biggers, 1992, demonstraram que
mesmo na presença de glicose 5 mM não houve
inibição do crescimento de embriões de camundongos (70% se desenvolveram pelo menos até 4
células e 60% chegaram ao estágio de blastocisto). Estes autores também investigaram o efeito
da variação nos níveis de NaCl e glutamina no
Femina - Agosto 2006 vol. 34 nº 8
meio de cultura e sua correlação com os níveis de
glicose, e nenhum efeito inibitório foi observado
(observou-se efeito inibitório apenas devido à
proporção NaCl/glutamina, mas não em relação
à concentração de glicose). Atualmente considera-se que a glicose não inibe o desenvolvimento
embrionário, sendo sugerido o uso, nos meios de
cultura, em concentrações semelhantes àquelas
observadas no oviducto (2,0-3,0 mM).
Diversas evidências sugerem que as mitocôndrias, responsáveis pelo metabolismo energético, sofram diferentes níveis de regulação
durante os estágios iniciais do desenvolvimento
embrionário, modulando assim a produção de
ATP para as células. Em uma extensa revisão, Van
Blerkon, 2004, reúne dados a respeito de fatores
como o número e morfologia de organelas por
célula, número de cópias e integridade do DNA
mitocondrial, níveis de respiração celular e distribuição estágio-específica e sítio-específica, e a
influência destes fatores na normalidade e viabilidade de embriões em fase pré-implantação.
Embora haja ainda grande discussão, sugere-se que oócitos MII (e, conseqüentemente,
os embriões em fase inicial de desenvolvimento)
possuam entre 120 mil e 350 mil mitocôndrias (Van
Blerkon, 2004). Esse número pode variar em um
mesmo blastômero ao longo do desenvolvimento
pré-implantação e também entre os blastômeros
de um mesmo embrião. Foi observado que grande
parte destas mitocôndrias apresenta um formato
esférico, indicando que estas não estão plenamente
desenvolvidas. Esta morfologia persiste por toda a
fase de clivagem, e apenas após o estágio de mórula, é que elas adquirem uma forma mais alongada/
madura. Acredita-se que esta variação morfológica
seja um reflexo das necessidades energéticas dos
embriões nas fases iniciais do desenvolvimento
pré-implantação, de forma que a maturação das
mitocôndrias acompanha o aumento das taxas
metabólicas dos blastômeros e, conseqüentemente,
a demanda de ATP (Van Blerkon, 2004).
Outro fator que parece regular a atividade
mitocondrial nos embriões pré-implantação é a
distribuição destas organelas nos blastômeros.
Foi observado que em embriões de camundongos,
hamsters e humanos as mitocôndrias migram para
uma posição perinuclear nas fases iniciais do desenvolvimento, e este padrão é mantido em cada
um dos blastômeros na fase pré-implantação (Van
Blerkom et al., 2000). Além disso, parecem ocorrer variações nas taxas de atividade mitocondrial
entre diferentes locais dentro da mesma célula,
num processo que parece ser regulado pela distribuição desigual do íon cálcio pelo citoplasma,
a ser discutida posteriormente.
553
Metabolismo Embrionário no Período Pré-implantação
Estes diferentes mecanismos de restrição espacial da atividade metabólica/mitocondrial teoricamente otimizariam a disponibilização de ATP nas regiões
celulares de maior demanda, e protegeriam as demais
regiões celulares do estresse oxidativo desencadeado.
Estes dados evidenciam que o excesso de ATP também pode ser prejudicial aos embriões devido ao seu
potencial tóxico associado ao estresse oxidativo.
Regulação Iônica no Pré-implantação
Diversos íons participam do metabolismo
celular e, conseqüentemente, do metabolismo
embrionário, sendo providos aos embriões cultivados in vitro através dos vários sais presentes nos
meios de cultura, sobretudo NaCl, KCl, MgSO4,
CaCl2, KH2PO4, NaHCO3. Muitos apresentam papel
semelhante em células embrionárias e adultas, entretanto alguns deles parecem ser essenciais para o
desenvolvimento do embrião pré-implantação.
Durante a fecundação um grande influxo de
cálcio é observado no óvulo devido à penetração do
espermatozóide que traz consigo grande quantidade
deste íon, fundamental para o processo de capacitação. Uma vez internalizado, o cálcio age através de
proteínas bombeadoras, canais iônicos e proteínas
ligantes, e assim parece regular diversos processos
intracelulares, como a reativação do oócito, levando-o a finalizar sua meiose, além de participar da
ativação do genoma embrionário (Tesarik, 2005).
Além disso, acredita-se que a distribuição desigual do cálcio pelo citoplasma seja responsável pela
modulação do metabolismo energético em diferentes
pontos citoplasmáticos. Desta forma, a distribuição
deste íon coordenaria a atividade mitocondrial, garantindo às células uma forma de controle sobre seu
metabolismo energético (Van Blerkom, 2004). Além
disso, considerando-se o papel fundamental do cálcio
na junção célula-célula nos mais diferentes tecidos
e acredita-se que este íon adquira especial importância no momento da compactação do embrião,
garantindo uma perfeita adesão e coordenação entre
os blastômeros.
Outros íons, como Na+ e K+, também apresentam grande importância, estando envolvidos
na formação do potencial de membrana das células e controle da osmolaridade celular. Dados
obtidos por Houghton et al., 2003, apontam um
aumento de cerca de 60% na atividade da bomba
de Na+/K+ na fase inicial de desenvolvimento do
blastocisto. Este aumento na atividade da Na+/K+
ATPase é responsável por gerar um influxo de íons
através das células do trofoblasto. Alguns autores
defendem que o gradiente iônico formado leva ao
554
acúmulo de água, que está relacionado à formação
da blastocele, sendo, portanto, etapa fundamental
na formação do blastocisto.
O íon fosfato (PO4-2) tem participação direta no
metabolismo energético como precursor do ATP, e
pode ainda ser relacionado à síntese de macromoléculas, como constituinte do DNA, e ao controle de
diversos processos celulares, através da fosforilação
de proteínas envolvidas em várias etapas do metabolismo. Um exemplo disso é que um dos principais
complexos protéicos envolvidos no controle da divisão celular, o fator promotor de mitose (MPF) é um
proteína-quinase. Ou seja, sua função é fosforilar
outras proteínas, e com isso coordenar os eventos
necessários ao correto prosseguimento do ciclo celular, tais como proteínas cromossomais, responsáveis por iniciar a fase M do ciclo celular e proteínas
associadas aos microtúbulos, dando origem ao fuso
mitótico, para citar algumas. Isso nos permite uma
demonstração direta da importância dos processos
de fosforilação/desfosforilação no controle do ciclo
celular e conseqüentemente, da rede de reações em
que o íon fosfato está envolvido.
Deve-se ainda destacar o papel dos íons H+
no metabolismo embrionário, sobretudo no que diz
respeito ao metabolismo energético (cadeia transportadora de elétrons), e juntamente com os íons
Cl-, à manutenção do pH intracelular. Para controlar
o pH citoplasmático as células utilizam um sistema
tampão baseado na conversão de íons H+ e do CO2
em íons bicarbonato (HCO3-), de acordo com reação
mostrada abaixo.
CO2 + H2O i H2CO3 i HCO3- + H+ i CO3-2 + 2H+
Em condições ideais de concentrações iônicas, níveis de CO2 e temperatura, esta reação tende
a atingir um equilíbrio, e com isso manter o pH
constante. Diversas proteínas podem estar envolvidas no controle desta reação, e algumas responsáveis pelo fluxo dos íons Cl-HCO3-, Na+Cl HCO3- e
Na+H+, já foram descritas como funcionais nas
células de embriões pré-implantação. Através do
controle deste sistema o pH dos blastômeros é
mantido em torno de 7,0-7,3.
O Papel dos Aminoácidos no Desenvolvimento
Embrionário no Período Pré-implantação
Além de atuarem como precursores na biossíntese de proteínas e fonte de nitrogênio para a
célula, os aminoácidos podem ainda adquirir as
funções de sinalizadores celulares, osmólitos, re-
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Metabolismo Embrionário no Período Pré-implantação
guladores do metabolismo energético e tampões.
Apesar desta variedade de funções exercidas no
metabolismo celular, quando se trata de metabolismo embrionário pré-implantação, muitas dúvidas
ainda são observadas a respeito do exato papel de
alguns aminoácidos.
Atualmente existe um consenso de que os
aminoácidos não são essenciais para o desenvolvimento embrionário até o estágio de blastocisto,
entretanto diversos trabalhos mostraram um
aumento na qualidade embrionária associada à
presença de aminoácidos no meio de cultura. A
variação na concentração individual dos aminoácidos parece não exercer grande efeito no desenvolvimento até o estágio de blastocisto, entretanto
o aumento na concentração do conjunto completo
de aminoácidos está relacionado à elevação nas
taxas de hatching, número total de células no
blastocisto, sobretudo na massa celular interna, e
maior organização da matriz extracelular (Gardner
et al., 2000; Summers & Biggers, 2003).
Nos trabalhos descrevendo o papel dos
aminoácidos no desenvolvimento pré-implantação, especial atenção tem sido dada a glutamina.
Diversos autores sugerem que a L-glutamina
apresenta um efeito secundário prejudicial aos
embriões, uma vez que sua degradação leva à
produção de amônia, substância altamente tóxica às células. Alguns trabalhos sugerem que a
exposição à L-glutamina pode causar retardo no
desenvolvimento fetal e exencefalia nos embriões
(Lane & Gardner, 1994).
Entretanto, estes resultados são conflitantes
com trabalhos mais recentes (Biggers et al., 2004;
Summers et al., 2005). Ainda assim, foi observado que
a substituição da L-glutamina nos meios de cultura
por L-alanyl-L-glutamina, e mais recentemente por
glicil-L-glutamina, causa um aumento na qualidade
embrionária. Estes dipeptídeos são metabolizados
diretamente pelo embrião evitando o efeito da degradação da glutamina e conseqüente acúmulo de
subprodutos como a amônia. Apesar desta discussão,
sabe-se que a glutamina é importante para a produção de óxido nítrico (NO), um importante sinalizador
intracelular na transdução de sinais via proteína-G.
Alguns trabalhos demonstram que na ausência de
NO os embriões de camundongos interrompem seu
desenvolvimento na fase de 2 células.
Apesar da controvérsia acerca dos benefícios
dos aminoácidos ou dos efeitos nocivos da glutamina, a disponibilidade de uma fonte de nitrogênio é
fundamental para o metabolismo dos embriões. Em
reprodução assistida, este papel pode ser suprido
com o uso de soro, albumina sérica humana (HSA)
purificada, albumina sérica bovina (BSA), albumi-
Femina - Agosto 2006 vol. 34 nº 8
na sintética ou polivinil-álcool (PVA), embora o uso
de alguns destes compostos ainda seja controverso.
Outro dado que dificulta a compreensão do exato
papel dos aminoácidos nas diferentes etapas do
desenvolvimento embrionário pré-implantação é a
dificuldade de mensuração dos níveis destes aminoácidos disponíveis in vivo para os embriões no
trato uterino e suas variações até a implantação.
Ativação e Regulação Gênica
É sabido que após a fertilização e até o fim
da primeira divisão mitótica, toda a biossíntese
de proteínas do embrião ocorre de forma independente da transcrição gênica. Assim, todos os
RNAs, ribossomas e demais fatores necessários ao
processo de tradução (síntese de proteínas) neste
período são provenientes do oócito, e desta forma
têm origem exclusivamente materna. Neste período, a atividade gênica no pró-núcleo masculino
permanece bastante reduzida, embora alguns
autores defendam que a transcrição de genes no
genoma de origem paterna é fundamental para a
formação do nucléolo após a fusão dos pró-núcleos. Vários trabalhos têm demonstrado ainda que
a ativação de genes do cromossomo Y ocorre nas
fases iniciais do desenvolvimento pré-implantação
(Tesarik, 2005).
Além disso, o cálcio e outros fatores provenientes do espermatozóide são responsáveis pela
posterior ativação do genoma embrionário, e são os
centríolos do espermatozóide que coordenam a formação do fuso mitótico, uma vez que os centríolos
maternos são degenerados após o fim da meiose II
(Tesarik, 2005). A ativação do genoma embrionário
ocorre, em humanos, apenas no estágio de 4 a 8
células e recebe o nome de “transição maternalzigótica” (MZT).
Diversos genes expressos no embrião durante o período pré-implantação, de diferentes espécies de mamíferos já foram caracterizados (Watson
et al., 2004). Análises de outros genes isoladamente
e também do transcriptoma de blastômeros têm
sido realizadas com o objetivo de melhor entender
a determinação genética do desenvolvimento embrionário. Além disso, muitos trabalhos têm sido
realizados na tentativa de caracterizar os efeitos
prejudiciais da cultura de embriões in vitro sobre
seus mecanismos de controle da expressão gênica.
Neste contexto, diversos trabalhos mostraram que
embriões cultivados em meios suplementados com
soro apresentavam expressão anormal de genes
“impressos”. Uma extensa revisão a respeito dos
efeitos epigenéticos do cultivo de embriões in vitro
555
Metabolismo Embrionário no Período Pré-implantação
pode ser encontrada em Khosla et al., 2001, Wrenzycki et al., 2003, e Fleming et al., 2004.
A impressão genômica (genomic imprinting)
é um fenômeno genético que determina se um gene
específico será expresso ou não de acordo com sua
origem parental. Desta forma, a regulação de vários
genes presentes no genoma passa pela inativação
de seu alelo materno ou paterno através deste
processo. Resultados semelhantes obtidos em
camundongos, bovinos e humanos demonstraram
que a alteração epigenética no padrão de impressão
genômica dos embriões resulta em crescimento
fetal aberrante, além de outros efeitos em longo
prazo no desenvolvimento e comportamento dos
indivíduos (Khosla et al., 2001).
A despeito de todos os dados descritos
acerca do metabolismo embrionário no período
pré-implantação, pouco se sabe sobre o metabolismo de embriões humanos in vivo. O estresse
sofrido em cultura pode influenciar grandemente
o padrão metabólico e pode também estar relacionado à fragmentação e bloqueio no crescimento
de embriões.
Por esta razão alguns autores ainda defendem o uso de meios seqüenciais (adequados com
a fase de desenvolvimento do embrião), a fim de
reproduzir as alterações ambientais encontradas
pelos embriões no ambiente uterino (Gardner &
Lane, 2003). Entretanto, o conhecimento sobre a
composição exata dos fluidos das tubas e útero,
e as alterações bioquímicas que ocorrem nestes
ambientes à medida que o embrião se desenvolve
ainda é incipiente.
Outros fatores como vitaminas, gonadotrofinas, citocinas e fatores de crescimento podem
ainda apresentar importante papel no desenvolvimento/metabolismo embrionário, e podem ser adicionados aos meios de cultura visando sua otimização. Os embriões podem ainda ser mantidos em
co-cultivo com outras células, as quais poderiam
fornecer a eles fatores de crescimento e reduzir os
efeitos tóxicos do metabolismo oxidativo.
Mais importante do que produzir um meio
que seja totalmente completo é identificar e evitar
a presença de agentes inibitórios ao crescimento
embrionário (Conaghan J – personal communication). Outra argumentação seria que o excesso de
substâncias disponíveis para o embrião pode ser
tão prejudicial quanto a sua falta, pois pode também causar alterações metabólicas (Leese H – personal communication). Desta forma, compreender
as bases metabólicas dos embriões no período
pré-implantação, a fim de reduzir o estresse a que
são submetidos durante os ciclos de reprodução
assistida, parece ser um dos grandes desafios no
estudo do desenvolvimento embrionário.
556
Abstract
For decades researchers have tried to elucidate the
physiological and metabolic basis of embryonic
development. In what concerns the pre-implantation period, most of the data available were
obtained from studies involving animal embryo
models, mainly because of ethical and legal
reasons associated to human research. Frequently
the studies about preimplantation embryo development involve subjects, energy requirement,
mitochondrial activity, control of gene expression, macromolecules biosynthesis, intra and
inter cellular communication and stress response.
Understanding the development of high quality
blastocysts is of great importance to improve the
embryo culture conditions and consequently to
the success of assisted reproduction cycles. In
this study we describe the main aspects of embryo
development, from fecundation to the blastocyst
stage. The focus is directed toward the principal
metabolic necessities, also in what manner the
embryo culture in ART provides these needs and
the consequences of the in vitro development in
the embryo metabolism.
KEYWORDS: Metabolism. Embryo. Preimplantation.
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