PROPOSIÇÕES ELABORADAS PELA DIRETORIA DO CEBES PARA O 1º SIMPÓSIO DE POLÍTICAS E SAÚDE, REALIZADO NOS DIAS 28 E 29 DE AGOSTO, NA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE (UFF), EM NITERÓI (RJ) TEMA: DIREITOS SOCIAIS E DE SAÚDE A Constituição de 1988 foi a primeira das legislações brasileiras a tratar dos direitos sociais – e de tais direitos como de cidadania. O termo ‘cidadania’ só é encontrado nas Constituições de 1937 e 1946, mas sempre relacionado apenas à nacionalidade, e não aos direitos aos quais todos os cidadãos estão investidos e que devem ser garantidos pelo Estado. Essa mudança representou a intenção de construir uma sociedade cuja base fosse a justiça social. Ao longo da história recente – e do capitalismo, em especial –, os direitos sociais têm sido os de mais difícil concretização. Direitos sociais e de saúde reivindicam a repartição justa da riqueza produzida por toda a sociedade e, para isso, supõem a participação integral de todos na definição do futuro do Estado. Para que haja distribuição de riqueza, deve haver também desconcentração de poder. Se os Estados capitalistas tendem sempre a postergar os direitos sociais é porque, no capitalismo, a riqueza está sempre concentrada entre poucos, e há regras institucionais, como leis, normas e valores, que favorecem essa concentração. Para que a concentração de riqueza mude, é preciso mudar as regras que a sustentam e, para isso, é preciso que se mude também a correlação de forças. A Constituição de 1988 foi o momento em que a correlação de forças favoreceu os direitos sociais. Contudo, as conjunturas seguintes foram bastante desfavoráveis à concretização desses direitos. Apesar de termos uma legislação inovadora e progressista e sistemas robustos de políticas sociais, não foi possível alterar significativamente as desigualdades sociais e, principalmente, construir uma sociedade mais justa. Alguns elementos a serem considerados: 1. Os direitos sociais e de saúde não se resumem a um conjunto de serviços públicos prestados pelo Estado. Essa é sua versão concreta e visível. Antes disso, os direitos são o pilar que possibilita a convivência solidária e o desenvolvimento social e democrático. Uma sociedade só se desenvolve, de fato, se seus cidadãos possuem condições básicas para o desenvolvimento de suas potencialidades e se sentem seguros para investir nelas. O reconhecimento e a efetividade da igualdade frente a essas condições garantem os vínculos necessários para uma sociedade fraterna e sem violência. Nesse sentido, todos os direitos que regem a relação entre o Estado e seus cidadãos deveriam estar subordinados aos direitos sociais. Para isso, é necessário que se construam instituições e organizações reconhecedoras desse princípio como organizador dos sistemas de serviços e benefícios. 2. Os direitos sociais não podem ser tratados por áreas ou setores. A Constituição de 1988 instituiu a seguridade social, incorporando saúde, previdência e assistência como áreas integradas de proteção social. A concepção de seguridade supõe a proteção a riscos que podem atingir indistintamente todos os cidadãos – proteção que requer ações transversais e integradas. O que se vê atualmente são setores que não se comunicam, fato que compromete a consecução dos direitos. O direito à saúde supõe o direito à vida digna. Por isso, o conceito ampliado de saúde inclui fatores diversos que vão muito além da atenção à saúde. No entanto, a saúde, assim como outras áreas sociais, tem enfocado a construção de estruturas setoriais próprias que, embora descentralizadas, são verticais em todos os níveis de governo. Essa concepção é contraditória às próprias legislações específicas de cada área, que reconhecem a relação com outras áreas sociais. É preciso construir políticas sociais integradas, incorporando à seguridade a educação, a habitação e a segurança pública. Um caminho para isso é a adoção de conferências e conselhos integrados. O Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES) defende a retomada do Conselho de Seguridade Social e a construção, para 2011, da Conferência Nacional de Seguridade Social. 3. Nos países onde os direitos sociais avançaram, eles estiveram associados a projetos de desenvolvimento que não visavam apenas ao crescimento econômico, mas também à melhoria das condições sociais e de cidadania. No Brasil, a política macroeconômica tem priorizado o controle da inflação, com base na manutenção de juros altos, sem o sufi ciente investimento em políticas sociais. Como exemplo, para o período de 2000 a 2007, a soma dos gastos da união com saúde, educação e investimentos correspondeu a somente 43% do total de despesas com juros (IPEA, 2008). A saúde se mantém com gastos públicos muito abaixo do de países com economia similar, os quais representam hoje menos da metade dos gastos totais em saúde – o que é muito pouco para sistemas universais como o nosso. É preciso resgatar as políticas sociais como mecanismo de desenvolvimento, por meio de investimentos em ciência e tecnologia que favoreçam os interesses nacionais, garantam a soberania e estimulem a competitividade da indústria nacional. É necessário também investir em estruturas públicas universais de prestação de serviços, com organizações ágeis e comprometidas com as necessidades do cidadão. 4. As políticas sociais, principal meio de garantia dos direitos sociais, estão se consolidando cada vez mais como políticas segmentadas, na contramão da noção de igualdade e equidade. Por um lado, os baixos investimentos em políticas universais mantêm os sistemas públicos segmentados entre serviços de baixa qualidade para os pobres e serviços com maior investimento onde estão os setores médios (como a alta complexidade, na saúde, e a universidade pública, na educação). Os serviços de baixa qualidade impelem os setores médios a custear diretamente suas necessidades sociais, partilhada por subsídios pelo conjunto da sociedade. Além de contrário aos preceitos constitucionais, essa segmentação ameaça a noção de cidadania e solidariedade social. Por outro lado, tem sido dada mais atenção à pobreza do que à construção da cidadania. É salutar o combate à pobreza. No Brasil, entretanto, esta situação não é resultado de desastres naturais ou condições econômicas adversas, mas de décadas de desenvolvimento com absurda concentração de riqueza. Para reverter esse quadro, não bastam as transferências de renda. A renda pode ser a causa, mas as consequências da pobreza são inúmeras necessidades sociais que não podem ser resolvidas por meio da transferência de renda, como más condições de saúde, baixa escolaridade, baixo aprendizado, baixa qualifi cação para o trabalho etc. Atualmente, transferências de renda já atingem 25% da população. É um sucesso, mas a redução da desigualdade não será significativa sem políticas sociais universais e equânimes que complementem e apoiem as transferências de renda. Afora isso, problemas e necessidades sociais não são exclusividade da pobreza. O Brasil avançou no reconhecimento e inclusão na agenda pública de inúmeros problemas, antes tratados no campo privado, como problemas sociais. São necessidades e problemas intrínsecos à vida humana e coletiva e, por este motivo, seu enfrentamento ocorre por meio dos direitos sociais e de saúde. É preciso recuperar a universalização como intrínseca à noção de direitos sociais. Só os sistemas universais podem garantir cidadania. Universalização que possa reconhecer e tratar as necessidades específicas, garantindo equidade e integralidade como inerências ao direito. 5. Não há justiça social e democracia sem participação integral dos cidadãos nos destinos da nação. É preciso aprofundar os mecanismos de participação e controle social sobre o Estado e melhorar sua representatividade, para que eles sejam instrumentos efetivos de estímulo à participação cidadã e contribuam à construção de uma nova correlação de forças na esfera pública, que favoreça os direitos sociais e de saúde. PROPOSIÇÕES DISCUTIDAS PELO GRUPO DE TRABALHO DO TEMA DIREITOS SOCIAIS E DE SAÚDE E ACRESCENTADAS ÀS PROPOSIÇÕES DO CEBES O Grupo referendou o documento apresentado pelo Cebes, concordando com todas as proposições, ressalvando, apenas o item três no que tange ao incentivo aos “investimentos em ciência e tecnologia que favoreçam os interesses nacionais”. Ressaltou que esses incentivos estejam voltados para os interesses coletivos e não aos interesses capitalistas, evitando, assim, a mercantilização do direito à Saúde. 1. O direito à saúde é um direito inerente ao ser humano, inalienável, independe de nacionalidade e deve independer das condições específicas de cada país, daí a defesa dos Sistemas Universais de Saúde. 2. O direito à saúde possui caráter transformador e revolucionário, sendo fundante de sociedades pautadas na justiça social. Por essa razão deve ser uma bandeira prioritária dos movimentos sociais. 3. Saúde é um conceito complexo de difícil definição, intangível e impalpável, com plurisignificado e que precisa estar ligado ao sentimento do individuo. Advém daí a dificuldade de precisar a noção de saúde tecnicamente. 4. Embora o direito à saúde não se resuma á assistência, a atenção á saúde na pode ser colocado em segundo plano. 5. Aliar o direito à saúde à luta política e não apenas a reivindicação pela assistência. 6. É preciso fortalecer a gestão. 7. Os recursos financeiros estarão sempre em conflito com as necessidades em saúde. Por isso o financiamento tem que ser adequado às necessidades socialmente definidas (Acordo Social). 8. Garantia do direito básico à informação. Desenvolver informação relevante em saúde que dê aos cidadãos capacidade de decidir. Garantia do direito básico à informação. Capacidade de decisão (Empowerment) como direito Social. PROPOSTAS CONCRETAS: 1. Estabelecimento de Metas de Desempenho/ Critérios de Controle de Qualidade para serviços em saúde, que não devem ser confundidos com um pacote mínimo. 2. Intervenção do Cebes junto à formação profissional, para aproximar os profissionais da noção de direito à saúde. 3. O movimento deve recorrer ao Sistema Judiciário para exigir a efetivação do direito à saúde como positivado na Constituição (ex: esgoto, financiamento, água potável etc) 4. Devemos incorporar a denúncia aos interesses promíscuos entre profissionais e indústria. 5. Potencializar os espaços das Conferências de Saúde. 6. Exigir que haja informação sobre acessibilidade ao SUS. 7. Manter diálogo sistemático com Associações de Pacientes e Usuários para garantir a noção de direito em contraposição à reivindicação específica. 8. Entrar na discussão sobre a Portaria 1820 do Ministério da Saúde.