Economia Brasileira Contemporânea

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Economia Brasileira
Contemporânea
Walter Franco Lopes da Silva
2008
© 2008 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por
escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.
S586
Silva, Walter Franco Lopes da. / Economia Brasileira Contemporânea. / Walter Franco Lopes da Silva. 1. ed —
Curitiba : IESDE Brasil S.A. , 2008.
92 p.
ISBN: 978-85-7638-813-5
1. Desenvolvimento. 2. Inflação. 3. Crescimento econômico. 4.
Políticas públicas. 5. Industrialização. I. Título.
CDD 330.981
Todos os direitos reservados.
IESDE Brasil S.A
Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200
Batel – Curitiba – PR
0800 708 88 88 – www.iesde.com.br
Walter Franco Lopes da Silva
Mestre em Ciências Sociais pela University of
London, Institute for Latin American Studies.
Pós-Graduado em Economia de Empresas, e
Graduado em Administração de Empresas, pela
Fundação Getulio Vargas (FGV-EAESP). Consultor de Investimentos e Novos Negócios. Professor de Economia e Administração nos cursos de
Bacharelado, Pós-Graduação e Graduação Tecnológica da Universidade Cidade de São Paulo
(UNICID).
sumári
sumário
As transformações da economia brasileira no século 20
11
11 | Breve histórico e a questão do desenvolvimento econômico no Brasil
14 | O período entre a Primeira Guerra Mundial e a Crise de 1929
15 | As bases do processo de substituição das importações
A crise dos anos 30 e o processo de industrialização
25
25 | A crise dos anos 1930 como motor do processo de industrialização
25 | As duas teses que explicam o início do processo de industrialização do Brasil
29 | Outras razões para justificar o processo de substituição das importações
30 | Dinâmica, desequilíbrios e crises do modelo
31 | Crítica à política de substituição de importações
31 | O governo de Getulio Vargas:
consolidação das políticas industriais e conseqüências
Do Estado Novo à crise do endividamento
39
39 | A consolidação das estratégias dos governos Vargas até o período de 1951-1954
44 | O governo de JK: as políticas de modernização e o plano de metas
As décadas de 1960 a 1980: dívida
53
externa, recessão, inflação e crise do setor público
53 | O agravamento da inflação
56 | Desestabilização econômica, desemprego e crises
58 | Planos econômicos: conseqüências e problemas
Da abertura econômica de Collor ao Plano Real
69 | Governo Collor e a abertura econômica
73 | Governo FHC, Plano Real e reformas estruturais
76 | Governo Lula e a consolidação da estabilidade econômica
78 | Panorama do desempenho econômico de 2007 e perspectivas
Gabarito
85
Referências
89
69
Apresentação
Economia Brasileira
Contemporânea
Este livro tem por objetivo estudar a Economia Brasileira Contemporânea, de forma a propiciar ao aluno uma visão ampla e crítica dos
principais temas políticos, econômicos e sociais que afetam o Brasil
nos dias de hoje. Esse estudo se dará a partir de uma visão histórica
das políticas públicas e de desenvolvimento implantadas pelos diversos governos nas últimas décadas, e do entendimento de temas
importantes como inflação, estabilização, emprego e desigualdade
social, presentes no dia-a-dia dos brasileiros. Estudaremos também
os principais desafios que se apresentam hoje ao país, no que se
refere a seu crescimento econômico e à sua viabilidade de sustentação a longo prazo. Por fim, trataremos do importante papel que vem
sendo desempenhado pelo Brasil no âmbito internacional e seu crescente papel como economia emergente nos mercados globalizados.
Na primeira aula, o foco será uma breve análise histórica e o estudo
das principais transformações por que a economia brasileira passou,
no período compreendido entre o final do século XIX até a Crise de
1929. Esse estudo de como a economia brasileira se encontrava organizada permitirá compreender as razões das estratégias adotadas
no país com a tomada do poder por Getulio Vargas, a partir dos anos
1930. Em seguida, estudaremos a importância – fazendo uma análise
histórica e crítica – das bases do processo de substituição das importações, iniciado no Brasil na primeira metade do século XX. Esse
processo trouxe enormes desafios para o país e possibilitou uma mudança significativa na estrutura da sociedade brasileira, com reflexos
até os dias de hoje.
Na segunda aula, estudaremos os impactos da Crise dos anos 1930
na economia brasileira, e de que forma o governo Vargas deu início
ao processo de substituição de importações. Estudaremos também
o papel dos governos e da iniciativa privada no processo de industrialização no Brasil, que abandona seu perfil basicamente rural e
agroexportador para se transformar em um país urbano, exportador
também de produtos industrializados e detentor de um parque industrial em grande transformação.
Economia Brasileira
Contemporânea
Na terceira aula, trataremos primeiramente da consolidação de Getulio Vargas no poder – no período conhecido como Estado Novo, de
1937 a 1945 –, a importante fase do período pós-guerra, a transição
para o governo Dutra e o Nacionalismo Econômico de Vargas, a partir
de 1951. Em seguida, estudaremos as principais características e feitos
das políticas de modernização do governo de Juscelino Kubitschek,
cujos impactos podem ser ainda sentidos na sociedade brasileira. Faremos uma análise de como os diversos planos de desenvolvimento
permitiram o crescimento significativo da inflação no Brasil, bem como
o agravamento de crises econômicas nos governos subseqüentes.
Na quarta aula, estudaremos o agravamento da inflação no Brasil,
ocorrido nos anos 1960. Veremos também a fase compreendida entre o chamado “Milagre Econômico” da década de 1970 e a
“Década Perdida”, de 1980: dívida externa, recessão, inflação e crise
do setor público. Nesse capítulo, trataremos das diversas tentativas
por parte dos governos em controlar a inflação por meio de planos
econômicos, assim como a difícil missão de viabilizar o crescimento e
o desenvolvimento econômico nacional no período.
Por fim, na quinta aula estudaremos as importantes transformações
ocorridas no Brasil na década de 1990, após um longo período de
profundas mudanças econômicas, políticas e sociais que possibilitaram a contenção da inflação e permitiram a continuidade das atuais
políticas de crescimento e de desenvolvimento nacionais. Nesse
estudo, enfocaremos a importância da abertura comercial do Brasil
para o mundo durante o governo Fernando Collor e a busca pela estabilidade econômica durante os governos Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. Concluiremos nosso estudo sobre Economia
Brasileira Contemporânea tratando da consolidação do controle da
inflação e do desafio do crescimento econômico durante o governo
Luiz Inácio Lula da Silva, bem como a estratégia de inserção do Brasil
no mundo globalizado, as ações voltadas à redução das desigualdades sociais e à busca pelo desenvolvimento sustentado.
Boa leitura e bom estudo!
A crise dos anos 30
e o processo de industrialização
A crise dos anos 1930 como motor
do processo de industrialização
Nesta aula, estudaremos de que forma a crise internacional desencadeada
a partir da quebra da Bolsa de Nova York em 1929 levou a economia norteamericana à recessão e impactou a economia brasileira a partir de 1930.
Nos anos 1930, o mercado internacional não tinha interesse, nem capacidade, de absorver grande parte das tradicionais exportações do agronegócio brasileiro. Composta basicamente pelo café, nossa principal pauta de
exportação era uma commodity de luxo e facilmente substituível nas economias em recessão, como era o caso da norte-americana. E foi nesse cenário pouco propício ao comércio internacional do Brasil que Getulio Vargas
iniciou o processo de substituição das importações, passando a enxergar o
crescimento do mercado local como o principal foco da política econômica
governamental.
Foi a partir dessa época que o Brasil se viu forçado a abandonar sua tradicional vocação como grande exportador da monocultura cafeeira e iniciar
uma transformação rumo à diversificação de sua matriz exportadora e ao desenvolvimento de um novo modelo industrial. Esse novo modelo acarretou
profundas mudanças na sociedade brasileira, transformando-a de maneira
definitiva nas cinco décadas subseqüentes.
As duas teses que explicam o início
do processo de industrialização do Brasil
Podemos procurar entender o processo de substituição de importações
das economias latino-americanas de duas formas distintas. A primeira delas
é a da industrialização induzida pelas exportações, e a segunda, a teoria dos
choques adversos.
25
Economia Brasileira Contemporânea
No caso da industrialização induzida pelas exportações1, a industrialização das economias tradicionalmente agroexportadoras seria resultado da
transferência de capital acumulado nesses processos de exportação para a
produção de bens com maior valor agregado. Na visão de Bulmer-Thomas
(1994), as riquezas decorrentes das exportações de bens primários eram
gradativamente transferidas para outros setores da economia local, possibilitando o financiamento da industrialização. No século XIX, presenciamos
esse fenômeno de transformação em larga escala nos Estados Unidos, e em
menor proporção na Argentina2.
1
A industrialização induzida pelas exportações, ou
export-led growth, conforme
descrito por Bulmer-Thomas
(1994), é um modelo adotado pelas diversas economias
latino-americanas no final do
século XIX e início do século
XX, que realmente possibilita
o nascimento de uma industrialização voltada, a princípio, ao mercado local.
2
Como exemplo de processo bem-sucedido de industrialização induzida pelas exportações na América Latina,
poderíamos tomar como
exemplo o caso da Argentina
a partir da década de 1870.
Nesse período, o eficiente
processo de produção e exportação de carne daquele
país passou a agregar valor
por meio da industrialização
local prévia à sua exportação.
Com a venda de produtos
com maior valor agregado,
o que era antes exportado
in natura ganhou status de
“semi-industrializado” ou “industrializado”. Os industriais
argentinos não apenas ganharam enorme mercado
consumidor local e internacional, mas também enorme
lucratividade nesse processo
de maior valor agregado.
Ao ganhar dimensão, esse processo de industrialização pode ainda levar
com o tempo à gradativa substituição de produtos manufaturados importados pela produção local. Paralelamente ao atendimento das demandas
internas por produtos industrializados, a indústria local propiciaria aumento significativo do valor agregado de produtos exportados, gerando, ainda,
mais riqueza e desenvolvimento econômico. O Brasil presenciou um processo semelhante de industrialização da sua economia durante as últimas décadas do Império, apesar de restrito a alguns poucos setores e em pequena
escala.
Esse processo inicial de substituição de importações surgiu como conseqüência natural da riqueza gerada pelo então dinâmico setor agroexportador
brasileiro e como decorrência do surgimento das classes trabalhadoras assalariadas e da classe média urbana nos grandes centros. Esses grupos sociais
passaram a demandar produtos em maior quantidade, e substitutos aos já
tradicionais produtos importados, incentivando com isso o investimento em
produção por parte de alguns capitalistas.
Com foco inicialmente nas indústrias alimentícia, têxtil e de vestuário, esses industriais brasileiros viram-se, portanto, diante de um enorme
mercado consumidor inexplorado e pronto para absorver praticamente
tudo o que era ofertado a um preço e quantidades razoáveis. No entanto,
por outro lado, apesar do mercado dinâmico e espontâneo – sem contar
com qualquer tipo de incentivo, política ou planejamento central –, eles
encontravam diversos obstáculos ao seu desenvolvimento, apesar de gerarem renda, empregos e impostos para o governo. Obstáculos esses que
os impedirão de se desenvolver significativamente – e em maior velocidade – nas décadas seguintes, como poderia ser esperado.
26
A crise dos anos 30 e o processo de industrialização
A outra visão do processo de substituição de importações refere-se à teoria
dos choques adversos3, que afirma que somente durante as crises externas
(como foi o cenário dos anos 1930) é que economias tradicionalmente agroexportadoras como a brasileira se voltam para o mercado interno, sob a liderança
do setor industrial local. De acordo com essa teoria, esse retorno à economia
local seria movido por três razões principais, explicadas a seguir.
A crise na balança de pagamentos
Com a dificuldade de exportações, o governo age para desvalorizar a
moeda local a fim de baratear seus produtos exportáveis. Menor receita com
exportações reduz a capacidade de endividamento dos governos centrais
no exterior.
Taxa de
câmbio
Moeda
Brasil
mil-réis
Ano 1913 Ano 1918 Ano 1923 Ano 1928
3,09
4,00
10,00
8,30
Pan-American
Union (apud
BULMER-THOMAS, 1994).
Esse movimento de desvalorização do câmbio causa o conseqüente encarecimento dos produtos tradicionalmente importados pelos brasileiros, gerando mercado interno para produtos locais mais acessíveis. Veja no quadro
abaixo o grau de desvalorização sofrido pela moeda brasileira (mil-réis) entre
1913 e 1928, na véspera da Crise de 1929.
Crise na arrecadação de impostos
O governo opta por uma política de expansão de gastos e de corte de impostos, a fim de fomentar o desenvolvimento da economia doméstica. Com
isso, a queda dos juros no mercado interno fomenta as vendas e incentiva a
produção doméstica.
A crise força o aumento
dos impostos dos produtos importados
Como cai o volume de produtos importados, o governo majora as tarifas
de importação para compensar as perdas, incentivando ainda mais o consumo dos produtos fabricados internamente.
27
3
Expressão cunhada pelos
economistas Celso Furtado
e Raúl Prebisch, ambos da
Comissão Econômica para a
América Latina (Cepal).
Economia Brasileira Contemporânea
Comércio
exterior
Exportações / PIB
(Imp. + Exp.) PIB
1928
1938
1928
1938
Brasil
17,0%
21,2%
38,8%
33,3%
(CEPAL 1976, 1978)
(apud BULMERTHOMAS, 1994).
No quadro abaixo, fica bastante claro o impacto da mudança da política
adotada pelo governo no caso brasileiro, que resultou em significativa alteração do perfil das exportações do país. É notável, também, a queda da participação do comércio exterior do país (importações mais exportações) sobre
o valor total do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil entre 1928 e 1938.
Entretanto, apesar de se mostrarem diferentes em seus princípios, tanto
o processo de industrialização embrionário ocorrido no final do século XIX
– explicado pela teoria da industrialização induzida pelas exportações –
quanto a política econômica descrita na teoria dos choques adversos explicam o processo de substituição de importações do Brasil a partir de 1930.
Somado a isso, apesar das crises no modelo agroexportador já virem de
algumas décadas, a gota d’água foi exatamente a crise norte-americana da
década de 1930. A fim de justificar a teoria dos choques adversos como a
grande responsável pelas transformações ocorridas nos países latino-americanos, Raúl Prebisch (1964, p. 86) escreveu:
A grande depressão mundial marca definitivamente o fim desta forma de desenvolvimento.
[...] Ante a impossibilidade de manter o ritmo anterior de crescimento das exportações
tradicionais, ou de o acelerar, impõe-se então a substituição de importações – principalmente
das indústrias. Para contrabalançar estas disparidades, inicia-se assim o desenvolvimento
para dentro dos países latino-americanos.
Concluindo nossa análise, podemos então somar todos os componentes
que contribuíram definitivamente para o crescimento da produção local em
substituição às importações após a década de 1930. Em primeiro lugar a moeda
local desvalorizada, em segundo as tarifas impostas pelo governo sobre os
produtos importados, e finalmente os controles impostos pelo governo sobre
as transações cambiais que restringiram significativamente as importações.
Estoques de
bens de capital
Desvalorização
da moeda
Substituição
de importação
Controles
cambiais
28
Tarifas de
importação
A crise dos anos 30 e o processo de industrialização
Somado a esses aspectos, os industriais brasileiros haviam aproveitado
o bom cenário da década de 1920 para importarem bens de capital, como
máquinas e equipamentos da Europa. Esses fatores, em conjunto, possibilitaram às empresas locais expandirem a produção tanto de bens de consumo
tradicionais (alimentos e bebidas), dos setores tradicionalmente supridos
por produtos importados, (como era o caso da indústria de chapéus, de sapatos, têxteis e de confecção), quanto de alguns bens intermediários (aço e
cimento) e duráveis (eletrodomésticos).
Outras razões para justificar
o processo de substituição das importações
Diferentes em cada período de tempo, e refletindo as políticas de cada
governante no Brasil nessas cinco décadas, o processo de substituição de
importações durante o governo Vargas ganhou uma vertente muito peculiar e típica. Durante os anos de seu governo, a substituição de importações
veio combinada com propagandas de cunho nacionalista e de valorização
da produção local. Essa forma de fazer uso político e nacionalista da produção de bens locais tornou-se preponderante no Brasil, mesmo após a Era
Vargas, propiciando como resultado enormes ganhos políticos e eleitorais
aos governantes.
Outro aspecto de viés eleitoral e populista foi a instituição de políticas
voltadas à substituição de importações como resposta a questões estratégicas e de segurança nacional. Os diversos governos brasileiros enxergavam,
e com razão, a questão da produção de bens localmente como necessária
para o desenvolvimento do parque industrial local, para o desenvolvimento
econômico do país e para a manutenção da segurança do fornecimento de
determinados bens, antes supridos unicamente por produtos importados.
Nesse sentido, são importantes as iniciativas de criação da Companhia
Siderúrgica Nacional (CSN) e da Petrobras nas décadas seguintes (1940 e
1950), como típicos exemplos de ações governamentais voltadas à produção de aço e petróleo localmente, bem como a valorização dessas ações consideradas essencialmente nacionais. Esse viés político foi bastante explorado
pelo programa de governo nos anos Vargas, e também muitas vezes copiado
nos governos posteriores.
29
Economia Brasileira Contemporânea
Dinâmica, desequilíbrios e crises do modelo
Dinâmica
O processo de substituição de importações normalmente se inicia com a
produção de gêneros de primeira necessidade, e cuja demanda reprimida é
suficientemente grande para atrair a atenção dos setores industriais. Outro
fator importante é a exigência de investimento de capital; assim, certamente que o industrial optará por produzir itens que exijam investimentos mais
acessíveis em um primeiro momento, mas isso não é regra.
Desequilíbrios
A partir dos anos 1930, a indústria realmente encontrou uma oportunidade para se consolidar no Brasil, mas trabalhou por muitas décadas ainda
com os problemas decorrentes da baixa produtividade, de racionamentos
energéticos, da falta de pessoal capacitado, do acesso restrito ao crédito e da
utilização de maquinário defasado. Esse processo, aliás, estendeu-se pelos
anos seguintes até a década de 1970, com a conclusão dos investimentos do
II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), durante o governo Geisel.4
4
Classificação do período
completo do processo de
substituição de importações
de acordo com Pedro C. D.
Fonseca (2003, p. 249).
Crises do modelo
É importante lembrar que todo tipo de importação exige divisas, o que
compromete as reservas externas dos países importadores e que, no caso
específico do Brasil, não eram compensadas pelas divisas geradas principalmente pelas exportações de bens primários. Nos anos 1950, as multinacionais
(principalmente dos Estados Unidos e de alguns países europeus) auxiliarão o
Brasil a implementar mais efetivamente essa política de substituição de importações, viabilizando a produção em território nacional de diversos bens
de alto valor agregado, antes importados de suas matrizes no exterior. Esse
é o caso, por exemplo, da indústria automotiva a partir do governo de Juscelino Kubitschek, que atenderá a uma enorme demanda reprimida no Brasil
por automóveis e um antigo anseio político de desenvolver localmente um
parque fabril automobilístico.
30
A crise dos anos 30 e o processo de industrialização
Crítica à política de substituição de importações
É importante destacar também que, como o Brasil não detém as tecnologias utilizadas em larga escala para o desenvolvimento de sua indústria
local, o país depende quase sempre da importação dessas tecnologias a fim
de possibilitar sua produção de bens. Essa dependência tecnológica pode
gerar, por outro lado, dificuldades e desequilíbrios, inviabilizando muitas
vezes a produção local de todo tipo de bens. A solução, portanto, deve
passar necessariamente pelo desenvolvimento tecnológico próprio brasileiro, possibilitando assim a substituição de importações com maior grau de
sustentabilidade.
Ao produzir localmente todos os produtos, e ao fazer uso de tecnologia
importada dos países industrializados, o Brasil criou uma indústria de substituição de importações sem o importante componente tecnológico. Acabou
por produzir bens com o mercado (demanda) local, mas sem mercado no exterior. Isso acabou por criar uma indústria muito focalizada no atendimento
do mercado interno, e pouco capaz de produzir bens aceitos nos mercados
externos.
Por muitos anos o Brasil vem adotando políticas nesse sentido, focando
suas exportações de bens primários e importando tecnologia para o atendimento da demanda por produção de bens localmente, o que gera desequilíbrio a longo prazo nas contas externas.
O governo de Getulio Vargas: consolidação
das políticas industriais e conseqüências
A fim de concluirmos o nosso estudo a respeito desse complexo processo
de substituição de importações, vamos tratar brevemente dos aspectos políticos e sociais que marcaram os anos dos governos Getulio Vargas.
Como chefe do Governo Provisório (1930-1934), Vargas percebeu que
o Brasil já se encontrava mergulhado em uma profunda crise econômica. E
como já descrevemos anteriormente, a economia do país estava quase que
totalmente dependente das exportações de bens primários e das exportações de café. Dados disponíveis sobre os números econômicos da época
31
Economia Brasileira Contemporânea
mostram que o total das exportações brasileiras no período de 1931 a 1932
havia perdido dois terços de seu valor, além de metade de seu volume, isso
quando comparado com 1928 (ABREU, 1989, p. 74).
As políticas do governo tiveram que ser, portanto, alinhadas com o modelo de ação defendido pela teoria dos choques adversos, com foco na desvalorização da moeda local, no controle de divisas, na moratória das dívidas
externas e nos controles mais efetivos das transações comerciais externas.
Paralelamente a isso, havia a problemática dos estoques gigantescos de café
que passariam a ser controlados pelo recém-criado Departamento Nacional
do Café, sob forte controle do Estado.
Dentre as principais políticas adotadas pelo governo federal nessa primeira fase de Getulio Vargas, e que marcariam a economia nacional ainda
por muitas décadas, podemos destacar:
a reforma tributária de 1934, voltada ao fortalecimento dos cofres do
governo;
a proibição da importação de algumas máquinas e equipamentos, visando proteger empresários já instalados localmente;
a criação e a distribuição de linhas de crédito ao empresariado;
o aparelhamento do Estado e a criação de diversos órgãos e autarquias,
aumentando a presença e o controle estatal na economia nacional;
o desenho de uma nova legislação trabalhista, visando garantir direitos e deveres de patrões e empregados, com o aumento dos movimentos migratórios do campo para as cidades em busca de emprego
na indústria, no comércio e nos serviços.
O governo Vargas entrou na fase final de seu período transitório em 1934
elaborando uma nova Constituição. Essa Carta Magna atendia às reivindicações de oligarquias paulistas e, ao mesmo tempo, consagrava o intervencionismo estatal na sociedade e na economia brasileiras como nunca se havia
presenciado no país. Nesse momento, o Estado passou a ser o motor das
políticas públicas e industriais do Brasil, consolidando a visão centralizadora
e transformadora da Era Vargas.
32
A crise dos anos 30 e o processo de industrialização
Ampliando seus conhecimentos
Diretrizes do Estado Novo (1937-1945) –
estado e economia
(FGV/CPDOC, 2008)
Missão Aranha
Nos últimos anos da década de 1930, uma das principais preocupações
dos Estados Unidos no campo das relações internacionais era o crescimento
das relações comerciais entre Brasil e Alemanha, cuja base residia nos acordos
de comércio compensado estabelecidos entre os dois países. Por outro lado, o
governo norte-americano, pressionado internamente, era forçado a reivindicar do governo brasileiro o pagamento dos juros da dívida externa e dos atrasados comerciais, que havia sido suspenso em 1937 devido às dificuldades
que o Brasil enfrentava em seu balanço de pagamentos. Isso acrescentava à
preocupação de Washington com seus interesses comerciais prejudicados um
outro temor, dessa vez de cunho político: o de que a instabilidade econômicofinanceira do Brasil pudesse favorecer uma maior aproximação não só econômica, mas militar e político-ideológica com a Alemanha.
Convencido de que a guerra era inevitável, e além disso se alastraria para
fora da Europa, o governo norte-americano elaborou um plano para assegurar o apoio político e ideológico dos governos latino-americanos. Foi nesse
contexto que os Estados Unidos empreenderam uma forte campanha de penetração cultural na América Latina, e que, ainda no início de 1939, atendendo
a convite pessoal do presidente Roosevelt, foi enviada a Washington a Missão
Aranha. Chefiada pelo ministro das Relações Exteriores, Oswaldo Aranha, e
contando ainda com a participação do diretor do DASP, Luís Simões Lopes, do
diretor do Banco do Brasil, Marcos de Sousa Dantas, e dos diplomatas Carlos
Muniz e Sérgio de Lima e Silva, a missão manteve diversas conversações com
autoridades norte-americanas entre os meses de janeiro e março.
Como resultado, Brasil e Estados Unidos assinaram uma série de cinco acordos que estabeleciam a concessão de um crédito de US$50 milhões para auxi33
Economia Brasileira Contemporânea
liar a criação de um Banco Central brasileiro; a concessão de um empréstimo
de US$19,2 milhões do Eximbank para a liquidação de atrasados comerciais
e a reativação do intercâmbio comercial entre os dois países; o compromisso
desse mesmo banco de financiar vendas norte-americanas para o Brasil com
prazos de pagamento e juros favorecidos, e a promessa do governo Roosevelt de facilitar a formação de companhias de desenvolvimento, com capitais
americanos e brasileiros, destinadas à industrialização de matérias-primas
brasileiras. Em contrapartida, o governo brasileiro assumiu o compromisso de
liberar o mercado de câmbio para as transações comerciais, facilitar a transferência de lucros de capitais norte-americanos aplicados no Brasil e retomar
o pagamento da dívida externa. A Missão Aranha acertou também a troca
de visitas dos chefes de Estado-Maior dos Exércitos americano e brasileiro,
respectivamente o general Marshall e o general Góes Monteiro, iniciativa de
significado mais político do que militar, visando ao início de uma colaboração
que barrasse o aumento da influência militar alemã.
Os resultados econômicos da Missão Aranha não encontraram boa receptividade em alguns setores do governo brasileiro, o que tornou problemática a implementação dos acordos assinados. Embora alguns compromissos
tenham sido honrados – como a liberação do mercado de câmbio e a retomada do pagamento da dívida –, não houve uma mudança radical no perfil das
relações econômicas entre Brasil e Estados Unidos, que só seria alterado drasticamente com a eclosão da Segunda Guerra Mundial. Ainda assim, pode-se
afirmar que os acordos resultantes da Missão Aranha foram um marco inicial
no movimento de aproximação política entre Brasil e Estados Unidos, que iria
se aprofundar nos anos seguintes.
Criação da Companhia Siderúrgica Nacional
(FGV/CPDOC, 2008)
Já por ocasião da Revolução de 1930, a criação de uma grande indústria siderúrgica nacional havia sido fixada como um dos objetivos do governo, visando
a atender às necessidades não só do desenvolvimento econômico, mas da própria soberania nacional. Foi exatamente a preocupação com a defesa nacional
que fez com que, a partir de meados da década, os militares passassem a desempenhar um papel chave na luta em prol da indústria siderúrgica brasileira.
34
A crise dos anos 30 e o processo de industrialização
Em junho de 1939, durante visita aos Estados Unidos do chefe do EstadoMaior do Exército brasileiro, general Góes Monteiro, o governo norte-americano manifestou sua disposição de cooperar no reequipamento econômico e militar brasileiro em troca de nossa colaboração nos planos de defesa
continental traçados por Washington. Na ocasião foi enviado ao Brasil um
grupo de técnicos da United States Steel e, como resultado das conclusões
favoráveis de seus estudos, foi instalada a Comissão Preparatória do Plano Siderúrgico. Contudo, em janeiro de 1940 o governo brasileiro foi informado
da decisão daquela empresa de que não iria mais participar da construção da
usina no Brasil. Embora os motivos dessa desistência nunca tenham ficado
claros, é possível que estivessem ligados aos estudos que se faziam na época
em torno da criação de um novo Código de Minas que proibiria a participação
estrangeira na atividade metalúrgica. Em vista da decisão da empresa norteamericana, o governo brasileiro decidiu levar adiante o empreendimento por
meio da constituição de uma empresa nacional, com a ajuda de empréstimos
estrangeiros. Ainda em 1940 foi criada a Comissão Executiva do Plano Siderúrgico Nacional, que estabeleceu metas de produção e financiamento e decidiu
pela localização da usina em Volta Redonda (RJ).
A embaixada brasileira em Washington foi então autorizada a solicitar ao
Eximbank um crédito de US$17 milhões para a aquisição de maquinaria. O governo norte-americano, entretanto, retardava qualquer definição e chegou a
favorecer o reatamento das negociações entre o Brasil e a United States Steel,
solução que, àquela altura, não era mais desejada pelo governo brasileiro.
O lance decisivo viria, por fim, com o discurso pronunciado por Vargas a
bordo do encouraçado Minas Gerais em 11 de junho de 1940. Contendo alusões simpáticas ao Eixo, o discurso pode ser interpretado como manobra para
forçar os Estados Unidos a uma definição favorável à implantação da siderurgia no Brasil. Logo a seguir, uma comissão integrada por Edmundo de Macedo
Soares, Guilherme Guinle e Ari Torres foi aos Estados Unidos para negociar
o financiamento junto ao Eximbank e obteve um empréstimo de US$20 milhões. Paralelamente aos trabalhos da comissão, prosseguiam as negociações
entre os governos norte-americano e brasileiro quanto às bases e ao alcance
da cooperação econômica e militar entre os dois países, que só se completariam em 1942. Isso não impediu que já em 7 de abril de 1941 fosse criada a
Companhia Siderúrgica Nacional, sociedade anônima de economia mista cujo
primeiro presidente, nomeado também naquela data, foi Guilherme Guinle.
35
Economia Brasileira Contemporânea
Atividades de aplicação
1. O texto afirma que “o mercado internacional não tinha interesse, nem
capacidade, de absorver grande parte das tradicionais exportações do
agronegócio brasileiro.” Assinale a alternativa correta.
a) O texto se refere ao café produzido em larga escala no Brasil, que
era líder mundial na produção e comercialização dessa commodity.
b) O texto se refere à produção de grãos como soja e milho, fortes
itens de exportação do Brasil nos anos 1930.
c) O texto se refere ao café produzido em pequena escala no Brasil,
que era vice-líder mundial na produção e comercialização dessa
commodity.
d) O texto se refere à produção de ouro e pedras preciosas, fortes
itens de exportação do Brasil nos anos 1930.
2. A inexistência, no Brasil, de uma política governamental de longo prazo nos anos 1920 abriu espaço para o governo Vargas implementar
suas políticas públicas após a revolução de 1930. Essa afirmativa é verdadeira, pois:
a) reflete uma vontade das oligarquias paulistas em enfraquecerem o
governo federal.
b) reflete um interesse centralizador de Vargas, que aproveitou esse
vácuo político para se consolidar no poder por várias décadas.
c) reflete uma característica pouco comum no Brasil, pois sempre
houve políticas governamentais de longo prazo no país, especialmente industriais.
d) reflete anos de colonização de políticas de desenvolvimento adequadas para o desenvolvimento econômico no Brasil.
3. O texto menciona: “Como cai o volume de produtos importados, o
governo majora as tarifas de importação para compensar as perdas,
incentivando ainda mais o consumo dos produtos fabricados internamente.” Essa política está:
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A crise dos anos 30 e o processo de industrialização
a) correta, pois quanto maiores as tarifas de importação, maior o consumo de bens importados.
b) errada, pois o aumento de tarifas de produtos importados não
gera receitas aos governos.
c) errada, pois o governo nunca deve aumentar as tarifas de importação.
d) correta, pois o governo precisa ver aumentada sua arrecadação fiscal, uma vez que os gastos correntes continuam a crescer.
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