O Fascismo e as fases de Benito Mussolini Nome do Autor

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FUNDAÇÃO ARMANDO ALVARES PENTEADO
FACULDADE DE ECONOMIA
O FASCISMO E AS FASES DE BENITO MUSSOLINI
MARIA CAROLINA D’ALOISIO PELLEGRINI
Monografia de Conclusão do Curso apresentada à
Faculdade de Economia para obtenção do título de
graduação em Relações Internacionais, sob orientação
do Prof. Oscar Holme.
São Paulo, 2012
PELLEGRINI, Maria Carolina D’Aloisio. O FASCISMO E AS FASES DE BENITO MUSSOLINI. São Paulo, Fundação
Armando Alvares Penteado, 2012, 65 p.
(Monografia Apresentada ao Curso de Graduação em Relações Internacionais da Faculdade de Economia da Fundação
Armando Alvares Penteado)
Palavras-Chave: 1. Fascismo. 2. Mussolini. 3. Itália. 4. Unificação. 5. Fascínio.
Dedico este Trabalho de Conclusão de Curso a
minha querida mãe, minha melhor amiga e
companheira.
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao Professor Oscar Holme, por conceder-me a honra de ser sua orientada, pois
através de seu aconselhamento, propiciou a realização deste trabalho. Aos professores da
Faculdade de Economia, e, aos meus colegas pelo convívio ao longo dos últimos quatro anos.
Aos meus pais, Paulo e Eliane, e, Beatriz, minha irmã, por tornarem realidade meu
aprendizado e crescimento. A minha querida tia, Silvia, e, a minha amada avó, Helena, minha
eterna “maestra”. E, principalmente, a Deus pelas experiências que vivi, pelas benções
derramadas em minha vida, sem as quais tantas coisas não seriam evidentes e não teriam
contribuído para o meu amadurecimento.
SUMÁRIO
Lista de Siglas
Lista de Figuras
Lista de Tabelas
INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 1
1
2
3
A ITÁLIA DO SÉCULO XIX AO SÉCULO XX........................................................ 5
1.1
DO RISORGIMENTO A GIOLITTI ................................................................... 5
1.2
A ERA GIOLITTIANA....................................................................................... 11
A ITÁLIA FASCISTA DE BENITO MUSSOLINI .................................................. 21
2.1
A MARCHA SOBRE ROMA.............................................................................. 21
2.2
O FASCISMO SEDUZ A ITÁLIA...................................................................... 26
2.3
A DITADURA FASCISTA E AS TRÊS FASES DE BENITO MUSSOLINI ... 30
POR QUE O FASCISMO SEDUZIU A ITÁLIA?.................................................... 43
CONCLUSÃO.................................................................................................................... 52
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................... 55
LISTA DE SIGLAS
PSI – Partito Socialista Italiano
PPI – Partito Popolare Italiano
PNF – Partito Nazionale Fascista
M.V.S.N
–
Milizia
Volontaria
per
la
Sicurezza
Nazionale
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Eleições Políticas Italianas 1924......................................................................... 32
Figura 2 – As Operações na África Oriental....................................................................... 39
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Características das quatro épocas em termos de crescimento........................ 14
RESUMO
Este Trabalho de Conclusão de Curso tem como tema central o fascismo italiano e as três
fases vividas por Benito Mussolini. No desenvolvimento do tema, breve retrospectiva
histórica foi realizada passando pelo Risorgimento, movimento de unificação da Itália; pelo
governo de Giovanni Giolitti; e, pelas duas Grandes Guerras Mundiais. Foram traçados
paralelos entre o socialismo e o fascismo, no contexto do sentimento nacionalista italiano. A
singularidade do fascismo italiano foi apontada, mostrando que suas características próprias
não se repetiram em nenhuma outra nação. O regime fascista italiano foi único,
personificando o carisma de seu líder, Benito Mussolini, e, os costumes, as tradições e os
mitos de um povo, conservados com orgulho e lealdade desde o Antigo Império Romano.
Palavras-Chave: 1. Fascismo. 2. Mussolini. 3. Itália. 4. Unificação. 5. Fascínio.
1
INTRODUÇÃO
O final dos anos oitocentos representou para a Itália, no plano político, o início
de uma fase mais liberal. As condições socioeconômicas foram essenciais para o
desenvolvimento da economia italiana, que atingiu o seu auge graças ao crescimento
industrial e aos vultosos investimentos estatais. Nos primeiros anos do novo século, o
papel de Giovanni Giolitti foi de especial importância para a política italiana. Giolitti
exerceu, por quase uma década, o cargo de primeiro-ministro italiano, e, sob o seu
governo foram realizadas diversas reformas de caráter social. Giolitti sempre buscou
ampliar o consenso e satisfazer a vontade da maioria, mas, em 1913, com o crescimento
da onda nacionalista e da influência dos socialistas, liderados por Benito Mussolini,
Giolitti perdeu a maioria do Parlamento.
Quando em 1914 o atentado de Sarajevo deflagrou a Primeira Guerra Mundial, a
Itália, país membro da Tríplice Aliança, sob o governo de Salandra, adotou uma posição
de neutralidade em relação ao conflito. A decisão de Antonio Salandra em se manter
neutro desagradou os outros dois países da Aliança, Áustria e Alemanha, mas recebeu
grande apoio da população. Giolitti, também, defendeu a não intervenção do exército
italiano no conflito mundial. Foi apenas em 1915, que, pressionado pelas potências da
Tríplice Entente, Salandra assinou o Tratado de Londres, deixando a posição de
neutralidade para participar da Primeira Guerra Mundial, ao lado da Grã-Bretanha, da
França e do Império Russo.
O fim da Primeira Grande Guerra, em 1919, trouxe conseqüências devastadoras
para a Itália. Apesar de ter terminado a guerra ao lado dos países vencedores, a política
e a economia italiana estavam completamente arruinadas e uma crise interna era
inevitável. Os efeitos do conflito foram dramáticos para a sociedade italiana.
Politicamente, o governo já não tinha o apoio da maioria do Congresso, e, o surgimento
de partidos de massas contribuiu para acirrar ainda mais a oposição contra o governo de
Salandra. Um dos efeitos da Primeira Grande Guerra, que levou a formação de novos
partidos foi o surgimento de um sentimento nacionalista italiano. Operários das classes
2
mais baixas que haviam lutado no “front” de batalha, após 1919, se uniram em torno de
sentimentos comuns, quais sejam: insatisfação e negligência.
Economicamente, a Itália enfrentava graves problemas causados pela contração
de uma enorme dívida externa durante o período de 1915 a 1919. O déficit da balança
de pagamento, o constante endividamento estatal, o enfraquecimento do setor agrário e
industrial e a alta inflação levaram a Itália a enfrentar grave desemprego e revolta. O
aumento de ondas revoltosas somado aos sérios problemas econômicos, resultados da
participação italiana na Primeira Guerra Mundial, criaram um ambiente perfeito para a
eclosão de uma revolução.
O fascismo despertou, pela primeira vez, nos cidadãos italianos um sentimento
de nacionalismo e amor à Pátria. Sem esse sentimento de nacionalismo e amor à Pátria,
fruto da instável conjuntura socioeconômica vivida internamente, talvez, os ideais de
Mussolini não tivessem despertado o encanto do sofrido povo italiano àquela época e
não teriam alcançado apoio suficiente para a sua criação. O movimento fascista surgiu
no ano de 1919, através da criação por Benito Mussolini do movimento nominado
Fascio di Combattimento, que era representado por um grupo de nacionalista que
defendia o ataque à burguesia; o republicanismo; o anticlericanismo, expresso na união
do governo com o PPI; e, o fim do Estado Liberal, personificado na pessoa do primeiroministro. Pela aflitiva situação social e econômica enfrentada no pós-guerra, o povo
italiano almejada que a reconstrução do seu País fosse conduzida por um líder capaz de
reestruturar a Nação sem expô-la ao avanço comunista.
Os ideais originais do Fascio di Combattimento continuaram a ser apresentados
como cerne de reestruturação, mas tiveram sua forma de apresentação/defesa
reformulados, e os integrantes da organização para-militar, através de discursos cheios
de efetivo apelo popular, espalharam-se com rapidez por toda a Itália, como verdadeira
bandeira na luta travada por Mussolini contra os ideais de Lênin. Com o rápido e
fulminante crescimento do fascismo, vários políticos liberais, entre eles Giolitti,
passaram a apostar no grupo criado por Mussolini como instrumento para viabilizar o
enfraquecimento dos socialistas (PSI) e católicos (PPI), acreditando que as premissas
defendidas pelo grupo fundado por Benito Mussolini seriam capazes de lhes trazer de
volta a simpatia popular e, por conseguinte, a maioria parlamentar.
3
Porém, as eleições de 1921 tiveram o condão de provar que Giolitti e seus
parceiros liberais estavam errados. O movimento fascista havia ganhado força e Benito
Mussolini foi eleito deputado, dando um caráter moderador ao governo. Ainda no ano
de 1921, o fascismo atingiu o seu principal propósito, ou seja, derrotou o movimento
comunista que instigava e dominava a classe operária, abrindo, definitivamente, as
portas que até então se mostraram estreitas e ligeiramente entreabertas ao movimento
fascista.
Nos dias 26 e 27 de novembro de 1922, as esquadras fascista, lideradas por
Benito Mussolini, marcharam para Roma, no episódio que ficou conhecido como La
Marcia su Roma, dando início à Itália sob a égide do regime fascista, tipo de governo
que perdurou até 1945, ano da morte de seu idealizador. Durante os mais de 20 anos em
que Mussolini foi o comandante supremo do Governo Italiano, várias transformações
puderam ser observadas na sua forma de conduzir a política, a sociedade e a economia
do País. Indro Montanelli, em seus estudos e análises históricas, aponta para a
existência de três Mussolini.
O primeiro Mussolini, Il Mussolini Restauratore, durou seis anos e foi aquele
homem capaz de colocar em prática todas as reformas propostas pelo PNF (Partito
Nazionale Fascista). A segunda fase de Mussolini expressa o lado caricatural do Duce,
em 1927, a ânsia por um poder total e ilimitado tornava cada vez mais difícil separar as
questões referentes ao Estado dos anseios pessoais de Benito Mussolini. A terceira e
última fase de Benito Mussolini é, segundo Montanelli, a fase de um Mussolini patético,
cego pelas ideologias nazistas e prisioneiro de Hitler.
O propósito deste trabalho é entender o desenrolar do movimento fascista
italiano, através dos antecedentes históricos que ajudaram a formar um cenário político
favorável à ascensão de Benito Mussolini ao poder. Para tanto, este projeto está dividido
em três capítulos: o primeiro aborda os acontecimentos históricos que vão do
Risorgimento até a Primeira Grande Guerra, compreendendo o período em que
Giovanni Giolitti ocupou o cargo de primeiro ministro da Itália; o segundo apresenta os
fatores que influenciaram todo o processo de formação do fascismo, bem como a
elucidação e análise das três fases do Duce compreendendo o intervalo de tempo que
4
durou de 1922 até a Segunda Grande Guerra; por fim, o terceiro capítulo explica as
singularidades e particularidades do movimento revolucionário que fez do fascismo
italiano um fenômeno único da historia.
5
1
1.1
A ITÁLIA DO SÉCULO XIX AO SÉCULO XX
DO RISORGIMENTO A GIOLITTI
Uma das principais características da história da Itália, assim como de muitas
outras nações, é a sua riqueza de detalhes e acontecimentos, que somados ajudam a
contar a criação e a formação da atual terceira maior economia da União Européia. Para
melhor estudar a formação do Estado-Nação italiano, que com seus percalços e suas
dificuldades tornam única a sua retrospectiva histórica, seria preciso retroceder no
tempo e analisar de perto a ascensão e a queda do Império Romano; no entanto, tal
análise demandaria um estudo aprofundado e um período de tempo maior daquele
disponível para a realização deste trabalho.
Sendo assim, com o intuito de tornar mais clara e objetiva a compreensão do
período da história da Itália que vai de 1919 a 1945 faremos uma breve retrospectiva
histórica partindo do ano de 1870, que marca o fim do Risorgimento1 italiano. Até 1815,
ano em que foi assinado o Tratado de Viena2, a Península Itálica consistia em um
complexo entrelaçamento de pequenas cidades e estados subordinados ao trono das
grandes potências da época, em especial os Bourbons, família nobre francesa, e, os
Habsburgos, herdeiros do Império Austro-Húngaro. O movimento risorgimentale,
nascido do crescente sentimento de nacionalismo e unificação, vai através de lutas e
manifestações unificar geograficamente a Itália.
1
Risorgimento (“Ressurgimento”) – movimento pela unificação e criação da nação italiana, durou de
1815 até 1870 com a anexação de Roma ao território da Itália.
2
Tratado de Viena – De setembro de 1814 até junho de 1815, grande parte das monarquias européias
estiveram reunidas em um congresso, cuja sede era a cidade de Viena, com o objetivo de reorganizar a
Europa conquistada por Napoleão Bonaparte, e, devolver o trono aos reis depostos pelo general francês.
Para a Itália, o Tratado de Viena representou o nascimento de um sentimento nacionalista que
impulsionou o processo de unificação.
6
Todo o processo de unificação do Estado italiano ocorreu de um modo sui
generis. O território italiano era marcado por grande divisão territorial. Essa
fragmentação territorial somada à eclosão de uma revolução burguesa tardia,
influenciada por ações de um líder estrangeiro, Napoleão Bonaparte, fizeram do
Risorgimento italiano um movimento com características distintas do modelo utilizado
para a unificação do Império Alemão. Nesse contexto, importantes os ensinamentos do
historiador Eric Hobsbawn, segundo o qual a unificação do Império Alemão,
diferentemente do que ocorreu com a Itália Risorgimentale, contou mais com a
participação popular do que com os acontecimentos históricos.
O Estado italiano, tal qual conhecemos hoje, foi criado ao longo de pouco mais
de dez anos isso porque, apesar das manifestações pró-unificação, foi apenas em 1859
que os ideais nacionalistas passaram a, de fato, influenciar a parcela dominante da
população que, liderada pelo reino de Piemonte, ambicionava a formação de um estado
italiano unido e livre de intervenções estrangeiras. O Risorgimento, enquanto
movimento de unificação, despertou no povo italiano uma maior consciência política,
todavia, isso ocorreu sem um verdadeiro comprometimento político, pois a grande
massa popular não teve acesso ao poder, ou seja, não chegou a fazer parte do processo
risorgimentale; essa pseudo idéia produziu um sistema político e social deficitário e
débil, ao estabelecer um sistema liberal encabeçado pelas elites e sustentado pela falta
de representação e participação eleitoral da sociedade.
O abismo entre o novo Estado italiano e grande parte de seu povo
refletia-se nos mecanismos da política liberal e era alargado por ela.
As bases eleitorais do liberalismo do fim do século XIX eram
pequenas no início e só lentamente se ampliaram (BLINKHORN,
2010. p. 17).
O novo Estado do Sistema Internacional surgiu amparado por uma constituição
que resguardava as classes altas da sociedade, por um sistema político parlamentar de
cunho liberal e por uma administração centralizada que limitava os poderes
monárquicos do rei. Ao trono da Itália unificada foi coroado o Rei Vittorio Emanuele II,
descendente da Casa di Savoia3; o domínio e a influência piemontesa estavam agora
elevados ao nível nacional.
3
Casa di Savoia - foi a dinastia soberana do Ducado de Savoia, atual região de Piemonte, na Itália, e
Savoia, na França. O reinado de Savoia durou até o ano de 1946 quando, por meio de um referendo
popular, os italianos optaram pela república como forma de governo.
7
O Risorgimento foi considerado por muitos, como escreve o professor britânico
Martin Blinkhorn, um processo de “piemontização” da Itália (BLINKHORN, 2010. p.
16), especialmente nas regiões centrais e do mezzogiorno (sul) 4 da península, onde os
níveis de desigualdade eram mais visíveis e acentuados. Em todo o território unificado
era possível perceber um desnível considerável em termos de consciência nacional, uma
vez que, quase toda a área provincial e rural da Itália manteve sua lealdade às antigas
dinastias e dirigentes estrangeiros.
A Unidade, enfim, foi vista mais como um fenômeno literário e
sentimental do que fenômeno político e econômico, e à sua realização
não correspondeu a renovação da estrutura da sociedade italiana, o que
teria permitido um mais rápido desenvolvimento e a solução de muitos
de seus problemas (FIORANI, 1963. p. 17).
A Itália unificada enfatizou o regionalismo local, agravando ainda mais as
diferenças econômicas e culturais entre o Norte, industrializado, e o Sul,
majoritariamente rural, da península. Segundo o professor britânico, especialista pela
Universidade de Lancaster em História Moderna da Europa, Martin Blinkhorn, as
regiões do mezzogiorno italiano estavam segregadas de todo o processo de
desenvolvimento que o Risorgimento havia proporcionado aos países do Norte
(BLINKHORN, 2010. p. 17). Nas palavras do estadista piemontês Massimo D’Azeglio,
primeiro ministro do Reino da Sardenha de 1849 a 1852, a unificação italiana formou a
Itália, enquanto Estado-Nação, mas não foi capaz de criar o povo italiano (apud
HOBSBAWN, 1977. p. 108).
As evidentes diferenças entre novo Estado e grande parte da população eram
ainda mais acentuadas pelo mecanismo político liberal adotado como forma de governo.
Durante mais de trinta anos, período que corresponde ao final do século XIX e início do
século XX, menos da metade da população masculina estava capacitada a participar das
eleições parlamentares, isso porque, para se votar era obrigatório saber ler e escrever,
além, de se exigir o pagamento de uma taxa de votação que apenas a burguesia tinha
condições de desembolsar (ISTITUTO LUCE, 2000).
Foi de fato a burguesia que ‘fez’ a Unidade, mas a não participação
das massas populares, sobretudo camponesas, foi ao fato desta
burguesia não saber cumprir sua função dirigente, com o resultado de
4
Mezzogiorno - Região sul da Itália, que abrange as comunas de Abruzzo, de Molise, de Puglia, da
Campania, da Basilicata, da Calabria, da Sicilia e de Lazio.
8
atrasar e interromper o desenvolvimento, tornando-o menos vigoroso
que outros da mesma época (FIORANI, 1963. p. 16).
Outra característica do sistema político italiano que reforçava o liberalismo
como forma de governo era o monopólio exercido pelos representantes da classe média
alta, que haviam ascendido seu poder político durante o Risorgimento. Conhecidos
como a “classe política”, a burguesia risorgimentale, através da prática conhecida como
trasformismo5, ocupava os mais altos cargos públicos e lutava, constantemente, pela
manutenção da maioria na Câmara. Durante os primeiros 30 anos de Itália unificada, o
cenário político da península foi marcado por elevados índices de corrupção e de
manipulação, e, pela intimidação do eleitorado pelas coalizões entre os grupos de
influência local e pelos “chefões”. Apenas em 1912, ano que o primeiro ministro
Giovanni Giolitti estabeleceu o sufrágio universal masculino, as camadas mais pobres
da sociedade passaram a participar do processo eleitoral italiano. Com suas reformas de
cunho social, Giolitti conseguiu, ainda que de forma precária, diminuir os níveis de
analfabetismo, uma das condições para poder votar, e, fazendo uso do desenvolvimento
vivido pela Itália no início do século XX, aumentou a renda do proletariado; todavia,
essas reformas não foram suficientes para cancelar a desigualdade gritante da
população, mas, influenciaram no processo de crescimento do eleitorado italiano.
De cerca de meio milhão de homens italianos numa população de
aproximadamente 32 milhões em 1870, o eleitorado se expandiu para
dois milhões após a reforma eleitoral de 1881 e estava em três milhões
às vésperas de uma demorada e retardatária reforma eleitoral em 1912
(BLINKHORN, 2010. p. 17).
Essa falta de representatividade política, no entanto, não era uma característica
exclusiva do sistema parlamentar italiano; em toda a Europa da época, países como
Portugal, Espanha e Grécia vivenciavam exatamente os mesmos problemas políticos. O
que, porém, contribuía para tornar mais intensa a não representação política italiana era
o litígio entre a Igreja Católica e o Estado; com a anexação dos territórios papais,
durante o processo de unificação, pelas elites agora membros do governo, o Papa Pio IX
proibiu a participação oficial de toda a comunidade católica italiana das atividades
políticas. Segundo Blinkhorn, como a população italiana era composta por quase 98%
de católicos, a abstenção de voto poderia ter significado o fim de todo o sistema político
5
Trasformismo (“Transformismo”) – estratégia utilizada pelos premiers que, com o objetivo de angariar
votos e manter a maioria parlamentar, concediam favores a deputados e alguns eleitores. Na visão do
escritor italiano, Mario Fiorani, o trasformismo era a forma utilizada pelos liberais para continuarem no
poder, e, impedir a formação de partidos opositores (FIORANI, 1963. p. 22-23).
9
liberal; no entanto, a não participação da parcela católica no processo eleitoral só
contribui para aumentar, ainda mais, a estratégia trasformista adotada pelos premiers, e,
para prolongar o liberalismo como sistema de governo.
Além da importante anomalia do isolacionismo católico, a política
liberal do fim do século XIX refletia com certa precisão uma
sociedade esmagadoramente rural que se distinguia por formas
tradicionais de agriculturas, altas taxas de analfabetismo e escassa
consciência política. Enquanto esse cenário mudava devagar, o
liberalismo conseguia funcionar com tranquilidade, ainda que sem
glória (BLINKHORN, 2010. p. 18).
Os últimos 10 anos do século XIX foram desenhados pelo governo do primeiro
ministro conservador Francesco Crispi, que com seus ideais radicais propunha a
organização de uma ditadura burguesa baseada nas inspirações de Bismarck e no
imperialismo alemão. Otto Von Bismarck, estadista alemão responsável pelo processo
de unificação da Alemanha, negava a eficiência de um sistema liberal, e, durante todo o
2º Reich, ou Segundo Império, Bismarck preferiu uma política baseada no uso da força.
No ano de 1865, o então primeiro-mistro italiano, Francesco Crispi, influenciado por
Bismarck, adotou como política de governo o radicalismo e o imperialismo alemão. Foi
durante o seu governo, que a Itália assinou o acordo da Tríplice Aliança, com o Império
Austro-Húngaro e a Alemanha. Premier italiano de 1887 a 1896, com uma pausa de
dois anos entre 1891 e 1893, Crispi foi o responsável pelas violentas repressões
policiais e militares que, com êxito, conseguiram sufocar toda e qualquer manifestação
contrária a política imperialista de anexação dos territórios irridente6; seu governo ficou
conhecido pelos italianos como “O Decênio Sangrento”.
Toda a política externa italiana, durante os anos liberais e mesmo posteriormente
a eles, estava cunhada nos ideais imperialistas de expansão territorial. O principal
objetivo do governo era alavancar a Itália unificada dentro do cenário internacional,
como havia acontecido com a Alemanha, após a sua unificação. No entanto, além de
não lograr sucesso absoluto nessa luta por territórios, a Itália esqueceu que, diferente do
Estado alemão, sua nação era marcada por fortes índices de desigualdade entre o Norte
e o Sul, fato que impedia a ascensão de um Estado-Nação influente internacionalmente.
Mas o que realmente importa, considerando o objeto de estudo deste trabalho, foi,
6
Terre Irridente (Território Não Resgatado) – eram os territórios onde a língua falada era
majoritariamente o italiano, mas que, após o Risorgimento, continuaram sob o domínio das potências
estrangeiras. O grande sonho irridentista era anexar à República da Itália as regiões africanas de Túnis e
Alexandria, e, os territórios austríacos de Trento e Trieste.
10
durante os anos crispianos, o surgimento de uma nova classe de intelectuais políticos
que lutava contra o movimento irridentista; o nacionalismo que surgiu de forma
inesperada, uma vez que, suas coalizões incluíam membros dissidentes da esquerda e da
direita, acabou por contribuir, posteriormente, para a ascensão do fascismo.
Nos anos finais do século XIX e nos primeiros anos do XX, a maioria
dos países europeus com sistema política parlamentar testemunhou o
surgimento de grupos culturais e políticos hostis aos mecanismos do
liberalismo parlamentar e aos princípios de tolerância e pluralismo que
estavam por trás dele. A Itália não era exceção (BLINKHORN,
2010. p. 25).
Segundo o estudioso italiano Mario Fiorani, o século XX começava para a Itália
com grandes mudanças e um significativo desenvolvimento industrial, que
desempenhou um papel de suma importância na recuperação da economia italiana
devastada pelo Risorgimento. No âmbito político, o novo século trouxe para o País uma
nova vertente que objetivava abrir o sistema liberal à novas correntes, e sua principal
personagem foi o estadista Giovanni Giolitti, que exerceu, de forma quase ininterrupta,
por uma década, o cargo de primeiro-ministro italiano; sob o seu governo foram
realizadas diversas reformas de caráter social que, no decorrer dos anos, influenciaram o
advento do movimento fascista.
Para o historiador e jornalista italiano, Indro Montanelli, Giolitti foi a
personagem responsável por encerrar o longo período de recessão italiana, e, dar
esperança as camadas mais baixas da sociedade. Durante o seu governo, que na visão de
Montanelli, mas se assemelhou a um regime político, a Itália experimentou um
significativo avanço industrial responsável por equilibrar as contas públicas e
impulsionar a retomada da economia italiana.
I risultati non si possono discutire. Sotto Il segno di Giolitti l’Italia
uscì definitivamente dal lungo período di recesssione che l’aveva
afflitta, fece un grosso balzo avanti sulla via dell’industrializzazione,
pareggiò Il bilancio, riportò il suo primo successo militare – la
conquista della Libia -, diede inizio a uma legislazione sociale, e attuò
la più audace di tutte le riforme: il suffragio universale
(MONTANELLI, 2011. p.17).7
7
Tradução Literal do Autor – “Não se pode discutir dos resultados. Sob o governo de Giolitti a Itália saiu
definitivamente de um longo período de recessão que a assolava, deu um grande salto em direção à
industrialização, equilibrou o orçamento, conquistou sua primeira vitória militar – a conquista da Líbia
deu início a uma nova legislação social, e colocou em prática a mais ousada das reformas: o sufrágio
universal”.
11
Sendo Giovanni Giolitti figura essencial para se explicar e entender a ascensão
de Benito Mussolini ao poder e a força adquirida pelo movimento fascista, no pós I
Guerra Mundial, o próximo subcapítulo do presente trabalho será, inteiramente,
destinado a discorrer sobre seu governo e suas, tão importantes, reformas de cunho
social.
1.2
A ERA GIOLITTIANA
O final dos anos oitocentos representou para a Itália, no plano político, o início
de uma fase mais liberal. As condições socioeconômicas foram essenciais para o
desenvolvimento da econômica italiana, que atingiu o seu auge graças ao crescimento
industrial e aos vultosos investimentos estatais. Nos primeiros anos do novo século, o
papel de Giovanni Giolitti foi de especial importância para a política italiana. Giolitti
exerceu, por quase uma década, o cargo de primeiro-ministro italiano, e, sob o seu
governo foram realizadas diversas reformas de caráter social. Segundo Indro
Montanelli, Giolitti foi a personagem responsável por encerrar o longo período de
recessão italiana, e, dar esperança as camadas mais baixas da sociedade. Ainda, no
entendimento de Montanelli, os resultados obtidos pelo “regime” de Giovanni Giolitti
foram indiscutíveis e de grande importância para o País.
Antes de adentrarmos nos anos em que Giovanni Giolitti esteve à frente de
importantes cargos políticos, façamos um breve resumo dos acontecimentos dos últimos
anos do século XIX, que segundo Montanelli, foram de suma importância para o destino
político da Itália (MONTANELLI, 2011. p. 12). O primeiro ocorrido, dos anos que
antecederam a Era Giolittiana, e, que influenciou as transformações advindas com o
nascer do novo século, teve como palco a cidade de Milão. Em 1898, sob a ordem do
Rei Umberto I, o comandante militar e general do exército italiano, Bava Beccaris,
reprimiu com extrema violência as manifestações subversivas contrárias à monarquia
liberal, que protestavam contra o regime e a não participação da maioria da população
nas eleições parlamentares.
12
Ser liberal no fim do século XIX na Itália não era ser democrata. Para
a maioria dos membros da classe política italiana, liberalismo
significava monarquia limitada (embora não sem poderes), parlamento
eleito por e para uma minoria privilegiada de homens italianos,
separação da Igreja e o Estado, liberdade de propriedade e um Estado
que defendesse ativamente o status quo socioeconômico
(BLINKHORN, 2010. p. 20-21).
Em 1898, o general Bava Beccaris, com a autorização do Rei Umberto I,
disparou canhões contra o covento dei cappuccini di corso Monforte. O convento, que
abrigava doentes e famílias carentes, era considerado pelo governo um reduto de
revoltosos, onde os subversivos encontravam abrigo e se reuniam para organizar as
manifestações. O atentado contra civis, comandado por Bava Beccaris e com a ciência
do Rei, gerou grande insatisfação popular e teve repercussão internacional; o
acontecimento de 1898 teve grande influência no assassinato de Umberto I em 1900.
As duras repressões de Bava Beccaris provocaram uma gigantesca onda de
desordem e tumulto, que levou o governo, no dia primeiro de maio de 1898, a declarar
estado de sítio para todas as comunas (cidades) italianas. A insatisfação popular
aumentou, ainda mais, quando o general italiano recebeu das mãos do Rei a mais alta
condecoração militar por seus feitos contra o movimento subversivo e a sua luta pela
manutenção da ordem cívica; a Croce di Grande Ufficiale dell' Ordine Militare di
Savoia. Como resposta a violência com que Umberto I conduzia as repressões, em
1900, o anarquista italiano Gaetano Bresci atirou contra o Rei que, junto a sua esposa, a
Rainha Margherita, prestigiava as apresentações olímpicas da sociedade Forti e Liberi,
em Monza.
O assassinato de Umberto I foi, para Indro Montanelli, o segundo
acontecimento, e, talvez, o mais importante e relevante fato, que contribuiu para as
mudanças políticas da Itália (MONTANELLI, 2011. p. 7). O terceiro, e último, fato que
marcou o fim dos anos oitocentos foi o processo de industrialização da Península
Itálica; embora tardio, o advento da revolução industrial trouxe importantes
modificações para o cenário econômico da Itália. O movimento de industrialização
italiano foi um dos fatores essenciais para o sucesso da política reformista adotada por
Giolitti e seus partidários.
Enquanto as grandes potências da Europa (Grã-Bretanha, Alemanha e França) e
os Estados Unidos experimentaram, a partir de meados do século XIX, um boom
13
desenvolvimentista desencadeado pela Revolução Industrial, foi, apenas, em 1896 que a
Itália, nação recém-unificada e em desvantagem política e econômica em relação aos
demais Estados, pode desfrutar de significativos avanços industriais e comerciais. O
crescimento do setor primário, principalmente no segmento automobilístico, teve um
grande impacto na sociedade italiana que, pela primeira, viu surgir organizações e
sindicatos que tinham como principal função zelar pelos direitos dos empregados e dos
empregadores.
A industrialização que por um lado trouxe a recuperação da economia da Itália,
também, foi responsável pelo surgimento de novos problemas relacionados à má gestão
social e política do País. A nova classe burguesa, constituída pelos donos de terras e
fábricas, representava a maioria do eleitorado italiano, que não demonstrava nenhum
tipo de interesse em políticas reformistas. É importante lembrar que a industrialização
contribuiu muito pouco para o desenvolvimento das regiões do mezzogiorno; as cidades
do Centro e do Sul da Itália continuavam a apresentar níveis alarmantes de
desigualdade, em relação os índices relativos à porção Norte do País. Durante o período
de industrialização, em especial nos primeiros quinze anos do novo século, o Sul da
Itália foi palco de gigantescas ondas migratórias. Grande parte da população rural
migrava para o norte do País, ou, se deslocava para países onde as oportunidades de
emprego eram abundantes, e, o sonho de uma melhor vida era amplamente divulgado.
Brasil, Argentina e Estados Unidos foram os países americanos que mais receberam
imigrantes de origem italiana, nos primeiros anos do novo século. A influência e o
poder dos grandes proprietários de terras, tanto do Sul como do Norte, e, do novo
segmento da sociedade, os industriais, crescia impulsionado pelo processo de
recuperação da economia (STELLONI, 2009).
14
Tabela 1 – Características das quatro épocas em termos de crescimento
Caratteristiche delle quattro epoche in termini di crescita
(tassi di crescita medi annuali composti in percentuale)
Popolazione
PIL Pro-capite
PIL Totale
0.1
0.0
0.1
Agraria
500-1500
Agraria avanzata
1500-1700
Capitalismo
mercantile,
1700-1820
Capitalismo
1820-2000
0.2
0.2
0.4
0.4
0.2
0.6
0.9
1.6
2.5
Fonte: http://www2.dse.unibo.it/ardeni/ES/Epoche-economiche.htm (apud A. Maddison, Phases of
Capitalist Development, Oxford, 1982).
A Era Giolittiana começava desse modo, com a morte do Rei Umberto I e a
coroação de seu filho, Vittorio Emanuelle III, como novo regente da monarquia italiana.
Durante o reinado de Umberto I, o Presidente do Conselho era o piemontês Giuseppe
Saracco, um dos últimos representantes remanescentes da velha direita liberal, que até
então possuía a maioria parlamentar e a simpatia do eleitorado; proprietários de terras e
industriais, principalmente do Norte. Apenas em 1900, com o assassinato do rei
Umberto I e ascensão de seu filho Vittorio Emanuele III ao trono da Itália, que
mudanças, de fato, significativas para o cenário político e social do País, começaram a
tomar forma e a serem colocadas em prática.8 Após assumir como novo de rei da Itália,
Vittorio Emanuele III dispensou Saracco do posto de primeiro-ministro, e, convocou
como seu sucessor o advogado italiano Giuseppe Zanardelli. Para os aliados de Saracco,
como o Barão Sydney Sonnino, o atentado contra Umberto I "aveva drammaticamente
dimostrato che il regime era alla mercé di due forze anticostituzionali e sovvervise, i
socialisti e i clericali." (MONTANELLI, 2011. p. 13).9
Zanardelli encontrou dificuldades para formar um novo governo, mas amparado
por Giolitti não se deixou abater pelas críticas de seus opositores políticos, e, em 1903
8
Em 29 de julho de 1900, o anarquista Gaetano Bresci, com o intuito de vingar as violentas repressões
autorizadas por Umberto I e comandadas pelo general Fiorenzo Bava Beccaris, munido de uma pistola
vai, em um atentado posteriormente condenado como terrorista por grande parte da população italiana, ser
o responsável pela morte do monarca italiano.
9
Tradução Literal do Autor – “o atentado contra Umberto I tinha demonstrado dramaticamente que o
regime estava a mercé de duas forças inconstitucionais e subversivas, os socialistas e os clericais”.
15
nomeou o amigo e companheiro de partido, Giovanni Giolitti, como ministro das
relações internas da Itália; o governo estava, agora, nas mãos de dois fortes
representantes do centro-esquerda. No entanto, o gesto de Giolitti não foi puramente
altruísta, ele sabia que se Zanardelli renunciasse ao cargo ele seria designado como seu
sucessor e, naquele momento, Giolitti não possuía intenção alguma de exercer o cargo
de primeiro-ministro. Como ministro de Zanardelli, Giolitti poderia colocar em prática
seu plano de aproximação entre os socialistas e o governo, fator primordial para a
integração da massa operária dentro da instituição do Estado liberal italiano.
Il gesto fu certamente da amico, ma anche da politico accorto: se
Zanardelli declinava il mandato, questo sarebbe toccato a lui, Che in
quei frangenti preferiva assumere quello più modesto, ma anche
politicamente più redditizio, di ministro degl’Interni. Così fu, ma tutti
10
capirono il giuoco (MONTANELLI, 2011. p.14).
Começava, aqui, o contato entre Giovanni Giolitti e Filippo Turati11, que
nas palavras de Indro Montanelli, “se fosse sboccato in matrimonio, avrebbe
sicuramente salvato la democrazia”12. Turati, um dos líderes do partido socialista,
apoiou o governo de Zanardelli e Giolitti, e, em um artigo da revista Critica sociale,
convidou seus companheiros políticos a se unirem a favor do novo governo para lutar
contra os ataques e reações conspiradoras da burguesia de direita, que tentavam frear
aos ideais reformistas de Giolitti.
Um governo progressista, caracterizado por um novo relacionamento entre os
trabalhadores e o Partito Socialista, era a melhor alternativa para incentivar o
desenvolvimento, e, aproveitar de forma plena as oportunidades trazidas pela Revolução
Industrial; essa era a principal diretriz de Giolitti que buscava unir o desenvolvimento
econômico com a liberdade política e a integração das massas operárias dentro do
sistema político italiano. Giolitti entendia que o crescente movimento operário,
impulsionado pela emergente industrialização, não podia ser confrontado de modo
violento; parte considerável do eleitorado italiano era composto por operários
assalariados, que com a reforma de 1881 passaram a ter o direito de votar. Junto a
10
Tradução Literal do Autor – “O gesto foi certamente de um amigo, mas também de um político astuto:
se Zanardelli declinasse o mandato, este seria passado a ele, que naquelas situações preferia assumir o
mais modesto, mas também politicamente mais viável, cargo de ministro das relações internas. Assim
aconteceu, mas todos entenderam o jogo”.
11
Filippo Turati – importante político e jornalista socialista italiano que, em 1892, ajudou a fundar o
Partito dei Lavoratori Italiani.
12
Tradução Literal do Autor – “se tivesse terminado em matrimônio, teria seguramente salvado a
democracia”.
16
Turati, Giovanni Giolitti assumiu como estratégia de governo, para lidar com as
questões e problemas internos da Itália, a liberalização das greves sindicais e operárias
que em 1903 atingiram o seu ápice. Em 1903 as movimentações operárias contribuíram
para um, significativo, aumento do número de greves e reivindicações que, em um
primeiro momento, conseguiram resultados políticos positivos para Giolitti.
No entanto, a não repressão desses movimentos fugiu ao controle do primeiroministro que, pressionado pela burguesia, se afastou, em 1909, do cargo. Durante o
governo de Zanardelli, Giovanni Giolitti conquistou uma posição de força no âmbito
organizacional e político italiano, mas, também, confirmou sua influência sob as
camadas mais pobres da sociedade e do operariado.
Giolitti aveva in quel governo una posizione di forza non solo perché
sul piano operativo era molto più efficiente e positivo del suo maggior
collega, ma anchè era lui che gli garantiva in Parlamento l’appogio dei
13
socialisti (MONTANELLI, 2011. p.14).
Em 1904, com a morte do primeiro-ministro, Giuseppe Zanardelli, Vittorio
Emanuelle III escolheu como sucessor para o cargo o Ministro das Relações Internas,
Giovanni Giolitti. A escolha surpreendeu a sociedade, que acreditava na escolha de
Sonnino ou Rudinì para ocupar o cargo de premier, uma vez que, nos últimos meses do
governo de Zanardelli, aqueles foram as duas primeiras figuras que dominaram o
cenário político da Itália. No entanto, segundo Montanelli, naquele momento o rei
mostrava-se mais favorável às políticas de Giolitti do que àquelas propostas pelos
conversadores, representados por Sidney Sonnino e Antonio Starabba di Rudinì. As
razões que levaram Vittorio Emanuelle III a descartar os ideais conservadores eram, no
mínimo, bastante claras para os intelectuais da época; desde a morte de seu pai e sua
ascensão como Rei, ele já havia demonstrado que suas divergências com Umberto I
extrapolavam os assuntos de cunho pessoal e adentravam na vida pública do então rei da
Itália. Vittorio Emanuelle III, decidido a não dar continuidade ao governo de seu
antecessor, “voleva realmente una democrazia aperta alle classi popolari, ch’era
appunto il programma di Giolitti” (MONTANELLI, 2011. p.15).14
13
Tradução Literal do Autor – “Giolitti tinha uma posição de força dentro do governo não só porque no
plano operacional era muito mais forte e positivo do que seu grande colega, mas porque era ele que lhe
garantia o apoio dos socialistas no Parlamento”.
14
Tradução Literal do Autor – “realmente queria uma democracia aberta às classes populares, que era o
objeto do programa de Giolitti”.
17
A aproximação de Giolitti com Turati fez com que o novo primeiro-ministro
entendesse como eram frágeis as lideranças socialistas e como estavam à mercê da
demagogia das massas. Ciente dessa fragilidade, com o objetivo de formar uma base
política de coalizão de centro, Giovanni Giolitti decidiu, em novembro de 1904,
reaproximar os socialistas da realidade política da Câmara convocando novas eleições
parlamentares. Para o historiador Indro Montanelli, a decisão de Giolitti em convocar
novas eleições foi um fato de fundamental importância para a Itália por diversos
motivos. Primeiramente, porque as eleições confirmaram o sucesso de políticos
partidários e simpatizantes de Giolitti; segundo, porque conseguiram demonstrar como a
política de massa não angariava votos; e, por último, porque representaram a volta dos
católicos à vida política da Itália.
Giolitti procurou atrair as forças populares emergentes do socialismo e
do catolicismo para o espaço parlamentar, respectivamente com uma
atitude imparcial diante das disputas trabalhistas e com um
arrefecimento
do
tradicional
anticlericalismo
liberal
(BLINKHORN, 2010. p. 20-21).
Giolitti iniciou suas reformas com um aumento dos salários para os
trabalhores rurais e urbanos, e, visando acelerar o desenvolvimento econômico colocou
em prática novas leis trabalhistas, autorizou a liberação de pensões, criou uma
sindicância para a proteção do trabalho infantil e das mulheres, instituiu uma comissão
para a emigração (um dos grandes problemas durante todo o período de unificação e
posterior a ele)15, criou o Conselho Nacional do Trabalho, além, de propor a criação de
uma lei sobre a municipalização dos serviços públicos, a fim de torná-los mais ágeis.
No entanto, o que, sem dúvida, favoreceu o estadista foi um sistema burocrático
organizado, porque, sem essa reestruturação do governo, seu programa de reformas,
certamente encontraria resistência.
15
O problema da emigração não foi uma característica única da Itália, em diversos outros países da
Europa as camadas mais pobres da sociedades também buscavam, através da emigração, uma forma de
sustento e sobrevivência. No entanto, principalmente no período em que a Península Itálica vivenciou um
significativo processo de industrialização, as ondas migratórias aumentaram de forma alarmante devido a
acentuação das diferenças econômicas entre o Norte e o Sul da Itália. Segundo Monica Stelloni, "dal
1870 al 1945 sono stati 30 milioni gli italiani che hanno lasciato il nostro paese, a fronte di una
popolazione pari a circa la metà di quella attuale. Agli inizi del ‘900, in piena industrializzazione,
l’emigrazione è massiccia e così anche le rimesse di denaro, tanto che Giolitti nel 1907 dichiara di avere
ottenuto il pareggio di bilancio, per la prima volta dall’unità d’Italia, proprio grazie alle rimesse
depositate nelle casse postali e bancarie italiane" (STELLONI, 2009. apud Dadà, 2006).
18
Habilíssimo homem político, sua especialidade consistia em abrandar
as controvérsias, satisfazendo formalmente a todos, e deixando afinal
as coisas como estavam. Permitia ele que estourassem movimentos
sociais, parecia até favorecer as greves e mostrava-se contra´rio às
repressões; tudo isso simplesmente por considerar greves e
movimentos sociais como manifestações fatais dos tempos, e os
sistemas policiais inúteis e contraproducentes (FIORANI, 1963. p.
17).
Obviamente, Giolitti encontrou oponentes de ambos os partidos, tanto da
ala de direita e como da ala de esquerda. A oposição a Giolitti era inevitável, uma vez
que, as propostas e medidas para aumentar os impostos e regular as condições de
trabalho afetavam as classes dominantes, independentemente das preferências políticas.
Giolitti, também, teve que lidar com as consequências adivindas do Risorgimento,
porque, apesar de geograficamente formar um Estado unificado a Itália nunca conseguiu
neutralizar as divergências entre o Norte e o Sul.
A falta de alianças formais dentro do Parlamento facilitava a
implementação das reformas propostas por Giolitti. Sem uma maioria oposicionista
dentro do governo, o estadista podia dar vazão a sua política de favores e clientelismo.
Suas medidas de reorganização e reestruturação da Itália tiveram grande peso nas
eleições de 1904, que, com um eleitorado predominantemente operário, consagrou
Giovanni Giolitti como "ministro della malavita".16
Uma das reformas mais audaciosas instauradas por Giolitti foi a aprovação, no
Parlamento, do sufrágio universal masculino, que expandiu o número de eleitores
italianos para quase oito milhões. No entanto, a grande característica do governo de
Giovanni Giolitti foi sua neutralidade quanto aos assuntos militares. No período de 1903
a 1914, em que ocupou o cargo de primeiro-ministro, Giolitti “era convinto – e lo
diceva – che del potere non bisogna andare in cerca, ma aspettare che venga a
cercarci” (MONTANELLI, 2000, p.18).17
Giolitti sempre buscou ampliar o consenso e satisfazer a vontade da maioria,
mas, em 1913, com o crescimento da onda nacionalista e da influência dos socialistas,
liderados por Benito Mussolini, Giolitti perdeu a maioria do Parlamento. Nas eleições
de 1913, os liberais sofreram uma redução do número de deputados eleitos, enquanto, a
16
Tradução Literal do Autor - "Ministro do submundo, da marginalidade".
Tradução Literal do Autor – “estava convencido – e dizia – não precisar ir em busca do poder, mas
esperar que venha a nos procurar.”
17
19
quantidade de deputados do PSI (Partito Socialista Italiano) e do PPI (Partito Popolare
Italiano) aumentou de forma assustadora. Acusado de favorecer as indústrias do Norte,
em detrimento da economia agrária do Sul, Giolitti foi obrigado a abrir mão do governo,
sendo substituído, em 1913, por Antonio Salandra.
Quando, em 1914, o atentado de Sarajevo deflagrou a Primeira Guerra Mundial,
a Itália, país membro da Tríplice Aliança, sob o governo de Salandra, adotou uma
posição de neutralidade em relação ao conflito. A decisão de Antonio Salandra em se
manter neutro desagradou os outros dois países da Aliança, Áustria e Alemanha, mas
recebeu grande apoio da população. Giolitti, também, defendeu a não intervenção do
exército italiano no conflito mundial.
L' Italia era legata all' Austria e alla Germania dalla Triplice Alleanza:
ma proclamò la sua neutralità. Gli alleati s' infuriarono, il Paese
18
applaudì (MONTANELLI, 2000, p. 20).
Foi apenas em 1915, que, pressionado pelas potências da Tríplice Entente,
Salandra assinou o Tratado de Londres, deixando a posição de neutralidade para
participar da Primeira Grande Guerra, ao lado da Grã-Bretanha, da França e do Império
Russo. As propostas de expansão territorial, vindas das três potências ocidentais (GrãBretanha, França e Rússia), eram muito mais convidativas do que as condições
estabelecidas pelo acordo militar com a Áustria e com a Alemanha.
Le Potenze dell' Intesa - come si chiamava l' alleanza anglo-francorussa -, e soprattutto la Russia, facevano offerte più sostanziose per
trascinarci nel loro campo: promettevano Trento, Trieste, l' Albania
(MONTANELLI, 2000, p.20).19
A astúcia de Giovanni Giolitti, que, ao longo da Era Giolittiana, por diversas
vezes tramou seu afastamento do governo para depois retornar de forma triunfal, não foi
suficiente para assegurar mais uma retomada de poder; as reais intenções de Giolitti, em
1914, ao apoiar a candidatura de Salandra era conseguir, depois de um tempo, reassumir
18
Tradução Literal do Autor – “A Itália estava ligada à Áustria e à Alemanha pela Tríplice Aliança: mas
proclamou a sua neutralidade. Os aliados se enfureceram, o País aplaudiu”.
19
Tradução Literal do Autor – “As potências da Entente – como se chamava a aliança anglo-franco-russa,
e especialmente a Rússia, faziam ofertas mais substanciais para que nos aliássemos a elas: prometiam
Trento, Trieste, a Albânia.”
20
seu cargo de premier. O desgaste havido nos dez anos de seu governo agravou-se com a
eclosão da Primeira Grande Guerra.20
O dia 24 de maio de 1915, data em que a Itália declarou guerra à Áustria,
marcou a entrada oficial do País na Primeira Guerra Mundial ao lado da Inglaterra, da
França e do Império Russo, e, encerrou, definitivamente, o “Decênio Feliz”, como
Mario Fiorani designou os anos em que Giovanni Giolitti desempenhou importante
papel político.
20
Como assinalou Montanelli, na obra L’Italia del novecento, Giovanni Giolitti não governou de modo
ininterrupto durante os anos de 1903 a 1913. Antes do assassinato de Umberto I, Giolitti já havia ocupado
o cargo de primeiro-ministro italiano durante o período de 1892 a 1893, quando foi sucedido por
Francesco Crispi. Durante L’Età Giolittiana, Giolitti ocupou o posto de Ministro das Relações Internas,
do governo de Zanardelli, nos anos de 1900-1903; em 1903 assumiu como premier italiano e governou
até 1905, quando foi substituído por Tommaso Tittoni. Em 1906, voltou ao poder e seu mandato durou
até 1909, ano em que “cedeu” a presidência do Conselho a Sydney Sonnino; em 1911, Giolitti voltou,
pela última vez, a ocupar o cargo de primeiro-ministro.
21
2
2.1
A ITÁLIA FASCISTA DE BENITO MUSSOLINI
A MARCHA SOBRE ROMA
O fim da Primeira Guerra Mundial, em novembro de 1918, exaltou a Itália como
nação vitoriosa e economia em ascensão, mas, ao mesmo tempo, perpetuou as
incertezas quanto ao rumo do governo e das propostas revolucionárias de Giovanni
Giolitti. De um lado, pregava-se uma renovação do parlamento; a massa popular
continuava a exigir a participação política de homens capazes de colocar em prática
reformas sociais; do outro, o sentimento nacionalista pregava o fim do imperialismo e
da expansão territorial, como propunha o Pacto de Londres21. No entanto, a vitória
italiana não foi capaz de assegurar nenhuma dessas reivindicações populares.
O pós-guerra foi para a Itália um período de acentuada crise política,
principalmente entre o Parlamento e o movimento socialista que ganhou força sob a
liderança de Gabriele D’ Annunzio, um revolucionário radical que pregava uma política
expansionista para a Itália longe da interferência dos grandes latifundiários do Norte e
da Igreja Católica. Diferente do que aconteceu em grande parte da Europa, como afirma
Mario Fiorani, o fim da Primeira Mundial não repercutiu de forma negativa para a
economia italiana, que, predominantemente, agrícola conseguiu manter seus índices de
crescimento, mas afetou de modo significativo o cenário político da Península; o
sindicalismo de D’ Annunzio confrontava com a burguesia industrial e agrária,
principalmente, do Norte da Itália, que viram suas fortunas multiplicar-se com o
encerramento da guerra.
21
Pacto de Londres – pressionado pelas potências da Tríplice Entente, o primeiro-ministro italiano,
Antonio Salandra, assinou em 1915 o Tratado de Londres. Com a assinatura do pacto a Itália renunciou
sua posição de neutralidade para participar da Primeira Guerra Mundial, ao lado da Grã-Bretanha, da
França e do Império Russo.
22
Foi o término da Primeira Guerra Mundial e as incertezas que esta trouxe para os
italianos que garantiram o sucesso do movimento político criado por Benito Mussolini,
o Fascio di Combattimento. Inspirado nos grupos intervencionistas da Azione
Rivoluzionaria22 de 1915 e munido dos apelos não atendidos da população, Mussolini
esperava dar à Itália uma noção de força obtida, única e exclusivamente, através da
união. Mas, em 1919, devido as grandes diferentes culturas e econômicas entre as
regiões Norte e Sul da Península, o fascio contava apenas com, algo em torno, de 200
homens; na sua maioria influentes proprietários de terras e industriais que enxergavam
no movimento de Mussolini uma estratégia contra o socialismo. Grande parte da
população rural das comunas do sul da Itália, ainda, permanecia fiel ao sindicalismo do
movimento de Gabriele D’ Annunzio.
O fascismo nasceu oficialmente em março de 1919, quando Mussolini
fundou o Fascio di combattimento, em Milão, com um programa de
nacionalismo, ataque à classe liberal, republicanismo, anticlericanismo
e anseios de renovação social, encarnando, assim, as posições de uma
pequena burguesia irrequieta e, principalmente, dos ex-combatentes
(TRENTO, 1993. p.16).
Porém, Benito Mussolini não via o fascio como um movimento de direita. Para
ele, a criação do grupo tinha como principal meta atrair os trabalhadores rurais e os
partidários do socialismo como forma de competir com os membros da, já desgastada,
esquerda italiana. Seu principal cronograma era combater o clericalismo e o liberalismo,
através da descentralização política, do sufrágio universal (até então o direito de voto
era válido apenas para os homens), do controle dos serviços públicos pelos
trabalhadores, da regulamentação do salário mínimo e da carga horária de trabalho,
além, do confisco dos lucros de guerra que seriam destinados à implementação de
reformas de cunho social.
Mas a adesão de grande parte da classe média alta italiana estava relacionada ao
crescimento do movimento esquerdista de Gabriele D’Annunzio que utilizava a
violência e o radicalismo para derrubar o parlamento liberal e a monarquia de Vittorio
Emanuelle III. Segundo o professor britânico, Martin Blinkhorn, o Fascio de
Combattimento, de Bentito Mussolini, se não fosse pelo auxílio, em especial financeiro,
22
Azione Revoluzionaria – movimento revolucionário patrocinado por Benito Mussolini e Alceste De
Ambris, que defendia e instigava a entrada e participação da Itália na Primeira Guerra Mundial.
23
da burguesia, não teria forças para fazer frente à Impresa Fiumana, grupo sindicalista de
D’Annunzio.
Em dezembro de 1919, quando muitos esquerdistas já abandonavam o
movimento e D’Annunzio tirava Mussolini de cena como provável
líder do “sindicalismo nacional”, o fascismo estava à beira do fracasso
(BLINKHORN, 2010. p. 39).
Foi apenas em 1920, que Mussolini fez renascer o fascismo que, até
então, sobrevivia do apoio da aristocracia agrária, principalmente do Norte e do Centro
da Itália. A ruptura com os elementos de esquerda e o abandono do “socialismo
alternativo”, como o próprio Mussolini denominava a orientação política do fascio,
foram fundamentais para que o movimento entrasse em uma fase crucial para o seu
desenvolvimento e aceitação. Ainda, sem a participação de grande parte da massa
popular, durante os anos de 1920 a 1922 o fascismo assistiu a um significativo aumento
do apoio agrário, a política de squadrismo ganhava cada vez mais adeptos contrários aos
ideais de esquerda e ao movimento sindicalista.
O squadrismo, termo derivado da palavra squadra (equipe, grupo)
pregava ataques violentos, sempre organizados por esquadrões fascistas, contra
organizações e instituições socialistas e sindicais por toda a porção norte e central da
Península, em especial nas comunas de Bologna, Firenze e Ferrara. O sucesso das ações
punitivas atraiu cada vez mais simpatizantes que ofereciam apoio ao fascio, que, em
1922, contava com a participação de mais de 250 mil homens (BLINKHORN, 2010. p.
40); o movimento de Benito Mussolini ganhava força e respeitabilidade, e, contava com
o importante apoio do governo que fazia “vistas grossas” aos atos de violência
praticados pelos partidários do fascismo.
O squadrismo, que extraiu muito de seu vigor paramilitar da
contribuição dos Arditi e de outros veteranos de guerra,
frequentemente gozou da benevolência das autoridades policiais e da
participação ativa de policiais à paisana (BLINKHORN, 2010. p.
40).
A pressão popular pelo reestabelecimento da paz, que implicava em
acabar com os desentendimentos entre a Itália e a Iugoslávia, somada a tensão causada
no parlamento por D’Annunzio, foram de suma importância para que renomados
políticos da época, como o próprio Giovanni Giolitti, apostassem no grupo fascista de
Mussolini como intermediário da paz e da estabilidade política. Para o historiador Indro
24
Montanelli, o crescimento econômico e a vitória da Itália na Primeira Guerra Mundial
deram aos políticos italianos a falsa sensação de que o governo de Vittorio Emanuelle
III vivia a glória de seus melhores dias (MONTANELLI, 2011. p.07).
Para Giovanni Giolitti e seus partidários, a Impresa Fiumana, de
Gabriele D’ Annunzio, era o único obstáculo para que a paz fosse totalmente atingida e
a máquina governativa alcançasse pleno equilíbrio político, e, a medida que o fascismo
se expandia por toda a Itália, ficava cada vez mais óbvio para os parlamentares que o
único meio de se deter o avanço da onda esquerdista pregada por D’Annunzio era apoiar
Mussolini e seu grupo revolucionário.
No entanto, o apoio do governo italiano ao Fascio di Combattimento em
nada objetivava impulsionar a figura de Benito Mussolini no cenário político, e, esse
foi, segundo Montanelli, o maior erro de Giolitti e da grande maioria do parlamento. Ao
utilizar da força popular obtida pelo grupo fascista, e, do carisma e apelo político de
Mussolini, como forma de liquidar com D’Annunzio, Giolitti e seus partidários
subestimaram o poder de Benito Mussolini e ignoraram seus reais objetivos; para
Blinkhorn, conforme o movimento fascista crescia ficava cada vez mais nítido seu
caráter social e as ambições políticas de seu líder.
A Mussolini, Giolitti non dava molta importanza. Era convinto che il
suo Fascio non fosse che uno dei tanti <gruppuscoli> nati nel
disordine del dopoguerra e destinati a dissolversi con la
normalizzazione. Anzi si proponeva di strumentalizzarlo per tenere in
rispetto i socialisti. E lo disse anche a Sforza, che invece se ne
mostrava preoccupato: <Sono dei fuochi d’artificio, che fanno molto
rumore ma si spengono rapidamente> (MONTANELLI, 2011.
p.09)23.
Somente em 1922, quando as eleições parlamentares declararam uma vitória
esmagadora do PNF (Partito Nazionale Fascista), partido oriundo da organização do
Fascio di Combattimento em uma facção política que contava com o apoio não só da
opinião pública italiana, mas, também, de grande parte dos católicos, que Giolitti e toda
a elite política da Itália perceberam que o grupo comandado por Benito Mussolini não
23
Tradução Literal do Autor – “A Mussolini, Giolitti não dava muita importância. Estava convencido que
o seu Fascio não era mais um dentre tantos ‘grupinhos’ nascidos na desordem do pós-guerra e destinados
a se dissolveram com a normalização. Antes se propunha a instrumentá-lo para obter o respeito dos
socialistas. Mas dizia a Sforza, que não se mostrava preocupado com isso: ‘São como fogos de artifício,
que fazem muito barulho mas acabam rapidamente’”.
25
era suscetível à domesticação; a estratégia do governo em seduzir os representantes
fascistas com pequenos e insignificantes cargos políticos não havia logrado êxito
(BLINKHORN, 2010. p. 43).
As eleições de 1922 desencadearam uma crise de gabinete, a vitória do PNF e a
resignação do Rei frente ao movimento fascista, levaram Luigi Facta24 a renunciar o
cargo de premier italiano, abrindo espaço para que Benito Mussolini assumisse em seu
lugar o posto mais alto do Parlamento, o de primeiro-ministro da Itália; a estrada para
uma ditadura de extrema direita estava traçada.
Um ano depois da criação do PNF, Mussolini foi primeiro-ministro da
Itália, e o fascismo italiano tinha franqueado o primeiro estágio de sua
conquista do poder. Embora os propagandistas fascistas logo tenham
forjado aquilo que se verificaria ser um mito duradouro – o de uma
“revolucionária” Marcha sobre Roma – a trajetória de Mussolini para
o mais alto cargo no fim de outubro de 1922 foi, na realidade,
facilitada por elementos do establishment italiano (BLINKHORN,
2010. p. 42).
A Marcha sobre Roma, como ficou conhecida a subida de Benito Mussolini ao
poder, ocorreu no dia 29 de outubro de 1922. O líder do movimento fascista partiu de
Napoli em direção a capital Milão, onde tomou posse como primeiro-ministro; a data
ficou conhecida como marcha, porque, apesar de Mussolini ter chegado a Milão em um
trem noturno, seus partidários e simpatizantes fascistas de fato marcharam rumo a
capital do País para celebrar a conquista do poder pelo PNF.
O movimento revolucionário pregado pela Marcha, de fato, nunca chegou a
acontecer, mas a participação popular durante a cerimônia de posse de Mussolini e a
imagem de cidadãos em farrapos aclamando o novo chefe de governo foi fundamental
para a ideologia fascista, que nos anos seguintes seduziu garante parte do povo italiano.
24
Luigi Facta – político italiano que ocupou o cargo de primeiro ministro entre os meses de fevereiro a
outubro de 1922.
26
2.2
O FASCISMO SEDUZ A ITÁLIA
A Marcha sobre Roma, assim como o movimento fascista de Benito Mussolini,
não teve qualquer tipo de paralelo ou semelhança com outro movimento político na
Itália ou em outro país da Europa. Suas particularidades e, principalmente, sua
singularidade foi essencial para que o fascismo ganhasse espaço no cenário político e
seduzisse toda a população italiana, desde os trabalhadores rurais do Sul até os grandes
proprietários de terras e industriais do Norte. A Itália tinha pela primeira vez desde o
Risorgimento, na figura de Mussolini, um representante político, que, apesar das
diferenças culturais e econômicas do País, conseguia unir politicamente o Norte e o Sul
da Península.
O movimento fascista italiano de 1920-1922, nunca é demais enfatizar, não
tinha precedentes próximos nem paralelos contemporâneos, fosse na Itália ou
em qualquer outro país da Europa. É verdade que muitos países europeus,
imediatamente após a Primeira Guerra Mundial, assistiram à formação de
organizações antissocialistas e antidemocráticas de direita, frequentemente de
cunho paramilitar. A maioria não conseguiu causar muito impacto ou, como o
nacional-socialismo alemão, demorou anos para obter algum êxito
(BLINKHORN, 2010. p. 41).
Os primeiros anos da década de 1920 foram decisivos para o fascismo de
Benito Mussolini que, após as eleições parlamentares de 1922, conquistou, em um curto
espaço de tempo, diversos novos simpatizantes e grande influência política que, nas
palavras de Martin Blinkhorn, nenhum outro movimento fora capaz de conquistar
(BLINKHORN, 2010. p. 41). Apesar de não compreender em plenitude o movimento
fascista, em 1922, quase toda a população italiana se declarava partidária do Fascismo e
dos ideais de Mussolini.
A explicação para esse caráter sui generis do movimento propagado por
Benito Mussolini reside na obra de Indro Montanelli. Para o jornalista italiano,
Mussolini só foi capaz de unir politicamente a Itália porque, nos anos que precederam
as eleições parlamentares, que o consagraram como primeiro-ministro, ele havia dado
caráter duplo ao fascismo. Antes de abandonar, em 1921 com a criação do PNF, a
bandeira socialista, Mussolini agia conforme a situação; para obter o patrocínio e apoio
27
das altas classes pregava um movimento antissocialista e conservador, mas para atrair a
atenção das massas, fazia uso de um discurso, de cunho nacionalista, voltado para as
reformas sociais. O discurso fascista da década de 1920 representava para todas as
camadas sociais italianas um instrumento para se alcançar a tão desejada estabilidade
política e econômica.
Historiadores e estudiosos da história da Itália, como Eric Hobsbawm e
Mario Fiorani, concordam que a ascensão de Benito Mussolini ao poder e a
singularidade do fascismo italiano estão, muito mais, relacionados a fatores conjunturais
do que elementos históricos e sociológicos. As desigualdades sociais e, principalmente,
culturais da Itália não permitiam prever que fosse possível a formação de um governo
homogênio que unisse toda a sociedade italiana, assim como, o próprio perfil e caráter
de Mussolini em nada demonstravam que ele teria a força e a liderança para se tornar
um ditador, como foi o caso de Adolf Hitler e do nazismo alemão.
Chegou ao poder por acaso e não por cálculo ou luta sistemática, mas
considerava-se, como todos os bons italianos, um moderno
Machiavelli, mais as intuições do próprio gênio. Guiado por uma
astúcia de mercador de gado, era no fundo um ingênuo, sempre
deixando-se sugestionar pela miragem do “mais fácil”...Era Mussolini
uma síntese, também por assimilação, dos caracteres pueris do
italiano, e acabou sendo um chefe à italiana, ou seja, decidido a
triunfar de qualquer maneira, mas no fundo subjugado aos interesses
de terceiros (FIORANI, 1963. p.55).
O caminho para a ditadura fascista, de Benito Mussolini, estava traçado.
Os italianos se identificaram com a figura do Duce e deixaram-se seduzir pelas suas
propostas de reformas sociais e estabilidade política. E apesar do que muitos
acreditavam a população italiana não estava de toda enganada quanto às intenções de
Mussolini; em 1922, quando assumiu o mais alto cargo do parlamento, seus objetivos
eram de reformular toda a política da Itália de forma a estimular o desenvolvimento
social e econômico da Península.
Para Montanelli, durante todo o período em que Mussolini esteve à frente
do governo italiano, o fascismo passou por duras e radicais mudanças. A Itália de 1922
a 1943 teve como governante a figura de três distintos Benito Mussolini. O primeiro
Mussolini, Il Mussolini Restauratore, durou seis anos e foi aquele homem capaz de
colocar em prática todas as reformas propostas pelo PNF (Partito Nazionale Fascista).
28
Mussolini redefiniu o conceito de Estado, organizou as normas corporativas das
indústrias, reestruturou a política interna italiana, criou uma política externa coesa,
reordenou a Itália financeiramente, fez valer as políticas sociais, reformou a política
escolástica e investiu nas questões de segurança nacional. Entre os anos de 1922 a
1927/28, Mussolini conseguiu de uma forma brilhante reestruturar a política, a
economia e a educação na Itália. De acordo com Montanelli, essa primeira fase do
ditador foi a mais difícil, porém, a única que conseguiu total sucesso.
E questo Mussolini assolse il suo compito. L’Italia era un paese nel
caos perchè dalla fine della guerra in poi non c’erano degli stati e dei
governi capaci di governare...La difficoltà più grossa fu quella di
inquadrare e di ordinare le squadre fasciste (MONTANELLI,
1999).25
A fase restauradora foi marcada pelo fortalecimento do sentimento nacionalista
italiano, culminando com sua aceitação e aprovação do povo, no que tange a ideologia
fascista. Os anos de 1926 a 1929 foram essenciais para a total consolidação do
fascismo, o apoio popular e a reaproximação com a Igreja levaram Mussolini a firmarse no poder. Prova concreta da aceitação do novo regime pela população foi o resultado
obtido nas eleições de 1929 com a vitória quase unânime de Benito Mussolini em sua
postulação para assumir o comando da Nação.
Porém, como em todo governo totalitário, a segunda fase de Mussolini foi
marcada pela perda do senso de realidade. Para Indro Montanelli, essa fase, que durou
até mais ou menos o início da Segunda Guerra Mundial, expressa o lado caricatural de
Mussolini. No ano de 1927, ficou clara a contradição entre as duas tendências políticas
de Mussolini. Il Duce, como era chamado, não conseguia mais esconder sua ânsia por
um poder total e ilimitado, tornando cada vez mais difícil separar as questões referentes
ao Estado de seu anseio.
Benito Mussolini sucumbiu perante o poder e se perdeu diante da necessidade de
alcançar o sucesso absoluto, “lui che era stato un realista, un político eccellente, non un
25
Tradução Literal do Autor – “E esse Mussolini assumiu a sua tarefa. A Itália era um país mergulhado
no caos porque do final da guerra em diante não existiam órgãos e governadores capazes de governar... A
maior dificuldade foi aquela de enquadrar e de ordenar as esquadras fascistas.”
29
uomo di Stato ma un político eccellente...si allontanò della realtà” (MONTANELLI,
1999).26 A incessante busca do ideal de se tornar uma figura protagonista da história da
Europa, fez de Mussolini uma personagem pouco coesa e distante da realidade italiana,
uma vez que, a Itália não estava preparada para assumir um papel de destaque e
responsabilidade no cenário internacional.
Foi motivado por essa vontade de destacar a Itália como grande potência do
Sistema Internacional, que Mussolini juntou-se ao Eixo, formado pela Alemanha, de
Hitler, e o Japão, de Tojo Hideki, durante a Segunda Guerra Mundial. As conseqüências
da Segunda Grande Guerra foram, ainda, mais catastróficas para a Itália do que as
advindas da Primeira Guerra Mundial, e, significaram a decadência do regime fascista e
da figura do Duce.
A terceira e última fase de Benito Mussolini é, segundo Montanelli, a fase de um
Mussolini patético. Deslumbrado pelo poder, Mussolini, perdeu o apoio da massa
popular, e, se deixou influenciar por ideais que não condiziam com as necessidades e
anseios do povo. Esse Mussolini patético não mais lutava por uma Itália unida e
nacionalista, mas, cego pelas ideologias nazistas, procurava impor ao povo italiano as
idéias que brotavam e ganhavam força na Alemanha de Adolf Hitler. Prisioneiro de
Hitler, uma vez que o fascismo em nada coincide com o nazismo, Mussolini passou a
viver “in mezzo alle falle del suo sistema, impotente a tutto” (MONTANELLI, 1999).27
Para Montanelli, essa última fase de Mussolini foi capaz de desfazer tudo aquilo
que em 1922, de forma espetacular, o ditador havia alcançado. Preso dentro de um
sistema falho e decadente, o período final do governo Mussolini foi marcado pela volta
da desorganização política e pela desestruturação da economia italiana.
26
Tradução Literal do Autor – “ele que era um realista, um político excelente, não um homem de Estado,
mas político excelente... se distanciou da realidade”.
27
Tradução Literal do Autor – “em meio as falhas de seu sistema, impotente a tudo.”
30
2.3
A DITADURA FASCISTA E AS TRÊS FASES DE BENITO MUSSOLINI
Em 1922, após as eleições parlamentares, a Itália tinha um primeiro-ministro
fascista, mas não um governo ou um regime fascista. Mussolini havia ganhado as
eleições, mas os políticos do PNF não compunham a maioria do conselho e o fascismo
ainda precisava lidar com a oposição socialista. Apesar de não ser o típico homem de
Estado, como diria Montanelli, Benito Mussolini era uma figura astuta no quesito
estratégia política; ele entendia que o momento oportuno para consagrar o fascismo
como forma de governo e instaurar a ditadura se aproximava, mas, ainda, não era
chegada a hora de uma revolução.
Os primeiros anos de Benito Mussolini como premier italiano serviram para que
o futuro Duce da Itália reorganizasse as instituições estatais, que desde a Primeira
Guerra Mundial, encontravam-se em estado de calamidade, e, consequentemente,
incapazes de governar o povo italiano. Blinkhorn defende em seus estudos que os anos
de 1922 a 1924, período de suma importância para a reorganização política do PNF,
foram a chave para a consolidação da autoridade de Mussolini.
Provavelmente, nesse estágio inicial, Mussolini, em vez de uma
revolução política completa, pensava numa revisão drástica do sistema
existente para garantir uma reiteração de sua autoridade
(BLINKHORN, 2010. p. 45-46).
Os primeiros seis anos em que Benito Mussolini esteve à frente do governo da
Itália, como presidente do Conselho, caracterizaram a primeira das três fases do ditador
fascista.
Responsável
por
significativas
mudanças
políticas
do
maquinário
governamental da Península, Il Mussolini Restauratore só foi capaz de redesenhar o
cenário político-econômico graças à reorganização do Partito Nazionale Fascista; era
evidente, para Benito Mussolini, que as diferenças políticas e ideológicas do próprio
partido fascista representavam um obstáculo para a implementação das reformas
propostas pelo fascismo. A composição do PNF, que contava com cerca de 2.600.000
de adeptos em 1933 (BLINKHORN, 2010. p. 54), era bastante heterogênea e, apesar, do
31
comprometimento dos Ras28 com o fascismo, estes não se sujeitavam à liderança de
Mussolini.
Era perceptível que em ambas as porções, Norte e Sul, da Itália a população,
apesar de se declarar fascista, ainda respondia ao poder de seus respectivos governantes.
Mussolini em 1924, com a lei Acerbo, deu início a sua mais ousada e difícil tarefa;
reorganizar o PNF e criar um sistema político homogêneo, no qual todos os governos
das comunas estivessem coligados ao regime fascista. A lei Acerbo, proposta por
Mussolini em 1923 e aprovada em 1924 pelo Conselho, determinava um reforma
eleitoral de modo que a chapa ou aliança política que obtivesse a maioria dos votos, no
pleito de 1924, teria direito a dois terços dos assentos do Parlamentos. Tal proposta era
imprescindível para que as reformas socioeconômicas fossem realizadas e a ditadura,
consagrada em 1925, não enfrentasse oposição.
A campanha eleitoral de 1924, a despeito da lei Acerbo, já indicava uma vitória
esmagadora do PNF. A ameaça socialista não era mais um obstáculo para Benito
Mussolini, que pode iniciar aos seus planos de reestruturação do partido; para atingir a
harmonia interna do PNF, o líder fascista nomeou para cada um dos cargos
parlamentares um representante de cada uma das correntes políticas-ideológicas que
compunham o partido.
Nell’elenco di fascisti ce n’erano tre soli, e fra i più moderati: Oviglio
alla Giustizia, De Stefani alle Finanze, e Giuriati alle Terre liberate.
C’erano due democratici: CArnazza ai Lavore pubblici e Rossi
all’Industria e Commercio. Due <popolari>: Tangorra al Tesoro e
Cavazzoni al Lavoro. Un liberale: De Capitani all’Agricoltura. Un
demosociale: Colonna di Cesarò alle Poste. Un solo nazionalista:
Federzoni alle Colonie. Un indipendente: Gentile, all’Istruzione. E alle
Forze Armate due militari certamente gratissimi al Re: Diaz e Thaon
29
di Revel (MONTANELLI, 2011. p.143) .
28
Ras – grandes proprietários de terras e líderes rurais que detinham o poder político das comunas
italianas.
29
Tradução Literal do Autor – “No elenco fascista haviam apenas três, e entre os mais moderados:
Oviglio na Justiça, De Stefani nas Finanças e Giuriati nas Terras Livres. Haviam dois democratas:
Carnazza no Trabalho Público e Rossi na Indústria e Comércio. Dois <populares>: Tangorra no Tesouro e
Cavazzoni no Trabalho. Um liberal: De Capitani na Agricultura. Um democrata social: Colanna di
Cesarò nos Correios. Um único nacionalista: Federzoni na Imprensa. Um independente: Gentile, na
Educação. E nas Forças Armadas dois soldados certamente muito gratos ao Rei: Thaon Diaz e Revel”.
32
Esse governo de coalizão, como descreveram Montanelli e Fiorani, foi a
principal característica da primeira fase de Benito Mussollini. Nas palavras de
Montanelli, “in quei primi anni di potere Mussolini ebbe sovente la mano felice nella
scelta dei suoi collaboratori” (MONTANELLI, 2011. p.37)30; ele sabia que para
manter o poder era preciso agradar a todos, e não ao acaso escolheu políticos não
fascistas para incorporar seu governo. Dados a todas as vertentes políticas do PNF
representatividade parlamentar, o segundo passo desse Mussolini Restauratore, para
assegurar que todos os governos estivessem sob os seus comandos, foi criar a Milizia
Fascista; um grupo armado que garantia a lealdade dos governos das comunas ao
governo de Mussolini, em outras palavras, por meio de atos politicamente ilegais as
milícias fascistas asseguravam que a frente dos governos comunais estivessem políticos
fascistas.
Figura 1 – Eleições políticas italianas 1924
30
Tradução Literal do Autor – “naqueles primeiros anos no poder Mussolini foi muitas vezes feliz na
escolha de colaboradores”.
33
Fonte: MONTANELLI, 2011. p.178
No entanto, ainda que movidos por ações violentas e não democráticas, a
M.V.S.N (Milizia Volontaria per la Sicureza Nazionale) contribuiu para que, em 1925,
a Itália alcançasse a tão almejada unificação política. Mussolini tinha, agora, a sua
disposição um partido organizado e em harmonia com o governo, e, um país interio sob
seu poder. No dia 03 de janeiro de 1925 não faltava nada para que o líder fascista desse
um golpe de Estado e instaurasse uma ditadura; depois de pouco mais de três anos como
Presidente do Conselho, Benito Mussolini conseguiu, finalmente, impor o fascismo
como sistema de governo. A Itália tinha oficialmente um regime não-democrático
fascista que, personificado na figura do Duce, durou exatas duas décadas .
Mas as contribuições da fase restauradora de Mussolini não se limitaram apenas
ao âmbito político, durante os seis anos da figura do Duce Restauratore, em especial os
anos de 1925 a 1928, foram colocadas em práticas diversas outras reformas que
abrangiam o cenário socioeconômico da Itália. Com o Partito Nazionale Fascista unido,
Benito Mussolini foi capaz de criar vários projetos de cunho social que favoreciam as
classes mais baixas da população e a classe média. Em 1930, o PNF já havia conseguido
estabelecer novas normas de trabalho que estreitavam as relações entre patrões e
operários e diminuíam a ocorrência de greves, e, novos pisos salariais para os
trabalhadores rurais, principalmente, da porção Sul e do Mezzogiorno da Península; a
mais visível consequência dessas reformas foi a criação de novos postos de trabalhos e a
diminuição do desemprego.
À parte seu papel prosaico, mas importante, de dar emprego aos
italianos da classe média baixa, o partido acabou desempenhando
34
várias tarefas administrativas e político-educativas vitais que, com
mais tempo e maior apoio das elites, talvez pudessem ter transformado
a Itália mais profundamente do que o fascismo realmente conseguiu.
Por meio de grupos como a Juventude Fascista e a organização para
crianças conhecida como Balilla, tentou educar a juventude da Itália
no espírito patriótico e marcial do fascismo. Por meio da elaborada
burocracia da organização chamada de Dopolavoro (“após trabalho”),
supervisionava e até alegrava o lazer e as atividades sociais dos
trabalhadores, procurando compensar os salários em declínio
oferecendo vários benefícios extras e, nesse processo, “curá-los” do
socialismo (BLINKHORN, 2010. p. 54-55).
Outro grande subsídio da primeira fase do Duce foi o corporativismo
econômico. Benito Mussolini sabia que o crescimento econômico da Itália, resultado
das primeiras medidas reformatórias de Giovanni Giolitti, não conseguiria manter os
mesmos índices favoráveis, principalmente, com o fim da Primeira Guerra Mundial. Os
déficits de guerra fizeram com que toda a Europa e os Estados Unidos abandonassem a
política econômica do laissez faire, e a Itália não foi exceção. O corporativismo italiano
tornou todos os órgãos relacionados a economia instituições estatais sujeitas às decisões
de Benito Mussolini; organizações sindicais que antes eram supervisionadas pelo setor
privado, por exemplo, passaram a ser controladas pelo Estado italiano e obrigadas a
contribuírem com altas taxas de impostos. Na visão do Duce, as corporações iam de
encontro com dois objetivos fundamentais: elas representavam a expressão nacional das
indústrias italianas e contribuíam para o crescimento da produção.
Le corporazioni non debbono tendere as annegare l’individuo nella
collettività livellando arbitrariamente le capacità e le forzedei singoli,
ma anzi a valorizzarle e a svilupparle (MINELLA, 2011. p. 03).
As principais mudanças, impulsionadas pelo corporativismo do Duce,
impactaram no crescimento econômico da Itália que, apesar de não ter mantido as
mesmas taxas alcançadas durante a “Era Giolittiana”, conseguiu conservar bons níveis
de desenvolvimento, que, em 1929, com a Grande Depressão31, foram os responsáveis
por salvaguardar a economia italiana que, diferente dos demais países da Europa,
continuou de certa forma aquecida.
Com o corporativismo econômico, Il Mussolini Restauratore promulgou novas
leis trabalhistas que agraciaram as classes operárias com novas legislações que
31
Crise de 1929 – longo período de recessão econômica que durou até meados da Segunda Guerra
Mundial e afetou toda a economia do Sistema Internacional. A Grande Depressão, como ficou conhecido
esse período da história, foi causado pela queda das ações na bolsa de valores de Nova Iorque.
35
estabeleciam uma carga horária de oito horas trabalho, regulavam as atividades
consideradas de alto risco, criavam instituições responsáveis por oferecer seguro contra
acidentes de trabalho, e, uniam as responsabilidades sindicais com as do setor público.
Essas e diversas outras melhorias que asseguravam mais estabilidade e segurança para
os empregados rurais e/ou industriais aproximaram Mussolini das classes baixas da
população e contribuíram para o equilíbrio da economia da Itália.
Outras importantes reformas propostas e implementadas por Benito Mussolini,
durante sua fase restauradora, segundo Indro Montanelli, aconteceram a partir de 1926
quando Il Duce iniciou uma série de mudanças quanto à política interna e externa da
Itália; reorganizou o sistema financeiro italiano, a principal herança de Mussolini para
as finanças foi a criação da Quota Novanta32; criou um novo modelo de justiça baseado
em um tribunal especial que regulava as leis fascista e era responsável pela segurança
do Estado; e, reestruturou todo o sistema escolástico italiano, para Montanelli, essa
última reforma, depois da reorganização do PNF, foi a mais importante e mais bem
sucedida das propostas de Benito Mussolini. A reforma do sistema escolástico italiano,
que ficou conhecida como Riforme Gentile33, propunha a criação de um sistema unitário
capaz de semear nos jovens o ideal de uma sociedade unificadora; para tanto, Mussolini
sabia que era de suma importância o estabelecimento de um sistema de ensino
homogênio e coeso, que inserisse o ideal filosófico de uma sociedade coletiva e voltada
para interesses comuns. A reforma do ensino foi a mais bem sucedida ação proposta
pelo Duce porque, para que os ideais fascistas fossem difundidos por toda a Itália, era
necessário que toda a população, principalmente as camadas mais pobres da sociedade,
tivesse acesso ao ensino unitário que pregava o fascismo como método educacional
revolucionário.
32
Quota Novanta – política econômica deflacionária e protecionista, articulada por Vopi, Ministro das
Finanças do governo fascista de Mussolini. Em 1927, por ordem do Duce e sob o respaldo da nova
política, a lira foi fixada a uma taxa artificial e relativamente alta de 90 por libra esterlina; a Quota
Novanta foi mais um artifício de Mussolini para unir o interesse nacional com o orgulho nacional, e,
apesar de não ter muita relação com as necessidades financeiras e econômicas da Itália, a Quota tornou-se
uma grande propaganda pró-fascista.
33
Riforme Gentile – a reforma do sistema escolástico italiano ficou conhecida como Riforme Gentile
porque seu principal articulador foi Giovanni Gentile, membro do PNF e um dos favoritos do Duce.
Formado em filosofia, Gentile dividia a opinião de Mussolini que uma reforma no sistema de ensino da
Itália era fundamental não só para difundir o pensamento fascista, mas para organizar a sociedade em
torno de uma doutrina única e unitária.
36
As chamadas Riforme Gentile foram fundamentais para a erradicação do
analfabetismo na Península Itálica. Mussolini garantiu que todas as crianças e jovens
italianos, entre 6 e 16 anos, tivessem acesso ao ensino fundamental; o pensamento
fascista foi a base de toda o sistema educacional durante os anos que Benito Mussolini
ocupou o cargo de primeiro-ministro italiano.
La scuola deve avere per scopo generale la formazione di persone
capaci di garantire il progresso economico e storico della Nazione; di
elevare il livello morale e culturale della massa e di sviluppare da tutte
le classi gli elementi migliori per assicurare il rinnovamento continuo
34
dei ceti dirigenti (MINELLA, 2011. p. 03) .
Em 1926, quando começava a demonstrar sinais de mudanças que o afastavam
do perfil de um político coeso que havia conquistado o poder não pelo uso da força, mas
pelo dom da oratória, quando indicava se distanciava de sua fase restauradora,
Mussolini já havia eliminado qualquer tipo de resistência interna e, como acontece com
quem exerce por um largo período de tempo um poder absoluto, Il Duce perdeu o senso
de realidade. O período que vai de 1927 a 1939 foi marcado pela figura de um ditador
totalmente caricatural que mergulhado em suas ambições acabou por transformar-se,
nas palavras de Bottai35, “un monumento di sè stesso” (MONTANELLI, 1999) 36.
A normatização do PNF, a reconciliação com a Igreja Católica37, a intensificação
das relações com a monarquia, e, as significativas melhoras da economia permitiram
que Benito Mussolini consolidasse o movimento fascista como forma de governo e
consagrasse sua figura como Chefe de Estado. A segunda fase do Duce começou,
34
Tradução Literal do Autor – “A escola deve ter como princípio a formação de pessoas capazes de
garantir o progresso econômico e histórico da Nação, elevar o nível moral e cultura da massa e
desenvolver para todas as classes elementos melhores de forma a assegurar a renovação contínua da ala
de dirigentes”.
35
Giuseppe Bottai – foi um importante membro do PNF e teórico do fascismo. Ao lado de Mussolini,
Bottai foi um dos agitadores que ajudou a mobilizar e organizar o fascio di combattimento, além, de
contribuir para a edição e redação do periódico Il Popolo d’Italia e da revista Critica Fascista. Durante a
ditadura fascista, Giuseppe Bottai ocupou o cargo de Ministro das Corporações.
36
Tradução Literal do Autor – “um monumento de si mesmo”.
37
Patti Lateranensi (Tratado de Latrão) – em 1871 quando Roma foi anexada ao Estado italiano, entrou
em vigor a Lei Guarentingie que não reconhecia a soberania dos Estados Papais subordinando estes ao
poder da monarquia. O rompimento entre a Igreja Católica e o Estado, decorrente do processo de
unificação, até 1929 quando o Papa Pio IX (líder da Santa fé) e Benito Mussolini (líder do governo
fascista) assinaram um acordo de reconhecimento mútuo, segundo o qual foi estabelecido à criação da
Cidade do Vaticano, um Estado soberano, neutro e inviolável. Em contrapartida, a Igreja Católica
reconhecia a soberania do Estado Fascista e se comprometia a apoiar o governo de Mussolini. É
importante ressaltar que para obter a maioria parlamentar o Duce não podia ignorar o auxílio dos
católicos, que representavam a maioria da população.
37
oficialmente, em 1929 quando as eleições parlamentares indicaram a vitória unânime de
Mussolini que, diferente dos primeiros anos como primeiro-ministro, tinha em suas
mãos o controle de mais de oito ministérios; Mussolini havia atingido sua meta, a Itália
transformou-se em um grande Império Fascista.
As reformas políticas e socioeconômicas do primeiro decênio do regime fascista,
com especial destaque para a criação da Carta Del Lavoro38 e para o sistema
corporativo italiano, somadas as ambições e ao ego de um Mussolini caricatural criaram
um cenário no qual as Corporações Fascistas legitimavam e fortaleciam os poderes do
Duce, era a primeira vez que a Itália assistia a criação de um potente sistema de governo
conciliado aos interesses soberanos do Estado. Em uma mensagem destinada a todos os
fascistas Mussolini, com seu velho tom sedicioso, explicou que a organização do Estado
corporativo italiano era um fato terminado e que o antigo Estado demo-liberal havia
sido suplantado pelo surgimento de um novo e melhorado Estado Fascista; nas
correspondências que se seguiram o ditador italiano fez questão de ressaltar os triunfos
da revolução começada em 1919 com o Fascio di Combattimento.
<Per la prima volta nella storia del mondo> continuava il messaggio
<una rivoluzione costruttiva come la nostra realizza pacificamente, nel
campo della produzione e del lavoro, l’inquadramento di tutte le forze
economiche ed intellettuali della nazione, per dirigerle verso uno
scopo comune. Per la prima volta si crea un sistema potente di
quindici grandi associazione, tutte poste sullo steso piano di parità,
tutte riconosciute nei loro legittimi e conciliabili interessi dallo Stato
39
sovrano> (MONTANELLI, 2011. p.59) .
O Mussolini do segundo decênio, isto é, Il Duce que se perdeu em meio ao
sucesso e ao poder, tinha se transformado em uma figura política completamente
anacrônica e fora da realidade, seja da Itália quanto do mundo. Sua cobiça em tornar a
Península Itálica um região de destaque internacional, fez com que Benito Mussolini
começasse a se aproximar dos pensamentos do líder nazista alemão, Adolf Hitler. Entre
os anos de 1936 a 1940, Il Duce, movido por um propósito de expansão, envolveu a
38
Carta Del Lavoro – editada em 1927, por Benito Mussolini, era um documento que regularizava e
guiava as relações de trabalho entre empregadores e empregados. Segundo esse conjunto de leis, todos
deveriam seguir as orientações e os interesses do Estado.
39
Tradução Literal do Autor – “<pela primeira vez na historia do mundo> continuava a mensagem <uma
revolução construtiva como a nossa realiza pacificamente, no campo da produção e do trabalho, o
enquadramento de todas as forças econômicas e intelectuais da nação, para direcioná-la verso um objeto
comum. Pela primeira vez cria-se um sistema potente de quinze associações, todas colocadas sob o
mesmo plano de paridade, todas reconhecidas e legitimadas com seus interesses conciliados aos do
Estado soberano>”.
38
Itália em diversos conflitos bélicos, principalmente na região do Norte da África40; a
idéia de difundir o fascismo italiano para todo o mundo e a pretensão de tornar a Itália
uma potência político-militar internacional, posição que segundo Indro Montanelli o
País não tinha a menor condição de ocupar, fizeram com que a fase cesariana41 de
Mussolini fosse um completo desastre.
Mas o desastre não se limitou apenas ao fracasso de Benito Mussolini como líder
do regime fascista, a aproximação com Hitler e o envolvimento da Itália em conflitos
militares levaram o País a se unir às Potências do Eixo42 durante a Segunda Guerra
Mundial. Foram os anseios e a ganância do Duce que fizeram o caos e o desastre, antes
personificados na figura de Mussolini, se espalharem por toda a Península; segundo
Montanelli, toda a população italiana estava “amarrada” em torno das vontades do
Duce, e esqueceram que a economia não estava forte o suficiente para suportar outra
grande guerra. As consequências da Segunda Guerra Mundial, para a Itália, foram ainda
mais catastróficas em relação aos balanços oficiais de 1918, o número de soldados e
civis mortos superaram a faixa 310.000, e, a economia italiana encontrava-se, outra vez,
mergulhada em meio à desordem.
Os anos de 1940 a 1945, com o fim do conflito e a rendição dos países membros
do Eixo, marcaram a terceira e última fase da ditadura de Benito Mussolini. Durante o
período em que a Itália esteve militarmente unida à Alemanha, o Regio Esercito
(Exército Real Italiano), a serviço do Duce, conquistou importantes parcelas territoriais
do continente africano; sob o comando do Rei, Vittorio Emanuele III, mas oficialmente
subordinados a Benito Mussolini, o exército italiano ocupou, algo em torno de,
6.000.000 km² do território africano, com especial destaque para as campanhas
40
As propostas de Mussolini para a expansão do território italiano, com o objetivo de formar um grande
Império Fascista, não sofreram protestos contrários por parte da população e da elite industrial porque a
Itália era um país pobre em matéria-prima para a indústria. As campanhas de Mussolini para recolonizar a
África visavam à ocupação da Líbia, do Egito, do Sudão, da Etiópia e da Somália, todas as áreas ricas em
carvão e minerais.
41
Para Italo Balbo, um dos líderes dos Camicie Nere (Camisas Pretas – eram membros do PNF que
formavam uma organização paramilitar pró-fascista, a Milizia Volontaria per la Sicurezza Nazionale) de
Benito Mussolini, durante o segundo decênio da ditadura fascista, Il Duce transformou-se em uma cópia
do Imperador Romano Júlio César. Sua ganância em expandir o território italiano e alavancar a Itália
como superpotência, fez com que Montanelli caracterizasse a segunda fase de Benito Mussolini como a
fase cesariana do Dulce.
42
Eixo – aliança firmada entre a Alemanha, de Adolf Hitler, a Itália, de Benito Mussolini, e, o Japão, de
Tojo Hideki, durante a Segunda Guerra Mundial. Essa aliança ficou conhecida como as Potências dos
Eixo, porque seus membros formavam um eixo entre Roma, Berlim e Tóquio.
39
realizadas na Líbia e na Etiópia. No entanto, as ocupações territoriais com o escopo de
ampliar o Império, formando a Quarta Sponda della Grande Italia43, duraram até a
rendição da Itália, em 1945. O tratado de paz assinado pelos aliados (França, GrãBretanha, EUA e URSS), que determinou o fim da Segunda Guerra Mundial, impunha
uma reorganização das áreas ocupadas pelas nações derrotadas, dentre elas a Itália; a
perda dos territórios conquistados somada ao processo de descolonização, que a partir
de 1945 suscitou diversas guerras de libertação, principalmente, na Ásia e na África
colocou fim ao sonho de Mussolini de fazer da Península Itálica uma potência mundial.
Figura 2 – As operações na África Oriental
43
Quarta Sponda Italiana (Quarta Costa Italiana) – região formada pela Líbia (Líbia Italiana), pelo
Sudão, pela Etiópia e pela Somália (África Oriental Italiana), e, pelo Egito (Ilhas Italianas do Egeo). A
Quarta Costa deveria compor, caso tivesse durado o processo de colonização, a continuação da Grande
Itália de Mussolini na África.
40
Fonte: MONTANELLI, 2005. p.107
A fase patética do Duce, que começou com a entrada da Itália na Segunda
Guerra Mundial e durou até 1945 com a captura e o assassinato de Benito Mussolini por
forças aliadas, desenhou para o País um cenário de profunda recessão econômica que
perdurou por grande parte da Primeira República Italiana44. Mussolini havia perdido
completamente o senso de realidade e cego por suas ambições, Il Duce Patetico, tinha
conseguido desfazer todas as reformas e melhorias que caracterizaram as duas primeiras
fases do governo fascista, melhorias essas que resgataram a economia italiana e
reestruturam o sistema político-social da Península.
Em 1942, nas palavras de Indro Montanelli, a parceria entre Il Duce e o Führer
já não existia mais. Para Hitler, Mussolini era um mero fantoche que, apesar das
deficiências do exército italiano, o ajudaria a conquistar as metas do Terceiro Reich;
enquanto Mussolini acreditava ser a junção com Hitler o propulsor para uma Itália forte
militarmente e influente internacionalmente, para o líder nazista alemão Il Duce não
passava de um homem fraco politicamente e perdido em meio ao sucesso. Sua
contribuição se limitava a prestar auxílio às tropas alemãs, e, mesmo assim, esse auxílio
era limitado. Por diversas vezes as tropas alemãs foram obrigadas a socorrer o exército
44
Prima Reppublica Italiana (Primeira República Italiana) – sistema política que vigorou na Itália de
1948, quando foi outorgada a Constituição Italiana que perdura até os dias atuais, até 1994, quando Silvio
Berlusconi foi eleito primeiro-ministro. A Segunda República Italiana substitui a anterior graças ao
surgimento de novos partidos políticos, em 1992 o crescimento da Lega Nord (Liga do Norte) e o
movimento de campo, Forza Italia (Força Itália), liderado por Berlusconi, pressionaram o governo para
que mudanças fossem feitas dentro do sistema eleitoral.
41
italiano que, com suas debilidades, era incapaz de suportar batalhas mais complexas e
duradoras; o resgate alemão aos italianos durante a tentativa de Mussolini invadir a
Grécia, em 1940, foi um grande vexame para a Itália, e, talvez, o exemplo mais
conhecido do fracasso italiano na Segunda Guerra Mundial.
O que eu sou para a Alemanha, vóis sóis, ó Duce, para a Itália. Mas o
que juntos somos para a Europa somente a posteridade poderá avaliar
e decidir - Adolf Hitler a Benito Mussolini, 28 de fevereiro de 1943
(apud COLLIER, 1971. prefácio).
Os sucessivos fracassos do exército fascista espalharam o caos por toda a
Península Itálica. Acusado de ceder aos delírios de Benito Mussolini, o rei Vittorio
Emanuele III, acuado pela pressão popular, foi obrigado a assinar o armistício45 em
setembro de 1943 e fugir da cidade de Roma, que foi completamente tomada pela
Resistenza Italiana (Resistência Italiana), os chamados Partigiani. A palavra que em
português significa “partidário” representava um grupo de cidadãos italianos contrários
a ditadura fascista que ganhou força e representativa em meados de 1940 quando passou
a lutar contra a entrada da Itália na Segunda Guerra Mundial ao lado das potências do
Eixo.
O crescimento do grupo dos Partigiani fez com que a Itália ficasse dividida em
duas partes ideologicamente antagônicas. O Sul, por abrigar mais da metade da
população mais pobre do País, passou a defender os ideais dos Aliados; a miséria e a
pobreza haviam se tornado um grande problema para essa parcela da sociedade italiana,
e, segundo Montanelli, foi fator decisivo para que o Sul se voltasse contra o regime de
Benito Mussolini. Por sua vez, as cidades do Centro e do Norte, fiéis seguidoras de
Mussolini, passaram a responder os comandos do regime nazista; Il Duce Patetico já
não tinha condições de governar ou, mesmo, defender seu País.
Em 1943, quando membros da resistência tomaram a cidade de Roma, Mussolini
encontrava-se completamente encurralado e incapaz de reagir contra a pressão dos
Partigiani. Deposto pelo Grande Conselho Fascista, que entendeu como nociva para a
Itália a continuação da ditadura, Il Duce foi capturado e preso pela Resistenza Italiana, e
45
Armistizio di Cassibile – documento assinado entre a Itália e as forças Aliadas que culminou com a
ocupação do Sul da Península pelos aliados, e, implicou na capitulação da Itália. O armistício não
representou uma trégua, mas uma rendição forçada.
42
levado para a penitenciária de Gran Sasso; foi necessária a ajuda de paraquedistas
alemães para que o Mussolini conseguisse fugir e fosse levado para a Alemanha.
A Repubblica di Salò, como ficou conhecida a última fase do fascismo, nada mais era
do que uma forma de Hitler manter o domínio sobre o norte italiano, que começava a
ceder ao domínio dos Aliados.
A Repubblica de Salò, na verdade, só veio salientar o que já era sabido: Benito
Mussolini não tinha mais o apoio e a simpatia de seus próprios compatriotas, pessoas
que foram essenciais para que, em 1922, Il Duce fosse capaz de assumir o poder como
primeiro-ministro e decretasse a ditadura fascista como regime de governo. Em 1944,
não existia mais qualquer possibilidade dos fascistas retomarem o poder, tropas
americanas assumiram o controle de Roma enquanto os Partigiani iniciavam violentos e
incisivos ataques contra as tropas nazistas que controlavam todo o Norte da Península.
Mais de duas décadas de governo, marcadas por importantes reformas e
mudanças, terminaram com o assassinato de Benito Mussolini por grupos da resistência
italiana. Em 1945, enquanto tentava fugir para a Suíça, Il Duce foi capturado por
membros radicais dos Partigiani que o julgaram e o condenaram a morte; seu corpo
ficou exposto na Piazzale Loreto, em Milão, durante dias. Para o povo italiano
Mussolini deixou uma grande dívida interna e externa, uma economia em frangalhos e
uma sociedade carente de um líder que a unisse, como outrora fizera Benito Mussolini.
Nas palavras de João Bernardo, o maior erro cometido pelo Duce não foi a
organização do Estado italiano na forma de um Império, tal ideal estava implícito no
raciocínio fascista e a população a ele não se impunha. Na realidade, Mussolini pecou
ao ter entrado do lado errado na Segunda Guerra Mundial; o governo de Benito
Mussolini e, consequentemente, o fim do fascismo foram causados pela união do Duce
com o Führer. Perdido em meio ao sucesso e distante da realidade, Mussolini, tendo
como inspiração os ensinamentos nazistas, levou a doutrina fascista ao extremo; o
fascismo passou a comungar com o radicalismo do nazismo alemão (BERNARDO,
2003. p. 831).
43
3
POR QUE O FASCISMO SEDUZIU A ITÁLIA?
A principal característica de um governo totalitário é a facilidade com que as
massas são atraídas e como seus líderes são capazes de tornar uma sociedade inteira
submissa aos seus ideais. Para a autora Hannah Arendt, o totalitarismo nada mais é do
que o fascínio que uma figura política, como foi o caso de Benito Mussolini, pode
causar sobre uma população carente de um líder e desgastada por um governo
ineficiente. Afirmar que um sistema de governo é totalitário não significa dizer que ele é
ilegítimo, como aconteceu na Alemanha nazista, Mussolini foi escolhido pela maioria
da população para representar o povo italiano; o totalitarismo só é possível porque, o
carisma de seus líderes atrai e comanda as massas com o discurso de uma sociedade
igualitária e sem classes (ARENDT, 1951. p. 355-357).
O fascismo de Benito Mussolini só ganhou força e sobreviveu por mais de duas
décadas, porque a Itália pós Primeira Guerra Mundial encontrava-se submersa em meio
ao caos político e econômico. Indro Montanelli, por diversas vezes, declarou que Il
Duce havia cativado todo o povo italiano através de sua surpreendente habilidade com
as palavras; Mussolini discursava para o povo, com grande entusiasmo e irreverência
seus discursos atingiam todas as classes sociais. A ditadura fascista, assim como todos
os demais sistemas totalitários, conseguiu mobilizar não uma determinada parcela da
população, mas as massas; o nazismo, o fascismo, o bolchevismo, e todos os demais
governos totalitários fascinavam o povo e organizavam as massas com o intuito de criar
uma sociedade unitária.
É importante destacar que apesar do fascismo possuir características próprias e
não encontrar similaridade com outros sistemas de governo da época e do mundo atual,
ele está inserido dentro de um contexto histórico no qual toda a Europa, e não só a
Itália, presenciou “uma onda antidemocrática e pró-ditatorial de movimentos
totalitários e semitotalitários” (ARENDT, 1951. p. 358). No entanto, nem mesmo o
fascismo italiano que se propagou por toda a Europa Oriental, foi capaz de estabelecer
um Estado puramente totalitário; seria racional dizer que Il Duce, assim como o Führer,
44
teve que se contentar com o estabelecimento de uma ditadura unipartidária. O PNF era a
junção de diversos partidos, como o PSI (Partito Socialista Italiano) e o PPI (Partito
Popolare Italiano), que unidos representavam a maioria parlamentar e legitimavam o
fascismo como forma de governo.
Outra característica relevante do totalitarismo, e que não é uma exclusividade do
fascismo, consiste no fato dos líderes populares conseguirem aproximar as classes mais
altas da sociedade com as mais baixas, ou, nas palavras de Hannah Arendt, estabelecer
alianças temporárias entre a ralé e a elite. Segundo a autora, os menos afortunados
aderem aos ideais totalitários seduzidos pelas promessas de reformas sociais e melhores
condições de vida, enquanto, os mais ricos enxergam a parceira com líderes totalitários
como forma de evitar o colapso das massas, em especial nos períodos que sucedem
conflitos bélicos, e, a ascensão de figuras políticas que representam uma ameaça aos
interesses da burguesia (ARENDT, 1951. p. 376-379).
Mas, se o fascismo italiano apresenta pontos em comum com as demais nações
totalitárias da época, por que autores como Montanelli e Hobsbawn caracterizam o
movimento fascista de Benito Mussolini como um episódio sui generis da história da
Europa? A resposta para esse questionamento implica em analisar toda a filosofia e
doutrina do fascismo, pelo que nas próximas páginas do presente trabalho será
demonstrado que os fatores históricos da Itália, juntamente com o pensamento de
Mussolini foram fundamentais para que o fascismo italiano se tornasse um fenômeno
único na historia moderna.
Enquanto viveu, o fascismo italiano suscitou intensa controvérsia entre os
europeus politicamente conscientes, em especial quando passou a ser visto
como apenas o primeiro exemplo de fenômeno generalizado
(BLINKHORN, 2010. p. 95).
Toda a história da Itália, mas em particular o período seguinte a Primeira Guerra
Mundial, foi fundamental para o surgimento do movimento fascista. A Paz de
Versalhes, ratificada em 1918, tinha como objetivo garantir a continuidade das
democracias européias, no entanto, as leis e instituições por ela criadas acabaram por
espalhar o sentimento de injustiça e desigualdade entre as nações vencedoras e as
vencidas. A Liga das Nações, criada para assegurar o fim da última grande guerra da
história e estabelecer a harmonia entre as democracias, não havia sido capaz de cumprir
45
com as suas obrigações; o caos e a pobreza consumiram grande parte da Europa,
enquanto, França e Inglaterra faziam aumentar ainda mais seu poder e riqueza. A função
de colocar fim ao imperialismo e estabelecer um sistema democrático para todo o
continente havia falhado, e, as grandes potências da Europa só faziam crescer a
dependência das demais nações em relações a elas; não existia nenhuma diferença entre
vencedores e vencidos, todos estavam subordinados aos poderes da França e da
Inglaterra.
Mais tarde, em 1939, quando Benito Mussolini optou por lutar ao lado de Adolf
Hitler, durante a Segunda Guerra Mundial, o discurso que justificava essa união tinha
como respaldo o insucesso da Liga das Nações, e, garantia que o eixo Roma-Berlim era
o único instrumento capaz de restabelecer a paz e a união de todos os Estados europeus.
Mussolini, apesar de iludido pelas idéias nazistas, obteve apoio de grande parte da
população italiana ao anunciar sua união a Alemanha nazista porque a promessa de
colaboração e paz era um dos maiores anseios da Itália.
Porém, não foi apenas o dom da oratória, como descreveu Montanelli, que levou
Benito Mussolini ao poder e garantiu o surgimento de um movimento único se
comparado aos demais regimes totalitários que desenharam o cenário europeu durante
décadas do século XX. O fascismo encantava e seduzia a todos por trazer em seu cerne
um ar de autoafirmação, uma característica própria do povo italiano que, desde os
tempos do Antigo Império Romano, buscava pela afirmação do poder e da importância
da Península Itálica como ator do Sistema Internacional. O fascismo ganhou tamanha
força e visibilidade porque seu líder, Benito Mussolini, não só prometeu como, também,
cumpriu o desejo secular de firmar uma posição de destaque para a Itália no Mundo; Il
Duce fez reacender a chama da história, e, trouxe para a realidade da época os
ensinamentos e tradições romanas.
Dopo quindici anni della Marcia su Roma e dall’assunzione, per parte
di Benito Mussolini, del governo del paese, l’Italia fascista si presenta
nella sua organica compattezza interna e nella sua salda posizione
internazionale, come um’unità morale e nazionale, come una unità
economica e autarchica e come um’unità guerriera e imperiale
(BORTOLOTTO, 1938. p. 642)46.
46
Tradução Literal do Autor – “Passados quinze anos da Marcha sobre Roma e da ascensão, por parte de
Benito Mussolini, ao governo do país, a Itália fascista se apresenta na sua competência orgânica interna e
46
A unidade moral e nacional, proposta pelo fascismo, era a base da organização,
da disciplina e do regime do Estado italiano que remetiam às tradições da Roma Antiga.
Mussolini, com a sua arte de fazer discursos grandiosos e com apelo abrasador, fascinou
todas as camadas sociais da Itália, e, de forma brilhante, como escreveu Indro
Montanelli, fez ressurgir o valor histórico da força de um ideal nacionalista que
caracteriza o perfil do povo italiano e que decorrente não do período do Risorgimento
ou do pós Primeira Guerra Mundial, mas que marca toda uma história, uma série de
eventos, de aspirações comandadas por gerações e gerações de italianos.
Outra característica importante e decisiva para a expressão do fascismo, tal
como o movimento é visto e descrito nos dias atuais, não está tão relacionada a um
passado remoto da história da Itália, e, não diz respeito a um fator antropológico próprio
dos italianos. Indro Montanelli e Eric Hobsbawn já haviam demonstrado que Mussolini
só chegou ao poder e o fascismo só ganhou prestígio, porque as conjunturas sociais e
econômicas da Península Itálica foram cruciais para o surgimento e consolidação do
Império Fascista; o longo período em que a Itália esteve divida e sob o domínio de
nações estrangeiras, fez com que, apesar da luta pela unificação, o Risorgimento não
fosse capaz de organizar o País segundo os parâmetros da época. Enquanto, a Itália se
organizava como Estado-Nação, França e Inglaterra, em especial a última, foram
percussoras da Revolução Industrial, a Alemanha, nação recém-unificada, trabalhava
para organizar-se de forma harmônica e tentar alcançar o desenvolvimento das demais
potências da Europa, e, por causa de suas diferenças culturais e da rivalidade entre
Norte e Sul, a Península Itálica foi se distanciando em relação ao desenvolvimento e a
industrialização.
Não é incorreto dizer que a industrialização tardia e a desorganização interna
não eram problemas enfrentados apenas pela Itália, mas a heterogeneidade do povo
italiano, que com suas diferenças sociais, políticas e econômicas separavam, e ainda
separam, a Península entre Norte e Sul, contribuiu para que as dificuldades vividas por
grande parte dos países europeus fossem ainda mais devastadoras para o povo italiano.
Mas, ao mesmo tempo em que esses problemas prejudicavam o crescimento do País,
na sua forte posição internacional, como uma unidade moral e nacional, como uma unidade econômica e
autárquica e como uma unidade guerreira e imperial”.
47
foram eles os responsáveis pelo surgimento do fascismo. A doutrina fascista, pregada
por Mussolini, defendia a criação de uma ordem nacional e moral que era a premissa de
um estado unido e desenvolvido; uma ordem que foi implementada como matéria
obrigatória nas escolas de ensino primário, e, era difundida por toda a Península. Il
Duce, e porque não o fascismo, unificou a Itália não em termos territoriais, essa tarefa já
havia sido cumprida pelo Risorgimento, mas, pela primeira vez, unificou a Itália
enquanto povo.
L’Italia economica e autarchica è l’espressione di due vittorie: la
vittoria sociale della pace e della solidarietà compiutamente raggiunte
fra le classi del lavoro; la vittoria economica della produzione,
raggiunta contro l’assedio sanzionista e che si è perfezionata più tardi,
per raggiungere il maggior grado d’indipendenza di fronte all’estero
(BORTOLOTTO, 1938. p. 643)47.
O fascismo conseguiu como nenhum outro movimento de cunho totalitário,
seduzir não só a população italiana, mas grande parte das potências ocidentais porque,
com sua filosofia nacionalista e a sua doutrina imperialista, demonstrou que para inibir
e expurgar a ameaça comunista, que se alastrava por toda a Europa do pós Primeira
Guerra Mundial, não era preciso fazer uso de meios violentos. O fascismo de Benito
Mussolini seduziu e fascinou toda uma geração porque, seu líder e mentor, propunha a
paz e não a guerra; Il Duce, de uma forma extremamente hábil, soube tirar proveito da
conjuntura socioeconômica da época, e, das tradições e características antropológicas
únicas do povo italiano para subir ao poder e exercer, por quase duas décadas, o cargo
de Chefe de Estado da Itália.
Talvez, o fator crucial que definiu o fascismo como um movimento singular sem
qualquer tipo de semelhança com qualquer governo de cunho de totalitário seja o
próprio perfil dos italianos. As diferenças econômicas entre o Norte e o Sul da península
não foram, e não são suficientes para dividir a população quando o assunto se refere as
raízes históricas da Itália; a idéia de uma Itália guerreira e imperial, tal como propunha
Mussolini, é a expressão de um povo que tem em seus mitos grandes heróis e
guerreiros, que enxerga a arte da revolução como um artifício de união e que busca
expandir sua cultura e importância para os quatro cantos do Globo. A tradição heróica,
47
Tradução Literal do Autor – “A Itália econômica e autárquica é a expressão de duas vitórias: a vitória
social da paz e da solidariedade completamente alcançadas entre as classes de trabalho; a vitória
econômica da produção, atingida contra o cerco de sanções e que foi concluída mais tarde, alcançando um
maior grau de independência em relação ao exterior”.
48
própria da Itália, permitiu a Benito Mussolini alcançar o sonho de um país imperial,
calcado nas bases do nacionalismo e da moral; a revolução liderada pelo Duce foi,
provavelmente, o maior exemplo de heroísmo, de civilidade e de expansão italiana,
desde os tempos do Antigo Império Romano.
Em suma, esse prestígio imperial e essa idéia de império, dividida por grande
parte da sociedade italiana da época, é, fundamentalmente, um princípio romano. Benito
Mussolini, desde o tempo em que era membro do PSI (Partito Socialista Italiano),
jamais escondeu ou tentou disfarçar sua vontade de fazer da Itália um grande Império,
na verdade, grande parte dos adeptos do fascismo, senão todos, estavam cientes dessa
meta, e, a ela não se opunham.
Questo nostro prestigio imperiale e questa nostra idea dell’impero, che
salva e che rinnova il concetto di Stato, è fondamentalmente un’idea
romana. È l’eredità dell’idea universale d’una società civile, e la forza
ordinatrice per la guida delle società umane (BORTOLOTTO,
1938. p. 642)48.
Outro fator que tornou o fascismo italiano um movimento revolucionário único e
singular é a forma como Benito Mussolini desenvolveu e espalhou a doutrina fascista.
Durante os anos que antecederam a Primeira Guerra Mundial, o pensamento político de
Mussolini começava a moldar o que, em 1922, seria a doutrina principal do fascismo. O
interesse do Duce por assuntos políticos começou durante a sua adolescência, aos
dezesseis anos ele teve o primeiro contato com a seção socialista da comuna de Emilia
Romagna; apesar de não ter se envolvido militarmente com o movimento, os ideais de
Karl Marx e Friedrich Engels49 haviam encantado o jovem Mussolini que fazia da
miséria e da frustração de sua infância a força motriz de seu engajamento político. No
entanto, o socialismo pregado por Benito Mussolini ao longo dos anos de 1901 a 1914
não era em nada parecido com o socialismo marxista que fervilhava por toda a Europa;
a interpretação da teoria de Marx, feita pelo Duce, conceituava o socialismo como um
movimento capaz de unir a classe operária criando um vínculo de lealdade que
impulsionaria uma renovação da sociedade.
48
Tradução Literal do Autor – “Este nosso prestígio imperial e esta nossa idéia de império, que salva e
que renova o conceito de Estado, é fundamentalmente uma idéia romana. É a hereditariedade da idéia
universal de uma sociedade civil, e a força organizadora que guia as sociedades humanas”.
49
Karl Marx e Friedrich Engels – filósofos e economistas alemães que, em 1848, escreveram o Manifesto
do Partido Comunista dando origem a teoria da luta entre as classes.
49
Porém, em 1914 com o deflagrar da Primeira Guerra Mundial, a divergência
entre o pensamento de Benito Mussolini em relação às crenças do PSI fizeram com que
este fosse expulso da agremiação política. Em todo o continente europeu, grupos
socialistas exaltavam a guerra, mas Mussolini não via o intervencionismo como um
meio de concretizar os ideais de Karl Marx. Antes do início do conflito internacional, Il
Duce já havia formulado a base social e política, ainda que influenciadas por teorias
socialistas, que nos anos seguintes deram origem a doutrina fascista. A fase socialista de
Mussolini foi essencial para o desenvolvimento do fascismo, diferente das demais
nações que adotaram a teoria de Marx e Engels como sistema de governo, o socialismo
do Duce era mais pragmático do que racional, ou seja, ele não acreditava e nem pregava
o fim da divisão de classes e a distribuição equitativa da renda, para Mussolini, o
socialismo serviu como veículo para atrair as massas (GREGOR, 1969. p. 142).
Men, Mussolini argued, are mobilized to action not only by their
immediate material, i.e., their class interests, but by psychological and
moral considerations that transcend them (GREGOR, 1969. p.
143)50.
A aproximação do Duce ao socialismo marxista contribuiu para que o conceito
de nação e pessoa assumisse um papel de destaque para a doutrina fascista. Em 1914,
Mussolini, graças aos estudos da teoria de Marx e Engels, percebeu que a união do
operariado era crucial para a renovação social e moral da sociedade; o poder das massas
não podia ser menosprezado. Mas a solidariedade das classes trabalhadoras não era
suficiente, Mussolini precisava, também, do apoio das elites; o ano de 1914 e a entrada
da Itália na Primeira Guerra Mundial marcaram a retomada do pensamento nacionalista
e o afastamento de Benito Mussolini da filosofia socialista. O novo modelo político
tinha como base a tradição e o sentimento do povo italiano, o conceito de estado/nação
estava agora atrelado à união moral e civil da sociedade; as variáveis econômicas, como
pregava o socialismo, não eram os únicos elementos fundadores de um estado.
Ao se afastar do socialismo e ao criticar incisivamente o movimento comunista
de Gabriele D’ Annunzio, Mussolini conseguiu conquistar o apoio e a simpatia da elite
italiana. Como escreveu Indro Montanelli, através do dom da oratória, Il Duce seduziu
50
Tradução Literal do Autor – “Homens, argumentava Mussolini, são mobilizados para a ação não só
pelo seu materialismo imediato, isto é, por seus interesses de classe, mas por considerações psicológicas e
morais que os transcendem”.
50
todas as camadas da sociedade com seu discurso de que a Nação italiana ia muito mais
além da divisão de classes e das diferenças econômicas e sociais entre o Norte e o Sul
da Península. Para Benito Mussolini, o Estado fascista expressava a vontade do povo de
tornar a Itália uma grande potência imperial, e, este, por sua vez, trazia em seu cerne a
base das tradições romanas de força e determinação. O Império, período da história da
Itália que data de 1936 a 1945, não era apenas uma manifestação territorial ou militar,
mas espiritual e moral. “È il cammino fatale: una Gente, poi un Popolo, una Nazione,
un Impero! E la storia. Storia fatta e da farsi. La meta è quella: l'Impero”
(MINNELLA, 2008)51. Para Mussolini, o estado era o recipiente de força capaz de criar
e organizar normas e legislações; um estado homogêneo era o princípio essencial para a
soberania absoluta.
O fascismo era a doutrina mais adequada para representar as tendências e os
humores dos italianos, que ao longo de séculos sob o domínio estrangeiro haviam sido
esquecidos. Se em cada período da história uma doutrina se sobressaia perante as
demais, certamente durante a Segunda Guerra Mundial o fascismo marcou a história
não só da Itália, mas de todo o mundo. O fascismo, em seu conceito mais simples, pode
ser interpretado como a tradução da fé e do espírito italiano, que seduziu toda a
Península Itálica e contagiou diversas outras nações.
L’Italia fascista diffonde, come un tempo, quei principii e quelle
dottrine, che sono la base della pace, dell’elevazione dei popoli e della
loro opera svolta in armonia e in solidarietà, per realizzare la più alta
giustizia e la più armonica e organica coesistenza comune. Sono i
principii e le dottrine, che si oppongono a tutte le insidie, e a tutti i
pericoli, combattendoli colle energie dello spirito e colla forza delle
armi, per compiere, in tal guisa, l’azione civilizzatrice di Roma ed
esaltare, nel nome del Littorio52, la nostra missione nel mondo
(BORTOLOTTO, 1938. p. 645)53.
51
Tradução Literal do Autor – “É um caminho fatal: uma Gente, depois um Povo, uma Nação, um
Império! É a história. História feita e por fazer. A meta é essa: o Império”.
52
Littorio – Na Roma Antiga Il Fascio Littorio era um símbolo de poder e de autoridade do Império.
Tratava-se de uma viga (fascio) cilíndrica esculpida em bétula branca, simbolizando o poder, a soberania
e a união dos romanos. Na sua lateral, um machado de bronze representava o poder sobre a vida e a morte
dos condenados pelo exército romano.
53
Tradução Literal do Autor – “A Itália fascista difunde, como um tempo, aqueles princípios e aquelas
doutrinas, que são a base da paz, da elevação dos povos e do seu trabalho feito em harmonia e em
solidariedade, para realizar a mais alta justiça e a mais harmônica e orgânica coexistência comum. São os
princípios e as doutrinas, que se opõem a todas as armadilhas, e a todos os perigos, combatendo-os com a
energia do espírito e com a força das armas, para realizar, desta forma, a ação civilizadora de Roma e
exaltar, em nome do Littorio, a nossa missão no mundo”.
51
Portanto, o fascismo, idealizado e concretizado por Benito Mussolini, pode ser
considerado como um fenômeno único da história moderna porque, seus ideais e
doutrinas foram cravados no seio das tradições e crenças de todo um povo. Para
Mussolini, bem como para grande parte dos estudiosos do fascismo, todo o processo
que levou à proclamação do império foi fruto do trabalho, da força, do pensamento e da
paixão do povo italiano. A singularidade do movimento fascista consiste não só na
conjuntura internacional propícia à formação de um governo totalitária, ou no carisma e
eloquência de Benito Mussolini, mas acima de tudo essa singularidade consiste no fato
do fascismo ter sido um movimento, um fenômeno próprio da Itália. Toda a filosofia,
toda a doutrina fascista encontrou forças nas características antropológicas de um povo;
nenhuma outra nação divide as meias paixões, os mesmo mitos, as mesmas vontades, as
mesmas estórias, as mesmas tradições e a mesma cultura com o povo italiano.
52
CONCLUSÃO
Na virada do século XIX para o século XX, a Itália era o produto de um longo e
árduo processo de unificação que havia libertado os estados da Península do domínio
estrangeiro; ainda que tardiamente, começava para a Itália uma nova Era que a colocava
no papel de Estado Moderno. A Itália como país, como uma nação é fruto de um
regionalismo e um provincianismo nascido ao longo de séculos de divisão e
subordinação, a queda do Antigo Império Romano marcou o fim da união de um povo
cuja tradição pregava a força e a hegemonia da ordem e da unidade.
O Risorgimento, enquanto movimento de unificação, foi capaz criar um Estado,
mas não um povo, o regionalismo foi, e, ainda, é, uma das grandes características da
Itália. As divergências culturais e econômicas entre o Norte e o Sul da Península Itálica
não permitiam que o novo governo, estabelecido pela minoria risorgimentale, criasse
um sistema político centralizado e homogêneo; consequentemente, os membros e
partidários do governo central, da Itália recém-unificada, não conseguiu obter a
confiança e o apoio da maioria da população. Foi apenas em 1922, quando Benito
Mussolini liderou a Marcha sobre Roma e instaurou o fascismo como forma de
governo, que o povo italiano viu o surgimento de um líder que unia e representava os
interesses de todas as classes sociais.
O antiparlamentarismo, a luta contra o movimento socialista e o nacionalismo
exacerbado pregado e difundido para as massas por Mussolini permitiu que a Itália
assistisse o crescimento e a ascensão de um fenômeno único de toda história: o
fascismo. A vontade de todo um povo, herança dos costumes romanos, deram a Benito
Mussolini a força necessária para conquistar, ou, porque não, seduzir, toda a população
italiana; durante os anos de 1922 a 1939, quando Il Duce já se apresentava na figura de
um homem patético, eram poucos os italianos que não proclamavam seu apoio e
simpatia ao movimento fascista.
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A influência dos discursos incendiários de Mussolini é inegável, mas a
particularidade do fascismo não reside apenas do dom da oratória e no carisma do Duce.
Líderes carismáticos que seduzem as massas e encantam populações não são uma
exclusividade do povo italiano, na verdade, o ânimo exaltado e o calor dos líderes
revolucionários são uma característica do totalitarismo. Mas o fascismo, como
fenômeno único de governo, encontrou respaldo para seus ideais na cultura, ou melhor,
nas tradições do povo italiano.
Para os italianos, a história de seus ancestrais é a maior riqueza que a nação pode
ter. A vontade e a capacidade de fazer da Itália uma grande potência vem da época do
Império Romano, a Itália fascista remonta os costumes, as tradições e os mitos do
Antigo Império Romano; é a história vivida e construída por um antigo e nobre povo
que conservou os feitos do passado com grande prestígio e lealdade. O fascismo, ou
como escreveu Indro Montanelli, a própria figura de Benito Mussolini obteve o grande
apoio da sociedade a ponto de fazer da Itália o palco de um acontecimento sui generis
pode ser considerado a junção do antigo espírito guerreiro de Roma com o novo espírito
de mudança que brotou no peito de todos os italianos, após o fim da Primeira Guerra
Mundial.
O movimento fascista pode ter contado com uma conjuntura favorável ao seu
desenvolvimento e rápido crescente, mas a sua singularidade, aquilo que o torna um
movimento único, ou, porque não, especial, reside na energia que a doutrina proposta
por Benito Mussolini despertou em todos os membros da sociedade italiana nos
primeiros anos do novo século. Para os italianos, nenhum outro povo foi capaz de
organizar com Estado forte e moralmente unido em um intervalo de tão pouco tempo,
nenhum outro povo soube demonstrar tamanha energia e tanta vontade de domínio e de
conquista como o povo fascista.
O povo italiano, em especial as gerações fascistas, vislumbrou diante de si os
caminhos do futuro, um futuro imperialista e expansionista que deu para a Itália o tão
sonhado título de potência européia. Sua posição histórica e moral no mundo é fruto de
uma revolução que fez da Itália não um país unificado, mas uma nação unida. Portanto,
não é incorreto afirmar que o fascismo de Benito Mussolini tenha sido um fenômeno da
história moderna, único e sem semelhantes próximos, a energia doutrinária do fascismo
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é exclusivo das tradições de um povo que guarda no peito as conquistas e as normas
estabelecidas pelos antigos imperadores, gladiadores e heróis romanos.
Benito Mussolini e o fascismo italiano são, sem sombra de dúvida, uma
característica única da Itália. Sua filosofia e a sua doutrina se espalharam pela Europa e
pelo Mundo, mas em nenhuma nação o fascismo adquiriu tamanho número de adeptos e
destaque como aconteceu na Itália dos primeiros anos do século XX.
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