PARADIGMAS DE TEMPO E ESPAÇO: UM NOVO SABER PARA A

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PARADIGMAS DE TEMPO E ESPAÇO: UM NOVO SABER PARA A
EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
Valéria do Prado Guisso 1 - UNICESUMAR
Siderly Dahle de Almeida 2 - UNICESUMAR
Grupo de Trabalho – Cultura, Currículo e Saberes
Agência Financiadora: não contou com financiamento
Resumo
Este artigo se propõe a uma análise, a partir de uma breve revisão bibliográfica, dos processos
que compõem o novo paradigma da educação a distância no uso de hipermídias. O objetivo
geral do texto é apresentar uma reflexão específica sobre a essência da virtualidade no
processo de ensino e aprendizagem e de como as mídias interativas podem ampliar as
possibilidades de acessar a informação e constituir conhecimento entre sujeitos de
cooperação, de diálogo e de compartilhamento de saberes numa nova relação de tempo e
espaço. Destaca-se o papel da comunicação no ensino a distância em que interação e
interatividade ocorrem em processos mediados por computadores em diferentes dimensões
tecnológicas que potencializam as relações humanas desenvolvendo inteligências individuais
e coletivas por meio do ciberespaço. Como fonte de embasamento teórico subsidiaram este
artigo o conceito de paradigma desenvolvido por Thomas kuhn (2013) considerando que
mudanças de paradigma na educação exigem um movimento de estruturação e
desestruturação de conceitos que se empenham à continuidade ou descontinuidade de
metodologias aplicadas ao ensino. Como possibilidade de acesso a um conjunto de outras
teorias que justificam suas aplicações conceituais e o uso de novos instrumentos no processo
de ensino e aprendizagem que se configuram pelo ensino aberto e a distância – EAD,
despontam ainda nesta argumentação teórica autores como Paulo Freire (1971, 1990, 1996);
Pierre Levy (1996, 2010); Lev S. Vygotsky (2007) e Zygmunt Bauman (2001). O apelo aos
professores para que se integrem as novas possibilidades midiáticas de ensino e aprendizagem
se faz necessário à medida em que sua competência deve centrar-se na gestão da
aprendizagem em que o principal fazer estará no incitamento à troca de saberes.
Palavras-chave: Paradigma. Educação à distância. Ensino e aprendizagem.
1
Mestranda em Gestão do Conhecimento nas Organizações – Unicesumar: Centro Universitário Cesumar. –
Maringá. E-mail: [email protected]
2
Doutora em Educação: Currículo pela PUC SP, Mestre em Educação pela PUC PR. Professora Titular do
Programa de Pós Graduação Stricto Sensu em Gestão do Conhecimento nas Organizações na Unicesumar –
Centro Universitário Cesumar. E-mail: [email protected]
ISSN 2176-1396
31213
Introdução
Tomando por referência o termo “paradigma” se discorrerá sobre aspectos da
educação contemporânea, em especial, ao ensino à distância, com formas e contornos de um
fazer pedagógico que pretende inovar-se em tempo e em espaço diante dos desafios que se
configuram como novos paradigmas. Compreender a escola e a educação neste contexto
requer compreendê-la inicialmente em sua totalidade orgânica e histórica que se constitui com
o fazer humano nesses diferentes tempos e espaços, definidos por culturas e modos de ser e
agir na sociedade. Nas palavras de Freire “Os homens enquanto ‘seres-em-situação’,
encontram-se imersos em condições espaço-temporais que influem neles e nas quais eles
igualmente influem.” (FREIRE, 1971, p. 39). A reflexão sobre estar situado em tempo e
espaço dá ao homem um posicionamento crítico em relação a si e aos outros homens,
portanto, a educação e a investigação científica se constituem também em diferentes
momentos, mas, como parte de um mesmo processo.
Em tempos de constantes e rápidas mudanças, dúvidas e incertezas ocupam “espaços e
tempos” em relações simples e cotidianas ou complexas como o fazer educacional. Os
processos educacionais buscam continuamente meios de reinventar-se e sobreviver aos mares
de mudanças e modismos pedagógicos que interferem, alinham e realinham processos de
acesso ao conhecimento que, ora avançam, ora retrocedem, ora comunicam, ora se calam
diante das imposições políticas, econômicas e sociais.
A história da educação tem mostrado o constante tentar, por meio de inserções
pedagógicas, a realização da tão sonhada qualidade na educação, cujo propósito seja o de
elevar os níveis de acesso e equidade, meios pelos quais se estabelecem as oportunidades de
comunicação dos sujeitos com o meio social, político e econômico, para Freire (1971), uma
relação de comunicação dialética com o mundo, de forma consciente e crítica, que permite a
esses homens transcender a esfera espontânea e ingênua da apreensão da realidade para
assumir uma posição epistemológica.
Como possibilidade de ensino, a educação a distância surge ou ressurge, nos últimos
tempos, em intempéries discussões nos centros acadêmicos públicos e privados como um
novo modelo a ser implementado, de modo a promover mais interação às oportunidades
educacionais àqueles que por localização – espaço, ou disponibilidade – tempo, desejam
acessar o conhecimento formal definido por um novo paradigma.
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Neste sentido, o termo paradigma assume a responsabilidade, de enquanto conceito
das ciências e da epistemologia, conforme declarou Thomas Kuhn em seu livro a Estrutura
das Revoluções Científicas (1962), de representar um modelo ou padrão a ser seguido, não
como algo pronto, mas, como uma referência inicial, basilar, que exige métodos para uma
realização científica. Portanto, uma posição de comunicação dialética que determina o
movimento de estruturação e desestruturação de conceitos que se empenham à continuidade e
descontinuidade de métodos das ciências e, portanto, também educacionais. Nas palavras de
Kuhn (2010, p. 107), “O empreendimento científico, no seu conjunto, revela sua utilidade de
tempos em tempos, abre novos territórios, instaura ordem e testa crenças estabelecidas há
muito tempo.”
Compreender o significado do termo paradigma habilita a compreender o sentido do
fazer pedagógico para além das barreiras de tempo e espaço que se estabelecem por meio do
ensino a distância. Um novo modo de fazer educação que reflete, mais do que nunca a infinita
possibilidade do diálogo, da comunicação e do compartilhamento como processo interativo do
ensinar e do aprender.
Na perspectiva da historiografia contemporânea, afirma Kuhn (2013, p.201) “quando
mudam os paradigmas, muda com eles o próprio mundo”. A ciência é guiada por um novo
paradigma, o uso de novos instrumentos, e o olhar segue em novas direções. Para o autor
(2013, p. 204) “um paradigma é um pré-requisito para a própria percepção. O que um homem
vê depende tanto daquilo que ele olha como daquilo que sua experiência visual-conceitual
prévia o ensinou a ver”. Levado por uma cuidadosa investigação histórica de determinada
especialidade em determinado momento os fatos investigados podem revelar “um conjunto de
ilustrações recorrentes e quase padronizadas de diferentes teorias nas suas aplicações
conceituais, instrumentais e na observação”, (KHUN, 2006, p. 115).
Assim, compreender a educação à distância sob o olhar de um novo paradigma é
vislumbrar um modelo de educação que se constitui num processo de comunicação em
constante diálogo com os conteúdos reais, concretos e existenciais que exigem dos homens o
que Freire (1971) denomina de “práxis humana” uma unidade inseparável entre as ações e
reflexões no mundo e sobre o mundo.
Desta forma, o papel do ensino à distância numa perspectiva paradigmática deve
permitir que o tempo e o espaço sejam caminhos e perspectivas para uma nova relação
humana que assuma a conscientização da necessidade de mudanças para a apropriação e
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implementação tecnológicas configurando uma mudança de paradigma para o processo de
ensino e aprendizagem.
O papel da comunicação no ensino a distância: interação e interatividade
O ensino a distância se configura por meio de legislações próprias a partir das leis
gerais do ensino em cada país. No entanto, o modo de ocorrência dessa modalidade de ensino
parece partir de uma sincronia de postulados gerais comprometidos com normas próprias de
um modelo universal pautado nas tecnologias mediadas por computadores. Neste modelo a
comunicação em redes digitais assume papel central.
Segundo Lévy (2010) a contemporaneidade é marcada por diferentes formas
comunicacionais em todos os âmbitos, sejam políticos, econômicos, culturais, estéticos,
sociais, educacionais e epistemológicos em várias dimensões, podendo ser a mídia como
suporte de informação e comunicação, a percepção sensorial, os diversos tipos de
representação linguística, a linguagem, a codificação que codifica e transmite as informações
por meio dos dispositivos informacionais como mensagens, mundos virtuais e fluxos de
informações e a relação entre os participantes da comunicação definidos pelos dispositivos
comunicacionais.
No mesmo sentido, Castells (2006) afirma que no paradigma da informação o
processo de convergência entre diferentes campos tecnológicos resulta do próprio
compartilhamento na geração da informação, formando novos conceitos e ampliando as
conexões entre diversos campos das ciências, assim:
O paradigma da tecnologia da informação não evolui para seu fechamento como um
sistema, mas rumo a abertura como uma rede de acessos múltiplos. É forte e
impositivo em sua materialidade, mas adaptável e aberto em seu desenvolvimento
histórico. Abrangência, complexidade e disposição em forma de rede são seus
principais atributos. (CASTELLS, 2006, p. 113).
Por meio dos dispositivos de comunicação, Lévy (2010) explica a ocorrência do
processo de interatividade e interação que permite aos participantes dialogar em
correspondência mútua efetivando de fato o processo de comunicação. Portanto, podendo-se
afirmar que quem recebe a informação nunca é passivo. No entanto, a relação entre interação
e interatividade assume uma discussão conceitual, que se estabelece no contexto usual dos
termos em diferentes momentos e representações na história da informática.
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Conforme registram Valle; Bohadana (2012), em fins dos anos de 1980 o termo
“interativo”, passa a integrar o glossário de neologismos que a informática produziu:
[...] interativo torna-se a expressão técnica que qualifica, todo “programa cujos input
e output são entrelaçados, como em uma conversa na qual o input depende do output
anterior. A partir daí, alguns dicionários – como o francês Robert – registram a
derivação de uma forma substantivada: interatividade, para designar a característica
própria de uma interface digital – textual, gráfica ou mesmo sonora – que permite
trocas entre o “usuário de um sistema informático e a máquina”. (VALLE;
BOHADANA, 2012, online).
Neste contexto, a interatividade assume a tarefa de realizar o processo comunicacional
entre humanos e a máquina. No entanto, para Lévy (2010) o que determina a inferência da
interatividade de uma mídia ou de um dispositivo de comunicação, pode ser representado
pelas possibilidades de apropriação e personalização da mensagem recebida, também pela
correspondência mútua da comunicação: um-um ou todos-todos; por meio da virtualidade que
pode envolver a imagem dos participantes nas mensagens e pela telepresença. Dessa forma,
conforme Valle; Bohadana (2012), a interatividade surge como palavra de ordem de uma
verdadeira revolução social que, amparada pela informática, possibilita uma ampla
reconfiguração das comunicações humanas.
A literatura educacional tem demonstrado que a interação é estabelecida a partir de um
processo dialógico entre pessoas: professor-aluno; aluno-aluno, o que a diferencia,
fundamentalmente, da interatividade concebida como a relação entre humanos e máquina.
Vygotsky (2007) afirma que a aprendizagem humana pressupõe uma natureza social
específica que adquire significado num sistema de comportamento social que,
necessariamente, “passa através de outra pessoa”.
Esse processo de interação social está ligado à história individual e social de cada um.
Como condição essencial à aprendizagem, Freire (1971, p. 47) afirma que “É preciso que a
educação esteja adaptada ao fim que persegue [...] permitir ao homem chegar a ser sujeito,
constituir-se como pessoa, transformar o mundo, entabular com os outros homens relações de
reciprocidade” de modo que esse processo o faça constituir-se como sujeito de interação e
diálogo, fazendo cultura e história. Portanto a interação envolve trocas entre os sujeitos.
Assim, também para Lévy (2010) a relação estabelecida entre as mídias e os
dispositivos comunicacionais em processos de interação e interatividade podem ser
compreendidos na lógica de uma nova relação com o saber. A potencialização dos processos
interativos amplia a capacidade comunicacional dos sujeitos possibilitando um processo
hipermídia com outros e com o meio, abrindo espaço para um processo de virtualização.
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O processo de ensino e aprendizagem no ensino a distância: possibilidades de tempos e
espaços para um novo fazer pedagógico
A relação tempo e espaço se faz, em momentos distintos da história do homem, objeto
de sua reflexão. É no percurso histórico de constituição da relação homem – tempo/espaço
que se manifestam diferentes modos de ser e agir em relação a outros homens, à diferentes
formas de produzir a vida e a relação com o trabalho. Neste contexto, a escola e seus
diferentes modos de ser resultam também desta relação onde o tempo e o espaço diferenciam
os modos do fazer pedagógico.
Segundo Bauman (2001), a relação tempo e espaço enquanto categorias de
demarcação das atividades humanas se diferenciam com o início da modernidade:
De fato, a modernidade é, talvez mais que qualquer outra coisa, a história do tempo:
a modernidade é o tempo em que o tempo tem história. [...] O tempo é diferente do
espaço porque, ao contrário deste, pode ser mudado e manipulado; tornou-se um
fator de disrupção: o parceiro dinâmico no casamento tempo-espaço (BAUMAN,
2001, p.140-142).
Para o autor, a relação tempo e espaço se configura como processo de mudança em
que o espaço necessariamente se amplia em favor da dinamicidade do tempo significando a
conquista de novos espaços, diminuição de distâncias e superação de obstáculos e limites.
Segundo Bauman (2001) a conquista do espaço significou a conquista territorial marcada pelo
volume de aquisição de propriedades em novos espaços geográficos caracterizando a era do
“hardware” ou da “modernidade pesada”. Neste sentido, estabeleceu-se novos padrões de
produção onde o tempo rotinizado marcou a relação de trabalho “face a face”, para toda a
vida, e o espaço ocupado pelo tempo produtivo criou uma relação sistêmica entre capital e
trabalho.
Marcadamente os avanços das ciências tecnológicas permitiram substituir o hardware
pelo software, deixando a modernidade pesada um lugar à modernidade leve, fluída,
desapropriada de conteúdo sólido e palpável. O software mediado pela velocidade de sinais
eletrônicos destituiu o espaço de seu conteúdo e valor territorial. Para Bauman “A quaseinstantaneidade do tempo do software anuncia a desvalorização do espaço.” (2001, p. 149).
Assim, os contornos da era da “racionalidade instrumental”, termo de Max Weber,
onde a relação tempo-espaço maximizava o espaço como retorno de valor, tem na era do
software a negação da eficácia do tempo como meio de alcançar valor, pois paradoxalmente,
o espaço aproxima-se do infinito. Portanto, novas relações se estabelecem com as
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transformações, o trabalho humano como mercadoria incorporada ao homem, se
descorporifica possibilitando ao capital ultrapassar barreiras territoriais, tornando-se “volátil e
inconstante”. A instantaneidade do tempo estabelece novos modos de relacionamento
humano, a incerteza e a imprevisibilidade passam a fazer parte do cotidiano:
A instantaneidade (anulação da resistência do espaço e liquefação da materialidade
dos objetos) faz com que cada momento pareça ter capacidade infinita; e a
capacidade infinita significa que não há limites ao que pode ser extraído de qualquer
momento – por mais breve e “fugaz” que seja. (BAUMAN, 2001, p. 158).
É, portanto, neste contexto que as novas relações com o saber dos homens se
configuram enquanto produção humana em novos tempos-espaços, compreendendo que
novos valores se estabelecem contrapondo-se aos antigos valores de uma época. Nas palavras
de Freire (1971, p. 46) “Uma época cumpre-se na mesma proporção em que os seus temas são
captados, e suas tarefas, realizadas. [...] o que caracteriza a passagem de época a outra é o fato
de que aparecem novos valores que se opõe aos de ontem”. Também responde a este processo
a escola, que delineia modelos de ensino que possam atender às novas necessidades que vão
surgindo em correspondência à história de seu tempo. Assim, o homem ao procurar novos
valores, formula também novos modos de se realizar num mundo em que o tempo encurta e
se dilui, conforme analisa Freire “o ontem vira agora; o amanhã já está feito. Tudo muito
rápido.” (1996, p. 139).
Para Castells (2006) os processos que configuram um novo paradigma tecnológico na
sociedade da informação estão caracterizados por uma dimensão de tempo e espaço que se
estabelecem numa relação informacional e comunicativa que se estendem a uma nova
dimensão de conhecimento, um universo sem fronteiras territoriais que se estabeleceram
“com a velocidade da luz” entre os anos 70 e 90 do século passado. Esse novo ciclo de
conhecimento tecnológico permitiu aos usuários interagirem com os instrumentos
aprendendo, se apropriando de seus mecanismos e redefinindo seus usos. Para o autor (2006,
p. 69) “usuários e criadores podem tornar-se a mesma coisa” num movimento interativo que
vem nas últimas décadas criando um processo de realimentação que amplia o poder
tecnológico infinitamente.
Para Lévy (2010, p. 157) os novos paradigmas tecnológicos configuram um processo
de “mutação contemporânea” o qual correspondem novas relações com o saber, que se
distingue do passado pela velocidade em que surge e se renova, à nova natureza do trabalho
que exige aprendizagem contínua, compartilhamento dos saberes aprendido e criação de
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conhecimento e ainda pelo desenvolvimento de habilidades para lidar com as novas
tecnologias onde o espaço de comunicação é mediado pela interconexão mundial de
computadores, o ciberespaço.
Para o autor, o ciberespaço suporta tecnologias intelectuais que amplificam,
exteriorizam e modificam numerosas funções cognitivas humanas, como a memória, a
imaginação, a percepção e o raciocínio, favorecendo novos modos de acessar a informação e
“novos estilos de raciocínio e de conhecimento”, tecnologias compostas por “memórias
dinâmicas”, “documentos digitais” ou programas disponíveis na internet que podem ser
reproduzidos, transferidos ou compartilhados entre diversas pessoas, aumentando, “o
potencial de inteligência coletiva dos grupos humanos”, (LÉVY, 2010, p 159-160).
Neste contexto, corresponde à educação uma nova modalidade de ensino, o EAD ensino aberto e a distância, para atender a uma nova demanda de formação acadêmica, na qual
o “espaço” do conhecimento se organiza sob os novos padrões da tecnologia mediada por
computadores. Neste novo espaço, novas relações se estabelecem, novos projetos
pedagógicos se firmam e dos professores se espera que assumam este novo desafio,
explorando as técnicas de ensino a distância, desenvolvendo habilidades para atuarem com
competência sob a égide das novas tecnologias. Este modelo de ensino aberto à distância,
assume a “descorporificação”, anunciada por Bauman (2001), dos espaços físicos de
aprendizagem.
Segundo Lévy (2010, p. 163) sob o critério da reconstrução das “totalidades parciais”
e de acordo com critérios de “pertinência” ou em rede em um contexto de virtualização, os
novos mecanismos de acesso a informação permitem um processo de ensino e aprendizagem
que pode ser personalizado. O acesso à tecnologia mediada por computadores no ensino a
distância estabelece novas possibilidades de acessar a informação por meio das hipermídias,
das redes de comunicação interativas e de todas as tecnologias intelectuais da cibercultura. A
virtualização, explica Lévy (2011, p. 18), “fluidifica as distinções instituídas, aumenta os
graus de liberdade, cria um vazio motor”, mas, não desumaniza as relações.
Sobre este aspecto, também Paulo Freire (1990) concebe duas posições que sejam
necessárias desmistificar sobre a tecnologia do ensino a distância causar o afastamento entre
os seres de relação. A primeira seria a de “simplificar ou negar a importância da tecnologia” e
em segundo, “associar todos os processos tecnológicos a um concomitante processo
desumanizador”. Na verdade, diz ele, “a tecnologia representa a criatividade humana, a
expressão da necessidade do risco.” (FREIRE, 1990, p. 39).
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Conclui-se portanto que a virtualidade potencializa a comunicação por meio das
tecnologias da informação que constituem os recursos tecnológicos, software e hardware que
recebem, processam, armazenam e distribuem dados e informações que permitem a interação
e a interatividade sem restrições de tempo e espaço, constituindo a base do virtual e da
virtualidade, portanto capaz de promover o ensino a distância como possibilidade de um novo
fazer pedagógico.
Ciberespaço: espaço/tempo para uma pedagogia do desenvolvimento das inteligências
individuais e coletivas
Conectar-se ao mundo virtual e integra-se a virtualidade abre possibilidades inéditas
de interconexões com as novas redes digitais de comunicação, reconhecendo sua importância
para a vida social, cultural, política e econômica. Temas determinantes para a construção de
um novo modelo educacional que contemple um processo de ensino e aprendizagem que se
beneficie das novas tecnologias. É preciso, no entanto, promover, além das condições técnicas
estruturais da educação, para o acesso às mídias interativas, também, realizar a formação dos
professores que apreenda o significado e importância do uso das tecnologias como recurso
midiático para o ensino e a aprendizagem nos moldes de um novo paradigma pedagógico.
Neste sentido, Freire (1990, p. 39) reconhece “o enorme e inegável papel da ciência e
da tecnologia que se arrisca, inerente a uma vida humanizada”, e adverte os educadores a
nunca negar a importância da tecnologia que poderá estimular diversas possibilidades de
expressão e comunicação com o mundo. Essa proposição levará a uma reflexão mais refinada
da questão que refere a não desumanização frente às novas tecnologias, tão pouco, ao
individualismo.
Para Freire (1990, p. 40), a individualidade entendida numa concepção
“individualista” nega sua própria subjetividade, portanto, “nega todas as dimensões da ação
humana”. Portanto, a individualidade deve ser estimulada no reconhecimento das
potencialidades intelectuais do sujeito, por exemplo, a criatividade e a curiosidade que são
elementos necessários para atuar na sociedade do conhecimento. Nesse sentido, a
subjetividade e a objetividade que operam para o desenvolvimento individual e coletivo dos
sujeitos devem ser compreendidas no contexto social mais amplo, em que a subjetividade
diferencia-se do individualismo.
Assim, os sujeitos desenvolvem suas capacidades intelectuais em processos de
reconhecimento da objetividade da realidade da qual fazem parte. Para Freire (1990, p. 40) “A
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ação humana só tem sentido e prospera quando se compreende a subjetividade em sua relação
dialética, contraditória e dinâmica com a objetividade, da qual ela provém”. É preciso ainda
considerar a subjetividade dos sujeitos aplicada no tempo presente, pois a história se faz no
presente, a relação tempo-espaço se configura no aqui-agora e nas oportunidades que podem
ser desenvolvidas pelo ambiente escolar, mas, não reduzidas estritamente a ele. O
aproveitamento do tempo presente pode ser realizado por processos de ensino e
aprendizagem, pela apropriação de novos modos de acesso a informação e ao conhecimento,
também, próprios da cibercultura.
Segundo Lévy (2010, p. 166) a cibercultura é a possibilidade do homem descobrir-se
“portador direto do saber”, pois na relação estabelecida entre os mundos virtuais cria-se
comunidades de troca de informações e construção de conhecimento estabelecidas por uma
espécie de “retorno em espiral” onde o saber pode ser transmitido pelas “coletividades
humanas vivas”, ou seja,
os saberes, as experiências, são transmitidos sem a mediação de
intérpretes, uma possibilidade histórica de retorno “à oralidade original” presente nas
sociedades anteriores à escrita. “Assim, contrariamente ao que nos leva a crer a vulgata
midiática sobre a pretensa ‘frieza’ do ciberespaço, as redes digitais interativas são fatores
potentes de personalização ou de encarnação do conhecimento”. (LÉVY, 2010, p. 164).
Assim, considera-se que a cibercultura cria sinergia e articula técnicas de comunicação
promovendo interação e interatividade com os saberes práticos universalizados, promovendo
portanto, o aumento da inteligência individual e coletiva, a partir de uma tecnologia
intelectual, por exemplo, a simulação:
Em uma palavra, trata-se de uma tecnologia intelectual que amplifica a imaginação
individual (aumento de inteligência) e permite aos grupos que compartilhem,
negociem e refinem modelos mentais comuns, qualquer que seja a complexidade
deles (aumento da inteligência coletiva). Para aumentar e transformar determinadas
capacidades cognitivas humanas (a memória, o cálculo, o raciocínio especialista), a
informática exterioriza parcialmente essas faculdades em suportes digitais. Uma vez
que esses processos cognitivos tenham sido exteriorizados e reificados, tornam-se
compartilháveis e assim reforçam os processos de inteligência coletiva. (LÉVY,
2010, p. 167).
Exemplos de representação simulada estão presentes nas atividades de pesquisa
científica, na criação industrial, em atividades de gerenciamento e de aprendizagem, assim
como em jogos interativos que permitem a inserção na realidade virtual, que ao usar imagens
interativas, para Lévy (2010, p. 168) “não substituem os raciocínios humanos mas prolongam
e transformam a capacidade de imaginação e de pensamento”, ajudando e estimulando à
memória de curto prazo em dinâmicas mais complexas. Para o autor, essas tecnologias
31222
intelectuais, também chamadas de inteligência artificial devem ser consideradas como
técnicas de comunicação e mobilização dos saberes práticos nas organizações e devem ser
pensadas como meio de articulação e de criação de sinergia.
Segundo Lévy (2010, p. 168) a interatividade por meio de imagens permite o
“compartilhamento de mundos virtuais de grande complexidade” que proporcionam o
aumento da inteligência coletiva. A simulação como ferramenta de interatividade não
substitui, na pesquisa, a experiência, nem ocupa o lugar da realidade, mas possibilita o
levantamento de grande quantidade de hipóteses.
Portanto, é dessas possibilidades de integração e interação aos métodos pedagógicos
que ambos Lévy e Freire exortam os professores a estarem atentos aos novos paradigmas que
estabelecem uma nova relação com o saber. É preciso que os educadores reconheçam os
objetos de aprendizagem digitais como recursos de interação e interatividade personalizada às
situações de ensino e aprendizagem. Os ambientes virtuais de aprendizagem que configuram
o ensino aberto e a distância, segundo Lévy (2010, p. 160), se assemelham à sociedade da
informação onde rede, velocidade e personalização são mecanismos de atuação e produção
intelectual e cognitiva.
Pode-se concluir que neste novo contexto de ambientes virtuais de aprendizagem a
mudança está na qualidade dos processos hipermídia que estabelecem os novos paradigmas de
aquisição de informação e constituição do conhecimento em movimentos de aprendizagem
cooperativa. A competência do professor em face aos novos conhecimentos se desloca,
portanto, do ensino para a gestão da aprendizagem, sua atividade docente deverá incentivar a
troca de saberes entre todos os envolvidos no processo, mediando e conduzindo a
aprendizagem de modo a incentivar a inteligência coletiva.
Assim, o ciberespaço toma forma e existência real no ato da imaginação, abrindo
espaços em tempos personalizados para a criação e criatividade humana. O ciberespaço
amplia as possibilidades de comunicação em rede e permite o entrelaçamento entre
tecnologias produzindo interatividade, interação e interconexão entre o homem e suas
máquinas, entre o homem e outros homens.
Considerações Finais
Pensar o mundo virtual não é tarefa fácil. Compreender a essência da virtualidade
enquanto saber possível em potência é reconhecê-la com potenciais meios de criar sinergia
numa infinita rede humana interconectada. A velocidade de informações modifica o modo de
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produzir a vida de milhares de pessoas não mais condicionadas ao tempo e ao espaço. Porque
o tempo se “fluidifica” e o espaço embora global, parece vazio, uma realidade virtual, uma
entidade “desterritorializada”. De acordo com Paulo Freire, nesta sociedade homens e
mulheres são convocados ao trabalho de desvendar as dimensões profundas desta realidade
oculta.
O acesso às mídias interativas e o uso das tecnologias digitais nas organizações de
ensino, mostram um mundo de possibilidades onde o novo não pode ser compreendido na
substituição de velhos modos de acessar a informação e constituir o conhecimento, de
produzir a vida, ou de se relacionar com o trabalho. O novo modo de conduzir os processos de
interação e interatividade digital permite construir sentidos a partir de critérios próprios de
pertencimento a um grupo ou a uma comunidade de troca de informações e construção de
novos conhecimentos. Não se trata, portanto, de usar imperativamente a tecnologia, mas de
tomar consciência de que a as novas formas de acesso à informação e ao conhecimento
produzem questionamentos por meio dos quais se estabelece uma nova concepção do ensinar
e do aprender, da função e papel assumido por professores e alunos.
A educação de ensino convencional ou de ensino a distância tem, portanto, uma árdua
tarefa a cumprir no acesso e aplicação das novas tecnologias: buscar equidade e promoção de
um ensino de qualidade que ocupe espaços da cibercultura para criar pontes de
compartilhamento com os saberes produzidos culturalmente em diferentes tempos e espaços
de aprendizagem constituídos por novos paradigmas. O momento presente deve ser
compreendido como possibilidade de realização e transformação das condições reais e
concretas para um novo modo de aprender e aplicar o conhecimento na criação de novos
conhecimentos. Numa concepção freireana os homens são “programados para aprender”,
portanto, a possibilidade do futuro condiciona homens e mulheres a ensinar, a aprender, a
acessar a informação e a construir o conhecimento.
Estes homens e mulheres no tempo e espaço presente se investem de sensibilidade
ética e consciência criativa, se fortalecem pelo compartilhamento por meio de mídias
interativas ajudando outros homens e outras mulheres a acessar informação e construir
conhecimento, a desenvolver a inventividade e resolver problemas. A referência de um
amanhã deve, portanto, impulsionar homens e mulheres, organizações escolares, professores e
gestores educacionais a fazerem da educação uma ferramenta efetiva para promover cidadãos
ativos que busquem sua própria liberdade de acesso ao desenvolvimento social e humano. A
relação tempo-espaço se dilui e se constitui nas demandas próprias do desenvolvimento da
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inteligência individual que absorve competências das hipermídias, dos sistemas de simulação
e ambientes de aprendizagem cooperativa fortalecendo as inteligências coletivas.
REFERÊNCIAS
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