PARADIGMAS DE TEMPO E ESPAÇO: UM NOVO SABER PARA A EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Valéria do Prado Guisso 1 - UNICESUMAR Siderly Dahle de Almeida 2 - UNICESUMAR Grupo de Trabalho – Cultura, Currículo e Saberes Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo Este artigo se propõe a uma análise, a partir de uma breve revisão bibliográfica, dos processos que compõem o novo paradigma da educação a distância no uso de hipermídias. O objetivo geral do texto é apresentar uma reflexão específica sobre a essência da virtualidade no processo de ensino e aprendizagem e de como as mídias interativas podem ampliar as possibilidades de acessar a informação e constituir conhecimento entre sujeitos de cooperação, de diálogo e de compartilhamento de saberes numa nova relação de tempo e espaço. Destaca-se o papel da comunicação no ensino a distância em que interação e interatividade ocorrem em processos mediados por computadores em diferentes dimensões tecnológicas que potencializam as relações humanas desenvolvendo inteligências individuais e coletivas por meio do ciberespaço. Como fonte de embasamento teórico subsidiaram este artigo o conceito de paradigma desenvolvido por Thomas kuhn (2013) considerando que mudanças de paradigma na educação exigem um movimento de estruturação e desestruturação de conceitos que se empenham à continuidade ou descontinuidade de metodologias aplicadas ao ensino. Como possibilidade de acesso a um conjunto de outras teorias que justificam suas aplicações conceituais e o uso de novos instrumentos no processo de ensino e aprendizagem que se configuram pelo ensino aberto e a distância – EAD, despontam ainda nesta argumentação teórica autores como Paulo Freire (1971, 1990, 1996); Pierre Levy (1996, 2010); Lev S. Vygotsky (2007) e Zygmunt Bauman (2001). O apelo aos professores para que se integrem as novas possibilidades midiáticas de ensino e aprendizagem se faz necessário à medida em que sua competência deve centrar-se na gestão da aprendizagem em que o principal fazer estará no incitamento à troca de saberes. Palavras-chave: Paradigma. Educação à distância. Ensino e aprendizagem. 1 Mestranda em Gestão do Conhecimento nas Organizações – Unicesumar: Centro Universitário Cesumar. – Maringá. E-mail: [email protected] 2 Doutora em Educação: Currículo pela PUC SP, Mestre em Educação pela PUC PR. Professora Titular do Programa de Pós Graduação Stricto Sensu em Gestão do Conhecimento nas Organizações na Unicesumar – Centro Universitário Cesumar. E-mail: [email protected] ISSN 2176-1396 31213 Introdução Tomando por referência o termo “paradigma” se discorrerá sobre aspectos da educação contemporânea, em especial, ao ensino à distância, com formas e contornos de um fazer pedagógico que pretende inovar-se em tempo e em espaço diante dos desafios que se configuram como novos paradigmas. Compreender a escola e a educação neste contexto requer compreendê-la inicialmente em sua totalidade orgânica e histórica que se constitui com o fazer humano nesses diferentes tempos e espaços, definidos por culturas e modos de ser e agir na sociedade. Nas palavras de Freire “Os homens enquanto ‘seres-em-situação’, encontram-se imersos em condições espaço-temporais que influem neles e nas quais eles igualmente influem.” (FREIRE, 1971, p. 39). A reflexão sobre estar situado em tempo e espaço dá ao homem um posicionamento crítico em relação a si e aos outros homens, portanto, a educação e a investigação científica se constituem também em diferentes momentos, mas, como parte de um mesmo processo. Em tempos de constantes e rápidas mudanças, dúvidas e incertezas ocupam “espaços e tempos” em relações simples e cotidianas ou complexas como o fazer educacional. Os processos educacionais buscam continuamente meios de reinventar-se e sobreviver aos mares de mudanças e modismos pedagógicos que interferem, alinham e realinham processos de acesso ao conhecimento que, ora avançam, ora retrocedem, ora comunicam, ora se calam diante das imposições políticas, econômicas e sociais. A história da educação tem mostrado o constante tentar, por meio de inserções pedagógicas, a realização da tão sonhada qualidade na educação, cujo propósito seja o de elevar os níveis de acesso e equidade, meios pelos quais se estabelecem as oportunidades de comunicação dos sujeitos com o meio social, político e econômico, para Freire (1971), uma relação de comunicação dialética com o mundo, de forma consciente e crítica, que permite a esses homens transcender a esfera espontânea e ingênua da apreensão da realidade para assumir uma posição epistemológica. Como possibilidade de ensino, a educação a distância surge ou ressurge, nos últimos tempos, em intempéries discussões nos centros acadêmicos públicos e privados como um novo modelo a ser implementado, de modo a promover mais interação às oportunidades educacionais àqueles que por localização – espaço, ou disponibilidade – tempo, desejam acessar o conhecimento formal definido por um novo paradigma. 31214 Neste sentido, o termo paradigma assume a responsabilidade, de enquanto conceito das ciências e da epistemologia, conforme declarou Thomas Kuhn em seu livro a Estrutura das Revoluções Científicas (1962), de representar um modelo ou padrão a ser seguido, não como algo pronto, mas, como uma referência inicial, basilar, que exige métodos para uma realização científica. Portanto, uma posição de comunicação dialética que determina o movimento de estruturação e desestruturação de conceitos que se empenham à continuidade e descontinuidade de métodos das ciências e, portanto, também educacionais. Nas palavras de Kuhn (2010, p. 107), “O empreendimento científico, no seu conjunto, revela sua utilidade de tempos em tempos, abre novos territórios, instaura ordem e testa crenças estabelecidas há muito tempo.” Compreender o significado do termo paradigma habilita a compreender o sentido do fazer pedagógico para além das barreiras de tempo e espaço que se estabelecem por meio do ensino a distância. Um novo modo de fazer educação que reflete, mais do que nunca a infinita possibilidade do diálogo, da comunicação e do compartilhamento como processo interativo do ensinar e do aprender. Na perspectiva da historiografia contemporânea, afirma Kuhn (2013, p.201) “quando mudam os paradigmas, muda com eles o próprio mundo”. A ciência é guiada por um novo paradigma, o uso de novos instrumentos, e o olhar segue em novas direções. Para o autor (2013, p. 204) “um paradigma é um pré-requisito para a própria percepção. O que um homem vê depende tanto daquilo que ele olha como daquilo que sua experiência visual-conceitual prévia o ensinou a ver”. Levado por uma cuidadosa investigação histórica de determinada especialidade em determinado momento os fatos investigados podem revelar “um conjunto de ilustrações recorrentes e quase padronizadas de diferentes teorias nas suas aplicações conceituais, instrumentais e na observação”, (KHUN, 2006, p. 115). Assim, compreender a educação à distância sob o olhar de um novo paradigma é vislumbrar um modelo de educação que se constitui num processo de comunicação em constante diálogo com os conteúdos reais, concretos e existenciais que exigem dos homens o que Freire (1971) denomina de “práxis humana” uma unidade inseparável entre as ações e reflexões no mundo e sobre o mundo. Desta forma, o papel do ensino à distância numa perspectiva paradigmática deve permitir que o tempo e o espaço sejam caminhos e perspectivas para uma nova relação humana que assuma a conscientização da necessidade de mudanças para a apropriação e 31215 implementação tecnológicas configurando uma mudança de paradigma para o processo de ensino e aprendizagem. O papel da comunicação no ensino a distância: interação e interatividade O ensino a distância se configura por meio de legislações próprias a partir das leis gerais do ensino em cada país. No entanto, o modo de ocorrência dessa modalidade de ensino parece partir de uma sincronia de postulados gerais comprometidos com normas próprias de um modelo universal pautado nas tecnologias mediadas por computadores. Neste modelo a comunicação em redes digitais assume papel central. Segundo Lévy (2010) a contemporaneidade é marcada por diferentes formas comunicacionais em todos os âmbitos, sejam políticos, econômicos, culturais, estéticos, sociais, educacionais e epistemológicos em várias dimensões, podendo ser a mídia como suporte de informação e comunicação, a percepção sensorial, os diversos tipos de representação linguística, a linguagem, a codificação que codifica e transmite as informações por meio dos dispositivos informacionais como mensagens, mundos virtuais e fluxos de informações e a relação entre os participantes da comunicação definidos pelos dispositivos comunicacionais. No mesmo sentido, Castells (2006) afirma que no paradigma da informação o processo de convergência entre diferentes campos tecnológicos resulta do próprio compartilhamento na geração da informação, formando novos conceitos e ampliando as conexões entre diversos campos das ciências, assim: O paradigma da tecnologia da informação não evolui para seu fechamento como um sistema, mas rumo a abertura como uma rede de acessos múltiplos. É forte e impositivo em sua materialidade, mas adaptável e aberto em seu desenvolvimento histórico. Abrangência, complexidade e disposição em forma de rede são seus principais atributos. (CASTELLS, 2006, p. 113). Por meio dos dispositivos de comunicação, Lévy (2010) explica a ocorrência do processo de interatividade e interação que permite aos participantes dialogar em correspondência mútua efetivando de fato o processo de comunicação. Portanto, podendo-se afirmar que quem recebe a informação nunca é passivo. No entanto, a relação entre interação e interatividade assume uma discussão conceitual, que se estabelece no contexto usual dos termos em diferentes momentos e representações na história da informática. 31216 Conforme registram Valle; Bohadana (2012), em fins dos anos de 1980 o termo “interativo”, passa a integrar o glossário de neologismos que a informática produziu: [...] interativo torna-se a expressão técnica que qualifica, todo “programa cujos input e output são entrelaçados, como em uma conversa na qual o input depende do output anterior. A partir daí, alguns dicionários – como o francês Robert – registram a derivação de uma forma substantivada: interatividade, para designar a característica própria de uma interface digital – textual, gráfica ou mesmo sonora – que permite trocas entre o “usuário de um sistema informático e a máquina”. (VALLE; BOHADANA, 2012, online). Neste contexto, a interatividade assume a tarefa de realizar o processo comunicacional entre humanos e a máquina. No entanto, para Lévy (2010) o que determina a inferência da interatividade de uma mídia ou de um dispositivo de comunicação, pode ser representado pelas possibilidades de apropriação e personalização da mensagem recebida, também pela correspondência mútua da comunicação: um-um ou todos-todos; por meio da virtualidade que pode envolver a imagem dos participantes nas mensagens e pela telepresença. Dessa forma, conforme Valle; Bohadana (2012), a interatividade surge como palavra de ordem de uma verdadeira revolução social que, amparada pela informática, possibilita uma ampla reconfiguração das comunicações humanas. A literatura educacional tem demonstrado que a interação é estabelecida a partir de um processo dialógico entre pessoas: professor-aluno; aluno-aluno, o que a diferencia, fundamentalmente, da interatividade concebida como a relação entre humanos e máquina. Vygotsky (2007) afirma que a aprendizagem humana pressupõe uma natureza social específica que adquire significado num sistema de comportamento social que, necessariamente, “passa através de outra pessoa”. Esse processo de interação social está ligado à história individual e social de cada um. Como condição essencial à aprendizagem, Freire (1971, p. 47) afirma que “É preciso que a educação esteja adaptada ao fim que persegue [...] permitir ao homem chegar a ser sujeito, constituir-se como pessoa, transformar o mundo, entabular com os outros homens relações de reciprocidade” de modo que esse processo o faça constituir-se como sujeito de interação e diálogo, fazendo cultura e história. Portanto a interação envolve trocas entre os sujeitos. Assim, também para Lévy (2010) a relação estabelecida entre as mídias e os dispositivos comunicacionais em processos de interação e interatividade podem ser compreendidos na lógica de uma nova relação com o saber. A potencialização dos processos interativos amplia a capacidade comunicacional dos sujeitos possibilitando um processo hipermídia com outros e com o meio, abrindo espaço para um processo de virtualização. 31217 O processo de ensino e aprendizagem no ensino a distância: possibilidades de tempos e espaços para um novo fazer pedagógico A relação tempo e espaço se faz, em momentos distintos da história do homem, objeto de sua reflexão. É no percurso histórico de constituição da relação homem – tempo/espaço que se manifestam diferentes modos de ser e agir em relação a outros homens, à diferentes formas de produzir a vida e a relação com o trabalho. Neste contexto, a escola e seus diferentes modos de ser resultam também desta relação onde o tempo e o espaço diferenciam os modos do fazer pedagógico. Segundo Bauman (2001), a relação tempo e espaço enquanto categorias de demarcação das atividades humanas se diferenciam com o início da modernidade: De fato, a modernidade é, talvez mais que qualquer outra coisa, a história do tempo: a modernidade é o tempo em que o tempo tem história. [...] O tempo é diferente do espaço porque, ao contrário deste, pode ser mudado e manipulado; tornou-se um fator de disrupção: o parceiro dinâmico no casamento tempo-espaço (BAUMAN, 2001, p.140-142). Para o autor, a relação tempo e espaço se configura como processo de mudança em que o espaço necessariamente se amplia em favor da dinamicidade do tempo significando a conquista de novos espaços, diminuição de distâncias e superação de obstáculos e limites. Segundo Bauman (2001) a conquista do espaço significou a conquista territorial marcada pelo volume de aquisição de propriedades em novos espaços geográficos caracterizando a era do “hardware” ou da “modernidade pesada”. Neste sentido, estabeleceu-se novos padrões de produção onde o tempo rotinizado marcou a relação de trabalho “face a face”, para toda a vida, e o espaço ocupado pelo tempo produtivo criou uma relação sistêmica entre capital e trabalho. Marcadamente os avanços das ciências tecnológicas permitiram substituir o hardware pelo software, deixando a modernidade pesada um lugar à modernidade leve, fluída, desapropriada de conteúdo sólido e palpável. O software mediado pela velocidade de sinais eletrônicos destituiu o espaço de seu conteúdo e valor territorial. Para Bauman “A quaseinstantaneidade do tempo do software anuncia a desvalorização do espaço.” (2001, p. 149). Assim, os contornos da era da “racionalidade instrumental”, termo de Max Weber, onde a relação tempo-espaço maximizava o espaço como retorno de valor, tem na era do software a negação da eficácia do tempo como meio de alcançar valor, pois paradoxalmente, o espaço aproxima-se do infinito. Portanto, novas relações se estabelecem com as 31218 transformações, o trabalho humano como mercadoria incorporada ao homem, se descorporifica possibilitando ao capital ultrapassar barreiras territoriais, tornando-se “volátil e inconstante”. A instantaneidade do tempo estabelece novos modos de relacionamento humano, a incerteza e a imprevisibilidade passam a fazer parte do cotidiano: A instantaneidade (anulação da resistência do espaço e liquefação da materialidade dos objetos) faz com que cada momento pareça ter capacidade infinita; e a capacidade infinita significa que não há limites ao que pode ser extraído de qualquer momento – por mais breve e “fugaz” que seja. (BAUMAN, 2001, p. 158). É, portanto, neste contexto que as novas relações com o saber dos homens se configuram enquanto produção humana em novos tempos-espaços, compreendendo que novos valores se estabelecem contrapondo-se aos antigos valores de uma época. Nas palavras de Freire (1971, p. 46) “Uma época cumpre-se na mesma proporção em que os seus temas são captados, e suas tarefas, realizadas. [...] o que caracteriza a passagem de época a outra é o fato de que aparecem novos valores que se opõe aos de ontem”. Também responde a este processo a escola, que delineia modelos de ensino que possam atender às novas necessidades que vão surgindo em correspondência à história de seu tempo. Assim, o homem ao procurar novos valores, formula também novos modos de se realizar num mundo em que o tempo encurta e se dilui, conforme analisa Freire “o ontem vira agora; o amanhã já está feito. Tudo muito rápido.” (1996, p. 139). Para Castells (2006) os processos que configuram um novo paradigma tecnológico na sociedade da informação estão caracterizados por uma dimensão de tempo e espaço que se estabelecem numa relação informacional e comunicativa que se estendem a uma nova dimensão de conhecimento, um universo sem fronteiras territoriais que se estabeleceram “com a velocidade da luz” entre os anos 70 e 90 do século passado. Esse novo ciclo de conhecimento tecnológico permitiu aos usuários interagirem com os instrumentos aprendendo, se apropriando de seus mecanismos e redefinindo seus usos. Para o autor (2006, p. 69) “usuários e criadores podem tornar-se a mesma coisa” num movimento interativo que vem nas últimas décadas criando um processo de realimentação que amplia o poder tecnológico infinitamente. Para Lévy (2010, p. 157) os novos paradigmas tecnológicos configuram um processo de “mutação contemporânea” o qual correspondem novas relações com o saber, que se distingue do passado pela velocidade em que surge e se renova, à nova natureza do trabalho que exige aprendizagem contínua, compartilhamento dos saberes aprendido e criação de 31219 conhecimento e ainda pelo desenvolvimento de habilidades para lidar com as novas tecnologias onde o espaço de comunicação é mediado pela interconexão mundial de computadores, o ciberespaço. Para o autor, o ciberespaço suporta tecnologias intelectuais que amplificam, exteriorizam e modificam numerosas funções cognitivas humanas, como a memória, a imaginação, a percepção e o raciocínio, favorecendo novos modos de acessar a informação e “novos estilos de raciocínio e de conhecimento”, tecnologias compostas por “memórias dinâmicas”, “documentos digitais” ou programas disponíveis na internet que podem ser reproduzidos, transferidos ou compartilhados entre diversas pessoas, aumentando, “o potencial de inteligência coletiva dos grupos humanos”, (LÉVY, 2010, p 159-160). Neste contexto, corresponde à educação uma nova modalidade de ensino, o EAD ensino aberto e a distância, para atender a uma nova demanda de formação acadêmica, na qual o “espaço” do conhecimento se organiza sob os novos padrões da tecnologia mediada por computadores. Neste novo espaço, novas relações se estabelecem, novos projetos pedagógicos se firmam e dos professores se espera que assumam este novo desafio, explorando as técnicas de ensino a distância, desenvolvendo habilidades para atuarem com competência sob a égide das novas tecnologias. Este modelo de ensino aberto à distância, assume a “descorporificação”, anunciada por Bauman (2001), dos espaços físicos de aprendizagem. Segundo Lévy (2010, p. 163) sob o critério da reconstrução das “totalidades parciais” e de acordo com critérios de “pertinência” ou em rede em um contexto de virtualização, os novos mecanismos de acesso a informação permitem um processo de ensino e aprendizagem que pode ser personalizado. O acesso à tecnologia mediada por computadores no ensino a distância estabelece novas possibilidades de acessar a informação por meio das hipermídias, das redes de comunicação interativas e de todas as tecnologias intelectuais da cibercultura. A virtualização, explica Lévy (2011, p. 18), “fluidifica as distinções instituídas, aumenta os graus de liberdade, cria um vazio motor”, mas, não desumaniza as relações. Sobre este aspecto, também Paulo Freire (1990) concebe duas posições que sejam necessárias desmistificar sobre a tecnologia do ensino a distância causar o afastamento entre os seres de relação. A primeira seria a de “simplificar ou negar a importância da tecnologia” e em segundo, “associar todos os processos tecnológicos a um concomitante processo desumanizador”. Na verdade, diz ele, “a tecnologia representa a criatividade humana, a expressão da necessidade do risco.” (FREIRE, 1990, p. 39). 31220 Conclui-se portanto que a virtualidade potencializa a comunicação por meio das tecnologias da informação que constituem os recursos tecnológicos, software e hardware que recebem, processam, armazenam e distribuem dados e informações que permitem a interação e a interatividade sem restrições de tempo e espaço, constituindo a base do virtual e da virtualidade, portanto capaz de promover o ensino a distância como possibilidade de um novo fazer pedagógico. Ciberespaço: espaço/tempo para uma pedagogia do desenvolvimento das inteligências individuais e coletivas Conectar-se ao mundo virtual e integra-se a virtualidade abre possibilidades inéditas de interconexões com as novas redes digitais de comunicação, reconhecendo sua importância para a vida social, cultural, política e econômica. Temas determinantes para a construção de um novo modelo educacional que contemple um processo de ensino e aprendizagem que se beneficie das novas tecnologias. É preciso, no entanto, promover, além das condições técnicas estruturais da educação, para o acesso às mídias interativas, também, realizar a formação dos professores que apreenda o significado e importância do uso das tecnologias como recurso midiático para o ensino e a aprendizagem nos moldes de um novo paradigma pedagógico. Neste sentido, Freire (1990, p. 39) reconhece “o enorme e inegável papel da ciência e da tecnologia que se arrisca, inerente a uma vida humanizada”, e adverte os educadores a nunca negar a importância da tecnologia que poderá estimular diversas possibilidades de expressão e comunicação com o mundo. Essa proposição levará a uma reflexão mais refinada da questão que refere a não desumanização frente às novas tecnologias, tão pouco, ao individualismo. Para Freire (1990, p. 40), a individualidade entendida numa concepção “individualista” nega sua própria subjetividade, portanto, “nega todas as dimensões da ação humana”. Portanto, a individualidade deve ser estimulada no reconhecimento das potencialidades intelectuais do sujeito, por exemplo, a criatividade e a curiosidade que são elementos necessários para atuar na sociedade do conhecimento. Nesse sentido, a subjetividade e a objetividade que operam para o desenvolvimento individual e coletivo dos sujeitos devem ser compreendidas no contexto social mais amplo, em que a subjetividade diferencia-se do individualismo. Assim, os sujeitos desenvolvem suas capacidades intelectuais em processos de reconhecimento da objetividade da realidade da qual fazem parte. Para Freire (1990, p. 40) “A 31221 ação humana só tem sentido e prospera quando se compreende a subjetividade em sua relação dialética, contraditória e dinâmica com a objetividade, da qual ela provém”. É preciso ainda considerar a subjetividade dos sujeitos aplicada no tempo presente, pois a história se faz no presente, a relação tempo-espaço se configura no aqui-agora e nas oportunidades que podem ser desenvolvidas pelo ambiente escolar, mas, não reduzidas estritamente a ele. O aproveitamento do tempo presente pode ser realizado por processos de ensino e aprendizagem, pela apropriação de novos modos de acesso a informação e ao conhecimento, também, próprios da cibercultura. Segundo Lévy (2010, p. 166) a cibercultura é a possibilidade do homem descobrir-se “portador direto do saber”, pois na relação estabelecida entre os mundos virtuais cria-se comunidades de troca de informações e construção de conhecimento estabelecidas por uma espécie de “retorno em espiral” onde o saber pode ser transmitido pelas “coletividades humanas vivas”, ou seja, os saberes, as experiências, são transmitidos sem a mediação de intérpretes, uma possibilidade histórica de retorno “à oralidade original” presente nas sociedades anteriores à escrita. “Assim, contrariamente ao que nos leva a crer a vulgata midiática sobre a pretensa ‘frieza’ do ciberespaço, as redes digitais interativas são fatores potentes de personalização ou de encarnação do conhecimento”. (LÉVY, 2010, p. 164). Assim, considera-se que a cibercultura cria sinergia e articula técnicas de comunicação promovendo interação e interatividade com os saberes práticos universalizados, promovendo portanto, o aumento da inteligência individual e coletiva, a partir de uma tecnologia intelectual, por exemplo, a simulação: Em uma palavra, trata-se de uma tecnologia intelectual que amplifica a imaginação individual (aumento de inteligência) e permite aos grupos que compartilhem, negociem e refinem modelos mentais comuns, qualquer que seja a complexidade deles (aumento da inteligência coletiva). Para aumentar e transformar determinadas capacidades cognitivas humanas (a memória, o cálculo, o raciocínio especialista), a informática exterioriza parcialmente essas faculdades em suportes digitais. Uma vez que esses processos cognitivos tenham sido exteriorizados e reificados, tornam-se compartilháveis e assim reforçam os processos de inteligência coletiva. (LÉVY, 2010, p. 167). Exemplos de representação simulada estão presentes nas atividades de pesquisa científica, na criação industrial, em atividades de gerenciamento e de aprendizagem, assim como em jogos interativos que permitem a inserção na realidade virtual, que ao usar imagens interativas, para Lévy (2010, p. 168) “não substituem os raciocínios humanos mas prolongam e transformam a capacidade de imaginação e de pensamento”, ajudando e estimulando à memória de curto prazo em dinâmicas mais complexas. Para o autor, essas tecnologias 31222 intelectuais, também chamadas de inteligência artificial devem ser consideradas como técnicas de comunicação e mobilização dos saberes práticos nas organizações e devem ser pensadas como meio de articulação e de criação de sinergia. Segundo Lévy (2010, p. 168) a interatividade por meio de imagens permite o “compartilhamento de mundos virtuais de grande complexidade” que proporcionam o aumento da inteligência coletiva. A simulação como ferramenta de interatividade não substitui, na pesquisa, a experiência, nem ocupa o lugar da realidade, mas possibilita o levantamento de grande quantidade de hipóteses. Portanto, é dessas possibilidades de integração e interação aos métodos pedagógicos que ambos Lévy e Freire exortam os professores a estarem atentos aos novos paradigmas que estabelecem uma nova relação com o saber. É preciso que os educadores reconheçam os objetos de aprendizagem digitais como recursos de interação e interatividade personalizada às situações de ensino e aprendizagem. Os ambientes virtuais de aprendizagem que configuram o ensino aberto e a distância, segundo Lévy (2010, p. 160), se assemelham à sociedade da informação onde rede, velocidade e personalização são mecanismos de atuação e produção intelectual e cognitiva. Pode-se concluir que neste novo contexto de ambientes virtuais de aprendizagem a mudança está na qualidade dos processos hipermídia que estabelecem os novos paradigmas de aquisição de informação e constituição do conhecimento em movimentos de aprendizagem cooperativa. A competência do professor em face aos novos conhecimentos se desloca, portanto, do ensino para a gestão da aprendizagem, sua atividade docente deverá incentivar a troca de saberes entre todos os envolvidos no processo, mediando e conduzindo a aprendizagem de modo a incentivar a inteligência coletiva. Assim, o ciberespaço toma forma e existência real no ato da imaginação, abrindo espaços em tempos personalizados para a criação e criatividade humana. O ciberespaço amplia as possibilidades de comunicação em rede e permite o entrelaçamento entre tecnologias produzindo interatividade, interação e interconexão entre o homem e suas máquinas, entre o homem e outros homens. Considerações Finais Pensar o mundo virtual não é tarefa fácil. Compreender a essência da virtualidade enquanto saber possível em potência é reconhecê-la com potenciais meios de criar sinergia numa infinita rede humana interconectada. A velocidade de informações modifica o modo de 31223 produzir a vida de milhares de pessoas não mais condicionadas ao tempo e ao espaço. Porque o tempo se “fluidifica” e o espaço embora global, parece vazio, uma realidade virtual, uma entidade “desterritorializada”. De acordo com Paulo Freire, nesta sociedade homens e mulheres são convocados ao trabalho de desvendar as dimensões profundas desta realidade oculta. O acesso às mídias interativas e o uso das tecnologias digitais nas organizações de ensino, mostram um mundo de possibilidades onde o novo não pode ser compreendido na substituição de velhos modos de acessar a informação e constituir o conhecimento, de produzir a vida, ou de se relacionar com o trabalho. O novo modo de conduzir os processos de interação e interatividade digital permite construir sentidos a partir de critérios próprios de pertencimento a um grupo ou a uma comunidade de troca de informações e construção de novos conhecimentos. Não se trata, portanto, de usar imperativamente a tecnologia, mas de tomar consciência de que a as novas formas de acesso à informação e ao conhecimento produzem questionamentos por meio dos quais se estabelece uma nova concepção do ensinar e do aprender, da função e papel assumido por professores e alunos. A educação de ensino convencional ou de ensino a distância tem, portanto, uma árdua tarefa a cumprir no acesso e aplicação das novas tecnologias: buscar equidade e promoção de um ensino de qualidade que ocupe espaços da cibercultura para criar pontes de compartilhamento com os saberes produzidos culturalmente em diferentes tempos e espaços de aprendizagem constituídos por novos paradigmas. O momento presente deve ser compreendido como possibilidade de realização e transformação das condições reais e concretas para um novo modo de aprender e aplicar o conhecimento na criação de novos conhecimentos. Numa concepção freireana os homens são “programados para aprender”, portanto, a possibilidade do futuro condiciona homens e mulheres a ensinar, a aprender, a acessar a informação e a construir o conhecimento. Estes homens e mulheres no tempo e espaço presente se investem de sensibilidade ética e consciência criativa, se fortalecem pelo compartilhamento por meio de mídias interativas ajudando outros homens e outras mulheres a acessar informação e construir conhecimento, a desenvolver a inventividade e resolver problemas. A referência de um amanhã deve, portanto, impulsionar homens e mulheres, organizações escolares, professores e gestores educacionais a fazerem da educação uma ferramenta efetiva para promover cidadãos ativos que busquem sua própria liberdade de acesso ao desenvolvimento social e humano. A relação tempo-espaço se dilui e se constitui nas demandas próprias do desenvolvimento da 31224 inteligência individual que absorve competências das hipermídias, dos sistemas de simulação e ambientes de aprendizagem cooperativa fortalecendo as inteligências coletivas. REFERÊNCIAS BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Liquida. Tradução, Plinio Dentzien.- Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001. FREIRE, Paulo. Alfabetização: leitura do mundo, leitura da palavra /Paulo Freire, Donaldo Macedo; tradução de Lólio L. de Oliveira. – Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990. ________, Paulo. A mensagem de Paulo Freire: teoria e prática da libertação. INODEP (Org). Paris, 1971. Editora Nova Crítica, Porto, 1977 (para a língua portuguesa). ________, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários a pratica educativa. – São Paulo: Paz Terra, 1996 KUHN, Thomas S. A Estrutura das Revoluções Científicas; tradução Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira. - 12.ed. São Paulo: Perspectiva, 2013. LEVY, Pierre. Cibercultura; tradução Carlos Irineu da Costa. – São Paulo: Editora 34, 3ª Edição, 2010. ___________. O que é o virtual? Tradução de Paulo Neves. – São Paulo: Ed. 34, 1996. VYGOTSKY, Lev Semenovich. A formação Social da Mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores; organizadores Michael Cole... [et al.]; tradução Jose Cipolla Neto, Luis Silveira Menna Barreto, Solange Castro Afeche. – 7ª. Ed. – São Paulo: Martins Fontes, 2007.