A economia mundial está em busca do seu equilíbrio. De um lado

Propaganda
Legados, nuvens e incertezas
A economia mundial está em busca do seu equilíbrio. De um lado, os países devem enfrentar os
legados da crise financeira global, que variam entre altos níveis de endividamento e elevadas
taxas de desemprego. De outro lado, os países se deparam com um futuro nebuloso. As taxas
de crescimento potencial têm sido revistas para baixo e as perspectivas se deterioraram de
forma a afetar a confiança, demanda e o crescimento.
A interação dessas duas forças – resolução dos legados da crise mais difícil do que se esperava
e a redução do crescimento potencial – tem resultado nos últimos três anos em várias revisões
negativas nas previsões de crescimento. Infelizmente, a previsão desta edição do World
Economic Outlook não é exceção. O crescimento mundial é medíocre e um pouco pior do que o
previsto em julho. Ao mesmo tempo, pelo fato que essas duas forças operam de forma distinta
nos diversos países, a evolução da economia global tornou-se mais diferenciada.
Entre as economias avançadas, os Estados Unidos e o Reino Unido, em particular, ao exibirem
um crescimento decente estão deixando a crise para trás. Contudo, ambos os países exibem um
crescimento potencial menor do que o verificado no início de 2000. O Japão está crescendo,
mas a elevada dívida pública herdada do passado e o crescimento potencial muito baixo criam
desafios fiscais e macroeconômicos. No início desse ano, a Zona do Euro apresentou estagnação,
mesmo em seu núcleo. Embora isso reflita em parte a fatores temporários, a recuperação tem
sido abrandada pelos legados da crise, principalmente no sul, e pelo baixo potencial de
crescimento quase que generalizado.
Nas economias dos mercados emergentes, o crescimento potencial mais baixo é um fator
dominante. De uma maneira geral, a previsão do crescimento potencial é 1,5% menor do que
em 2011. Aqui, novamente, a diferenciação é a regra. A China sustenta um crescimento elevado,
mas um crescimento um pouco menor previsto para o futuro é encarado como um
desenvolvimento saudável. A Índia recuperou-se de sua queda relativa. Graças em parte à
efetividade de suas políticas e à renovação da confiança, o crescimento deverá mais uma vez
ultrapassar 5%. Por outro lado, mesmo antes da eclosão da crise na Ucrânia, as perspectivas
incertas de investimento na Rússia já tinham diminuído o ritmo de crescimento, o que foi
agravado com a crise. As incertezas e o baixo investimento também estão impactando o
crescimento no Brasil.
Os riscos negativos estão claros.
Em primeiro lugar, o longo período com um nível baixo de taxas de juros propiciou uma corrida
dos mercados financeiros em busca de rentabilidade e complacência exagerada em relação ao
futuro. Embora, esses riscos não devam ser superdimensionados, os formuladores de políticas
devem estar atentos a essa possibilidade. As ferramentas macroprudenciais são instrumentos
adequados na mitigação desses riscos, se elas estão à altura da tarefa, no entanto, é uma
questão em aberto.
Em segundo lugar, os riscos geopolíticos tornaram-se mais relevantes. Até agora, os efeitos da
crise na Ucrânia não foram disseminados para além dos países afetados e seus vizinhos
imediatos. E a turbulência no Oriente Médio não produziu efeitos significantes sobre o nível ou
a volatilidade dos preços da energia. Mas, claramente, esse cenário poderia se alterar no futuro,
o que teria grandes implicações para a economia mundial.
Em terceiro lugar, há o risco de que a recuperação na zona do euro seja interrompida, o que
enfraqueceria ainda mais a demanda, e de que a baixa inflação se transforme em deflação. Este
não é o nosso cenário básico, pois acreditamos que os fundamentos da área do euro melhorarão
lentamente. Mas caso isto não se confirme, representará o principal problema a ser enfrentado
pela economia mundial.
Isso me leva para as implicações políticas.
Nas economias avançadas, as políticas econômicas têm de lidar conjuntamente com os legados
da crise e o baixo crescimento potencial. O foco principal tem sido na melhoria dos balanços
patrimoniais dos bancos, mas o excesso de endividamento das empresas e das famílias continua
a ser um problema sério em vários países. Para aumentar o crescimento potencial, enquanto a
demanda continua fraca, a acomodação monetária e os juros baixos devem na essência se
manter.
A fraca recuperação na zona do euro provocou um novo debate sobre a orientação da política
fiscal. Os baixos spreads dos títulos soberanos sugerem que a consolidação orçamentária
realizada durante os últimos anos assegurou a confiança dos investidores financeiros de que a
atual trajetória fiscal é sustentável. Esta credibilidade, adquirida a um preço elevado, não deve
ser ameaçados. Contudo, isto não implica na inexistência de margem para a utilização da política
fiscal para ajudar a sustentar a recuperação. Como discutimos no Capítulo 3 do relatório,
investimentos em infraestrutura, por exemplo, mesmo quando financiados por dívida, podem
ser justificados para estimular a demanda no curto prazo e a oferta no médio prazo. E se a
recuperação for interrompida, seria importante estarem prontos para serem feitos.
O aumento do produto potencial, muito menos o crescimento potencial de crescimento, é uma
tarefa difícil, e as expectativas devem ser realistas. Entretanto, na maioria dos países, as
reformas estruturais específicas podem ajudar. O desafio, tanto para as economias avançadas
como as dos mercados emergentes, é ir além do mantra geral de "realizar reformas estruturais",
identificando as reformas que são mais necessárias, como as que são politicamente viáveis.
Talvez de forma mais geral, o desafio para os formuladores de políticas é restabelecer a
confiança, articulando um plano claro para lidar com ambos os legados da crise e os desafios de
baixo crescimento potencial.
Olivier Blanchard - Conselheiro Econômico do Fundo Monetário Internacional - prefácio do
World Economic Outlook, Outubro de 2014. Traduzido e adaptado pela Assessoria Econômica
da ABBC.
Download