253-262 Campos JGSC, Haack A Anorexia e bulimia: aspectos clínicos e drogas habitualmente usadas Artigo de Revisão Anorexia e bulimia: aspectos clínicos e drogas habitualmente usadas no seu tratamento medicamentoso Anorexia and bulimia: clinical aspects and usually used in drug treatment RESUMO José Gustavo Sousa Carneiro de Campos¹ Adriana Haack² ¹Curso de Farmácia da Universidade Paulista-UNIP, Campus Brasília, BrasíliaDF, Brasil. ²Curso de Nutrição da Universidade Paulista-UNIP, Campus Brasília, BrasíliaDF, Brasil. Correspondência Adriana Haack SHIGS 715 Bloco A casa 87. Asa sul, Brasilia-DF. 70000-000, Brasil. [email protected] Recebido em26/dezembro/2012 Aprovado em 20/março/2013 Introdução: Os transtornos alimentares são doenças que afetam preferencialmente o sexo feminino com fragilidade emocional e no seu tratamento são utilizados fármacos antidepressivos, entre outros. Objetivo: abordar os transtornos alimentares, anorexia e bulimia, e o seu tratamento medicamentoso. Métodos: trata-se de uma revisão de literatura cientifica onde foram utilizados artigos indexados nas bases de dados Medline, Lilacs, SciELO, com os descritores: bulimia, transtornos alimentares,imagem corporal nos idiomas português, inglês e espanhol, publicados entre 1995 e 2012. Resultados: Os transtornos alimentares tais como anorexia nervosa e bulimia são quadros psiquiátricos que mostram desordens psicológicas, excesso de atividade física e distorções da imagem corporal com consequências indesejáveis. Tanto na anorexia quanto na bulimia, os pacientes apresentam perda de peso intensa e rápida. Alguns destes comportamentos envolvem a indução forçada do vômito, o uso de laxantes, o uso excessivo de cafeína e/ou dietas inadequadas. Conclusão: Pode-se concluir a partir do levantamento em artigos científicos que pacientes com transtornos alimentares apresentam uma série de pensamentos e emoções desadaptativas e os fármacos habitualmente utilizados são os antidepressivos, preferencialmente a fluoxetina e a amitriptilina, entre outros. Palavras-chave: Bulimia; Imagem corporal; Transtornos alimentares; Terapêutica. Com. Ciências Saúde. 2012; 23(3):253-262 253 Campos JGSC, Haack A ABSTRACT Introduction: Eating disorders are diseases that usually affect females with emotional fragility and its treatment generally involves the use of antidepressants, among other medications. Objective: Investigate eating disorders, such as anorexia and bulimia, and their treatment. Methods: A review of scientific literature based on articles indexed in Medline’s, Lilacs’ and SciELO’s database, with the keywords: bulimia, body image, eating disorders, in Portuguese, English and Spanish, published between 1995 and 2012. Results: Eating disorders such as anorexia nervosa and bulimia are psychiatric conditions that show psychological disorders, excessive physical activity and body image distortion with undesirable consequences. Patients with anorexia nervosa and bulimia usually suffer of an intense and quick weight loss. Some of these behaviors involve inducted vomiting, abusive use of laxatives, excessive use of caffeine and/or inadequate diets. Conclusion: It can be concluded from the survey that patients with eating disorders have maladaptive thoughts and emotions and most used drugs are antidepressants, preferably fluoxetine and amitriptyline, among others. Keywords: Bulimia; Body image; Eating disorders; Therapeutics. INTRODUÇÃO Os transtornos alimentares tais como anorexia nervosa e bulimia nervosa são quadros psiquiátricos que afetam preferencialmente o sexo feminino. A anorexia nervosa é dada como a perda de peso intensa. Já a bulimia nervosa é um tipo de transtorno alimentar onde a pessoa tem como o objetivo de perder peso rapidamente. Alguns destes comportamentos envolvem a indução forçada do vômito, o uso de laxantes, uso excessivo de cafeína e/ou dietas inadequadas. A distorção da imagem corporal e a baixa da autoestima são os principais componentes que ajudam a busca de um emagrecimento incessante. Muitas pessoas que possuem bulimia possuem também anorexia nervosa, mas não todas1-3. Em geral, sabe-se que muito antes do quadro clínico da anorexia nervosa se estabelecer, os anoréxicos apresentam previamente alguma alteração emocional/ comportamental4. Porém, com a evolução da doença, a pessoa pode desenvolver distúrbios menstruais, osteoporose, arritmia cardíaca e um quadro grave de desnutrição5. 254 Com. Ciências Saúde. 2012; 23(3):253-262 Há uma escassez de pesquisas com resultados de transtornos anoréticos que incluem: a dificuldade de recrutar pacientes com sinais e sintomas de anorexia nervosa, uma grande desistência ao tratamento esperado e o despreparo da equipe multidisciplinar para tratar os pacientes com anorexia5,6. Podemos destacar, no caso especifico de pessoas que apresentam anorexia, algumas consequências e características como: excessiva perda de peso, conduta alimentar restritiva, desgaste físico e psicológico, um excesso de atividade física, uma distorção da imagem corporal, amenorréia (ausência de menstruação), negação do transtorno e a recusa de comer, mas não por falta de apetite5. Para um tratamento medicamentoso há o uso de antidepressivos como; fluoxetina, amitriptilina, entre outros7. Tanto na anorexia quanto na bulimia é importante que as pessoas mais próximas ao paciente estejam atentas para os sinais das doenças. O reconhecimento de comportamentos alimentares Anorexia e bulimia: aspectos clínicos e drogas habitualmente usadas inadequados, pressão exagerada para emagrecer, exercícios físicos excessivos, relatos de compulsão alimentar podem sugerir um transtorno alimentar. Além destes sinais, alguns outros sintomas possivelmente associados que insinuam transtornos alimentares são: ansiedade, depressão, dores de estômago, acidez estomacal, sangramento bucal, entre outros1. O objetivo deste estudo foi investigar na literatura cientifica os transtornos alimentares em pacientes anoréxicos e bulímicos e o seu tratamento medicamentoso habitual. MÉTODOS Trata-se de uma revisão da literatura sobre o tema anorexia e bulimia e o seu tratamento farmacológico. Foi realizado um levantamento de artigos científicos indexados nas bases de dados Medline, Lilacs, SciELO, utilizando-se os descritores: bulimia , transtornos alimentares e terapêutica. Foram selecionados artigos que atendiam aos seguintes critérios de inclusão: artigos publicados entre 1995 e 2013 que continham pelo menos um dos descritores selecionados. Os critérios de exclusão utilizados foram: dissertações e teses, livros, manuais, monografias, artigos em outros idiomas, exceto português, inglês e espanhol, estudos que não tratavam especificamente do tema e artigos anteriores ao ano de 1995. Foram analisados 78 artigos sendo utilizados 54 artigos, 22 em inglês, 32 artigos em português e selecionados observando-se o ano de publicação, a fonte, a metodologia utilizada, o instrumento de avaliação ou de coleta de dados e a análise dos mesmos, o objeto de estudo e a população estudada. RESULTADOS Anorexia Nervosa Pela negação do ato alimentar, os anoréxicos operam uma manobra de separação, e a anorexia nervosa pode ser definida como uma recusa em manter o peso dentro do padrão mínimo e adequado à idade e altura, acompanhada de uma perturbação no modo como o indivíduo vivencia o seu peso5,6. A baixa autoestima, bem como a distorção da imagem corporal desses indivíduos são os principais componentes que reforçam a busca de um emagrecimento incessante, levando à prática de exercícios físicos, jejuns muito prolongados, uso de laxantes ou diuréticos de uma forma intensa7. Devido ao medo de ganhar peso, pessoas com este transtorno, devido à restrição alimentar, tendem a sofrer alterações metabólicas e hormonais que podem comprometer ainda mais o quadro clínico deste indivíduo. O perfil de personalidade dos pacientes com anorexia nervosa apresenta, tipicamente, uma constelação de características como: ansiedade elevada, perfeccionismo extremo e incapacidade de encontrar formas de satisfação8. Estas complicações clínicas comumente associadas à anorexia nervosa: constipação, diarréia, desequilíbrio eletrolítico, perda de dentes, parada cardíaca, edema, osteopenia, osteoporose, neuropatia óptica, atrofia cerebral, hiponatremia, hipocalemia9-11. Os sintomas menos frequentes além dos já citados são: amenorréia (ausência dos ciclos menstruais consecutivos), aparecimento de lanugo (cabelo macio e fino que cresce no corpo e no rosto) e hipotermia. A baixíssima taxa de lipídeos, comum nestes pacientes, faz com que seja mais difícil se conservar a energia térmica. As bochechas podem ficar inchadas no caso de pessoas que induzem o vômito com frequência, além do inchaço das articulações, perda de cabelo, fadiga e mau hálito12,13. Segundo Santos & Peres, outras características psicológicas podem ser observadas em pacientes com anorexia nervosa como a acentuada fragilidade, e estes são bem propensos à utilização de mecanismos arcaicos de defesa, caracterizado por uma restrição do potencial adaptativo onde controlam os próprios impulsos com excessivo rigor e tendem à passividade, introversão, obsessividade e dependência de medicamentos14 As relações familiares podem contribuir para o desencadeamento e manutenção do transtorno alimentar, bem como são afetadas emocionalmente pelo acometimento de um dos seus membros, gerando uma sobrecarga que aumenta a suscetibilidade dos familiares a sintomas de desgaste físico e emocional15,16. Em geral, a literatura descreve a existência de um padrão de confusão de fronteiras nas famílias, marcado pela ausência geral de limites entre gerações e pessoas. A ocorrência da anorexia nervosa atinge mais comumente mulheres adolescentes e jovens e, mais raramente pré-púberes e mulheres Com. Ciências Saúde. 2012; 23(3):253-262 255 Campos JGSC, Haack A no climatério. Dunker & Philippi16 apontam a prevalência da síndrome para uma variante de 2% a 5% em mulheres adolescentes e adultas16. Os autores Kaplan, Sadock & Grebb, relatam que a incidência de casos de anorexia ocorre de 10 a 20 vezes mais assiduamente em mulheres do que em homens. Aproximadamente 75% das pessoas que sofrem de anorexia são mulheres. O transtorno alimentar é mais característico em países desenvolvidos e com mais frequência em mulheres com profissões que constantemente se submetem a algum tipo de controle de peso, tais como modelos e bailarianas17,18. Bulimia Nervosa A bulimia nervosa caracteriza-se por grande ingestão de alimentos de uma maneira descontrolada e uma sensação de perda de controle, estes eventos são caracterizados de episódios bulímicos. Por sua vez estes episódios de comer compulsivamente e por sentimento de falta de controle, tem uma relação com comportamento alimentar desses pacientes com quadro bulímicos. Assim como no caso da anorexia, a bulimia atinge mais frequentemente as mulheres do que os homens16,17,19, conforme mostra o Quadro 2. Quadro 2. Estudos científicos publicados entre 1995 e 2008 mostrando a incidência de bulimia nos sexos feminino e masculino Incidência País Ano Números de participantes Austrália 2008 1.943 1.0% 6.4% Portugal 2006 2.028* - 0.3% Brasil 2004 1.807 0.8% 1.3% Espanha 2004 2.509* - 1.4% Hungria 2003 580 0.4% 3.6% Austrália 1998 4.200 0.3% 0,3% EUA 1996 1.152 0.2% 1.3% Noruega 1995 19.067 0.7% 7.3% Canadá 1995 8.116 0.1% 1.1% Japão 1995 2.597 0.7% 1.9% Masculino Feminino *Estudos realizados com sexo feminino. Adaptado de: Patton et al, 2008; Machado et al 2007. Pacientes com bulimia nervosa foram também comparados com pacientes com depressão e com indivíduos sem diagnósticos clínicos por Weisberg, Norman & Herzog. Os autores analisaram a personalidade de 57 sujeitos de cada um dos três grupos por meio do método de Rorschach. É uma técnica de avaliação psicológica pictórica, comumente denominada de teste projetivo, ou mais recentemente de método de auto-expressão. Foi desenvolvido pelo psiquiatra suíço Hermann Rorschach. O teste consiste em dar respostas sobre com o que se parecem as dez pranchas com manchas de tinta simétricas. A partir das respostas, procura-se obter um quadro amplo da dinâmica psicológica do indivíduo. O teste de Rorschach é amplamente utilizado em vários países, que mostra, por meio de técnica, a avaliação pictórica20. 256 Com. Ciências Saúde. 2012; 23(3):253-262 Os resultados mostram que foram características presentes e semelhantes nos grupos das pacientes bulímicas diferentemente do grupo sem diagnóstico, o humor disfórico, a labilidade da precisão perceptiva, a vivência de sobrecarga emocional, o empobrecimento da precisão perceptiva e o reduzido interesse por outras pessoas. Entre os grupos, o egocentrismo e o narcisismo, a presença mais acentuada de raiva e a negatividade foram notadas nas bulímicas, ao passo que, no grupo da depressão, observou-se maior introspecção e mais arbitrariedade2. Pacientes com transtornos alimentares já haviam sido vistos no passado conforme descrito por Abreu & Cordas que consideraram inicialmente que a bulimia seria uma sequela, uma “estranha variação da anorexia nervosa”. Eles descreveram posteriormen- Anorexia e bulimia: aspectos clínicos e drogas habitualmente usadas te que apenas 20% a 30% dos pacientes bulímicos apresentam uma história pregressa de anorexia nervosa, em geral de curta duração21,22. O aspecto principal da bulimia nervosa é a presença de episódios bulímicos com relatos de ingestão média de três a quatro mil calorias por episódio, mas já foram descritos episódios com uma ingestão de até 20 mil calorias23. Pacientes com bulimia nervosa apresentam uma série de pensamentos e emoções desadaptativas a respeito de seus hábitos alimentares e seu peso corporal. De maneira geral, podemos afirmar que os pacientes com bulimia nervosa apresentam uma autoestima flutuante, fazendo-as acreditar que uma das maneiras de resolver os problemas de insegurança pessoal é através de um corpo bem delineado e, para alcançar seu objetivo, acabam por desenvolver dietas impossíveis de serem seguidas24,26. Bulímicos procuram “sanar” um problema emocional através da adoção de estratégias imperativas de emagrecimento e, neste sentido, desenvolvem atitudes radicais baseadas na ideia de que estar magro é um dos caminhos mais curtos para se obter a felicidade. Crêem, erradamente, que ter o controle de suas medidas lhes proporcionará uma condição de segurança emocional25,27. Vale lembrar que se manter privado de alimentos calóricos por muito tempo não é uma tarefa das mais fáceis, portanto, cada vez que as bulímicas iniciam um período de restrição, uma verdadeira batalha toma lugar20,22. Como é impossível manter-se sob uma condição drástica de regime por longos períodos (tornando a redução calórica um processo ainda mais severo) Oliveira relatou que os desequilíbrios alimentares acontecem após períodos de longo jejum, resultando em quadros de um comer compulsivo caracterizado por um descontrole total e que só pode ser compensado, segundo vários pacientes, pelo uso de laxantes, diuréticos, prática excessiva de exercícios ou mesmo vômitos auto-induzidos24. USO DE FÁRMACOS PARA O TRATAMENTO DE ANOREXIA NERVOSA E BULIMIA NERVOSA Anorexia Nervosa A fluoxetina, um inibidor seletivo da receptação da serotonina (ISRS) é uma substancia reconhecidamente eficaz para o tratamento dos sintomas da depressão comumente associados aos casos de anorexia e também de bulimia23,26. Entretanto, como ocorre com outros ISRS, ela pode produzir uma série de reações adversas25. A fluoxetina possui um total de 62 reações adversas, várias delas de marcante gravidade. Trabalhos científicos enfatizam esses inconvenientes dos ISRS, citando a possível ocorrência de ideação suicida27,28. Uma das reações adversas observadas durante o tratamento dos sintomas depressivos com fluoxetina é a perda de peso, sendo este inconvenientemente utilizado para o tratamento da obesidade26. Sabe-se ainda que a fluoxetina é metabolizada no homem por duas enzimas do sistema citocromo P450: as isoenzimas CYP2D6 e CYP2C192,6; curiosamente, a fluoxetina também inibe essas enzimas. Estas podem existir em quantidades diferentes no homem, de acordo com o patrimônio genético de cada um. Pertinente para o presente estudo é o conhecimento de que em outros países podem existir até 5% a 10% da população com baixa taxa da enzima CYP2D6 e até 21% com baixa taxa da enzima CYP2C1929. Essas pessoas são denominadas metabolizadores pobres ou lentos, pois metabolizam a fluoxetina vagarosamente, aumentando significativamente a probabilidade do aparecimento de reações adversas. Embora não existam dados brasileiros conclusivos sobre essas enzimas, deve também haver esses metabolizadores na população em questão, devendo ser estes particularmente sujeitos aos efeitos adversos da fluoxetina30,32,33. A amitriptilina é um representante da classe dos antidepressivos tricíclicos (ADTs) resultantes da modificação do núcleo fenotiazínico. A amitriptilina (AMT) é amplamente utilizada para o tratamento dos transtornos do humor, e principalmente a depressão31. A AMT em doses terapêuticas pode ocasionar uma grande ocorrência de diversos efeitos colaterais como sonolência e sedação excessiva, confusão mental, secura da boca e visão turva. Sobre o aparelho cardiovascular há o aparecimento de taquicardia e modificações da pressão sanguínea quando administra­dos em superdosagem34,35. Dos fármacos que possuem efeitos positivos para atuarem em um tratamento da anorexia nervosa, os antidepressivos tricíclicos são os mais utilizados, segundo resultados obtidos em ensaios clínicos randomizados – ECRs. Pode se citar, então, a clomipramina e a amitriptilina36,37. Com. Ciências Saúde. 2012; 23(3):253-262 257 Campos JGSC, Haack A A ação destes antidepressivos no SNC está baseada na potencialização das aminas biogênicas que ocorrem ao bloquear seus meios principais de inativação fisiológica e que compreendem o transporte ou recaptação nas terminações nervosas. Em outras palavras, a maioria dos antidepressores tricíclicos age inibindo a recaptação da norepinefrina, bloqueando assim o transportador de serotonina e o transportador da norepinefrina.38,39 Desse modo, as concentrações sinápticas desses neurotransmissores serão elevadas, haverá um aumento da neurotransmissão. Essa promoção da atividade de serotonina e noradrenalina têm efeitos benéficos contra sintomas como depressão e ansiedade40,41. Em geral, esses fármacos provocam efeitos colaterais como visão borrada, boca seca e retenção urinária, que são gerados pelos efeitos anticolinérgicos no sistema nervoso autônomo41. Outros efeitos colaterais importantes na utilização dos antidepressivos tricíclicos é o aumento de peso e de apetite. Essa resposta pode ser relacionada ao fato de que a serotonina consiste no principal mediador inibitório do núcleo hipotalâmico ventro medial, responsável pela ingestão de hidratos de carbono e saciedade – “centro da fome” 42-44. Ainda como tratamento da anorexia nervosa, são utilizados fármacos antipsicóticos como a pimozida, sulpirida e outros agentes como cipro-heptadina, lítio, tetra-hidro-canabiol, clonidina, natrexona, hormônio do crescimento, zinco e cisaprida. A utilização de antipsicóticos justifica-se pela manifestação da distorção corporal no paciente, que pode ser considerada uma forma de psicose46. Até o momento, as drogas estudadas na anorexia nervosa em ensaios clínicos randomizados (ECRs), foram os antidepressivos (clomipramina, amitriptilina e fluoxetina), os antipsicóticos (pimozida, sulpirida) e outros agentes (cipro-heptadina, lítio, tetra-hidro-canabiol, clonidina, natrexona, hormônio do crescimento, zinco e cisaprida). Os resultados dos estudos com estes agentes mostram que, na fase aguda, não há uma diferença estatisticamente significativa quando comparados ao placebo em relação às principais medidas de desfecho, com exceção de um estudo com ciproheptadina que mostrou significância estatística pouca relevância clínica44,45. Estes estudos farmacológicos com pacientes com anorexia nervosa apresentam várias limitações metodológicas. Com raras exceções, as amostras são pequenas (menos de 25 pacientes no total). As do258 Com. Ciências Saúde. 2012; 23(3):253-262 ses usadas, especialmente de antidepressivos, frequentemente são baixas. Os tratamentos em geral associam múltiplas abordagens terapêuticas para ganhar peso. Mas, apesar destas limitações possivelmente terem influência na falta de efeito terapêutico, a consistência dos resultados negativos sugere que o tratamento medicamentoso não proporciona nem acelera o restabelecimento do peso em pacientes hospitalizadas na fase aguda da doença46,47. Um ECR comparando a fluoxetina com o placebo, acompanhou durante um ano 35 pacientes anoréxicas em tratamento ambulatorial, após hospitalização e recuperação do peso. 84% das pacientes que receberam placebo abandonaram o estudo, versus 37% no grupo fluoxetina (p=0,006)49. Somente as pacientes do grupo fluoxetina (dose média de 40 mg/dia) apresentaram ganho de peso e redução da psicopatologia associada. Os resultados deste estudo indicam um potencial benefício da fluoxetina em prevenir recaídas de pacientes após recuperação do peso. Baseado nos resultados negativos do uso de inibidores seletivos de receptação de serotonina (ISRS) na fase aguda da anorexia nervosa, poder-se-ia especular que os antidepressivos não seriam eficazes na presença de desnutrição ou que necessitam de um tempo maior de uso para apresentar início de sua eficácia terapêutica48-50. Estudos abertos indicam resultados positivos com a olanzapina e a risperidona. Os futuros ECRs deverão confirmar os resultados e avaliar o risco de desenvolvimento de hiperglicemia e diabetes tipo 2 das novas medicações nesta população de pacientes. Sem estudos sistemáticos, mas baseando-se na experiência clínica, os ansiolíticos do tipo benzodiazepínicos tem sido recomendados, antes das refeições para tratar a ansiedade antecipatória relacionada a alimentação48. É importante lembrar que a maioria dos estudos avaliou apenas pacientes adultas, apesar da anorexia nervosa iniciar-se frequentemente na infância e na adolescência. Desta forma, nem todos os resultados poderão ser generalizados a pacientes mais jovens e ate mesmo adultos47. Bulimia Nervosa Diversos medicamentos foram avaliados na BN, incluindo naltrexona, lítio,fenfluramina, difenilhidantoína, L-triptofano. No entanto, as drogas mais estudadas e frequentemente usadas são os antidepressivos50. Anorexia e bulimia: aspectos clínicos e drogas habitualmente usadas • Antidepressivos Mais de vinte ECRs já foram completados avaliando a eficácia dos antidepressivos na BN, comparados com placebo, com psicoterapia e avaliando a associação de medicação mais psicoterapia, a eficácia de um segundo antidepressivo após falhado primeiro agente, tratamentos sequenciais e de manutenção. Os principais resultados destes estudos são atualizados semestralmente na publicação Clinical Evidence do British Medical Journal51. • Antidepressivos versus placebo Até o momento, há pelo menos duas metanálises comparando antidepressivos com placebo no tratamento da bulimia nervosa. Os antidepressivos tricíclicos, os inibidores da monoaminoxidase (IMAO) e os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS) foram os agentes avaliados. Os resultados dos estudos devem levar em conta várias limitações metodológicas, incluindo: amostras pequenas, altas taxas de abandono, inclusão somente de pacientes com bulimia nervosa tipo purgativo, com peso normal e idade superior a 18 anos e grande variação na resposta ao placebo. Algumas conclusões reportadas nestas metanálises são: • Antidepressivos são mais eficazes que placebo na redução dos episódios de compulsão alimentar ( ECA) e de manobras purgativas49. • A resposta parece ser semelhante para as diversas classes de antidepressivos48. • Apesar da redução nos sintomas ser importante – em torno de 60% - as taxas de remissão é de cerca de 20% em média, e muito variáveis – de 0 a 68%48. • As taxas de abandono são altas – cerca de 35% - demonstrando que o tratamento medicamentoso isolado não é bem aceito pelas pacientes49. • Algumas classes de antidepressivos podem ter efeitos adversos particularmente negativos: tricíclicos (ganho de peso, boca seca, constipação); bupropiona (convulsões); IMAOs (dificuldade em seguir a dieta)50. • Apenas um estudo avaliou a dose mais eficaz de antidepressivos: 60 mg/dia de fluoxetina foi superior ao placebo e 20 mg/dia não48. • Pacientes que não respondem a um antidepressivo podem responder a outro agente usado seqüencialmente51. • A melhora dos comportamentos purgativos ocorre em paralelo à melhor dos ECA. Poucos estudos avaliaram outros aspectos da bulimia nervosa, tais como restrição alimentar, cognições disfuncionais, imagem corporal, ansiedade, problemas interpessoais e peso. Um estudo mostrou que a melhora dos sintomas comportamentais foi seguida por estes outros parâmetros. Não há evidências que os antidepressivos tenham um efeito favorável sobre as dietas rígidas e exageradas, que aumentam o risco de ECA50. • O efeito de longo-prazo das medicações ainda não foi estabelecido. O tempo mínimo de tratamento é de 6 meses49. • Novos tratamentos: ondansetron e topiramato Um ECR comparou ondansetron - um inibidor periférico dos receptores 5-HT3, usado para tratamento da náusea induzida por antineoplásicos - com placebo, durante 4 semanas. Os pacientes tratados com ondansetron apresentaram uma redução de 50% dos ECA e um aumento de 33% nas refeições não seguidas de purgação. Não há relato de efeitos sobre outros sintomas da BN. Um ECR comparou topiramato com placebo em 68 pacientes ambulatoriais com bulimia nervosa durante 10 semanas49. Vinte e cinco por cento dos pacientes apresentaram remissão no final do estudo, versus 12% com placebo. Houve redução de 50% tanto nos ECA quanto de purgação com o topiramato, comparados com 29% (ECA) e 22% (purgação) com placebo. O tratamento com topiramato foi bem tolerado e apenas um paciente abandonou o estudo devido a eventos adversos. A dose mediana foi de 100 mg/dia. O topiramato é um novo agente neuro-psiquiátrico com múltiplos mecanismos de ação51. Em pacientes com bulimia nervosa e TCAP o topiramato parece reduzir a fissura por carboidratos, aumentar a saciedade, estabilizar o humor e reduzir comportamentos impulsivos. Seus efeitos Com. Ciências Saúde. 2012; 23(3):253-262 259 Campos JGSC, Haack A colaterais cognitivos, e os riscos de cálculo renal e perda de peso precisam ser mais bem avaliados em pacientes com bulimia nervosa50. Na Bulimia nervosa o alvo principal da ação dos medicamentos, como citado anteriormente, tem sido os episódios de compulsão alimentar e os sintomas comportamentais relacionados. Desordens afetivas, principalmente a depressão, também são apontadas como presentes na Bulimia Nervosa. Portanto, os fármacos antidepressivos por possuírem ações antiobsessivas, podem beneficiar um paciente no tratamento da bulimia nervosa53,54. Os inibidores de recaptação de serotonina, principalmente a fluoxetina, na bulimia nervosa, visam diminuir tanto compulsões e vômitos muito intensos e resistentes à abordagem psicoterápica, quanto os quadros psiquiátricos associados52. Além destes antidepressivos, alguns pesquisadores levantaram hipóteses de tratamento envolvendo inibidores da monoaminoxidase e mianserina53,54. CONCLUSÃO Pode-se concluir a partir deste levantamento em artigos científicos que os fármacos mais utilizados no tratamento dos transtornos alimentares, Anorexia nervosa e Bulimia, são os antidepressivos, preferencialmente a Fluoxetina. Também foi observada a importância e a necessidade de tratamento psicológico além do farmacológico nas diferentes referências bibliográficas pesquisadas. Esse fato pode contribuir para o amadurecimento da área da saúde, que reconhece a importância da reestruturação das bases cognitivas do paciente com transtorno alimentar , para que se alcance os melhores resultados no tratamento das doenças – principalmente naquelas em que se nota uma relação tão forte da cognição nas causas e sintomas da doença. Faz-se necessário enfatizar a importância de uma equipe multidisciplinar atuando no tratamento de pacientes com os distúrbios alimentares em questão, já que a complexidade sintomatologia exige esclarecimento e utilização de recursos diversos advindos das diferentes áreas de conhecimento a serem empregadas – Medicina, Farmácia, Psicologia e Nutrição e entre outras 260 Com. Ciências Saúde. 2012; 23(3):253-262 REFERÊNCIAS 1. Abreu CN, Shinohara . Cognitivismo e Construtivismo:uma fértil interface. ArtMed, Porto Alegre, 2006;20(3);286-98 2. Pinzon V, Gonzaga AP, Cobelo A, Labaddia E, Belluzo P, Fleitlich BP, Peculiaridades do tratamento da anorexia e da bulimia nervosa na adolescência: a experiência do PROTAD. Revista de Psiquiatria Clínica, São Paulo 2010, 31 (4). 3. Hay PPJ, Bacaltchuk J, Stefano S, Kashyap P. Psychological treatments for bulimia nervosa and binging. Cochrane Database of Systematic Reviews 2009, ;42:161-210 4. Giordani RCF. 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