As emissões de CO2 causadas pela actividade humana estão a

Propaganda
texto Leonídio Paulo Ferreira* fotos Ana Paula e Lusa
As emissões de CO2 causadas
pela actividade humana estão a
aquecer o planeta. O Protocolo de
Quioto tentou travar esta tragédia
mas tem sido pouco eficaz. Agora,
em Copenhaga, uma nova cimeira
organizada pela ONU tentará
dar um passo mais significativo.
16 FÁTIMA MISSIONÁRIA NOVEMBRO 2009
Estarão presentes 192 delegações
e só com a boa vontade de todas
será possível impedir que dos
já preocupantes 0,7 graus de
aquecimento global se passe para
1,5 ou dois. Mas muito dependerá
da atitude dos Estados Unidos e
também da China
Copenhaga vai acolher em Dezembro
uma cimeira sobre o ambiente que pode
ser decisiva para o futuro do planeta. E
os dinamarqueses são os anfitriões per­
feitos para o evento: não só o seu país
está na primeira linha dos esforços para
reduzir as emissões de CO2 (21% em re­
lação a 1990, tal como a Alemanha e o
Luxemburgo) como um vasto território
sob sua soberania, a Gronelândia, sofre já
os efeitos devastadores do aquecimento
global. Terra gelada, a imensa ilha desco­
berta pelos vikings há mil anos começa a
justificar o seu enganador nome de “ter­
ra verde”, com os glaciares a derreterem
e zonas que estavam sempre cobertas de
neves a terem agora vegetação.
Mas se os anfitriões são perfei­
tos, os convidados nem por isso. Es­
tarão presentes delegações de 192 paí­
ses e, mesmo que uma segunda vida
para o Protocolo de Quioto (ratificado
já por 183 países) seja do interesse de
todos, não é certo que ultrapassem os
interesses imediatos e cheguem a um
acordo que salvaguarde o planeta. No
centro das atenções estarão os Estados
Unidos que, com George W. Bush na
presidência, recusaram ratificar o que
ficou acordado em Quioto em 1997.
Agora com Barack Obama na Casa
Branca volta a haver certo optimismo
NOVEMBRO 2009 FÁTIMA MISSIONÁRIA
17
Para salvar o planeta
serão necessários
sacrifícios de todos
e não apenas das 37
nações industrializadas
que se comprometeram em Quioto com medidas efectivas
que os americanos se envolvam a sério
no esforço de combater o aquecimen­
to global, imitando os australianos
que, após anos e anos de reticências,
se decidiram a ratificar Quioto.
Mas para os Estados Unidos re­
verem a sua posição é provável que
também a China tenha que mostrar
boa vontade. Enquanto país em vias
de desenvolvimento, o gigante asiático
viu o Protocolo de Quioto poupar-lhe
esforços de redução do CO2. Mas, ac­
tualmente, a China é já o maior emissor
de dióxido de carbono para a atmosfe­
ra, o que significa que mesmo tendo em
conta o atraso da sua descolagem eco­
nómica, a compreensão dos restantes
países reunidos em Copenhaga já não
será a mesma que foi há uma década na
cidade japonesa. Para salvar o planeta
serão necessários sacrifícios de todos e
não apenas das 37 nações industrializa­
das que se comprometeram em Quioto
com medidas efectivas (só 16 delas com
êxito total). Desde a Revolução Indus­
trial do século XVIII a temperatura mé­
dia do planeta aumentou 0,7 graus e os
Cheias torrenciais na Bolívia fazem transbordar
diques, provocando angústia, destruição e mortes
cientistas temem que possa atingir 1,5
a dois graus. Tudo culpa das fábricas,
dos milhões e milhões de automóveis,
das explorações pecuárias gigantes e do
abate indiscriminado de florestas.
As alterações climáticas não afec­
tam por igual o planeta. Sentem-se mais
em terra que no mar e afectam especial­
mente o hemisfério norte. Mas, mesmo
assim, dos 28 países mais ameaçados
pelo reforço do efeito de estufa, 22 per­
tencem à África subsariana, com desta­
que para a Somália e a Serra Leoa. E as
ilhas estão também na linha da frente
dos países ameaçados, com as Maldivas
tão preocupadas em serem submergidas
por causa de uma subida geral das águas
do mar que até convocaram, simboli­
camente, uma reunião do conselho de
ministros subaquática. Vítimas prefe­
renciais, os países pobres terão pois tam­
bém de aceitar em Copenhaga fazerem
um esforço para reduzir as emissões de
CO2. Isso passará por substituírem os
combustíveis fósseis, mais baratos, por
outros por enquanto mais caros. E isso
Vítimas preferenciais,
os países pobres terão
pois também de aceitar
em Copenhaga fazerem
um esforço para reduzir
as emissões de CO2. Isso
passará por substituírem
os combustíveis fósseis,
mais baratos, por outros
por enquanto mais caros
18 FÁTIMA MISSIONÁRIA NOVEMBRO 2009
Fuga de combustível na refinaria de Guwahati, Índia, em
Agosto de 2009, aumenta os níveis de poluição na região
terá de ser suportado solidariamente
pelo grupo dos países ricos, como já aler­
tou Meles Zenawi, primeiro-ministro da
Etiópia, que está a preparar uma África a
uma só voz em Copenhaga.
Além de transferência de tecnolo­
gias verdes a baixo custo, outras medidas
de apoio aos países pobres passam por
incentivos à protecção das suas florestas
e pela construção de diques nas zonas
mais ameaçadas pela subida do nível dos
oceanos. Trata-se de um custo estimado
em 100 mil milhões de dólares, um valor
elevado, mas mínimo quando compara­
do com os imensos custos de ignorar o
aquecimento planetário. A actual ajuda
ao desenvolvimento já ronda essa or­
dem de grandeza e existem obrigações
morais: os países subdesenvolvidos re­
presentam 80% da humanidade, mas
apenas 40% das emissões de C02. Com
apenas 20% da população mundial, os
países ricos emitem cerca de 60% do to­
tal de dióxido de carbono que contribui
para o aquecimento global.
*jornalista do Diário de Notícias
Dez principais
emissores de CO2
O que é o efeito de estufa
Imagine um mundo
parte o vapor de água
como o carvão e o
sem efeito de estufa.
Em vez de ter uma
temperatura média
de 14 graus teria
antes uma de 19 graus
negativos. De gelar o
sangue, não? Ou seja,
enquanto mecanismo
da natureza o efeito de
estufa é algo positivo,
permite a retenção de
parte do calor emitido
pela superfície terrestre
e torna a Terra um
e o CO2. Durante
milénios funcionaram
na perfeição, com a
parcela de CO2 a ser
de 280 ppm (partes
por milhão). Contudo,
desde a Revolução
Industrial do século
XVIII, e sobretudo
nos últimos 50 anos, a
atmosfera começou a
conter CO2 em excesso,
cerca de 385ppm, e
isso está a acentuar o
petróleo, está a encher
a atmosfera de dióxido
de carbono gerando
um aquecimento
global que é obra
directa do homem.
Os cientistas julgam
que um aumento da
temperatura média do
planeta em 0,7 graus
já aconteceu e poderá
atingir os 2 graus.
Embora sem certezas
absolutas, acredita-se
local agradável para
viver. Os gases que
permitem esse efeito de
estufa são em grande
efeito de estufa a um
nível muito perigoso. Ou seja, o uso de
combustíveis fósseis,
ser possível travar o
processo. Tudo depende
de reduzir as emissões
de CO2 rapidamente.
REINO COREIA
CANADÁ UNIDO SUL
0,6 mmt
0,5 mmt 0,5 mmt
ALEMANHA
0,8 mmt
em milhares de milhões de toneladas
ÍNDIA
CHINA
6,2
1,1 mmt
EUA
5,8
RÚSSIA
1,7
JAPÃO
JAPÃO
1,2
1,2 mmt
ÍNDIA 1,1
ALEMANHA
0,8
CANADÁ
0,6
REINO UNIDO
0,5
COREIA DO SUL 0,5
RÚSSIA 1,7 mmt
ITÁLIA
0,4
ITÁLIA
0,4 mmt
China 6,2 mmt
EUA 5,8 mmt
NOVEMBRO 2009 FÁTIMA MISSIONÁRIA
19
Três
séculos
de mudança climática
1712 O britânico Thomas Newcomen
inventa o primeiro motor a vapor,
sinal de partida para a Revolução
Industrial e o uso maciço de carvão
para produção de energia.
1800 A população mundial atinge os
mil milhões.
1824 O francês Joseph Fourier
descreve o efeito de estufa natural
existente na Terra.
1861 O irlandês John Tyndall mostra
que o vapor de água e certos outros
gases criam o efeito de estufa.
1886 O alemão Karl Benz inventa o
primeiro automóvel.
1900 O sueco Knut Angstrom mostra,
embora sem entender o alcance total
da sua descoberta, que o CO2 emitido
para a atmosfera pela indústria pode
causar um aquecimento tipo estufa.
1927 As emissões de carbono pelas
fábricas e pelos transportes que
consomem energia fóssil atingem os
mil milhões de toneladas por ano.
1938 Com base em informação vinda
de mais de uma centena de estações
meteorológicas de todo o mundo, o
britânico Guy Callendar mostra que
as temperaturas aumentaram durante
o século anterior e relaciona esse
aquecimento com as emissões de CO2.
1965 Um comité de aconselhamento
1987 A população humana atinge os
do Presidente Lyndon Johnson dos
Estados Unidos alerta que o efeito de
estufa é motivo para séria preocupação.
1972 Estocolmo acolhe a primeira
conferência sobre ambiente da ONU.
Alterações climáticas são relegadas
para segundo plano, com as atenções
a centrarem-se nos testes atómicos, na
poluição química e na caça à baleia.
1975 O americano Wallace
Broecker transforma em expressão
corrente o “aquecimento global”,
título de um ensaio científico.
cinco mil milhões.
1988 Criação do Painel
intergovernamental sobre as Alterações
Climáticas (IPCC, na sigla inglesa).
1992 Cimeira da Terra realiza-se no
Rio de Janeiro, com os governos a
concordarem ser necessário um acordo
para estabilizar as concentrações de gás
com efeitos de estufa de modo a evitar
interferências com o sistema climático.
Os países desenvolvidos comprometem-se
a fazer as suas emissões de carbono
regredirem ao nível de 1990.
A China ultrapassa
em termos absolutos
os Estados Unidos
como primeira
potência emissora
de carbono
20 FÁTIMA MISSIONÁRIA NOVEMBRO 2009
Combate à degradação do solo e da água num
centro industrial de reciclagem de lixo na China
Trabalhadores nas instalações da Quimonda, em Vila do Conde
1995 Relatório do IPCC conclui estar
provada a influência humana no clima
do planeta.
1997 Protocolo de Quioto
com os países desenvolvidos a
comprometerem-se a reduzir as
emissões numa média de 5% até ao
período de 2008-2012. Metas variam
muito de país para país, mas só 16
dos 37 países envolvidos cumpriram
com êxito total.
1999 População humana atinge os
seis mil milhões.
2001 Presidente americano
George W. Bush retira o seu país do
processo de Quioto.
2005 O primeiro-ministro britânico
Tony Blair define o combate ao
aquecimento global como a sua
prioridade durante a presidência do
G8 e da União Europeia.
2006 Alerta de que as alterações
climáticas podem prejudicar o PIB
global em cerca de 20% se não forem
combatidas, mas uma estratégia eficaz
para contrariar o fenómeno custaria
apenas 1% do PIB global.
2007 O IPCC e o ex-vice-presidente
americano Al Gore recebem o Nobel
da Paz pelos seus esforços para
informar a humanidade sobre os
riscos das alterações climáticas.
2009 A China ultrapassa em termos
absolutos os Estados Unidos como
primeira potência emissora de carbono.
Crise faz Portugal
cumprir Quioto
Até agora só através
da compra de direitos
de emissões de CO2
Portugal tem conseguido
cumprir o Protocolo
de Quioto, isto apesar
de o país, dado o seu
nível intermédio de
desenvolvimento, ter
permissão para no
período 2008-2012
registar o equivalente
a 127% dos gases
poluentes de 1990,
ano de referência.
Mas, os efeitos da crise
económica global,
com quebra do PIB
e encerramento de
muitas indústrias,
deverão permitir
finalmente atingir a
meta traçada, ainda
que pelas piores razões.
Não é fenómeno único.
Ainda antes da recente
crise já países como a
Rússia, a Roménia ou
a Bulgária mostravam
um excepcional nível
de cumprimento do
Protocolo de Quioto
explicado pelo
desaparecimento
de muitas fábricas
obsoletas depois
do fim do sistema
comunista em 1991.
O caso da Ucrânia é
bem exemplificativo:
autorizado a emitir a
mesma quantidade
exacta de carbono de
1990, o país conseguiu
atingir o valor de
48,1%, recorde não
explicável por medidas
de protecção ambiental,
mas sim por uma
decadência geral da sua
estrutura industrial.
Ainda antes da recente crise já países como a Rússia,
a Roménia ou a Bulgária mostravam um excepcional
nível de cumprimento do Protocolo de Quioto explicado
pelo desaparecimento de muitas fábricas obsoletas
depois do fim do sistema comunista em 1991
NOVEMBRO 2009 FÁTIMA MISSIONÁRIA
21
Download