106 JORNAL BRASILEIRO DE NEUROCIRURGIA RELATO DE CASO Forma neurítica pura da hanseníase com acometimento exclusivo do nervo ulnar – Relato de caso Carlos Eduardo Barbosa Cavalcanti* Sinopse A hanseníase é uma doença crônica de baixo grau de contágio, provocada pelo bacilo álcool-ácido resistente Micobacterium leprae. A doença raramente é fatal, mas a neuropatia associada pode levar a séria incapacidade, sendo causa freqüente de comprometimento de nervos periféricos no nosso país. A forma neurítica pura da hanseníase provoca espessamento do nervo, sem alterações cutâneas associadas, e compromete principalmente os nervos ulnar, fibular, radial, tibial, mediano e auricular, sendo o nervo ulnar bem mais acometido que os demais. A forma neurítica pura com envolvimento de múltiplos nervos é infreqüente, mas tem seu diagnóstico sugerido pelos diversos nervos acometidos. Quando o acometimento é de um só nervo, a forma neurítica pura é rara, sendo a biópsia um importante método auxiliar na determinação do seu diagnóstico final. Estamos relatando um caso dessa rara apresentação clínica de hanseníase. Palavras-chave Nervo ulnar, biópsia, hanseníase, neuropatia periférica. Abstract Pure neuritic form of Hansen’ Hansen’ss disease with isolated involvement of ulnar nerve. Report of a case Hansen's disease is a chronic disease of a low degree of contagiousness caused by the acid-fast bacillus Mycobacterium leprae. The disease is rarely fatal, but serious disability may result from neuropathy and it is a frequent cause of peripheral nerve involvment in our country. The pure neuritic form provokes neural thickening without cutaneous alterations and compromises mainly the ulnar, peroneal, radial, median, and auricular nerves, being * Médico Neurocirurgião do Hospital Tarquínio Lopes Filho – São Luís, MA. the ulnar nerve the mostly frequently affected. The pure neuritic form with involvement of only one nerve is rare and in these cases biopsy is very important to reach the final diagnosis. We are reporting a case of this rare clinical presentation of Hansen's disease. Keywords Ulnar nerve, biopsy, Hansen’s disease, peripheral neuropathy. Introdução O acometimento do nervo ulnar é uma das mais freqüentes manifestações do sistema nervoso da forma tuberculóide da hanseníase3. Existem casos em que o acometimento desse nervo é isolado, sem lesões cutaneomucosas, tornando o diagnóstico de certeza difícil, mesmo com aumento de volume do nervo na região do cotovelo4. Nesta enfermidade, talvez mais do que em outras, torna-se possível relacionar os fenômenos imunológicos e os achados bacterioscópicos com o tipo de reação inflamatória e as manifestações clínicas correspondentes, criando deste modo uma classificação racional das várias formas de hanseníase. O conhecimento dessa peculiaridade permite que se efetue uma abordagem terapêutica adequada, com a obtenção de bons resultados imediatos e, portanto, com diminuição dos riscos de deterioração neurológica periférica15. A hanseníase apresenta-se sob duas formas principais: a tuberculóide e a lepromatosa. Além dessas, também devem ser consideradas a forma indeterminada, que compreende, em sua maioria, casos iniciais com possibilidades de se diferenciar para os tipos tuberculóide ou lepromatoso, e a CAVALCANTI CEB – Forma neurítica pura da hanseníase com acometimento exclusivo do nervo ulnar – Relato de caso J Bras Neurocirurg 13(3): 106-108, 2002 107 forma dimórfica, que apresenta características dos dois tipos principais16. Os nervos são acometidos em qualquer forma de hanseníase, mesmo as mais benignas, em que podemos identificar infiltrados inflamatórios ao redor das fibras nervosas. O acometimento do nervo ulnar é a mais freqüente manifestação do sistema nervoso periférico na hanseníase tuberculóide12,18. Relato de caso Paciente MSM, 35 anos, sexo masculino, proveniente do interior do Estado do Maranhão (zona endêmica), apresentando queixas de fraqueza e formigamento no território do nervo ulnar direito. O exame neurológico evidenciava redução da força muscular na abdução do dedo mínimo, garra ulnar, anestesia termodolorosa no território de distribuição cutânea do nervo e espessamento neural ao nível do cotovelo do lado da lesão. O exame dermatológico não identificou lesão cutânea. A eletroneuromiografia constatava redução dos potenciais de ação sensitivos e motores no nervo ulnar. O paciente foi submetido a exploração cirúrgica do nervo ulnar no cotovelo e, durante o procedimento, foi verificado que o nervo encontrava-se bastante espessado. O mesmo foi dissecado e transposto anteriormente. Foi realizada a biópsia do ramo cutâneo dorsal do nervo ulnar, no dorso da mão. Apesar de não ter sido encontrado o bacilo no material examinado, o aspecto macroscópico do nervo e a presença de infiltrado inflamatório, a perda axonal e a desmielinização no material biopsiado tornaram possível inferir o diagnóstico de hanseníase. O paciente era mitsuda-negativo, o que simplesmente comprovava ser portador da forma tuberculóide. Discussão É provável que a hanseníase tenha afetado a humanidade muito tempo antes de ser reconhecida como entidade clínica definida. Os sinais e os sintomas da hanseníase são padronizados e inconfundíveis17. Calcula-se que em nível mundial existam atualmente mais de 10 milhões de pessoas portadoras de hanseníase e que aproximadamente 4 milhões apresentem seqüelas da enfermidade. Os países com maior concentração de doentes, nos quais são diagnosticados 80% dos casos mundiais, são: Brasil, Índia, Nepal, Bangladesh e África7,10. Na hanseníase tuberculóide o nervo ulnar é o mais acometido, seguido dos nervos fibular, mediano, radial tibial e facial12,13. Em alguns casos o acometimento neural é isolado, sem alterações cutâneas, o que torna difícil o diagnóstico. Esse tipo constitui a denominada forma neurítica pura da hanseníase9. Katz et al.5 realizaram biópsia do epineuro do nervo ulnar no cotovelo em 12 pacientes com suspeita de hanseníase neurítica. Seus achados mais importantes foram o espessamento do epineuro e a presença de infiltrado inflamatório. Por outro lado, Jenkins et al.4, analiCAVALCANTI CEB – Forma neurítica pura da hanseníase com acometimento exclusivo do nervo ulnar – Relato de caso sando biópsias do ramo sensitivo em pacientes com a forma neurítica pura, verificaram que somente em 50% deles existiam alterações histológicas – 30% apresentavam perda axonal e desmielinização, 5% exibiam alterações sugestivas de vasculite e 5% apresentavam fibrose. A biópsia do ramo cutâneo dorsal do nervo ulnar parece ser mais adequada que a biópsia do próprio nervo ulnar. Além de apresentar menores conseqüências para o paciente, permite, por ser um ramo completamente sensitivo, que seja realizada a ressecção completa de um fragmento do nervo, com a possibilidade de análise de todos os fascículos8. Srinivasan e Rao14 e Becx-Bleumink e Manetje1 descreveram uma forma de hanseníase denominada neurite silenciosa, definida como comprometimento progressivo da função neural periférica, sem a evidência de neurite clínica reacional. Essa variante clínica só pode ser detectada por meio de exame neurológico seqüencial para acompanhamento progressivo do déficit neurológico11. Nenhum achado eletroneuromiográfico é específico da lesão neural por hanseníase, o que reduz a importância desse exame no diagnóstico etiológico da paralisia isolada do nervo ulnar2. Por outro lado, a possibilidade de a biópsia do ramo cutâneo dorsal do nervo ulnar demonstrar o bacilo, além dos achados inespecíficos já mencionados, torna este exame importante no diagnóstico de formas de hanseníase que cursam com lesão do nervo ulnar, sem acometimento da pele6. O caso relatado é ilustrativo de um tipo raro de acometimento da hanseníase, mas que deve ser considerado durante a avaliação de pacientes portadores de aumento de volume do nervo, mesmo que de forma isolada e sem manifestações cutâneas. Referências bibliográficas 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. BECX-BLEUMINK M, MANETJE DBWT: The management of nerve damage in the leprosy control services. Lepr Rev Rev, 61: 1-11, 1990. DEFARIA CR, SILVA IM: Electromyographic diagnosis of leprosy. Arq Neuropsiquiatr Neuropsiquiatr, 48: 403-13, 1990. Lepr 68: 35-42, 1996. GIRDHAR BK: Neuritic leprosy. Ind J Lepr, JENKINS D, PAPP K, JAKUBOVIC HR, SHIFFMAN N: Leprotic involvement of peripheral nerves in the absence of skin lesions. 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