III SIMPÓSIO SOBRE A BIODIVERSIDADE DA MATA ATLÂNTICA. 2014 121 Comunidades de Microalgas e Variáveis Limnológicas Abióticas no Rio Santa Maria do Doce (Santa Teresa-ES) N. G. S. Mendes 1,*, A. C. O. Rupf 1, K. Milanezi 1, M. G. B. Lima 1, M. C. D. A. Pazzini 1 , S. Cruz 1 & A. G. Costa 1. 1 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo, Campus Santa Teresa. *Email para corresspondência: [email protected] Introdução O município de Santa Teresa possui uma das localidades mais florestadas do estado, tendo ainda cerca de 40% de sua cobertura original de Mata Atlântica que estão incluídas na Reserva da Biosfera da Mata Atlântica no Estado do Espírito Santo (Mendes & Padovan, 2000). No contexto de que ações antrópicas e alterações no ecossistema terrestre exercem grande influência no meio aquático, Tundisi & Tundisi (2008) afirmam que os rios não devem ser considerados isoladamente, uma vez que o seu entorno contribui com um papel marcante para estes sistemas. A Limnologia é uma ciência que abrange o estudo de ecossistemas de água doce e lagos salinos no interior dos continentes, bem como todas as interações físicas, químicas e biológicas que ocorrem nesses ecossistemas (Tundisi & Tundisi, 2008). Com relação aos componentes biológicos, destacam-se duas comunidades de algas microscópicas muito importantes na produção primária dos ecossistemas aquáticos, a saber, o perifíton e o fitoplâncton. O perifíton é definido como uma complexa comunidade de microorganismos (bactérias, fungos, algas, protozoários, microcrustáceos), detritos orgânicos e inorgânicos, que estão aderidos ou associados a substratos artificiais ou naturais, sendo estes vivos ou mortos (Wetzel, 1983). O fitoplâncton por sua vez, é representado por organismos fotossintetizantes em sua maioria, adaptados à vida em suspensão na água, sujeitos a movimentos passivos por ventos e correntes (Reynolds, 1984). Deste modo, o conhecimento do ecossistema baseado em investigações sistemáticas de variáveis ambientais permite descrevê-lo, no que diz respeito à sua estrutura e funcionamento, além de evidenciar as complexas interações entre seus vários componentes (Esteves, 2011). Nesse contexto, são desconhecidos estudos com o objetivo de realizar levantamentos da biodiversidade aquática de microalgas no rio Santa Maria do Doce, sendo de grande importância tais estudos para o conhecimento da diversidade biológica, 122 MENDES ET AL: COMUNIDADES DE MICROALGAS bem como para o embasamento de ações conservacionistas e de preservação deste ecossistema. Diante deste cenário, o presente trabalho teve como objetivo realizar um levantamento de microalgas no rio Santa Maria do Doce, bem como caracterizar as estações de amostragem através da determinação de algumas variáveis limnológicas abióticas. Material e Métodos O levantamento de microalgas (variáveis limnológicas bióticas) e a caracterização das variáveis limnológicas abióticas foram realizados no rio Santa Maria do Doce (Santa Teresa). Foram definidas cinco estações amostrais ao longo da extensão do rio (Tabela 1). As coletas foram realizadas no dia 12 de julho de 2013, e amostradas nas estações em uma repetição (n=1). Tabela 1. Caracterização das estações amostrais onde foram realizadas as amostragens de variáveis limnólogicas abióticas e bióticas no rio Santa Maria do Doce, Santa Teresa-ES. Coordenadas Altitude Estação amostral geográficas Cobertura vegetal (m) (UTM) 19.91425 Cultura de café, E1 – Várzea Alegre 237 40.76500 pastagem e bambu 19.8849 Cultura de café e E2 – São Sebastião 216 40.74372 pastagem 19.83519 E3 – Santa Bárbara 197 Mata ciliar 40.71123 19.81965 E4 – Santo Antônio do Canaã 144 Pastagem 40.67682 E5 – Fazenda Milanezi 19.7721 123 Pastagem 40.63415 Para a caracterização limnológica abiótica, foram determinadas as seguintes variáveis físico-químicas em cada estação amostral: condutividade elétrica (µS.cm-1), sólidos totais dissolvidos (mg.L-1), pH, temperatura da água (ºC), oxigênio dissolvido (mg.L-1), transparência média (m), profundidade total (m) e zona eufótica (m) da água. As coletas das algas fitoplanctônicas em cada estação amostral foi realizada utilizando rede com abertura de malha de 20 µm através de arraste subsuperficial. As amostras foram acondicionadas em frascos de vidro com capacidade de 250 mL e fixadas, imediatamente, com solução formalina 4% (Bicudo & Menezes, 2005) para posteriores análises em laboratório. III SIMPÓSIO SOBRE A BIODIVERSIDADE DA MATA ATLÂNTICA. 2014 123 As amostragens das algas perifíticas foram realizadas a partir de coletas de substratos naturais, tais como partes submersas de plantas herbáceas de espécies diversas (folhas e pecíolos) localizadas nas margens, as quais foram imediatamente acondicionadas em frascos de vidro contendo água destilada. As amostras de folhas e pecíolos coletadas foram levadas ao laboratório para serem raspadas com o auxílio de pincel, estilete e jatos de água destilada, a fim de separar o perifíton do substrato, e, posteriormente, foram acondicionadas em frascos de vidros, e foram fixadas com solução formalina 4% (Bicudo & Menezes, 2005), a fim de serem preservadas. A identificação taxonômica das comunidades fitoplanctônicas e perifíticas coletadas nas estações amostrais, foi realizada até o nível de gênero, de acordo com o sistema de classificação de Bicudo & Menezes (2006). Resultados e Discussão Os resultados das variáveis limnológicas abióticas estão descriminados na Tabela 2. Tabela 2. Valores das variáveis limnológicas abióticas registradas nas estações amostrais estudadas ao longo do rio Santa Maria do Doce. Estação amostral Variável E1 E2 E3 E4 E5 Profundidade máxima (m) 0,28 0,70 0,50 0,50 0,80 Transparência da água (m) 0,28 0,45 0,40 0,50 0,60 Zona eufótica (m) 0,28 0,70 0,50 0,50 0,80 Temperatura da água ( °C ) 18,0 19,0 21,0 24,0 23,0 Oxigênio dissolvido (mg.L-1) 6,74 6,41 6,64 6,58 7,10 -1 Sólidos totais dissolvidos (mg.L ) 19,97 19,97 29,94 29,92 39,9 Condutividade elétrica (µS.cm-1) 40,0 50,0 60,0 70,0 80,0 pH 9,60 8,93 8,89 8,97 9,23 Foram registrados baixos valores de transparência média da água, o que pode ter sido em razão do rio ter apresentado baixas profundidades em todas as estações amostrais. Também em razão desta última, todas as estações apresentaram valores de zona eufótica totais. Fatores como a estação seca no período da coleta, a retirada de água do rio e a grande susceptibilidade erosiva do rio (Comitê da bacia hidrográfica do rio Doce, 2010), podem ter contribuído para as baixas profundidades registradas. Nesse sentido, a intensidade da radiação luminosa que atravessa a coluna d’água influencia na quantidade de energia disponível para a fotossíntese, e consequentemente na produtividade primária das comunidades de algas (Esteves, 2011). Embora a temperatura não tenha variado significativamente entre as estações amostrais, a diferença ocorrida entre as estações amostrais, foi provavelmente, devido à elevação da 124 MENDES ET AL: COMUNIDADES DE MICROALGAS temperatura do ar ocorrida ao longo do dia, aumentando a incidência dos raios solares na água e, também em decorrência da diferença de altitude onde as estações estavam localizadas. De maneira geral, as estações amostrais apresentaram valores de concentração de oxigênio dissolvido que estão dentro dos limites da resolução Conama nº 357 (2005) para águas de classe 2. A maior concentração desta variável foi encontrada na E5, foi provavelmente, devido ao acúmulo de nutrientes, evidenciado pelo maior valor de sólidos totais dissolvidos e condutividade elétrica, que favorece a atividade fotossintética das algas, elevando assim a quantidade de oxigênio dissolvido na água. Os valores de pH não apresentaram grande variação espacial entre as estações amostrais, porém, de maneira geral, tiveram média de 9,12, indicando uma elevada alcalinidade. De acordo com os resultados evidenciados, dentre os processos que podem elevar o pH aquático, estão as comunidades autotróficas (Esteves, 2011), e as ações antrópicas como a calagem do solo. Os valores de condutividade elétrica e sólidos totais dissolvidos, embora estivessem dentro dos limites estabelecidos pelos padrões de potabilidade da água (Cetesb, 2009), aumentaram gradativamente das estações amostrais a montante em direção a jusante, o que pode estar relacionado com o maior acúmulo, ao longo do rio, de matéria orgânica e nutrientes oriundos de efluentes domésticos e agrícolas da região. De acordo com a análise qualitativa das variáveis bióticas, o rio Santa Maria do Doce apresentou elevada riqueza de táxons, com um total de 130 taxa distintos de algas, considerando todas as estações amostrais e as duas comunidades analisadas. Do total de taxa registrados, a classe Bacillariophyceae (diatomáceas) foi a mais representativa em termos de riqueza, apresentando 61 taxa (47%) e, os gêneros dominantes desta classe foram Surirella e Gyrosigma, respectivamente. A maior predominância das diatomáceas no rio, principalmente na comunidade perifítica, pode ser devido às adaptações destas para se fixarem ao substrato (Hoagland et al., 1982). Fatores como a disponibilidade de compostos a base de sílica na coluna d’água, também influenciam na densidade das diatomáceas, uma vez que esse é o principal constituinte de suas paredes celulares (Esteves, 2011), porém são necessários estudos nesse sentido para verificar a abundância desta classe no rio Santa Maria do Doce. As formas de vida mais predominantes nas duas comunidades de algas foram as unicelulares, porém com maior contribuição destas no perifíton (81%), em relação ao fitoplâncton (63%). Segundo Fernandes (2005), as formas filamentosas são tipicamente III SIMPÓSIO SOBRE A BIODIVERSIDADE DA MATA ATLÂNTICA. 2014 125 pertencentes à comunidade perifítica, porém neste estudo, estas formas não predominaram nesta comunidade. Ainda, de acordo com Wetzel (1990), são componentes da comunidade perifítica, algas de todas as classes, inclusive algas unicelulares e coloniais, que apresentam estruturas de fixação. Foram encontrados neste estudo representantes de gêneros de cianobactérias potencialmente tóxicas nas amostras (Oscillatoria, Aphanocapsa, Phormidium e Pseudanabaena). Além dos desequilíbrios ecológicos, florações de cianobactérias podem causar vários problemas que variam desde conferir gosto e odor desagradáveis à água, até a produção de toxinas (Sant’anna et al., 2006). Para tal verificação, é preciso realizar análises quantitativas da água para afirmar se existe concentração de toxinas produzidas por cianobactérias potencialmente tóxicas, acima dos limites recomendáveis para a saúde humana e para a sobrevivência dos organismos aquáticos. Conclusão Conclui-se que o rio Santa Maria do Doce apresenta algumas variáveis ambientais dentro dos limites estabelecidos pelos padrões de potabilidade da água, porém ações antrópicas como o desmatamento, ocupação das margens, lançamento de efluentes domésticos, industriais e agrícolas que ocorrem na bacia de drenagem do rio, podem contribuir para intensificar o processo de assoreamento e poluição orgânica deste ecossistema. Agradecimentos Agradecemos à Fundação de Amparo à Pesquisa do Espírito Santo (FAPES) e ao CNPq pelo apoio financeiro para o desenvolvimento do projeto e, pela bolsa de monitoria fornecida à primeira autora, bem como aos bolsistas de IC Jr. Ao IFES Campus Santa Teresa pela disponibilização do transporte para a realização das coletas, e dos laboratórios para as análises. Literatura Citada Bicudo, C. E. M. & Menezes, M. 2005. Gêneros de algas de águas continentais do Brasil: chave para identificação e descrições. São Carlos: Rima. 508p. ______. 2006. Gêneros de algas de águas continentais do Brasil: chave para identificação e descrições. 2 ed. São Carlos: Rima. 502p. Comitê da bacia hidrográfica do rio Doce. 2010. Plano de ação de recursos hídricos da unidade de análise Santa Maria do Doce. 91p. Disponível em: 126 MENDES ET AL: COMUNIDADES DE MICROALGAS http://www.riodoce.cbh.gov.br/_docs/planobacia/PARH/PARH_SM_Doce.pdf (16/03/2013). Companhia Ambiental do Estado de São Paulo - Cetesb. 2009. Relatório de qualidade de águas interiores do Estado de São Paulo. 44p. Disponível em: www.cetesb.sp.gov.br/userfiles/file/agua/aguas-superficiais/variaveis.pdf (26/09/2013). Conama - Conselho Nacional do Meio Ambiente. 2005. Resolução n. 357, de 17 de março de 2005. Classificação das águas doces, salobras e salinas do Território Nacional. Brasília, DF. Disponível em: www.mma.gov.br (22/06/2013). Esteves, F. A. 2011. Fundamentos de limnologia. 3. ed. Rio de Janeiro: Ed. Interciência, 790p. Fernandes, V. O. 2005. Perifíton: conceitos e aplicações da limnologia à engenharia. In: Rland, F. & Marinho, M. (Eds.). Lições de limnologia. São Carlos: Rima, p. 351370. Hoagland, K. D; Roemer, S. C & Rosowski, J. R. 1982. Colonization and community structure of two periphyton assmblages, with emphasis on the diatoms (Bacillariophyceae). American Journal of Botany, 69: 188-213. Mendes, S. L & Padovan, M. P. 2000. A estação biológica de Santa Lúcia. Boletim do Museu de Biologia Mello Leitão 11(12): 7-34. Reynolds, C.S. 1984. The ecology of freswater phytoplankton. Cambridge: Cambridge University Press. 384p. Sant’anna, C. L.; Azevedo, M. T. P.; Agujaro, L. F.; Carvalho, M. C.; Carvalho, L. R. & Souza, R. C. R. 2006. Identificação e contagem de cianobactérias planctônicas de águas continentais brasileiras. Rio de Janeiro: Ed. Interciência. 58 p. Tundisi, M. T. & Tundisi, J. G. 2008. Limnologia. São Paulo: Oficina de Textos. 632p. Wetzel, RG. 1983. Opening remarks. In Wetzel, R.G. (Ed.) 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