31º Encontro Anual da ANPOCS, de 22 a 26 de outubro de 2007, Caxambu, MG. Seminário Temático 12 (ST 12) Desenvolvimento e Instituições – projetos, agendas e atores em perspectiva comparada Eduardo Salomão Condé1 Leandro Ribeiro Silva2 (Universidade Federal de Juiz de Fora) Uma agenda da diferença – A não convergência de políticas e a retomada do tema do desenvolvimento (Ásia e América Latina) 1 2 Professor do Depto. Ciências Sociais ICH/UFJF e do Programa de Mestrado em Ciências Sociais – UFJF. Mestre em Ciências Sociais – UFJF. 2 Uma agenda da diferença – A não convergência de políticas e a retomada do tema do desenvolvimento (Ásia e América Latina) Introdução O espírito deste trabalho é uma indagação: como pode a diversidade ser substituída pela “convergência” se a história e as práticas econômicas e sociais divergem na essência? Sem pretender que a resposta definitiva seja aqui operada, uma significativa parte da literatura da corrente dominante em economia e uma parte menor da teoria sociológica tem se preocupado com a crescente “convergência”, no cenário internacional indeterminando a autonomia do próprio Estado nacional por um movimento irresistível de maior homogeneização. O caso de não adesão implicaria em um país enclausurado em um gueto nacional, de baixa inserção na economia global. Esta imagem simplificadora perseguiu governos em diferentes continentes e “congelou” políticas autônomas e projetos de desenvolvimento, substituindo-os pela díade crescimento econômico e mercado hegemônico, derivando o conceito de desenvolvimento do pressuposto de crescimento. A juízo deste trabalho trata-se de uma caricatura do real, uma imagem simplificadora dos conflitos e desafios mundiais e de desconhecimento dos complexos movimentos internos ais países e do “esquecimento” sobre as políticas que giraram em sentido contrário ao paradigma de um fundamentalismo de mercado. Para discutir este problema, o texto divide-se em três partes. Na primeira, faz-se uma bem humorada viagem pelas mudanças desde os anos 70. Na segunda, trata das abordagens teóricas do debate convergência/diversidade, por algumas reflexões teóricas. Finalmente, discutem-se duas situações históricas e institucionais diversas e suas respostas a alguns dilemas apresentados por este debate. 1 – Da diversidade para a convergência e de volta – pequena história O desenvolvimento tem um que de maldito, seja para o bem ou para o mal. Quando, desde o final da última grande guerra, ganhou importância o tema da reconstrução nacional, dos seus projetos e da reconstituição mesma da sociedade, tratava-se da preocupação em recombinar os parâmetros econômicos e sociais para um novo período: era da tragédia que se saia, da destruição que se fugia, ele aparecia como parte da redenção. Particularmente na 2 3 Europa, reconstituir a vida não era apenas refazer o mundo perdido, mas antes escalonar de forma diversa os horizontes do crescimento e do bem-estar, combinando a expectativa de sua força econômica com a redistribuição de recursos, solvendo dilemas sociais pela combinação de crescimento com mais equidade. Era a época de Bretton Woods, o período dos “trinta gloriosos”, da perspectiva generosa do estado de bem-estar. Na Ásia, o Japão se reconstituía, a China caminhava para a revolução maoísta e o leste asiático voltava-se para diversos graus de tensão, culminando com as guerras da Coréia, da Indochina e do Vietnã. O ocidente de capitalismo avançado iniciou a “grande marcha” para frente, através da expansão americana e do crescimento europeu; o Japão iniciou a alavacangem da Ásia, a então União Soviética expandia-se à sua moda e segundo o modelo Stálin de satisfação: “chegar e ultrapassar” o ocidente “decadente”. Mesmo a América Latina, acreditava na combinação de crescimento como superação do subdesenvolvimento, palavra então corrente. Seja pela CEPAL ou o ISEB, pela “dependência” ou até pelo caminho da revolução cubana, a agenda combinava crescimento plus desenvolvimento. O pensamento cepalino, apresentava, no núcleo das suas preocupações, a possibilidade em ultrapassar o subdesenvolvimento pela constituição de um novo padrão de desenvolvimento industrial calcado na combinação do capital estatal e privado (sem descartar recursos externos), crescimento do mercado interno e constituição de um mercado de trabalho fortalecido pelo crescimento, ou Keynes associado aos benefícios da poupança interna. Pelo campo do ISEB, tratava-se de um desenvolvimento com identidade nacional e plural, uma pedra de toque da diferença em um mundo em expansão, mas que agravaria mais as assimetrias sem um projeto nacional autônomo. A própria teoria da de dependência traria sua contribuição pela identificação da perversidade entre crescimento nacional e associação com o sistema internacional, proporcionando crescimento desigual e construindo um país ainda mais separado por seus enclaves produtivos e sua elite associada ao capital internacional. Tratava-se, portanto, de uma era de debate intelectual e de ação governamental fortemente ligados aos projetos de desenvolvimento nacional e mesmo de nação estrito senso. Já se denunciava os males do subdesenvolvimento e os males do desenvolvimento desigual. Era um mundo dividido pela guerra fria nos dois do Atlântico, pela relação hostil na Ásia entre Japão, China e URSS e pela tensão no leste, pela América Latina em movimento contra o subdesenvolvimento e defendendo seus projetos de autonomia “relativa”. O resultado desta combinação de força entre crescimento e desenvolvimento viu seus frutos nos EUA, na Europa Ocidental, no Japão – formando a tríade diretora da economia 3 4 mundial até os anos de 1990; pobreza e desenvolvimento desigual na América Latina, ainda que países como o Brasil tenham alavancado seu projeto industrial e passado pela imensa transformação social da urbanização acelerada; e guerra na Ásia até a primeira metade dos anos de 1970. O tema do desenvolvimento nacional, que iniciara o pós-guerra como esperança, chega ao fim dos “trinta gloriosos” combinado com a guerra, as ditaduras militares, o socialismo real. A tríade permanecia bem e o bem-estar social plus crescimento e expansão lá convergiam, o que, de alguma forma, representa por definição a idéia de desenvolvimento. A periferia mostrava outra realidade e outro “desenvolvimento”: crescimento sem democracia, modernização e bem-estar limitado em sociedades “sob controle”. O desenvolvimento agora se associava não com o “bem” pós 45. Nesta segunda vez pouco desta benevolência sobrara, pois, na periferia, uma visão distorcida vinculava-o a um projeto de crescimento sem autonomia nacional e dos cidadãos, limitando os próprios recursos de bem-estar da cidadania. A crise dos anos de 1980, principalmente na periferia, implodiu o velho modelo de crescimento com desenvolvimento limitado estruturalmente. No centro, a própria expansão desordenada do capital financeiro, a liberalização dos mercados, a renovação tecnológica e a própria flexibilização do sistema produtivo e de trabalho alteraram de forma relativamente rápida (em menos de 20 anos, entre os 70 e os 90) o capitalismo. No cenário internacional, o desaparecimento da URSS e do bloco socialista eliminou a infeliz diferença de dois mundos e contribuiu para o triunfalismo liberal. Pois era disso que se tratava. O que seriam “flores exóticas” intelectuais para a economia ganhou notoriedade, onde Hegel ressurreto renascia contra Marx e a diversidade pelo “fim da história”. A OCDE refulgia contra o estado de bem-estar por seus gastos e suas disfuncionalidades, o FMI retomava a toda força suas políticas de restrição atacando o próprio crescimento econômico, o Banco Mundial insistia que o modelo Har Rod levaria ao sucesso na África e até na América Latina. E as reformas se tornaram a ordem do dia. Monteiro Lobato, em sua literatura “infantil”, escreveu um livrinho chamado “A reforma da natureza”. Tratava-se de uma invenção de Emília, seu alter-ego, para alterar certos aspectos do mundo natural, como colocar asas em criaturas terrestres e mudar as plantas. Como era previsível, o caos sobreveio. Pois os anos desde a metade dos 80 e ao longo dos 90 – primeiro no centro e depois, claro, na periferia do sistema – o sistema mundial tornou-se uma Emília global. Previdência, trabalho, saúde, assistência por um lado; câmbio, juros, regulação, por outro, foram lidos e relidos em nome não mais de um processo de 4 5 desenvolvimento, mas deveriam mudar em nome da competitividade, eficiência e agora do indefectível crescimento como a grande regra nacional. Reformar era crescer e o desenvolvimento decorreria do crescimento dos próprios mercados – locais e globais. Portanto, tratava-se de convergir o que estava correto: mais liberdade de circulação, de propriedade, de mercado; menos intervenção, menos Estado e mais instituições liberais anglosaxônicas. O modelo de sucesso do estado de bem-estar precisava mudar – e rápido – ou a Europa mergulharia na perda de competitividade. Na Ásia, o Japão precisava mudar seu modelo de empresa “protetora”, ou perderia competitividade justamente para aqueles a quem o país havia surrando no comércio internacional dois anos antes. Os “tigres asiáticos” eram exemplo de crescimento financiado pelas exportações e pelo próprio deslocamento global das corporações. Próximos de nós, Argentina, Chile e Equador eram grandes exemplos de convertidos ao livre mercado. Emília reformava em direção ao céu de brigadeiro do sucesso econômico. Mais do que tudo, Hayek derrotara Marx e Keynes, Friedman vencera Prebisch, a convergência vencera a história. O desenvolvimento compreendido como autonomia e distribuição das vantagens do crescimento retomava seu caráter maldito. O problema com a história é sua insistência em não desaparecer. O crescimento do leste asiático, cantado como modelo, é o contrário das “boas instituições” ocidentais. Menos democracia, mais regulação e empresas com forte poder estatal não são tanto assim iguais à pregação de Emília. Bem adaptadas sim a um modelo de financiamento global e à atração de empresas, mas sem abandonar sua política industrial. Criticada como a ante-sala do atraso pelo eixo PUC-Rio/Universidade de Chicago. A Europa convergiu... mas para a unificação pós Maastricht sem romper com sua tradição de eficiência com proteção social, estado forte e regulador, ainda que em mudança. A América Latina tem no Brasil um exemplo de dificuldade às “boas práticas”: culpa-se a Constituição, os atrasados, até a sociedade como um todo, mas é difícil reformar aqui. A Argentina, a Bolívia e o Equador mergulharam no caos das “boas práticas” e Emília retirou-se para Nova York. E, apenas para encerrar a lista, a China é o contrário perfeito da convergência: comunistas não comunistas, Estado sócio de empresas, políticas determinadas, regime fechado, agressividade retórica e políticas prómercado limitadas. Onde está, então, a convergência? Apenas onde não havia convergência, onde tudo era, mais ou menos, assim: os Estados Unidos e, em parte, seu sócio atlântico, a GrãBretanha. Mesmo assim, com restrições em ambos. Distorções no mercado por todos os lados, 5 6 de subsídios a proteção social “disfuncional” no segundo caso. Este é o estado da arte de uma teoria que se crê depositária da necessidade histórica. Ao final, fica claro que as diferentes experiências nacionais permanecem triunfando. Não deixa de ser irônico que a diversidade e o desenvolvimento estejam retornando como tema, mais uma vez emergindo da desagregação e do deserto da década de 90 e mesmo parte desses anos de 2000. Redescobre-se a diferença, o que já não é pouco para quem acreditou no fim da história. 2 – Diversidade e não convergência: um pouco de teoria Na seção primeira há, talvez, um toque de irreverência no texto. Muda-se de tom, para a sobriedade das evidências teóricas. A teoria da convergência é oriunda dos anos 50, ganhando dois sentidos importantes: por um lado, compreender a estruturação da sociedade industrial como em progresso e em relação à aquisição de similaridades, como correlata às exigências e conseqüências da industrialização (Aron); por outro, representar exigência progressiva de racionalidade econômica e tecnológica (Kerr) 3·. Sua atualização nos anos de 1980-90 surge tanto em outro contexto quanto em relação à outra chave teórica: corresponde à constatação de que a globalização e o receituário de mercado tornaram obsoletos os demais arranjos institucionais e econômicos e convergiram em direção à crescente abertura, flexibilização e redução dos gastos públicos, com redução dos programas sociais. Uma estratégia de harmonização dos espaços nacionais em nome de uma inserção com “qualidade superior” no mundo globalizado e com características miméticas, particularmente com relação ao capitalismo anglo-saxão. Uma inevitável conseqüência é a redução da importância do Estado-Nação e a crescente relevância de blocos regionais, a competição aberta e a convergência das políticas macroeconômicas e de desregulação, em teoria ampliando as possibilidades de inserção competitiva. Portanto, práticas sociais como acordos, pactos, concertação, perderiam importância em nome de tendências centrífugas, uma vez que as reformas (flexibilizar o trabalho, o estado de bem-estar) são necessárias em nome da competitividade. A globalização traduziria convergência dentro do reino da eficiência econômica alocativa dos mercados, gerando um modelo comum de organização econômica e produção. O paradigma da competitividade e do processo imitativo em torno das melhores 3 Aron, Raymond. Dez Lições sobre a Sociedade Industrial. Brasília: UnB e Kerr, Clark (1983). The Future os Industrial Societies. Harvard: Harvard University Press. 6 7 práticas, indeterminando mecanismos de intervenção e forçando a desregulamentação e corte de custos (Berger & Dore, 1996; Ohmae, 1996). Se for preferida outra chave analítica, o capitalismo teria ultrapassado sua fase organizada em direção à “desorganização” (Lash & Urry)4. O “capitalismo desorganizado” pode ser caracterizado pelo desenvolvimento de um mercado mundial, de empresas e bancos, além da regulação nacional, pela redução dos trabalhadores industriais com incremento dos serviços e pela perda da capacidade regulatória dos Estados nacionais. (Lash & Urry, 1987, p. 5-6). As classes se diversificaram (e se indeterminaram), o Estado se enfraquece, os partidos perdem sua base de representação de classe, as organizações de interesse fragmentam-se. Desta hipótese da desorganização até a presunção dos instrumentos de eficiência e mimetismo convergente dos anos 90, há uma mudança de ênfase, não de conteúdo substantivo. Há pelo menos três correntes importantes que remaram contra a maré da convergência. A primeira delas é a temática das variedades de capitalismo, uma astuciosa teoria centrada nas complementaridades institucionais em cada situação objetiva, ou as instituições tomadas como agentes de socialização e matrizes de sanções e incentivos. Por efeitos interativos entre as esferas econômicas, a complementaridade gera distintos modos de coordenação, de forma geral descritos como interação estratégica ou através de mercados competitivos. Nesta perspectiva é possível construir clusters de nações baseados nos modos de coordenação, identificando variações em performance econômica, vantagens comparativas institucionais, respostas nacionais à globalização e políticas públicas comparadas. Os autores identificados a esta corrente (como Hall & Soskice, 2001) indicam um approach actor-centered, atores definidos como firmas, indivíduos e governos. Há importância central na firma, cujos comportamentos podem ser agregados para efeito de análise da performance econômica. Estas se engajam em múltiplos processos, seja para financiamento (com o mercado financeiro), a regulação salarial e as diversas condições referentes ao trabalho, qualificação, tecnologia. Entretanto, sua questão principal é a própria ordenação institucional, a eficiência das instituições organizadas seja pelo mercado, hierarquias ou redes (como em Willianson e/ou Chandler), com diferentes estratégias adaptadas às necessidades de cada economia nacional. O engajamento nos diversos processos e a adoção de estratégias de coordenação diferencia regimes de regulação: enquanto em regimes de mercado sem ou com baixa 4 Capitalismo organizado: concentração de capitais, indústria e comércio; hierarquia gerencial complexa, inteligentsia de classe média,: articulação Estado e grandes empresas e desses com organizações do trabalho;ampliação do papel do Estado; dominância industrial; concentração regional de indústrias; grandes cidades que dominam regiões; muitos empregados em muitas plantas industriais (Lash & Urry, 1987, p. 3-4). 7 8 regulação persistem relações diretas e contratuais (e sindicatos são vistos como impeditivos), em regimes coordenados a mediação institucional é permanente, a lógica da negociação está presente e o sucesso competitivo repousa na alta qualificação. Portanto, enquanto as relações entre os atores no primeiro tipo são entre firmas mediadas pelo mercado, com fraca ação estatal ou de instituições do mercado de trabalho, no segundo a ação do Estado e/ou das instituições ganha uma dimensão-chave. Conforme observou David Soskice, a simbiose entre os diversos agentes econômicos, de representação de interesses, o Estado, grupos empresariais mergulhados em ambientes institucionais interativos cria um “regime produtivo” determinado. Esta simbiose constrói uma constelação determinada para as relações entre o mercado e os diversos agentes, com diferentes arranjos e variantes nacionais. A segunda corrente relevante é o neoinstitucionalismo histórico. Aqui a organização institucional da política e da economia estrutura, com a história em pano de fundo, os conflitos, privilegiando alguns interesses, desmobilizando outros. Estes elementos estruturantes ordenam o comportamento coletivo e conduzem aos diferentes resultados. No centro da teoria, o Estado é considerado não um corpo neutro, mas como um complexo de instituições capazes de ordenar o caráter e os resultados do conflito entre os grupos. São as instituições, “... os procedimentos formais e informais, rotinas normas e convenções envolvidas na estrutura organizacional da política ou da economia...” (Hall & Taylor, 1996, p.7) – os elementos imbricados nos comportamentos individuais, que indicam assimetrias de poder dadas pela operação e o desenvolvimento das instituições. Como elementos teóricos organizadores enfatiza a path dependence (dependência de trajetória) e as conseqüências não intencionais da ação. Enquanto afetam o cálculo dos atores, fornecem modelos morais e cognitivos para a interpretação e a ação, providenciando informações estratégicas (atuando sobre as expectativas) e forjando identidades, a auto-imagem e as preferências dos atores. Segundo os autores, a persistência das instituições envolve algo como o “equilíbrio de Nash”, ou, em outras palavras, indivíduos aderem aos padrões institucionais porque a não adesão pode provocar mais perdas que ganhos; mais “institucionalidade” melhor soluciona o dilema da ação coletiva e maiores ganhos são possíveis quanto mais robustas estiverem as instituições. O desenvolvimento histórico ganha forte transparência na teoria. Como advogados da “dependência de trajetória”, onde as características contextuais recebem a herança do passado; os neo-institucionalistas defendem que instituições persistem ao longo da paisagem 8 9 histórica, provocando diferentes caminhos. As preocupações de autores com Skocpol, Weir ou Paul Pierson se voltam para as “state capabilities” ou o legado das políticas, atuando sobre as escolhas referentes às políticas públicas. Forças societais engajam-se em alguns caminhos e não em outros, desenvolvem interesses e identidades particulares, surgem conseqüências não esperadas a partir mesmo do já existente, contrastando com a imagem de instituições ótimas, exemplares, que pudessem ser copiadas. Sobre este tema, uma boa referência é Peter Evans, e seu texto contra a “monocultura institucional” em torno do debate sobre desenvolvimento, derivada de “versões idealizadas das instituições anglo-americanas baseadas em planejamentos... transcende culturas e circunstâncias nacionais” (Evans, 2003, p.20). Uma terceira vertente teórica crítica é a escola da regulação francesa. Esta vertente considera a análise da dinâmica econômica através das suas formas institucionais, objetiva e subjetivamente associadas à codificação das relações sociais. Sem a pretensão de suprimir os conflitos sociais inerentes à própria estruturação social, são estabelecidos compromissos institucionais que os regula e “orienta”, sem eliminá-los da teoria A regulação substitui os sinais de coordenação, como aqueles emitidos pelo mercado, pelos compromissos expressos nas instituições. Segundo Therét, “... a teoria da regulação... não aborda apenas as instituições a partir dos conflitos entre grupos sociais e as assimetrias de poder; também privilegia... as instituições formais, os macro-objetos, a contingência histórica, uma multi-causalidade contextual, e dá igualmente atenção às conseqüências não esperadas de práticas sociais individuais e coletivas” (Therét, 2003, p.235). Como uma resposta às teorias do autointeresse, os regulacionistas defendem que a ação inicial se dá pelas regras, sem mascarar as relações sociais. O que não impediu, segundo Therét, que a teoria também se preocupasse, durante os anos 90, com as relações entre as instituições e os indivíduos, buscando uma “microeconomia que corresponda à sua macroeconomia” (Therét, op.cit., p.242) e intensificasse também o diálogo com a teoria da escolha racional, combinando cálculo e cultura. Um dos elementos centrais do regulacionismo é o papel da política, através da capacidade para estabelecer interesses coletivos, uma vez que as instituições são compreendidas como predominantemente políticas e a política não é uma prática predominantemente individual. Desta forma, a intervenção governamental, as lutas conduzidas pelas organizações ou os compromissos devem ser considerados para dar conta das transformações institucionais e compreender sua própria dinâmica. As instituições são 9 10 mediadoras das relações estabelecidas por meio da política e dos interesses coletivos. Elas são o locus da interação política. Estabelecem e mantém limites, regulam a dinâmica da relação entre conflito e cooperação e constituem regras de ação coletiva. A seleção dessas três vertentes teóricas indica algo de comum entre elas: a prevalência da diversidade, do papel das instituições e das interações “sistêmica”, com forte marcação dos cenários nacionais interativos. Longe de fugir das dificuldades de cada uma, o texto considera que estes approachs conduzem a um debate sobre a diversidade, essencial para compreender estratégias e mesmo as diferentes construções presentes nos mais recentes exemplos de variações no próprio capitalismo. Também não é desde escrito a perspectiva de negação da especificidade da globalização, como se esta fosse uma mera atualização radicalizada de um fenômeno do passado. Antes ele representa um desafio aos países. Apenas e preciso recordar que a interação dos espaços nacionais com a dimensão global não é meramente passivo. A própria redescoberta de temas como o desenvolvimento e da realização de políticas determinadas (como política industrial) nos países revela, antes, a interação de dois espaços – nacional e global, construindo estratégias de convivência em um mundo plural. A última seção intenta associar dois mundos, na América Latina e na Ásia, por suas variações e contrastes. Uma dimensão exemplar da diferença e da convivência em um capitalismo, ele sim, radicalizado. 3 – Brasil e Coréia do Sul: contrastes e paralelismos em cinco atos. Os países da América Latina e do Leste Asiático são exemplos de economias de industrialização tardia que nos últimos trinta anos passaram por grandes transformações políticas e econômicas e, percorrendo caminhos distintos, alcançaram a inclusão dependente na economia global. Nesta seção as trajetórias de Brasil e Coréia do Sul são revistas como casos exemplares da não convergência de políticas e dos possíveis caminhos percorridos na direção do desenvolvimento econômico. As transformações das últimas décadas fizeram da Coréia do Sul um paradigma do crescimento rápido sem abrir mão da capacidade de fazer política. O Brasil, ao contrário, aderiu às recomendações do Consenso de Washington e promoveu o desmonte do Estado desenvolvimentista juntamente com sua capacidade de planejamento e ação estatal. 10 11 Os contrastes e paralelismos entre as experiências destes dois países podem ser apontados levando em conta os últimos cinqüenta anos, como demonstra Coutinho (1999:351378). Contudo, para os objetivos deste texto, a década de 70 é considerada o ponto de partida. Isso porque data deste período a Revolução da Tecnologia da Informação (CASTELLS, 1999), um verdadeiro divisor tecnológico cujas conseqüências afetaram positivamente o leste asiático e representaram para os países latino-americanos o fim do processo de forte crescimento econômico. A disponibilidade de novas tecnologias constituídas como um sistema e geradas por meio da ação estatal nos anos 70 foi uma base fundamental para o processo de reestruturação social e econômica dos anos 80. O Estado intervencionista ou desenvolvimentista sul coreano data do início da década de 60 e, após a Segunda Guerra e a guerra da Coréia (no contexto da Guerra Fria), passa a receber grande apoio financeiro norte-americano. O grande volume de empréstimos externos que financiaram os planos de desenvolvimento representou um alto déficit em conta corrente, porém a partir dos anos 80 estes foram revertidos em resultados mais equilibrados. O Estado desenvolvimentista brasileiro data dos anos 30 (governo Vargas) e também contou com o capital externo abundante até a década de 70, porém a reversão não foi possível na década seguinte; marcada pelo endividamento e altas taxas de inflação. Daí depreende-se que duas diferenças fundamentais entre Brasil e Coréia do Sul: na inserção externa destas economias e nos resultados obtidos a partir da intervenção estatal com capitais abundantes. Além, é claro, das suas diferenças históricas e institucionais, o que pode sem confirmado considerando cinco pontos. Em primeiro lugar, é a diferença no comportamento exportador destes países. No final da década de 70 o volume de exportações coreanas ultrapassou o brasileiro pela primeira vez. Entre 1979 e 1985 o desempenho exportador dos dois países foi semelhante, refletindo a estratégia exportadora adotada em resposta à segunda crise do petróleo e o amadurecimento de projetos da indústria pesada em ambos os países. A partir da segunda metade dos anos 80, as exportações coreanas cresceram em um ritmo que as brasileiras não conseguiram alcançar até hoje. O governo do General Park ao fomentar as exportações, via nestas o caminho para suplantar as restrições externas ao crescimento e diminuir a dependência financeira norteamericana. Para tanto, eram concedidos subsídios às empresas coreanas condicionadas a metas de exportações rigorosamente fiscalizadas. Soma-se a isso um forte elemento de coerção característico de um regime militar sobre o setor privado. Por fim, as empresas eram 11 12 compensadas por eventuais prejuízos com as exportações através de restrições a entrada de concorrentes e pela imposição de tarifas e barreiras não-tarifárias, resultando em aumento dos lucros no mercado interno. Frente a estas medidas o Brasil, até recentemente, pode ser considerado como relativamente negligente com as exportações. A orientação exportadora da política industrial sul coreana não encontra paralelo em uma política voltada para dentro no caso brasileiro. O potencial do mercado interno e as relações históricas com o capital externo atraíram empresas norte-americanas e européias entre os anos 50 e 70. Predominou, desde o governo JK, a orientação pragmática de combinar o investimento estrangeiro nos setores mais avançados da indústria com fornecedores nacionais de insumos e matérias-primas. O protecionismo brasileiro não representou um problema para os países desenvolvidos, já que as transnacionais não deixaram de ser beneficiadas na exploração do grande mercado interno protegido. Neste contexto, acrescido da crise dos anos 80, a importância do caráter exportador da economia voltou a ser o centro dos debates na década de 90 com algumas medidas ainda que tímidas tomadas no governo FHC. A segunda grande diferença reside no volume de ajuda financeira dos EUA para a Coréia do Sul. Na geopolítica do pós-guerra sua posição estratégica se elevou por ser uma excolônia japonesa. Não obstante, a Coréia estava próxima da China e da Coréia do Norte comunistas. Estas razões explicam, grosso modo, a benevolência norte-americana. A dependência dos EUA foi combatida pelo governo através da edição de programas de investimentos, os Planos Qüinqüenais5. O primeiro foi lançado nos anos 60 com o objetivo de expandir a indústria manufatureira com fortes incentivos à exportação – aproveitando o status comercial sul coreano enquanto aliado dos EUA – para penetrar no amplo mercado interno norte-americano (COUTINHO, 1999:353). O Brasil não dispunha desta mesma importância geopolítica sendo mesmo relegado a segundo plano no pós-guerra. O país se beneficiou da rivalidade entre empresas norteamericanas e européias que iniciavam seu processo de transnacionalização no pós-guerra, conseguindo atrair investimentos externos decisivos para modificar o perfil da indústria nacional. Nos anos 70, em uma nova fase da integração da economia mundial, o país 5 Os Planos Qüinqüenais tiveram início em 1962 e somam ao todo quatro planos de investimento durante o governo do General Park. O primeiro (1962-67) esteve voltado para a indústria manufatureira; o segundo (196771) reiterou a estratégia de industrialização orientada para exportação; o terceiro (1972-76) se referia as indústrias siderúrgica, petroquímica, de minerais não-metálicos e preparou as bases dos setores de bens de capital; o quarto (1977-81) representou o esforço de investimento na construção da base pesada da indústria. Os planos seguintes (quinto e sexto) tiveram uma retórica diferente; baseada no livre funcionamento do mercado (COUTINHO, 1999: 353-55). 12 13 conectou-se ao mercado de crédito abundante (petrodólares) contraindo empréstimos em grande escala para sustentar o último ciclo de substituição de importações correspondente ao II PND. Esta política de endividamento externo, comum a maior parte das economias em desenvolvimento no período, foi duramente atingida pelas altas taxas de juros flutuantes após o segundo choque do petróleo em 1979 e pela significativa deterioração dos termos de troca entre 1980-83. A terceira diferença diz respeito à importância do capital nacional para a industrialização de ambos os países. Ao final da década de 70, Coréia do Sul e Brasil haviam conquistado o status nações industrializadas dentro do padrão da Segunda Revolução Industrial. O tripé (Estado, capital nacional e capital externo) em que está baseado o desenvolvimento tem seu ponto fraco, no caso do Brasil, no capital nacional. Na Coréia do Sul, em contraste, o ponto fraco é o capital externo. A industrialização coreana utilizou largamente capitais externos, porém uma parcela menor destes tomava a forma de aquisição de ações em bolsa ou em empresas de capital fechado. Conseqüentemente, a remessa de lucros para o exterior não configurou uma preocupação para o governo. Além disso, o empresariado era formado majoritariamente por nacionais, o que tornou mais fácil discipliná-los e coagi-los a atingir os objetivos estatais. A seqüência de prioridades setoriais ao longo do tempo e a escolha sobre quais empresas apoiar, para que cumprissem as funções de levar adiante o desenvolvimento de metas e atividades a serem criadas e expandidas, faziam parte do processo de fomento capitaneado pelo Estado através de organismos financeiros (bancos de desenvolvimento) e de planejamento (comissões, ministérios e secretarias). Como destaca Singh (1997:13 e 26), o nexo lucratividade-investimento foi resultado de políticas estatais e as interações entre governo e empresas foram fatores centrais para sua geração e sustentabilidade. Diretamente relacionado a esta questão está a pouca importância dos investimentos diretos estrangeiros (IDE) para financiar a balança de pagamentos e a industrialização coreana. Além disso, os conglomerados coreanos (chaebols), os principais veículos do desenvolvimento econômico, foram criados pela ação estatal através de fusões, seguindo as exigências de economias de escala tecnológica e as condições de demanda internacional. O Brasil, por sua vez, desde o governo JK, viu crescer a dependência de capital volátil em sua economia e obteve os mesmos resultados com sua política industrial intervencionista, como conseqüência, aumentou a fragilidade das contas externas do país. A influência do 13 14 Estado na motivação e no comportamento das empresas coreanas não encontra paralelo na trajetória brasileira. Os novos espaços econômicos criados em conseqüência da industrialização foram compartilhados entre componentes do tripé do desenvolvimento, ficando a menor e mais dependente fatia reservada ao capital nacional. Quadro I – Desempenho econômico Brasil e Coréia do Sul nos anos 60 e 70 BRASIL Período CORÉIA DO SUL Tx. média crescimento PIB 3,2% 11% (“milagre econômico”) 8,8% (1ª fase industrialização pesada) 8,9% 1976-1979 1975-1980 6,6% 1981-1983 (recessão – choque da crise da dívida) (1ª arrancada sob governo Park) 1972-1975 1968-1974 (II PND, conclusão base pesada indústria) Tx. média crescimento PIB 1963-1971 1963-1967 (crise política e reformas governo Castelo Branco) Período (2ª fase e conclusão base pesada da indústria, fim da “era Park”) 10,6% 1980-1982 -1% (recessão após queda Park e crise da dívida) 1,1% Fonte: baseado em COUTINHO (1999:363 e 374). Apesar de ambos os países terem se utilizado de empréstimos externos para fechar suas contas externas, o controle estatal garantiu a melhor destinação destes na Coréia. Tal controle era realizado pelo sistema bancário estatizado pelo governo militar na década de 60 e através de lei de incentivo ao capital externo que concedia garantias aos emprestadores contra eventuais desvalorizações. No Brasil, o governo não gozou de tamanho controle na alocação de crédito, pois não controlava todo o sistema bancário, tampouco desfrutava do monopólio 14 15 das captações externas. Ainda com relação ao fluxo de empréstimos externos, os dois países foram afetados diferentemente pelos choques do petróleo e pela crise da dívida na década de 80, pois o corte de crédito para o Brasil foi mais drástico quando comparado com a Coréia. Mais recentemente, outro fator que difere estes países foram suas estratégias de abertura comercial e financeira após a crise dos anos 80. A Coréia do Sul começou a enfrentar pressões externas para que liberalizasse em meio à crise anos 80. Soma-se isso a pressão dos grupos nacionais que buscavam uma maior liberdade do controle estatal. Neste contexto o país não aderiu às medidas liberalizantes defendidas pelo Banco Mundial e FMI resultando, no início da década de 90, em um tímido grau de abertura comercial e restrições sobre a conta capital. O desfecho da crise dos anos 80 seguiu um caminho construtivo no caso coreano. Afetada pela crise da dívida no início da década, a economia passou por um período de recessão e rearranjo. Esta só não foi pior porque os passivos externos foram reciclados com a ajuda dos bancos japoneses e por meio do estreitamento e articulação produtiva com o sistema japonês. Na política, após uma etapa conturbada que se seguiu ao assassinato do presidente Park em 1979, o autoritarismo persistiu com o último general presidente Chun Doo Hwan entre os anos de 1980-87. Os Planos Qüinqüenais da década (quinto e sexto) apresentaram uma nova retórica de crescente liberalização com menor grau de dirigismo em relação à “era Park”. Cabe ressaltar, no entanto, que o Estado continuou determinando os rumos e as prioridades do processo de desenvolvimento, embora delegasse um espaço maior para que o setor privado tomasse iniciativas e escolhesse as alternativas dentro das diretrizes oficiais (COUTINHO, 1999:367). Por fim, os países do Leste Asiático não buscaram uma integração em larga escala com a economia mundial, mas sim uma “integração estratégica”, isto é, eles se integraram até certo ponto e nas esferas de interesse nacional. Assim, foram tradicionalmente abertos quanto às exportações, mas não seguiram a mesma política no que diz respeito às importações (SINGH, 1997). Dessa forma, a investida neoliberal não obteve sucesso neste caso, principalmente se comparado com a experiência brasileira em que a liberalização era anunciada como a saída para a retomada do desenvolvimento. A crise fiscal e financeira foi corroendo o Estado brasileiro ao longo da década de 80, ao mesmo tempo em que a fragmentação política dificultava a administração das altas taxas de inflação. Os problemas políticos decorrentes do desgastado governo Sarney e os planos econômicos fracassados tornaram a articulação em 15 16 torno de um projeto que pudesse dar continuidade ao desenvolvimento praticamente impossível. Assim, a parcela do espectro político favorável ao Consenso de Washington dominou a década de 90 com os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, que executou as reformas (ou parte delas) tidas como essenciais para o desenvolvimento do país ao custo de um ciclo ainda mais profundo de desarticulação industrial e nacional. Quadro II – Desempenho econômico Brasil e Coréia do Sul dos anos 80 à 2005 BRASIL Período CORÉIA DO SUL Tx. média crescimento PIB 4,5% 1990-1993 (recessão decorrente dos planos Collor I e II, início da abertura) -1,3% 3,6% (transição para economia baseada nos complexos eletrônico e automobilístico) 7,8% (expansão com abertura financeira e internacionalização dos chaebols) 7,5% 1998-2000 1,3% 2000-2005 (continuidade das políticas ortodoxas, maior atenção às exportações) 10,2% 1994-1997 1999-2000 (crise cambial e recuperação precária) (integração econômica com Japão) 1988-1993 1994-1998 (estabilização com plano Real, juros altos e câmbio valorizado) Tx. média crescimento PIB 1983-1987 1984-1989 (crescimento irregular – stop and go) Período (crise cambial e recuperação promissora) 2% 2000-2005 3,3% (continuidade da coordenação entre governo e empresas) 6,2% Fonte: baseado em COUTINHO (1999:363 e 374) com dados atualizados pelos autores. A quinta e última característica que diferencia a Coréia do Sul do Brasil, em relação à inserção externa de cada país, está relacionada à dinâmica regional do Leste Asiático e da 16 17 América Latina. Os acontecimentos após os choques do petróleo engendraram uma nova lógica de desenvolvimento regional no Leste Asiático, como demonstra Medeiros (1997). Segundo o autor, primeiramente tem se o deslocamento de capital japonês para a conquista de mercados locais, substituindo importações nos países da região. Este deslocamento objetivava contornar as barreiras protecionistas impostas a produtos japoneses e a perda de competitividade causada pela desvalorização da moeda (iene). Em seguida, verificou-se uma expansão das exportações das empresas japonesas instaladas nos países vizinhos em direção aos mercados norte-americano e europeu. Simultaneamente verificou-se uma expansão das exportações japonesas principalmente de bens de capital para os países do Leste Asiático. Por último, também há um intenso movimento de subcontratação de empresas desses países pelas matrizes japonesas para que as primeiras forneçam insumos a baixo custo para as segundas. A partir do final da década de 80, os tigres asiáticos passam a replicar esse modelo com os países por eles polarizados, isto é, os países-membros do ASEAN6. Este processo é descrito por Arrighi (1997) e segue a seguinte lógica: as manufaturas com menor densidade tecnológica e mais intensivas em trabalho vão sendo reproduzidas seqüencialmente em países com menor grau de industrialização, aproveitando os espaços deixados pelos países mais desenvolvidos. Foi esta lógica da economia regional do Leste Asiático que sustentou o investimento e as exportações a partir da década de 80 e permitiu que os componentes mais dinâmicos da economia sul coreana não arrefecessem e mantivesse o alto crescimento das décadas anteriores. Não obstante, é o alto grau de cooperação econômica entre os países do Leste Asiático na forma descrita acima que possibilitou uma dinâmica regional capaz de adquirir autonomia nesta região (SINGH, 1997). Cabe observar que os demais fatores arrolados anteriormente são condições necessárias para que essa dinâmica ocorresse. Partido dos pontos expostos acima acerca das escolhas feitas pela Coréia do Sul, uma economia bem-sucedida em sua trajetória de catch-up desde os anos 60, fica claro que a chave do processo de desenvolvimento não se dá “naturalmente” como os defensores das “boas políticas” e “boas instituições” defendem. Tal chave gera discrepâncias entre o retorno social e o individual de investimentos nas atividades de alto valor agregado nas economias em desenvolvimento (CHANG, 2004:209). Diante dessa situação faz se necessário estabelecer alguns mecanismos para socializar o risco envolvido nesses novos investimentos a fim de 6 Os países da ASEAN (Associação de Nações do Sudeste Asiático) são Brunei, Camboja, Laos, Malásia, Mianmar, Filipinas, Cingapura, Tailândia e Vietnã. 17 18 garantir a continuidade do crescimento econômico. Para tanto duas soluções podem ser apontadas: a intervenção do Estado e a solução institucional. A Coréia, ao que tudo indica, é um caso bem-sucedido de intervenção estatal, em que a multiplicidade de instrumentos políticos utilizados com o objetivo de acelerar o desenvolvimento foi combinada a uma grande capacidade de adaptação destes às mudanças do panorama interno e externo. Aliado a isto está o fato de que a solução institucional proposta sob a forma da “boa governança” não ter encontrado terreno fértil no país, o que não que dizer que as inovações institucionais deixaram de ocorrer no Leste Asiático. Assim como a China, o arranjo institucional sul coreano apresenta particularidades resultantes da autonomia política dos países dessa região. O “espaço” para fazer política possibilitou a estes países elaborar as suas próprias estratégias desvinculadas da “agenda distorcida”; seguida de perto pelos países latino-americanos. Como ressalta Rodrik (2002:282), é importante renovar e fortalecer as instituições durante as fases de crescimento acelerado da economia, a fim de poder lidar com os choques e outras fontes de adversidade, como as crises cambiais dos anos 90. No caso do Brasil, a dinâmica regional não propiciou alianças como a que aconteceu entre Coréia do Sul e Japão, sendo inclusive caracterizada pelos constantes impasses no interior do Mercosul. Os abalos políticos e econômicos dos últimos anos no interior dos países-membros e a disputa pela liderança do bloco dificultaram acordos duradouros. Em comparação com o caso sul coreano, o país abriu mão do “espaço” de fazer política ao encampar o discurso das reformas e da liberalização da economia. O resultado foi uma economia relativamente estável nos anos 90, porém constantemente abalada pelas crises cambiais que se seguiram durante a década. No Brasil a intervenção do Estado foi preterida em favor da solução institucional, por meio da “boa governança”, resultando em uma “década perdida” (anos 80) sucedida por uma “década desperdiçada” (anos 90). Conclusão Uma observação atenta da cena mais geral do capitalismo contemporâneo mostra o grau de diversidade nacional em meio ao capitalismo que expandiu suas fronteiras. Diga-se expandiu não apenas por sua dinâmica mais recente, mas principalmente por sua capacidade adaptativa em ambientes históricos e institucionais variados. Trata-se do dilema da história e 18 19 da diferença, a base sobre a qual o próprio capitalismo encontrou sua força. Mas, a maior indagação da teoria da convergência refere-se a persistirem ou não tendências homogeneizadoras capazes para a superação de experiências históricas estabelecidas e a ordenação mimética com relação a outras instituições e outras “boas práticas”. E, pelo estabelecimento de novos padrões institucionais, seria crível que a ordem internacional se estabilizasse em torno de padrões que se universalizariam? Olhando à distância para os anos de 1990 a experiência da boa governança internacional anglo-saxônica é um rotundo problema. Incapaz de lidar com sua vantagem comparativa, os EUA substituíram a globalização “civilizadora” de Clinton pela coerção global do governo Bush. Desafiado pela China, com um Japão em crescimento limitado, a reação dos norte-americanos é apenas, no plano econômico, manter sua tríade déficit comercial, fiscal e economia de importação, sob hegemonias financeira. Os BRIC’s aceleraram seu crescimento, mas sob características tão particulares que não se pode falar em caminho homogêneo: a China cresce pela combinação de mercado amplo, mão de obra abundante, economia exportadora e controle estatal; a Rússia pelo petróleo e gás e retomada industrial; a Índia por muita semelhanças com a China, mas com maior valor agregado e o Brasil pela recuperação industrial e seu mercado interno em expansão. Não há uniformidade nos resultados e nem “orientação” semelhante no conjunto institucional vigente. A Coréia e o leste asiático permanecem crescendo em uma economia exportadora de relevante capacidade estatal. Conforme mostra o texto, uma singela comparação entre Brasil e Coréia, duas economias “emergentes” e com pretensões em participar do crescimento mundial e ampliarem suas esferas de influência, indica uma variedade surpreendente. Pelos ângulos da dinâmica exportadora, do apoio externo, da importância maior ou menor do capital nacional, da abertura econômica e financeira e da própria dinâmica regional (alianças e acordos regionais), Brasil e Coréia optam por caminhos diversos. A Coréia é ainda mais resistente à receita do ocidente anglo-saxão que o Brasil, mas mesmo este, por sua própria ordenação políticoinstitucional, não encontra meios das reformas tornarem-se o centro de suas políticas ainda que elas retornem como fênix à agenda de todo início de mandato presidencial. Se a diversidade é a regra, porque persiste uma expectativa sobre uma nova rota unificada para o crescimento e o desenvolvimento? Exatamente porque o capitalismo contemporâneo é mais um conjunto relativamente desgovernado que um carro revisado. A dinâmica internacional não apresenta condições de governabilidade (ou governança) capaz de dar conta da própria complexidade nos diferentes cenários, estabelecendo uma corrida quase 19 20 desenfreada por crescimento e vantagens comerciais e financeiras. Não existem instituições internacionais como fonte de equilíbrio e razoavelmente legitimadas para regras estáveis, assim como as dinâmicas locais e regionais não contribuem para o estabelecimento de regras mais duradouras. E há as diferentes trajetórias. A hegemonia americana, até aqui, foi incapaz de criar as condições de estabilidade em um cenário desregulamentado e com baixa regulação; a Europa permanece em sua estratégia de fortalecimento regional, de seus fundamentos em tecnologia e trocas regionais e fortalecimento financeiro pelo Euro; a Ásia vem experimentando a emergência chinesa desafiando o Japão. Dos BRIC’s, três são asiáticos (desde que incluída a Rússia) e nenhum do leste, até porque Coréia, Malásia, Singapura praticam a defesa de seu menor tamanho como vantagem comparativa. O mundo caminha não para uma homogeneidade entre capitalismos, mas muito mais para uma assimetria de resultados, sob diferentes experiências. Sem tenderem ao equilíbrio, não o atingem não porque os países insistem em não adotar as “melhores práticas” ou porque a Emília das reformas não é ouvida. A verdade é que a incerteza, a história e as instituições nacionais permanecem sendo definidoras da identidade. Em simbiose com o processo global, este processo, antes que mimese, realiza diferentes formas e resultados muito diferentes. A história sempre foi diferença e mudança, e nunca encontrou seu dobre de finados com a recente força do liberismo. 20 21 Referências Bibliográficas: ARRIGHI, Giovanni. A ilusão do desenvolvimento. Tradução: Sandra Guardini Teixeira Vasconcelos. Petrópolis: Vozes, 1997. 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