TEXTO 6 6. A Política Econômica 6.1. O Que é Política Econômica. Denomina-se de Política Econômica um Conjunto de medidas tomadas pelo governo de um país com o objetivo de atuar e influir sobre os mecanismos de produção, distribuição e consumo de bens e serviços. Embora dirigidas ao campo da economia, essas medidas obedecem também a critérios de ordem política e social – na medida em que determinam, por exemplo, quais segmentos da sociedade se beneficiarão com as diretrizes econômicas emanadas do Estado. O alcance e o conteúdo de uma política econômica variam de um país para outro, dependendo do grau de diversificação de sua economia, da natureza do regime social, do nível de atuação dos grupos de pressão como os partidos, sindicatos, associações de classe e movimentos de opinião pública. Finalmente, a política econômica depende da própria visão que os governantes têm do papel do Estado no conjunto da sociedade. De maneira geral, podemos classificar as políticas econômicas em três tipos, segundo os objetivos governamentais: estruturais, de estabilização conjuntural e de expansão. A política estrutural está voltada para a modificação da estrutura econômica do país, podendo chegar até mesmo a alterar a forma de propriedade vigente, regulando o funcionamento do mercado (proibição de monopólios e trustes) ou criando empresas públicas, regulamentando os conflitos trabalhistas, alterando a distribuição de renda ou nacionalizando empresas estrangeiras, privatizando empresas públicas. A política de estabilização conjuntural visa à superação de desequilíbrios ocasionais. Podendo envolver tanto uma luta contra a depressão econômica como, o combate à inflação ou à escassez de determinados produtos. Já a política de expansão tem por objetivo a manutenção ou a aceleração do desenvolvimento econômico. Nesse caso, podem ocorrer reformulações estruturais e medidas de combate à inflação, proteção alfandegária e maior rigor na política cambial contra a concorrência estrangeira. Cada uma dessas modalidades apóia-se numa ou mais correntes de pensamento econômico e liga-se a critérios políticos e ideológicos. Essa subordinação das decisões governamentais a posições teóricas acompanhou todo o desenvolvimento do capitalismo, desde o mercantilismo, passando pelo liberalismo econômico – laissez-faire – e intensificando-se após a crise econômica de 1929, quando o Estado passou a intervir diretamente na economia para controlar as crises cíclicas do sistema e promover e orientar o desenvolvimento. Assim, para iniciar o estudo da política econômica, é preciso entender inicialmente que o objetivo do estudo de Economia é formular propostas para resolver ou minimizar os problemas econômicos presentes, de forma a melhorar a qualidade de vida das pessoas. Nesse contexto, é preciso entender o que e quais são os problemas econômicos do país. 81 As questões levantadas a seguir dão uma visão da abordagem do estudo de Economia, a partir do qual são propostas soluções para os problemas econômicos de hoje: a) por que existem períodos de recessão e de crescimento na economia? Nos três anos que englobam o período 1990-1992, a produção de bens e serviços no Brasil caiu 2,6%; já nos dois anos seguintes, aumentou 10,0%, e em 1998-1999, ficou praticamente estagnada, em 2004/2005 uma tênue retomada do crescimento; b) por que os preços sobem? Em março de 1990, a inflação brasileira atingiu 81%; nas vésperas do Plano Real, em junho de 1994, registrou 47%, e durante todo o ano de 1998, a inflação mensal foi inferior a 1%; voltando a se acelerar em seguida. Hoje se situa em um dígito anual; o que explica esse comportamento tão diferenciado?; c) por que o valor do dólar flutua tanto?; No mês de fevereiro de 1995, um dólar estava custando 84 centavos de real (R$ 0,84), e em fevereiro de 1999, superava a casa dos R$ 2,00. No final de 2002 beirava aos R$ 4,00 e agora, em 2006 está acima de R$ 2,30 por 1 US$; d) por que alguns países têm dificuldades de pagar suas contas externas? No início dos anos 80 (1981-1983), o Brasil viveu momentos delicados, com seu nível de reservas internacionais praticamente esgotando-se, e foi incapaz de honrar os compromissos da dívida externa. O que teria acontecido? Por outro lado, em junho de 1998, o país dispunha de mais de US$ 70 bilhões em reservas. Como isso ocorreu? Por que o México foi à “bancarrota” no final de 1994? Por que o Brasil perdeu quase US$ 30 bilhões em reservas depois da crise da Rússia, em agosto de 1998?; e) por que existem diferenças de remuneração? Por que a renda é tão mal distribuída? Os 10% mais ricos no Brasil participam com 57% de toda a renda gerada no país, enquanto os 40% mais pobres participam com menos de 8% da renda total. Na Espanha, por exemplo, os 10% mais ricos participam 24,5% da renda, e os 40% mais pobres de participação de 19,4%. O que explica essa situação? Como resolver? Assim, ao falarmos de governo precisamos identificar quais as suas funções do ponto de vista do manejo da Política Econômica. Dependendo do enfoque a ser adotado, podem-se encontrarem vários objetivos de política econômica. Entretanto, para facilitar a discussão e até mesmo destacar apenas aqueles que são fundamentais para entender a realidade brasileira de hoje, pode-se selecionar quatro objetivos: crescimento da produção e do emprego, controle da inflação, equilíbrio nas contas externas e, melhor distribuição da renda gerada no país. 6.1.1. Crescimento da produção e do emprego O crescimento econômico é a meta mais importante a ser perseguida pelos formuladores da política econômica. Vale observar que crescimento econômico refere-se à expansão da produção do país, ou seja, uma quantidade crescente de mercadorias e serviços para serem adquiridos pela sociedade. Quando a produção do país5 está 5 A produção total de bens e serviços de um país é medida por meio do PIB, o Produto Interno Bruto. 82 crescendo mais rapidamente que a população, diz-se que a produção por pessoa (ou a renda per capita) está aumentando. E é importante destacar que nenhum país conseguirá melhorar o nível de renda de sua sociedade se não aumentar a produção. Considerando-se que há uma estreita correlação entre produção e emprego, notase que ao se perseguir o objetivo de crescimento da produção, automaticamente está-se procurando ampliar o nível de emprego da economia.6 Na realidade, busca-se atingir o pleno emprego dos fatores de produção na economia. Durante os anos 60 e 70, começaram a surgir dúvidas em relação à importância do crescimento como meta principal da política econômica. Nos países desenvolvidos, tal questionamento ocorreu por causa da deterioração do meio ambiente (poluição, ecologia etc.) e nos países subdesenvolvidos, como o Brasil, argumentava-se que seria preferível crescer mais devagar, mas com melhor distribuição de renda. 6.1.2. Controle da inflação O objetivo de controlar a inflação não significa manter a inflação igual a zero. Mesmo os países mais desenvolvidos não buscam essa meta, como, por exemplo, os Estados Unidos, cujas taxas de inflação têm-se situado entre 2% e 3% ao ano. Na realidade, o que se busca é evitar períodos de aceleração permanente no crescimento dos preços e manter a inflação em patamares reduzidos, que podem perfeitamente atingir taxas como menos de dois dígitos ao ano, mas desde que estáveis ou descendentes. A preocupação em controlar a inflação justifica-se, uma vez que taxas elevadas de inflação acarretam uma série de distorções na economia: afetam negativamente a distribuição de renda, à medida que os mais pobres não conseguem se proteger da inflação (porque não conseguem aplicar seus recursos no mercado financeiro); reduzem os prazos das aplicações financeiras, fazendo desaparecer os recursos para financiar os investimentos, a aquisição de moradias etc.; dificultam, ou até mesmo impossibilitam, qualquer planejamento empresarial que não seja de curtíssimo prazo; e, finalmente, podem levar a uma total destruição do parque produtivo, quando se chega à hiperinflação (como ocorreu na Alemanha, no pós-guerra, e, mais recentemente, com a Argentina, no final dos anos 80). A experiência mundial demonstra que países que não obtiveram um razoável controle sobre as taxas de inflação, não conseguiram promover, de forma sustentada, o crescimento da produção de bens e serviços. O Brasil dos anos 80 é uma prova dessa situação: o país ficou praticamente estagnado durante toda a década, e viveu um processo inflacionário agudo. Isso faz com que o controle da inflação seja um dos objetivos primordiais da política econômica, notadamente nos países em desenvolvimento, onde a presença do descontrole inflacionário tem sido recorrente. Na realidade, a discussão do problema inflacionário é uma das questões mais relevantes do debate econômico atual. Trata-se de um tema de difícil abordagem, dado que as causas da inflação diferem entre países e, mesmo num dado país, diferem no tempo. 6 Embora existam setores que são relativamente mais intensivos em mão-de-obra (o que significaria dizer que se o crescimento da produção fosse concentrado nesses setores, o ritmo de expansão do emprego poderia ser mais forte), como tendência, o crescimento do emprego guarda relação direta com a expansão da produção. 83 6.1.3. Equilíbrio nas contas externas O Brasil, assim como os outros países, mantêm transações comerciais e financeiras com o resto do mundo. O registro contábil dessas transações compõe o balanço de pagamentos. A busca do equilíbrio no balanço de pagamentos se faz necessária para evitar uma série de dificuldades para o adequado funcionamento da economia. Assim, se o país tem déficits permanentes nas contas externas, num dado momento verá esgotadas suas reservas, impossibilitando-o de honrar seus compromissos e/ou limitando a capacidade de importar por falta de divisas (moeda estrangeira). Por outro lado, superávits permanentes também podem gerar dificuldades na condução da política econômica. Isso porque a entrada excessiva de dólares na economia obriga o Banco Central a emitir mais moeda doméstica (no caso do Brasil, emitir reais), porque o agente que recebe a moeda estrangeira efetua a troca por moeda nacional. E, quanto mais moeda existir na economia, maior é a tendência de ocorrer inflação. Vale observar que superávits ou déficits esporádicos não são preocupantes. Muitas vezes, superávits nas contas externas são necessários para recompor reservas; em outros casos, os déficits contribuem para um controle mais adequado da política monetária. A experiência brasileira mostra condições muito diferenciadas nas contas externas ao longo dos últimos anos. No início da década de 80, observou-se uma completa sangria das divisas internacionais do Brasil, as quais começaram a recuperar-se em 1984. Entre 1986-1990, o país volta a ter resultados negativos no balanço de pagamentos e o nível de reservas volta a declinar. Daí até meados dos anos noventa, o país assistiu a um processo permanente de crescimento das reservas, as quais superavam a casa dos US$ 70 bilhões em junho de 1998. Já no início de 2001, as reservas encontravam-se pouco acima dos US$ 30 bilhões. 6.1.4. Distribuição de renda Embora seja difícil argumentar que a sociedade deva remunerar igualmente todos, não se pode deixar de atribuir à melhoria da distribuição de renda como um objetivo de política econômica. No caso brasileiro, isso fica claro, uma vez que uma das características mais marcantes dessa economia é a péssima distribuição da renda gerada no país. Essa situação, inclusive, tem ultrapassado os limites da área econômica, dadas suas repercussões na área social, para tornar-se uma questão política. É importante observar, porém, que ao contrário dos outros objetivos de política econômica, mudanças fortes na distribuição de renda, a não ser por reduções bruscas da taxa de inflação, não ocorrem em curto espaço de tempo, fato esse, inclusive, que explica porque esse objetivo não tem sido considerado um elemento determinante das oscilações da política econômica, apesar de sua importância. 6.2. As Funções do Governo Antes de aprofundarmos o estudo da Política Econômica é necessário compreender as funções próprias de governo. Em nível teórico, podemos identificar três 84 funções principais para o setor público: a função alocativa, a função distributiva e a função estabilizadora. a) Função Alocativa. A função alocativa, que corresponde a ação do governo complementando a ação do mercado no que diz respeito à alocação de recursos na economia, quando são diagnosticadas algumas falhas no sistema econômico que o mercado, por si só, não consegue dar conta. As principais “falhas de mercado” identificadas são: a existência de externalidades; as economias de escala; e os bens públicos. Vejamos alguns exemplos: a.1) As externalidades (ou economias externas) correspondem ao fato de que a ação de determinados agentes pode ter impactos sobre o resultado almejado por outros agentes, sendo que esta influência não consegue ser corrigida pelo mercado. Existem tanto externalidades positiva como negativas. Suponha o seguinte exemplo: um produtor de mel que tem como vizinho um produtor de maçã. A florada de maçã põe à disposição do apiário uma quantidade de néctar que aumenta a produtividade na produção de mel. Apesar de possuir um valor de mercado, não há como o produtor de maçã cobrar pelo néctar, assim, a produção de maçã gera uma externalidade positiva à produção de mel, aumentando sua rentabilidade. Um exemplo de externalidade negativa é a poluição, que sai como resíduo da atividade produtiva, mas que afeta o bem-estar dos indivíduos negativamente. Uma forma de tentar evitar este problema é tributar o causador da externalidade e recompensar os agentes afetados, o que nem sempre é possível, de acordo com a complexidade da sociedade; ou seja, “internalizar” a externalidade. a.2) As economias de escala são definidas como a situação em que o aumento da produção de determinado bem, por uma única empresa, leva à redução do custo médio por produto, ocasionando no limite o aparecimento dos chamados “monopólios naturais”. Os monopólios, do ponto de vista teórico, são considerados ineficientes por permitirem aos seus proprietários, extrair dos consumidores um “sobrelucro” através da cobrança de um preço mais elevado - acima do que se verificaria em concorrência perfeita - pelo fato de ser um único ofertante. Assim, cabe ao Estado regular a atuação destes monopólios, ou torná-los monopólios públicos, de modo a evitar esta perda de eficiência. a.3) Os bens públicos são caracterizados pelo fato de seu consumo ser não excludente e não rival, isto é, o consumo de uma pessoa não impedir o consumo de outra. A mesma quantidade do bem estará disponível independente de quantos o consomem. Nesta situação, os indivíduos não se mostram dispostos a revelar quanto estariam dispostos a pagar por estes bens, esperando que outros o façam. Um exemplo disto é o caso da segurança nacional, da justiça, etc. Sendo assim, a oferta destes bens deve ser feita pelo setor público e seus custos devem ser repartidos de forma compulsória entre toda a sociedade. Estes bens compõem o produto nacional, mas por não haver um preço de mercado (os indivíduos não revelam quanto estão dispostos a pagar), estes são 85 avaliados pelo custo de produção, ou seja, a participação do setor público no produto é medida por seus gastos. b) Função Distributiva. Quanto à função distributiva, corresponde à função do governo em arrecadar impostos – reduzir a renda – de determinadas classes sociais ou regiões, para transferi-los a outras. Esta transferência pode dar-se de forma direta – transferência de renda – como, por exemplo, a previdência social, o pagamento de juros, a assistência; ou na forma de redirecionamento na oferta de bens públicos, ou mesmo bens privados, para determinada classe, por exemplo: saneamento de favelas, gastos educacionais e com saúde para populações de baixa renda, entre outros. c) Função Estabilizadora. Já a função estabilizadora, corresponde ao manejo da política econômica para garantir o máximo de emprego, crescimento econômico, com estabilidade de preços. Assim, por política econômica entende-se a intervenção do governo na economia, cujos principais objetivos são a manutenção de elevados níveis de emprego, elevadas taxas de crescimento econômico com estabilidade de preços. Para garantir estas premissas o governo utiliza-se dos instrumentos (ferramentas) de política econômica. 6.3. As Ferramentas de Política Econômica Para atingir aos objetivos de política econômica, o governo dispõe de um conjunto de ferramentas, como: Política Fiscal; Política monetária; Política cambial e de comércio exterior. Neste tópico será discutido apenas a política fiscal. 6.3.1. O que é a Política fiscal A política fiscal pode ser dividida em duas grandes partes: a política tributária e a política de gastos públicos. Como se sabe, o governo (nas esferas federal, estadual e municipal) efetua despesas na economia com o pagamento de funcionários, construção e manutenção de escolas, hospitais, pagamento de juros da dívida etc. Quando o governo aumenta esses gastos, diz-se que a política fiscal é expansionista; caso contrário, tem-se uma política fiscal contracionista. A política fiscal será expansionista ou contracionista dependendo do que o governo está pretendendo atingir com a política de gastos. No outro lado da política fiscal, o governo pode atuar sobre o sistema tributário de forma a alterar as despesas do setor privado (entre bens, entre consumo e investimento etc.), a incentivar determinados segmentos produtivos, e assim por diante. Como vimos, a política fiscal compreende a atuação do governo no que diz respeito à arrecadação de impostos e aos gastos. Tanto a arrecadação de impostos como os gastos do governo afetam o nível de demanda da economia. A arrecadação afeta o nível de demanda ao influir na renda disponível que os indivíduos poderão destinar para consumo e poupança. Pois, dado um nível de renda, quanto maior forem os impostos, menor será a renda disponível e, portanto, menor o consumo. Por outro lado, os gastos 86 são diretamente um elemento de demanda, assim, quanto maior o gasto público, maior a demanda e como decorrência, maior será o produto. Desta forma, se a economia apresentar tendência para queda do nível de atividade, o governo pode estimulá-la, cortando impostos e/ou elevando gastos. Pode ocorrer o inverso, caso o objetivo seja diminuir o nível de atividade. 6.4. A arrecadação e os gastos do governo Ao abordarmos a atuação do governo na arrecadação de impostos estamos analisando como esta influencia a Demanda Agregada, ao mesmo tempo em que busca as receitas para fazer frente às despesas de governo – os gastos. Em muitas análises econômicas, é comum a utilização do termo “tripé fiscalmonetário-cambial”, que nada mais representa do que a forma como o governo está conduzindo a política econômica. Um dos componentes desse “tripé” é exatamente as políticas fiscais, que significa às ações do governo tanto do lado dos gastos públicos (quanto e onde o governo gasta), como do lado da arrecadação tributária (quanto e como o governo arrecada, em todas as suas esferas). A composição de gastos e arrecadação leva ao conceito de déficit público, um dos temas de maior polêmica na economia brasileira nos últimos anos. Os tópicos seguintes discutem esses conceitos. Vejamos primeiro os gastos do governo. Numa primeira aproximação, os gastos do governo podem ser divididos em despesas correntes ou gastos de custeio – gastos com funcionários públicos, bens e serviços e materiais – e transferências. 6.5. Gastos do governo Os gastos do governo podem ser divididos em dois grandes grupos: as despesas correntes e as de investimento. Como o próprio nome diz, as despesas correntes dizem respeito aos gastos realizados com o objetivo de manter a máquina governamental funcionando, bem como as despesas impostas pela legislação. As despesas correntes, por sua vez, podem ser divididas em quatro outros sub-grupos, a saber: a) consumo do governo: corresponde ao pagamento dos funcionários públicos, e outras despesas necessárias à manutenção do aparato público (energia elétrica, materiais de expediente, outros materiais, etc.); b) transferências: refere-se às despesas que são efetuadas pelo setor público e destinadas ao setor privado, sem a contraprestação de serviços ou fornecimento de bens, como é o caso da Assistência e Previdência Social; c) juros: incluem tanto pagamento de juros da dívida interna como externa; vale observar, porém, que, embora se faça referência à “dívida externa brasileira”, grande parte dessa dívida refere-se ao setor privado; os juros de responsabilidade do governo referem-se apenas àqueles devidos pelo endividamento do setor público; d) subsídios: correspondem aos gastos do governo com o objetivo de garantir ao consumidor preços inferiores ao custo de produção; na realidade, o produtor recebe o valor integral, sendo uma parcela desse valor pago pelo governo e o restante pelo consumidor. 87 As despesas de investimento, por sua vez, referem-se às despesas que o governo efetua para aumentar a capacidade de produção de bens e serviços no país (construção de hidrelétricas, rodovias, hospitais, escolas etc.). A tabela a seguir apresenta a composição dos gastos públicos no Brasil em 1998 (como porcentagem do PIB), em que se pode perceber: a reduzida participação dos investimentos (2%), o elevado percentual dos juros da dívida (7%) e a grande pressão exercida pelas despesas com pessoal (consumo) e previdência (transferências). Tabela 01 – Brasil: Participação do gasto público no PIB (2002/2003)(em %). Itens Participação 1 – Despesas Correntes 38,5 Pessoal e Encargos 10,4 Assistência e Previdência 15,5 Juros Reais 5,7 Subsídios 0,2 Outros Despesas 6,7 2 – Despesas com Investimentos 2,0 3 – Total ( 1 + 2 ) 40,5 Fonte: Estimativa a partir de dados do Banco Central do Brasil 6.6. Evolução do gasto público no Brasil Uma análise mais detalhada acerca da evolução do gasto público no Brasil revela uma série de aspectos interessantes. Em primeiro lugar, verifica-se que o gasto público tem sido crescente ao longo dos últimos anos; na década de 70, o total do gasto público foi inferior a 20% do PIB, passando a 24,5% na década de 80, 29,7/% no início dos anos 90 para atingir 37,0% do PIB em 1998 (ver Tabela 02). Tabela 02 – Evolução do gasto público no Brasil (em % do PIB). Períodos Itens 1970/79 1980/89 1990/94 1995/98 1 – Despesas Correntes 19,5 24,5 29,7 30,8 1.1 – Pessoal e encargos 7,3 7,5 9,8 10,7 1.2 – Assistência e Previdência 7,2 8,2 9,9 10,2 1.3 – Juros reais 0,6 2,9 2,0 4,3 1.4 – Subsídios 1,5 2,2 1,4 1,0 1.5 – Outras despesas 2,9 3,7 6,6 4,6 2 – Despesas de Investimentos 3,5 2,6 3,3 2,3 3 – Total ( 1 + 2 ) 23,0 27,1 33,0 33,1 1998 35,0 12,5 11,0 7,0 0,5 4,0 2,0 37,0 2002/03 38,5 10,4 15,5 5,7 0,2 6,7 2,0 40,5 Fonte: Rosemberg & Assiciados (de 1970 a 1995) demais anos BC e IPEA Como se pode observar, a pressão para o crescimento dos gastos públicos advêm de três fontes. A primeira é o item pessoal e encargos, que passou de 7,3% do PIB no período 1970-1979 para 12,5% em 1998 e baixou para 10,4% em 2002/03. Esse crescimento pode ser explicado pela conjugação de dois fatores: de um lado, a existência de promoções automáticas no setor público, que pressionam a folha dos servidores, e, de outro, a própria estabilização, que não permite “corroer” esses ganhos mediante a inflação.Quanto a redução para 2002/03 se deve ao enxugamento do estado no período motivado pelos PDVs. 88 A segunda fonte de pressão, são as despesas com assistência e previdência, as quais passaram de 7,2% do PIB no período 1970-1979 para 15,5% em 2002/03. Entre as causas explicativas desse crescimento, pode-se destacar a própria Constituição de 1988, que criou maiores facilidades para a aposentadoria, e o aumento da expectativa de vida da sociedade brasileira. Por fim, vale destacar as despesas com juros (dívida interna e externa), que saíram de 0,6% do PIB (1970-1979) para 5,7% em 2002/03, atingir seu ápice em 1998 com 7%. Esse comportamento é explicado pela própria estratégia do Plano Real caracterizado pela prática de juros reais extremamente elevados. Uma análise mais detalhada acerca do gasto público no Brasil revela alguns aspectos importantes: a excessiva rigidez do gasto público federal, a parcela não desprezível do gasto na área social (ao contrário do que se imaginaria em princípio), e a ineficiência desse mesmo gasto social. O gasto público constituiu um importante instrumento à disposição dos governos para controlar a atividade econômica. É comum, em vários países, observar-se períodos de expansão e contração dos gastos públicos, em face das necessidades da política econômica, fato esse que não ocorre no Brasil. Pelo contrário, observa-se uma certa rigidez neste particular. Esta rigidez é determinada basicamente por questões ligadas à Constituição. A primeira refere-se às vinculações, que são porcentagens da arrecadação que já têm destinação garantida, como é o caso da arrecadação do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Para ambos, os tributos - parcelas do montante arrecadado - é obrigatoriamente transferido aos Estados, aos Municípios e os Fundos Regionais (respectivamente 21,5%; 22,5% e 3,0%) da receita do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados, como se pode observar na Tabela 03. Existem ainda outras vinculações, como por exemplo, a porcentagem da arrecadação que precisa ser destinada ao ensino, a programas de alimentação etc. Tabela 03 – Transferências constitucionais para Estados e Municípios (em %). Discriminação Estados Fundo de Participação dos Estados Fundo de Participação dos Municípios Fundo de Financiamento do Norte, Nordeste e Centro-Oeste Municípios Fundos Regionais 21,5 22,5 3,0 Fonte: Constituição Federal 1988 Além das vinculações, observa-se a presença de itens de difícil compressão, como é o caso das despesas com pessoal (cuja estabilidade é garantida pela Constituição) e dos gastos com a previdência, que o governo não tem como controlar, uma vez que a lei garante o direito à aposentadoria, aos reajustes, e assim por diante. O governo vem, nos últimos anos, conseguindo reduzir essa rigidez, embora ainda esteja longe de alcançar uma flexibilidade razoável. Inicialmente, o governo aprovou no Congresso o Fundo Social de Emergência (FSE), que vigorou no período 1994-1995, posteriormente transformado em Fundo de Estabilização Fiscal (FEF) (1996-1999) e, no início do ano 2000, aprovou a Desvinculação das Receitas da União (DRU), segundo a qual o Executivo pode usar livremente até 20% das receitas da União. 89 6.7. Arrecadação Tributária Antes de se passar à análise da política tributária no Brasil, convêm discutir algumas divisões importantes dos impostos. A primeira delas refere-se à forma de incidência, a partir da qual os impostos podem ser diretos ou indiretos. Assim, observamos que a arrecadação pode dar-se por dois tipos principais de impostos: impostos diretos e impostos indiretos. Os impostos diretos são aqueles que incidem diretamente sobre o agente pagador, isto é recolhedor do imposto. Os principais impostos deste tipo são os impostos sobre a renda e os impostos sobre a riqueza (propriedade). Como exemplo o Imposto de Renda (IR), o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), o Imposto sobre a Propriedade Territorial e Urbana (IPTU) e o Imposto sobre a Propriedade Rural (ITR). Os impostos indiretos são aqueles que afetam a renda dos indivíduos através do preço das mercadorias, isto é, estão “embutidos” na produção, vendas e consumo de mercadorias, incluindo-se aí o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Finsocial), o Programa de Integração Social (PIS) etc. O empresário embute o valor do imposto no preço da mercadoria, sendo este pago pelo consumidor, com o que diminui sua renda. Percebe-se que a principal variável a determinar o volume de arrecadação é o nível de renda e do produto da economia. Desta forma, conforme aumenta a renda dos indivíduos e a riqueza da sociedade, aumenta a arrecadação de impostos diretos, por outro lado, na medida em que aumenta o produto, a circulação de mercadorias, aumentam os impostos indiretos. Outra divisão importante, ainda em termos de base de incidência, refere-se aos impostos sobre valor adicionado e aos impostos em “cascata”. Os primeiros (entre os quais se incluem o IPI e o ICMS) são impostos cuja base de incidência é o valor adicionado, isto é, o que cada etapa agrega ao valor do produto. Assim, quando uma empresa compra matéria-prima e paga o ICMS, esse valor será utilizado como um crédito para ser abatido do ICMS que a empresa terá que recolher sobre o faturamento relativo a venda de seu produto (a diferença do imposto representará a incidência sobre o valor adicionado). Por outro lado, existem os chamados impostos em “cascata”, que incidem sobre o faturamento (e não sobre o valor adicionado) não existindo, portanto, o crédito. É o caso da Cofins e PIS, com um percentual sobre o faturamento, e da CPMF com percentual sobre a movimentação bancária7. Se, de um lado, os impostos em “cascata” apresentam facilidade de arrecadação, de outro, retiram competitividade da Produção nacional. Como se sabe, os países não exportam impostos, dado que os mesmos são retirados na exportação; no Brasil, a exportação perde competitividade, porque não há como retirar todos os impostos em “cascata” das vendas externas, até mesmo pela impossibilidade de sua quantificação. A produção interna também é penalizada na concorrência com o produto importado, que chega ao Brasil totalmente livre de impostos, ocorrendo a incidência dos impostos em “cascata” apenas na última etapa de comercialização (venda 7 COFINS= _____ %; PIS = _____% e CPMF =______% 90 ao consumidor), ao contrário da produção interna, que é penalizada em todas as etapas do processo produtivo. Além dessas divisões, de acordo com seu impacto sobre a renda das pessoas, os impostos podem ser considerados progressivos, regressivos ou proporcionais. Os impostos são considerados progressivos quando as pessoas de maior nível de renda pagam proporcionalmente mais impostos, como é o caso do Imposto de Renda, que cresce proporcionalmente mais que o nível de renda do indivíduo. Os impostos regressivos, ao contrário, são aqueles em que as classes de menor poder aquisitivo pagam proporcionalmente mais. Geralmente, os impostos indiretos apresentam essa característica de regressividade, dado que, como a alíquota é a mesma (IPI, por exemplo), o montante de imposto por produto consumido será o mesmo, proporcionalmente maior para as classes de menor nível de renda. Um exemplo ajuda a esclarecer: um indivíduo A de renda mensal de R$ 400, 00, ao comprar um refrigerante, paga o mesmo valor de imposto (“embutido” no preço) que o indivíduo B de renda mensal de R$ 10.000,00 para adquirir o mesmo refrigerante. Embora poder-se-ia argumentar que o indivíduo B tende a comprar mais refrigerantes que o indivíduo A, o que é verdadeiro. Vale lembrar que o consumo não cresce na mesma proporção da renda. Já a CPMF, cuja alíquota é igual para todos, embora possa ser considerada uma contribuição proporcional, deixa de atender a uma característica importante do sistema tributário, que é o de promover uma melhor distribuição de renda. 6.7.1. O Sistema Tributário Brasileiro Muitos analistas olham o sistema tributário apenas como uma forma de gerar a arrecadação pretendida pelo governo, entendendo que quanto mais eficiente em termos de arrecadação, melhor será o sistema adotado. Essa é uma visão extremamente limitada do papel de um sistema tributário, dado que, embora a arrecadação seja um de seus objetivos, o sistema tributário tem que ser visto como um importante instrumento de desenvolvimento econômico e de redistribuição de renda. No que se refere à questão distributiva, verifica-se que a estrutura tributária brasileira é fortemente regressiva, em função da predominância de impostos indiretos, ao contrário do que ocorre em outros países do mundo. Como se pode observar na Tabela 4, enquanto no Brasil o Imposto de Renda responde por 15,7% dá receita tributária total, nos países industrializados essa participação é de 33,0%. O inverso verifica-se em relação a impostos indiretos: 62,4% no Brasil contra 27,5% nos países industrializados. A distorção verificada no Brasil é típica de países onde a capacidade de arrecadação é fragilizada, fazendo com que o sistema se torne “carregado” em impostos indiretos, que não são declaratórios (como é o Imposto de Renda, por exemplo) e, portanto, de mais fácil controle. Somente países com fiscalização mais rígida conseguem extrair do contribuinte uma porcentagem maior de arrecadação via impostos declaratórios. Outra distorção do sistema tributário brasileiro refere-se a sua limitação como instrumento de desenvolvimento econômico, limitação essa reforçada com o advento do Plano Real. Vale lembrar que o atual sistema tributário foi “desenhado” em 1968, período no qual o Brasil era um país extremamente fechado ao resto do mundo. Em mercados altamente protegidos, a ineficiência do sistema tributário é transferida para o consumidor sob a forma de aumento de preços. Numa economia mais aberta ao mundo, o quadro é diferente, uma vez que a incidência de impostos em “cascata” (PIS, Cofins, CPMF) tira a 91 competitividade da produção nacional, tanto na exportação como na concorrência com o produto importado, como já se viu. Além disso, os impostos em “cascata” acabam sobretaxando os bens de capital, à medida que não é possível isentar tais produtos na cadeia produtiva de máquinas e equipamentos. E mais, a complexidade do sistema impõe custos para as empresas que precisam dispor de estrutura adequada para atender a todas as necessidades impostas pela legislação fiscal. Essa mesma complexidade, por sua vez, aliada à excessiva concentração da base de incidência, acaba por se constituir em importante “estímulo” à sonegação. Tabela 4 – Comparativo de indicadores tributários, por grupos de países (em % da receita tributária total). Países América Latina Brasil em 2003* Discriminação Industrializados Imposto Direto 35,0 17,5 18,4 Imposto de Renda Pessoal 27,0 5,0 6,5 Imposto de Renda Empresas 6,0 10,0 8,8 Imposto Sobre a Propriedade 2,0 2,5 3,1 Impostos Indiretos 27,7 45,5 56,3 Sobre as Vendas 17,0 13,5 54,8 Seletivo 9,0 17,0 Sobre Importações e Exportações 1,5 15,0 1,5 Outras Receitas 6,8 17,5 5,3 Seguridade Social 30,5 19,5 20,0 Total das Receitas 100,0 100,0 100,0 Fonte: Banco Mundial (*) Estimativa do Autor 6.7.2. Evolução da carga tributária no Brasil A carga tributária no Brasil tem evoluído muito nos últimos anos. Ao longo dos anos 70 e 80, a carga tributária brasileira oscilou entre 23% e 26% do PIB, hoje supera os 34% do PIB. Já nos anos 90, duas questões chamam a atenção. A primeira é o forte aumento de carga tributária provocado pelo Plano Collor, a qual atingiu 29,6% do PIB. A segunda é a forte escalada tributária observada após a implantação do Real: as cargas tributárias, que em 1993 representava 25,9% do PIB, passou a mais de 30% no final da década e hoje supera os 35% do Produto. É importante lembrar que a forma como são estruturados os sistemas tributários de um país, este determina o impacto dos impostos tanto sobre o nível de renda como sobre a organização econômica. A estruturação de um sistema tributário envolve diversos aspectos. O primeiro, como já dissemos, é o de gerar os recursos necessários para financiar os gastos públicos. Um segundo aspecto é o de afetar a distribuição de renda, definir quem na sociedade deve e quem não deve pagar os impostos. Quanto a este aspeto, podemos classificar os sistemas tributários em progressivo, regressivo ou neutro. Um sistema tributário é dito progressivo quando a participação dos impostos na renda dos indivíduos aumenta conforme a renda aumenta, isto é, paga mais (em termos relativos) quem ganha mais. Um sistema é regressivo quando a participação dos impostos na renda dos agentes diminui conforme a renda aumenta (paga mais quem ganha menos). E é neutro quando a participação dos impostos na renda dos indivíduos é a mesma 92 independente do nível de renda. Se o objetivo do governo for diminuir a concentração de renda, ele deve, por exemplo, arrecadar os impostos junto aos ricos para financiar gastos para os pobres. Um terceiro aspecto é a eficiência econômica e o estímulo ao desenvolvimento. Neste sentido, o sistema tributário deve criar o mínimo de distorções possíveis em termos de preços relativos para que estes possam sinalizar as preferências sociais e os custos de produção das mercadorias e também evitar desincentivos ao investimento. Por outro lado, quando falamos em desenvolvimento, o sistema tributário deve ser flexível para facilitar o cumprimento de metas socialmente desejáveis. Neste sentido, a introdução de algumas distorções em termos de preço justifica-se. Por exemplo, se a sociedade julga que o consumo de cigarro e bebidas alcoólicas deve ser penalizado em favor do consumo de leite e de alimentos, o governo pode sobretaxar, aumentar as alíquotas de tributação sobre os primeiros de modo a encarecê-los, fazendo com que o preço ao consumidor deixe de refletir o custo de produção dos mesmos, de modo a desincentivar o consumo, enquanto concede isenção tributária, ou mesmo concede um subsídio para os últimos de modo a estimular a produção e o consumo. O subsídio funciona como um imposto negativo, pois enquanto o imposto aumenta o preço da mercadoria, o subsídio tem por objetivo rebaixá-lo. Outro aspecto é que o subsídio pode ser dado diretamente ao consumidor: este pagaria o custo de produção do bem, mas receberia um reembolso; ou pode ser passado ao produtor; este vende o produto por um preço abaixo do custo e o governo cobre a diferença. Estes instrumentos também podem ser utilizados quando se quer, por exemplo, estimular o nascimento de um novo setor industrial no país, mas que no início não tenha condições de concorrer de forma competitiva com os produtos internacionais; ou quando se quer estimular as exportações, dificultar as importações, e assim por diante. Ou seja, uma característica desejável do sistema tributário é sua maleabilidade para possibilitar que objetivos nacionais sejam atingidos. Porém, este procedimento necessita de um certo cuidado, na maleabilidade, corre-se o risco de cair na discricionariedade e tomar as decisões econômicas extremamente politizadas com o perigo de sacrificar-se a eficiência em favor de um sistema cartorial. Assim, alguns limites devem ser impostos à utilização do sistema tributário como instrumento de política industrial. Uma das questões mais controvertidas na discussão sobre tributação é quanto à carga tributária do sistema tributário nacional. Sem entrar no mérito desta discussão, mas procurando contribuir com o assunto apresentamos o levantamento da carga tributária global em relação ao PIB 1947/2001 feito por José Roberto Rodrigues Afonso e outros. Este levantamento mostra que ao longo do tempo a carga tributária no Brasil vem crescendo. Era em torno de 14% logo após a II grande guerra, chega a 19% em meados da década de 60, passa para o patamar de 25% na década de 70 e chegando ao redor dos 35% nos dias de hoje (Veja Tabela 05). Tabela 05 – Brasil: Carga Tributária Global – 1970/2004. (em % do PIB) ANO CARGA 1970 25,9 1980 24,5 1990 29,6 1995 28,0 2000 32,3 2004 35,0 Fonte: Alonso J.R. In Revista do BNDES V.5, Junho de 1998, demais anos – IBGE –Internet. 93 O sistema tributário sempre foi bastante utilizado no Brasil para estimular setores econômicos específicos. A partir da reforma tributária de 1964/66, instituiu-se o mecanismo do incentivo fiscal a uma série de setores econômicos para que estes pudessem desenvolver-se. Dentre eles destacam-se os incentivos para o mercado de capitais, os incentivos à pesca, turismo, reflorestamento, entre outros. Além desses, contamos no país com uma série de incentivos de tipo regional com vistas ao desenvolvimento, para estimular o investimento, em determinadas regiões, como, por exemplo, o Nordeste, o Norte e o Espírito Santo entre outros. Além do objetivo de facilitar a transformação da estrutura econômica e de adaptá-la aos objetivos sociais, esta flexibilidade é importante no sentido de tornar o sistema tributário adaptável à conjuntura econômica. Quando a economia entrar em recessão, é importante que o sistema tributário não tenda a acentuá-la e quando a economia entrar num processo de crescimento acelerado que possa sacrificar a estabilidade, o sistema tributário deve poder conter este processo de crescimento desajustado. Ou seja, ele deve atuar, muitas vezes, de forma anticiclica. O atual sistema tributário brasileiro é bastante complexo, tanto pelo grande número de impostos, que incidem sobre os mais diversos fatos geradores - ato econômico que gera o pagamento do imposto - como pela estrutura: diversas isenções, alíquotas diferenciadas, relacionamento entre as diferentes esferas de governo - União, Estados e Municípios. Daí, a existência do projeto de reforma fiscal que há anos transita no congresso nacional. Outro ponto de destaque é o crescimento das transferências intergovernamentais pós constituinte, em que se adotou uma estratégia de maior descentralização da receita. Tabela 06 – Brasil: Carga Tributária por Nível de Governo 1990/2004 RECEITA TRIBUTÁRIA ARRECADADA ANO Federal Estadual Municipal Previdência 1990 12,8 8,0 0,9 8,0 1995 13,1 8,1 1,4 5,9 2000 14,8 8,4 1,4 7,1 2003 16,4 8,6 1,6 7,4 2004 Total 29,6 28,4 31,6 34,0 35,91 Fonte: IPEA DATA – Internet Percebe-se assim, que a estrutura tributária brasileira é bastante centralizada com a União arrecadando a maior parte dos impostos e tendo poder absoluto para deliberar sobre matéria tributária. Para evitar o estrangulamento de estados e municípios nesta estrutura, foram criados os fundos de participação dos Estados (FPE) e o fundo de participação dos municípios (FPM) que são constituídos por parcela dos impostos arrecadados pelo IPI, IR e mais o ICM (no caso do FPM), cujos recursos são repassados a Estados e municípios de acordo com critérios que envolvem: extensão territorial e tamanho da população, inverso da renda per capita, entre outros. Um último ponto que merece destaque no sistema tributário brasileiro é o alto peso dos impostos indiretos. Esta característica introduz uma regressividade no sistema, uma vez que, por estar embutido no preço das mercadorias, dois indivíduos que consomem o mesmo tipo de bem pagarão o mesmo valor de imposto independente de seus níveis de renda; para o de maior renda, o imposto terá menor participação do que para o de menor renda. 94 Nota-se, também, a alta participação das chamadas outras receitas governamentais, que correspondem às contribuições sociais para previdência, etc. Mas observa-se, por outro lado, que a receita líquida destes itens vem diminuindo pelo crescimento das transferências. 6.8. Déficit público e dívida pública Um último ponto a ser discutido sobre Política Fiscal é o que se refere ao déficit público e sua conseqüência, a dívida pública. Para avaliarmos o estímulo do governo à atividade econômica em termos de complementação da demanda privada, interessa medirmos o tamanho do déficit público. Quando este é menor que zero, ou seja, quando ocorre superávit, o governo está fazendo uma política fiscal contracionista, isto é, restringindo a demanda agregada. Se este for maior que zero, o governo estará contribuindo para aumentar a demanda, ou seja, realizando uma política fiscal expansionista. Caso o governo incorra em um déficit, o gasto que supera a recita deverá ser financiado de alguma forma, ou seja, deverá obter recursos adicionais para cobri-lo. As duas principais alternativas são: (I) venda de títulos públicos ao setor privado ou (II) venda de títulos públicos ao Banco Central – BACEN. As duas alternativas levam ao endividamento do Tesouro Nacional, órgão responsável pela execução orçamentária, isto é, pela arrecadação e pelo gasto. A diferença entre elas é que na primeira é via transferência da poupança do setor privado para o setor público que implica expansão monetária, enquanto na segunda a aquisição de títulos públicos pelo BACEN é feita através da emissão de moeda. Antes de continuar a análise é importante entender o conceito de déficit público. 6.8.1. Conceitos de Déficit Público A diferença entre a arrecadação tributária e o gasto do governo leva a um dos conceitos mais discutidos na economia brasileira nos últimos anos, que é o déficit público. Existem vários conceitos de déficit, incluindo as contas da União, Estados, Municípios, Previdência Social e empresas estatais. O conceito mais abrangente refere-se ao déficit total ou nominal do setor público, que é o conceito mais utilizado no mundo, mas não no Brasil. Esse conceito refere-se à diferença entre o total arrecadado e o total de gastos públicos, diferença essa calculada como porcentagem do PIB. À medida que inclui as despesas com correção monetária e cambial das dívidas públicas(interna e externa), sua utilização fica prejudicada em países que apresentam elevada taxa de inflação, alta variação dessa mesma taxa de inflação ou ainda flutuações acentuadas na taxa de câmbio, uma vez que as despesas com correção monetária e cambial flutuam significativamente nessas condições. Em períodos de inflação alta, os gastos com correção monetária (e cambial) acabam sendo extremamente elevados, mesmo que a dívida, em termos reais, não esteja aumentando, uma vez que o gasto com correção monetária refere-se à atualização da dívida e não a um crescimento real da mesma. O principal argumento dos que defendem a não-utilização desse conceito é o de que essa despesa só ocorre por causa da inflação, isto é, se a inflação fosse zero não haveria pagamento de correção monetária. Além disso, o déficit nominal acaba não sendo uma informação homogênea ao longo do tempo, se ocorrem diferentes taxas de inflação 95 no país. A primeira coluna da Tabela 07 mostra essa volatilidade do déficit nominal, mesmo na década de 90, com valores muito altos no período anterior ao Real, quando a inflação era muito mais elevada. Para evitar as distorções causadas pela inflação, é comum utilizar outro conceito, que é o déficit operacional do setor público. Nesse caso, do lado da despesa são excluídos os gastos com correção cambial e monetária das dívidas interna e externa. Obviamente, quando a inflação é zero, ambos se equivalem. Esse conceito foi utilizado no acordo que o Brasil assinou com o Fundo Monetário Internacional (FMI) em 1982, e sua grande vantagem reside no fato de ser um indicador homogêneo ao longo do tempo. O terceiro conceito é o de déficit primário, o qual exclui, além dos pagamentos relativos à correção, as despesas com juros reais das dívidas interna e externa, refletindo, na prática, a situação das contas públicas, caso o governo não tivesse dívida. Esse conceito foi utilizado no acordo do Brasil com o FMI em 1998-1999 (e não o déficit operacional) para que o governo brasileiro tivesse liberdade na condução da taxa de juros que, naquele momento, era uma variável estratégica na condução da política econômica. Se o acordo fixasse metas para o déficit operacional, estaria colocando uma “camisa de força” na política de juros, cujas incertezas do mercado não permitiam definir claramente a trajetória dos juros por ocasião do acordo. Outro conceito utilizado, mas não relevante, é o déficit de caixa, que se refere aos resultados do Tesouro Nacional, no conceito de caixa (ao contrário dos demais, cujo conceito é de competência). Além de se referir apenas ao Tesouro Nacional, esse conceito é limitado porque é passível de controles temporais, por meio, por exemplo, do retardamento das liberações de recursos. Essa prática foi, inclusive, utilizada no Governo Sarney, com a mudança do dia de pagamento de parte do funcionalismo público (do final do mês para o início do mês seguinte). Tabela 07 – Brasil: Indicadores do déficit (+) ou Superávit (–) público. Déficit ou Superávit Déficit ou Superávit Déficit ou Superávit Anos Nominal Operacional Primário 1990 29,6 -1,3 -4,6 1995 7,2 4,9 -0,4 2000 4,4 1,2 -3,5 2005 3,1 2,5 -4,8 Fonte: Conjuntura Econômica Vol.60 Nº 04 É importante destacar ainda, a diferença que existe entre déficit público (qualquer que seja seu conceito) e, as necessidades de financiamento do setor público. Além dos recursos para cobrir o déficit público, o governo pode necessitar de recursos por dois outros fatores, os quais não representam déficit público. O primeiro refere-se às operações do setor externo, que, quando superavitárias, pressionam o governo a buscar recursos, em reais, para a “contrapartida” dos dólares que entrarem em excesso no país. O segundo refere-se a eventuais saldos negativos das operações de crédito do setor público, uma vez que o governo efetua empréstimos ao setor privado (agricultura, exportação, entre outros) e, quando o fluxo é negativo (empréstimos maiores que amortizações), o governo necessita de recursos que, na realidade, não representam déficit público. 96 6.8.2. Financiamento do Déficit Público O governo pode financiar o déficit público por meio da emissão de moeda ou via colocação de títulos públicos junto ao setor privado. Não há uma regra definida para dizer qual é a mais apropriada, uma vez que depende das condições em que a economia se encontra. Na realidade ambas apresentam vantagens e desvantagens. O financiamento do déficit por meio da emissão monetária traz a vantagem de não gerar déficits futuros e não ter que elevar as taxas de juros, mas tem a grande desvantagem de gerar pressões inflacionárias, se o governo emitir mais moeda do que a sociedade está desejando, a um determinado nível de preços. Se a demanda da sociedade por moeda está crescendo o governo pode atender a esse aumento de demanda por meio da emissão de moeda, sem gerar pressões inflacionárias. Por outro lado, ao financiar o déficit público com colocação de títulos junto ao setor privado, o governo evita as pressões inflacionárias do excesso de moeda, mas aumenta a dívida interna (o que pressionará o próprio déficit no futuro) e também as taxas de juros (para viabilizar a colocação de seus papéis). A forma de financiamento gera uma discussão importante sobre os problemas que um déficit público exagerado pode trazer à economia. Se o financiamento é feito exclusivamente com emissão de moeda, o excesso de moeda pode levar o país à hiperinflação, como ocorreu na Hungria, na Alemanha no Pós-Guerra, e mais recentemente, na Argentina no final da década de 80. Em todos os casos, verificou-se elevado déficit público acompanhado de forte emissão monetária. Por outro lado, o financiamento por meio de títulos públicos, embora evite a emissão monetária no curto prazo, também é um instrumento limitado, porque não é possível crescer indefinidamente a dívida pública. Por fim, o endividamento público traz uma nova categoria de gastos que é a rolagem e o pagamento dos serviços desta dívida. Os juros sobre a dívida entram na categoria gastos com transferências. Assim, quanto maior for o estoque da dívida, maior será o gasto com juros. A evolução do endividamento interno nos anos recentes encontrase na tabelas 09. É do conhecimento geral, que por várias razões históricas, o Estado assumiu, em vários países de industrialização tardia ou subdesenvolvidos, uma função central na promoção do desenvolvimento econômico. Esta intervenção se deu na forma da criação de empresas estatais que ocuparam setores estratégicos ao desenvolvimento que não poderiam, em determinado contexto, ser ocupado pelo setor privado, quer nacional pela inexistência de recursos em volume suficientes, quer internacional por desinteresse deste ou motivos de segurança nacional. Além disso, em grande parte dos países, o Estado criou uma série de autarquias e agências desenvolvimentistas para promover setores específicos, bem como sistemas financeiros para gerar o aporte de recursos necessários ao desenvolvimento. Ou seja, o Estado nestes países assumiu uma função estruturante do desenvolvimento que não fazia parte das suas funções clássicas, uma vez que o desenvolvimento era visto como uma conseqüência da atuação do mercado. 97 Tabela 08 – Brasil: Evolução da Dívida Pública a partir de 1993: (em % do PIB). Dívida Federal Dívida/Estados Empresas Ano* Dívida Total e Banco Central e Municípios Estatais 1990 42,3 15,7 8,0 18,7 1995 30,8 13,4 10,7 6,7 2000 49,4 31,0 16,30 2,2 2002 55,5 35,3 18,5 1,7 2005 50,1 33,6 17,8 0,0 Fonte: Banco Central do Brasil (*) Valores em Dezembro de cada ano O caso brasileiro não foi diferente. Para viabilizar o processo de industrialização, o Estado assumiu a incumbência pelo desenvolvimento do setor de bens intermediários e pela geração da infra-estrutura. Assim, observou-se ao longo do processo de desenvolvimento nacional, a constituição de um setor produtivo estatal, que ocupava os espaços que não estavam ao alcance do setor privado. Foi assim, com o desenvolvimento do setor siderúrgico, da exploração de petróleo, o desenvolvimento do setor petroquímico, entre outros. Com isso, percebemos que o conceito de governo como administração direta é muito restrito para avaliar o papel do Estado na economia bem como para medir o déficit público, uma vez que grande parte das receitas e dos gastos se dão à margem da administração direta. 6.9. Riscos da Dívida Elevada Para financiar o déficit público com colocação de títulos, é preciso que o setor privado tenha recursos para adquirir tais títulos e, além disso, tenha confiança que o governo honrará os compromissos, por ocasião do vencimento desses mesmos títulos. Se o déficit é muito elevado, o montante de títulos necessariamente será grande e as taxas de juros elevadas para atrair os recursos do setor privado, implicando num necessário crescimento da dívida. Se a dívida pública (como porcentagem do PIB) crescer por um período mais longo, a sociedade pode não estar disposta a continuar comprando títulos do governo, ou porque não dispõem mais de recursos ou porque acredita que o governo não terá condições de honrar os crescentes compromissos financeiros advindos do serviço da dívida. Se a situação chegar a esse ponto, o governo tem duas alternativas: a primeira é recorrer à emissão de moeda, levando a um processo inflacionário e “impondo” uma queda real no valor dos títulos do governo e, portanto, na dívida interna, também em termos reais. Dependendo da magnitude da emissão e da reação dos Proprietários de títulos (que podem tentar vendê-los rapidamente), o país pode ser conduzido à hiperinflação. Outra alternativa é o governo decretar um alongamento compulsório da dívida, como fez o Governo Collor no Brasil em 1990, e como havia feito a Argentina em 1989, com o chamado Plano Bonex8. 8 Enquanto, no Brasil, o Governo Collor bloqueou os ativos financeiros (tanto públicos como privados) por 18 meses, na Argentina, o Plano Bonex promoveu um alongamento compulsório da dívida interna, transferindo o vencimento de títulos e aplicações superiores a sete dias, para 10 e 16 anos. 98 No Brasil, desde a implantação do Plano Real, verificou-se um crescimento expressivo da dívida interna. A dívida, que representava 29% do PIB em 1994, superou a casa dos 50% no início de 1999 e ultrapassando os 60% em 2002 (outubro), levando à crescente especulação sobre a possibilidade de um “calote”, o que elevou a cotação do dólar para cima dos R$ 2,00, em fevereiro de 1999 chegando a beirar os R$ 4,00 no final de 2002. Isso ocorre porque, diante da sensação de alongamento compulsório da dívida, os proprietários do capital financeiro procuram refugiar-se em ativos atrelados ao dólar, (o próprio dólar ou títulos externos) pressionando o mercado de câmbio. Esse quadro explica porque o acordo com o FMI deu total relevância ao ajuste fiscal e à estabilização da relação dívida pública/PIB. 99